Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
A Corte Internacional de Justiça e o conflito do Saara ocidental: Respaldo jurídico e autodeterminação
Adriano Alberto Smolarek; João Irineu de Resende Miranda
Adriano Alberto Smolarek; João Irineu de Resende Miranda
A Corte Internacional de Justiça e o conflito do Saara ocidental: Respaldo jurídico e autodeterminação
La Corte Internacional de Justicia y el conflicto del Sahara Occidental: respaldo jurídico y autodeterminación
The International Court of Justice and the conflict in the Western Sahara: legal backing and self-determination
La Cour internationale de Justice et le conflit du Sahara occidental : légitimation juridique et autodétermination
国际法院与西撒哈拉冲突:法律支持和民族自决
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 3, pp. 341-358, 2020
Universidade Federal Fluminense
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar a implicação da Opinião Consultiva emitida pela Corte Internacional de Justiça no processo de descolonização e autodeterminação do Saara Ocidental. Para alcançar este objetivo, tece-se uma exposição sobre o panorama conjuntural do conflito existente no Saara Ocidental desde seu início até o ano de 1975, em que foi publicada a referida Opinião. São discutidas neste primeiro momento, a origem histórica do povo saaraui, a sua vinculação territorial, a colonificação pela Espanha até o surgimento do ideal de descolonização do continente africano. Trata-se também do surgimento do anseio anexionista da parte do Reino Marroquino e da Mauritânia e o posterior Acordo de Madrid. Ao fim, quando a conjuntura culminou na necessidade da entrega da questão à Corte Internacional de Justiça, analisa-se o parecer da referida opinião consultiva, ressaltando os pontos relevantes, que respaldam e embasam a manutenção da luta saaraui pela autodeterminação desde a sua publicação. A análise se utiliza tanto da literatura historiográfica quanto da doutrina internacionalista para abordar o tema proposto. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, com método de abordagem indutivo, demonstrando a problemática inerente ao caso da descolonização e autodeterminação do Saara Ocidental desde seu início até a emissão da Opinião Consultiva que atribuiu respaldo jurídico internacional – motriz -, na forma de legitimação para a insurgência com legítimos fins, não findado até o presente momento.

Palavras-chave:Saara OcidentalSaara Ocidental,MarrocosMarrocos,descolonizaçãodescolonização,autodeterminação dos povosautodeterminação dos povos,Corte Internacional de JustiçaCorte Internacional de Justiça.

Resumen: El presente artículo busca demostrar la implicación de la opinión consultiva emitida por la Corte Internacional de Justicia en el proceso de descolonización y autodeterminación del Sahara Occidental. Se teje una exposición sobre el panorama coyuntural del conflicto existente en el Sahara Occidental desde su comienzo hasta 1975, año en el que fue publicada la mencionada opinión. Se discuten, en este primer momento, el origen histórico del pueblo saharaui, su vinculación territorial y la colonización por parte de España hasta el surgimiento del ideal de descolonización del continente africano. Además, se aborda el surgimiento del deseo anexionista por parte del Reino de Marruecos y de Mauritania, y el posterior Acuerdo de Madrid. Por último, cuando la coyuntura culminó en la necesidad de la entrega de la cuestión a la Corte Internacional de Justicia, se analiza el parecer de la opinión consultiva y se destacan los aspectos relevantes, que respaldan y sustentan el mantenimiento de la lucha saharaui por la autodeterminación desde su publicación. El análisis se nutre tanto de la literatura historiográfica como de la doctrina internacionalista para abordar el tema. Se llevó a cabo una investigación bibliográfica y documental, desde una óptica inductiva, que demostró la problemática inherente al caso de la descolonización y la autodeterminación del Sahara Occidental desde su inicio hasta la emisión de la opinión consultiva que supuso un apoyo jurídico internacional —motriz— en forma de legitimación para la insurgencia.

Palabras clave: Sahara Occidental, Marruecos, descolonización, autodeterminación de los pueblos, Corte Internacional de Justicia.

Abstract: The present article aims to demonstrate the role of the Advisory Opinion issued by the International Court of Justice in the Western Sahara’s process of decolonization and self-determination, tracing the current situation of the existing conflict in the Western Sahara from its outset to the Opinion’s publishing in 1975. The article first examines the historical origins of the Sahrawi people, their connection to the territory, and colonization by Spain up to the emergence of the ideal of decolonization for the African Continent. It also considers the emergence of an Annexationist anxiety on the part of the Kingdom of Morocco and that of Mauritania and the later Madrid Agreement. Finally, when the situation culminated in the need to submit the question to the International Court of Justice, an analysis is provided on the contents of the Advisory Opinion, highlighting the relevant points, which have supported and substantiated the maintaining of the Sahrawi struggle for self-determination since its publication. The analysis approaching the subject is derived from both historiographical literature and internationalist doctrine. A bibliographical and documentary study was performed using the inductive method of approach in order to demonstrate the problem inherent to the Western Sahara’s decolonization and self-determination from its outset to the issue of the Advisory Opinion, lending international legal backing and effectively legitimizing the insurgency.

Keywords: Western Sahara, Morocco, decolonization, peoples’ self-determination, International Court of Justice.

Résumé: Le présent article vise à démontrer l’implication de l’Avis consultatif émis par la Cour internationale de Justice dans le processus de décolonisation et d’autodétermination du Sahara occidental. Nous ébaucherons ici un panorama conjoncturel du conflit du Sahara occidental depuis ses débuts jusqu’à l’année 1975, lorsque fut publié l’Avis en question. Nous discuterons dans un premier temps de l’origine historique du peuple sahraoui, de son lien avec le territoire, de la colonisation par l’Espagne et de l’avènement de l’idéal de décolonisation sur le continent africain. Nous aborderons également la naissance des visées annexionnistes du Royaume du Maroc et de la Mauritanie, ainsi que l’Accord de Madrid qui s’ensuivit. Puis la conjoncture culminera par la nécessité de l’analyse de la question par la Cour internationale de Justice, ce qui nous amènera à analyser l’Avis consultatif qui en découlera, dont nous soulignerons les points pertinents, qui soutiendront et fonderont la continuation du combat sahraoui pour l’autodétermination depuis le jour de sa publication. Notre analyse fera aussi bien usage de la littérature historiographique que de la doctrine internationaliste pour aborder la question. Nous avons mené une recherche bibliographique et documentaire en nous basant sur une approche inductive visant à analyser la problématique inhérente au cas de la décolonisation et de l’autodétermination du Sahara occidental depuis ses débuts jusqu’à la publication de l’Avis consultatif qui apportera une légitimation juridique internationale – et servira de moteur – à l’insurrection.

Mots clés: Sahara occidental, Maroc, décolonisation, autodétermination des peuples, Cour internationale de Justice.

摘要: 本文旨在证明国际法院发表的咨询意见对西撒哈拉去殖民化和民族自决运动的影响。作者首先回顾了西撒哈拉冲突开始到1975年的局势,然后分析了1975年国际法院发表了咨询意见后的形势。本文讨论了撒哈拉维人的历史渊源、他们的领土联系、西班牙的殖民统治、非洲大陆去殖民化运动的出现。这过程中,也掺入了摩洛哥和毛里塔尼亚两国的吞并主义,以及随后的《马德里协定》出炉。最后,当该地区局势恶化最终导致各方需要将冲突问题提交国际法院。我们对国际法院发布的咨询意见进行分析,突出强调这些咨询意见支持撒哈拉维人为了争取民族自决而做的斗争。我们使用史学文献和国际法学理论研究国际法院的咨询意见,认为它们支持西撒哈拉人们的反抗,并且认可了他们的反抗运动的合法性。

關鍵詞: 西撒哈拉, 摩洛哥, 去殖民化与民族自决权, 国际法院.

Carátula del artículo

Artigos

A Corte Internacional de Justiça e o conflito do Saara ocidental: Respaldo jurídico e autodeterminação

La Corte Internacional de Justicia y el conflicto del Sahara Occidental: respaldo jurídico y autodeterminación

The International Court of Justice and the conflict in the Western Sahara: legal backing and self-determination

La Cour internationale de Justice et le conflit du Sahara occidental : légitimation juridique et autodétermination

国际法院与西撒哈拉冲突:法律支持和民族自决

Adriano Alberto Smolarek*
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
João Irineu de Resende Miranda**
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 3, pp. 341-358, 2020
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 04 Mayo 2020

Aprobación: 07 Julio 2020

Introdução

Este trabalho visa trazer ao conhecimento da comunidade científica, análise que versa sobre o conflito que se desenvolve no Saara Ocidental. Este contencioso já ultrapassou a quarta década de existência e de latência. Ainda assim, pouco ou quase nada se veicula na comunidade científica, jurídica ou internacionalista nacional sobre ele. O desinteresse forjado bloqueia a publicização e ciência da comunidade científica sobre as verdadeiras razões que enredam a temática, repleta de ilegalidades e episódios juridicamente lamentáveis. Não bastante, o Direito Internacional externaliza seu viés inefetivo na questão, vez que, a Organização das Nações Unidas (ONU) se ocupa através de uma missão de paz (MINURSO – Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental), implantada em 1991, qual não consegue cumprir com seu propósito maior, qual seja o logro de condições viáveis de autodeterminação do povo do Saara Ocidental através de um referendo de autodeterminação. Inexistem, ao menos, partindo da base negocial atualmente empreendida pela ONU, meios capazes de assegurar ou proporcionar condições favoráveis à autodeterminação daquele povo.

Neste sentido, o presente artigo objetiva demonstrar a implicação de uma Opinião Consultiva emitida pela Corte Internacional de Justiça no processo de descolonização e autodeterminação do Saara Ocidental.

Para a consecução deste objetivo se utilizará de pesquisa bibliográfica e documental, de viés exploratório, através do método indutivo. A partir deste método é possível analisar o conflito existente a partir de uma descolonização mal conduzida pelo Reino Espanhol entre 1960-1975, que obstou o exercício da autodeterminação do Saara Ocidental, que foi anexado “preventivamente” pelo Reino do Marrocos. Desde então, o povo saaraui, que se organiza politicamente, através de um movimento armado (Frente Polisario) e de uma instituição governamental (República Árabe Saaraui Democrática), busca auxílio político e jurídico para a manutenção da luta independentista. O respaldo jurídico mencionado tem por marco inicial histórico a Opinião Consultiva emitida pela Corte Internacional de Justiça que atribuiu legitimidade à luta por autodeterminação ao povo do Saara Ocidental, que embora conserve latência, ainda está longe de se materializar.

Deste modo, juntamente com o método indutivo elege-se a técnica de pesquisa da documentação indireta, tendo como fonte primária a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça, materializada na Opinião Consultiva sobre o Saara Ocidental emitida em outubro de 1975. Como marco teórico para a análise desta fonte primária utilizam-se os trabalhos de autores consagrados na historiografia nacional e internacional no conflito do Saara Ocidental e notáveis juristas da área do Direito Internacional.

Síntese da história política e os demarcadores jurídicos do Saara Ocidental

Dizer a respeito da formação do ethos do povo que habitava, desde a antiguidade, a região do atual Saara Ocidental é tarefa árdua. Sabe-se que sua origem é comum a dos povos berberes1 norte-africanos. Acredita-se que os primeiros proto-berberes tenham surgido no período neolítico, através da fusão de três culturas pré-históricas originárias da própria África e do Oriente: os ibero-maurusienses, os capsienses e os neolíticos (KORMIKIARI, 2001, p. 15). Eles multiplicaram-se por todo o Magreb2 experimentando ao longo dos tempos, em maior ou menor medida de acordo com a localização de sua tribo, a influência das culturas fenícia, grega, romana, vândala e árabe. Estes últimos, sabidamente, exerceram grande influência no norte do continente - chegando inclusive à Europa, através da península ibérica -, logrando, ao longo dos séculos, a islamização do povo berbere africano.

No entanto, o retrato colonizatório ocidental da África passou a ser esculpido, em seus primeiros traços, com a Conferência de Berlim, celebrada em 1885, que partilhou oficialmente todo o continente africano entre as potências colonialistas europeias que se encontravam ávidas por poder e dominação que justificasse a raison de ètat. Tal Conferência ignorou a composição étnico-cultural dos povos africanos e estabeleceu uma relação de domínio territorial dos colonificadores europeus aos colonificados africanos (NUZZO, 2012).

Nos termos da tratativa de Berlim, coube ao Reino da Espanha o domínio sobre o território do atual Saara Ocidental, entre outras regiões da África (NANJIRA, 2010, p. 194). Todavia, o esforço colonizatório empreendido pela Espanha havia começado em tempo anterior àquela Convenção: ao longo do ano de 1884, Emilio Bonelli, navegador membro da “Sociedad Española de Africanistas y Colonistas” foi até a Baía do Río de Oro, onde assinou tratados com os povos que habitavam a costa marítima do Saara Ocidental (McKENNA, 2010, p. 167). Em 26 de dezembro de 1884, um Decreto Real declarou a região, então denominada Rio de Oro – atual Saara Ocidental, sob sua proteção (MIGUEL, 1995, p. 171).

Estes tratados e mesmo o decreto real, posteriormente, constituíram os liames vinculativos do território saaraui à Espanha em relação à Convenção de Berlim. Após a divisão colonial da África, o território do então “Sáhara Español”, teve sua base física de influência delimitada através de uma série de tratados pactuados entre França e a Espanha – potências que se avizinhavam também no Magreb. Enquanto esta última exercia timidamente sua política externa em relação àquele continente, a França já mostrava seu desejo de expansão em terras africanas desde Napoleão Bonaparte (MIGUEL, 1995, p. 51).

O primeiro tratado concernente ao Saara Ocidental estabelecido entre as potências foi celebrado em Paris em novembro de 1886, delimitando as fronteiras meridionais e orientais daquele território (MIGUEL, 1995, p. 48). As demais fronteiras não foram definidas neste primeiro momento. Em uma segunda ocasião, no ano de 1890, em sua capital a França reconhece o domínio espanhol na África Ocidental, fato que serviu para consolidar a presença espanhola no continente, em resposta aos também colonos alemães e bretões, que possuíam interesse na região (MIGUEL, 1995, p. 48). O terceiro tratado foi firmado, igualmente na capital napoleônica em 03 de outubro de 1904, sendo que nessa ocasião delimitou-se, entre outras tratativas territoriais, a fronteira setentrional do Saara Espanhol. Posteriormente, a 27 de novembro de 1912, as duas potências consentiram em unificar o conteúdo dos três tratados anteriormente pactuados em um único documento qual batizou-se “Convenção de Madrid” (A COLONIZAÇÃO..., 2005). Ao fim e ao cabo, houve outra reunião para reafirmação e a exortação dos tratados das mesmas fronteiras, em período pós Segunda Guerra Mundial, na data de 19 de dezembro de 1956, em que pese o distanciamento político havido entre França e Espanha, durante o governo Franco (MIGUEL, 1995, p. 56).

Somente a partir da década de 30 é que a Espanha toma contato com o interior do território do Saara Espanhol. O ano de 1934 fica marcado pela ocupação da cidade de Smara. Em 1938, o capitão Antonio de Oro Pulido, chega a El Aaiún (atual capital do Saara Ocidental), primeiramente visando edificar um forte militar e, em segundo lugar, objetivando erigir uma cidade.

Tal incursão espanhola definitiva no território saaraui representou mudanças profundas na configuração social e nas relações econômicas daquele povo. A natureza nômade diminui progressivamente após a fundação das primeiras cidades (DELGADO, 1998).

Em 1941, o governo espanhol determina a realização de estudos sobre a existência de recursos naturais dos quais pudessem advir lucros econômicos. Assim, descobriu-se a mina de fosfato de Bou Craa, que é uma das maiores do mundo. A descoberta passa a nortear o desenvolvimento do Saara Espanhol (DELGADO, 1998).

Demarcados povo e território – objetos importantes para esta análise - abranda-se a concisão do prisma de análise no que concerne ao período de desenvolvimento da colônia do Saara Espanhol. Esta síntese histórica serve, tão somente, para pontuar os mecanismos ascensores do nacionalismo saaraui respaldados a posteriori pela Corte Internacional de Justiça. Tal respaldo constitui o alicerce legal para a existência – ainda que no plano fático - daquele país.

Resguardados, o desenvolvimento trazido pela descoberta espanhola de fosfato na mina de Bucraa, uma das maiores do mundo, cujo potencial estimado chega à cifra de 1 bilhão e 600 milhões de toneladas (KOGEL, 1994, p. 710); o boom econômico comercial experimentado em El Aaiún (SUZIN; DAUDÉN, 2011, p. 52) e; a sedentarização da população que era majoritariamente autóctone, em suma, modificou a sociedade do Saara Espanhol. Todavia, o fator desenvolvimentista trouxe também certa marginalização da população nativa ante aos muitos emigrados espanhóis, que lá recebiam maior valorização em relação ao desempenho de seu trabalho, que os saarauis.

No plano político regional, durante a década de 1950, ocorrem uma série de insurgências populacionais que buscaram a autodeterminação dos povos coloniais da África. São exemplos magrebinos: a Líbia, que tornou-se independente em 1951 (VANDERWALLE, 1998, p. 23), a Tunísia em 1956 (MOORE, 1965, p. 1), mesmo ano que o Marrocos.

Este último, após a independência, constituiu seu rei de acordo com o ideário do Partido Nacionalista Marroquino, cuja sigla é ISTIQLAL. Tal partido político foi criado em 1940 pelo escritor político marroquino Muhammad Allal al-Fassi (1910-1974) (ALLAL..., 2011), com o objetivo precípuo de libertar o Marrocos do colonizador francês. Al-Fassi insere a ideologia de unificação do Magreb, através da criação de um “estado” denominado “Grande Marrocos”. A unificação consiste na “tomada” de todas as regiões em que habite o povo berbere para a abrangência do reino marroquino. Miguel Martín (apud MIGUEL, 1995, p. 88-89) descorre “[...] el ‘Gran Marruecos’ comprendería todas las posesiones españolas del Norte de África (Ifni, la región de Villa Bens, todo el Sahara Español, Ceuta, Melilla y los islotes), toda Mauritania, y buena parte de Argelia y de Mali, llegando hasta el Río Senegal”.

A inflamação pelo logro da independência fez o Rei marroquino Hassan II assumir em 1961, em um discurso, a ideologia de estabelecimento do Grande Magreb Árabe, sob os auspícios marroquinos (MIGUEL, 1995, p. 122) e, não obstante, fazer constar do preâmbulo da constituição de 1962 que o Reino do Marrocos “constitui uma parte do Grande Magreb”3 (ROYAUME DU MARÓC, 1962), todas as posteriores constituições (leia-se 1970, 1972, 1992, 1996 e 2011), contaram com um lastro de alusão ao ideal da unificação do Grande Magreb Árabe Marroquino.

A constituição de 1996 trazia em seu preâmbulo menção relativa à ideia da unificação árabe do Magreb ao afirmar que “Le Royaume du Maroc, Etat musulman souverain, dont la langue officielle est l'arabe, constitue une partie du Grand Maghreb Arabe” 4(ROYAUME DU MARÓC, 1996).

A constituição marroquina promulgada em 2011, manteve elementos que compartilham da mesma linha de raciocínio em seu preâmbulo, como vemos:

Etat musulman souverain, attaché à son unité nationale et à son intégrité territoriale, le Royaume du Maroc entend préserver, dans sa plénitude et sa diversité,son identité nationale une et indivisible. Son unité, forgée par la convergence de ses composantes arabo-islamique, amazighe et saharo-hassanie, s'est nourrie et enrichie de ses affluents africain, andalou, hébraïque et méditerranéen.5

E segue:

Se fondant sur ces valeurs et ces principes immuables, et fort de sa ferme volonté de raffermir les liens de fraternité, de coopération, de solidarité et de partenariat constructif avec les autres Etats, et d'œuvrer pour le progrès commun, le Royaume du Maroc, Etat uni, totalement souverain, appartenant au Grand Maghreb, réaffirme ce qui suit et s'y engage:

- Œuvrer à la construction de l'Union du Maghreb, comme option stratégique;

- Approfondir le sens d'appartenance à la Oumma arabo-islamique, et renforcer les liens de fraternité et de solidarité avec ses peuples frères;

- Consolider les relations de coopération et de solidarité avec les peuples et les pays d'Afrique, notamment les pays du Sahel et du Sahara; […].6(ROYAUME DU MARÓC, 2011).

Em 1960 a Organização das Nações Unidas, em vista do insurgimento das colônias contra seus dominadores, aprovou a Declaração 1514 na XV Assembleia Geral daquela organização. Trata-se da Declaração sobre a Garantia de Independência dos Países e Povos Coloniais (ONU, 1960). Tal Declaração consagrou o direito de autodeterminação dos povos e considerou qualquer dominação estrangeira uma forma de negação de direitos humanos fundamentais, além de empecilho à paz e à cooperação mundial (GUERREIRO, 2012, p. 95).

A efervescência nacionalista africana, daquele período, forcejava contra os colonos europeus. Assomada esta, ao respaldo chancelado pela Resolução 1514 (XV) de 1960, tornou a situação algo complicada politicamente. Os colonificados queriam autodeterminar-se e constituir seu próprio país. Unida, então, em prol de sua independência em relação à Espanha, a população saaraui, inflamada pelo furor da conjuntura, funda em 1973 a Frente Popular para a Libertação de Saguia-el-Hamra e Río de Oro (parte setentrional e meridional do atual Saara Ocidental) conhecida como Frente Polisario (SANTAYANA, 1987, p. 18). Um grupo de ativistas organizados através de um estatuto constitutivo e de uma estrutura política apta a contar com personalidade jurídica, atuando em frentes políticas, militares e diplomáticas, difundida e reconhecida legitimidade pela população saaraui (SUZIN; DAUDÉN, 2011, p. 61).

A Frente Polisario atuava politicamente e desestabilizando a administração espanhola das mais diversas formas. Um exemplo pertinente de demonstração da adesão saaraui às ações políticas da Frente Polisario ocorreu quando a ONU enviou, entre 12 e 20 de maio de 1975, uma missão de observadores que foi surpreendida por uma multidão saaraui, empunhando milhares de bandeiras da Frente e que em coro gritava “Fuera España” (MIGUEL, 1995, p. 163).

Tal missão, chefiada pelo embaixador mafinense Simeón Aké, composta também por membros do corpo diplomático de Cuba e do Irã, tinha o objetivo de checar as informações [governamentais] espanholas e verificar as aspirações do povo saaraui. Por onde passam os representantes da ONU acompanhados pela imprensa internacional, só existia uma resposta: O povo queria a independência e a queria sob a hegemonia da Frente Polisario (SANTAYANA, 1987, p. 57).

A missão de observação percorreu todo o território saaraui e constatou a efetiva adesão populacional à ideia de independência, e da insubmissão saaraui à Espanha, ao Marrocos e a qualquer de seus vizinhos. Extrai-se de tradução realizada por Carlos Ruiz Miguel (1975, “IV. LA SITUACION... - A. Observaciones...”, par. 2) do texto conclusivo da missão de observação:

202. Gracias a la importante cooperación que recibió de las autoridades españolas, la Misión pudo, pese a la brevedad de su permanencia en el territorio, visitar prácticamente todos los centros principales de población y determinar el parecer de la gran mayoría de sus habitantes. En todos los lugares que visitó, la Misión fue recibida por manifestaciones políticas muy numerosas y tuvo muchas reuniones privadas con representantes de todos los sectores de la comunidad sahariana. En todos ellos resultó evidente para la Misión que entre los saharianos del territorio había un consenso abrumador un favor de la independencia y en contra de la integración con cualquiera de los países vecinos. Las diferencias de opinión que encontró la Misión guardaban relación no con el objetivo, sino con los medios por los cuales debía conseguirse ese objetivo y con el apoyo que se prestaba a los movimientos políticos rivales.

Ainda, sobre as aspirações populacionais massivas, verifica-se no texto do parecer:

229. […] A pesar de estas dificultades, tras su visita al territorio la Misión pudo llegar a la conclusión de que la mayoría de la población del Sahara Español estaba claramente a favor de la independencia.

230. Esta impresión de la Misión se basó en las manifestaciones públicas que presenció y en el gran número de entrevistas que celebró con grupos y personas que representaban diferentes matices de opinión. Todas las entrevistas se celebraron en privado sin la presencia de representante alguno de las autoridades españolas. También hubo conversaciones al azar con integrantes de la población en general. Con ello, la Misión logró obtener una muestra representativa de la opinión del territorio (MIGUEL, 1975, “IV. LA SITUACION… - C. Deseos …”, par. 1-2).

420. La Misión comprobó que, dentro del Territorio, la población, o por lo menos casi todas las personas entrevistadas por la Misión, estaban categóricamente a favor de la independencia y en contra de las reivindicaciones territoriales de Marruecos y de Mauritania. […] En sus manifestaciones y declaraciones la población demostró que apoyaba los objetivos del Frente POLISARIO […] en prol de la independencia del Territorio. (MIGUEL, 1975, “IX. OBSERVACIONES GENERALES....”, par. 18).

E, foi no bojo do parecer conclusivo que a Frente Polisario, até então clandestina, encontrou reconhecimento enquanto entidade política representativa entre os saarauis, frente à comunidade internacional, como se ressalta:

423. El Frente POLISARIO, pese a haber sido considerado un movimiento clandestino hasta la llegada de la Misión, parecía ser la fuerza política dominante en el Territorio. La Misión fue testigo de manifestaciones masivas de apoyo al movimiento en todo el Territorio (MIGUEL, 1975, “IX. OBSERVACIONES GENERALES...”, par. 21).

Esta missão de observação da ONU assistia à razão de existência, em vista da crescente pressão política que faziam o monarca marroquino Hassan II e o presidente mauritano Mokhtar Ould Daddah – que acordou com aquele uma posterior divisão do território do Saara Ocidental, e, em prol disso, até unificaram suas políticas externas, em plena Assembleia Geral do ano de 1974, de forma a coordenarem-se (MIGUEL, 1995, p. 188).

Desde o início da década de 70, a Espanha atravessava um período de instabilidade política por conta do estado de saúde periclitante de seu chefe de estado, General Francisco Franco. Por esse motivo, os governos interinos redimensionavam e redirecionavam as ações do estado nas diversas frentes políticas. No que atine à política externa, não obstante posicionar-se comprometida em relação à descolonificação do “Saara Espanhol”, o reino espanhol atravessava um período de grande instabilidade ideológica no plano interno, que tornava incerto o seu futuro (SUZIN; DAUDÉN, 2011, p. 61).

Aproveitando-se da conjuntura fragilizada, o reino do Marrocos passou a negociar, em número superior a dez ocasiões (MIGUEL, 1995, p. 103), uma outorga do poder de administração do Saara Ocidental com os espanhóis. A ofensiva diplomática marroquina tinha forte respaldo militar, pois, o reino passou a realizar incursões militares no território do Saara Espanhol (MIGUEL, 1995, p. 141-142).

Tamanho foi o desgaste do embate político desta babel que o Marrocos instou à Corte Internacional de Justiça, durante a Assembleia Geral de 1974, através da Resolução 3292 (XXIX), a produção de um parecer consultivo, indagando sobre ser o Saara Ocidental terra nullius quando do início da colonização espanhola (ONU, 1974). Caso a primeira resposta fosse negativa, deveriam os juízes e conselheiros jurídicos, estabelecer quais vínculos jurídicos existiam entre o território do Saara Ocidental e o Reino do Marrocos e a Mauritânia (ONU, 1974). Esta última passava a aderir também ao ideal do Grande Magreb Árabe.

A despeito do que foi analisado pela Corte Internacional de Justiça sobre o Saara Ocidental, cujo documento final é doravante examinado neste escrito, a legalidade internacional sofre um golpe. No mesmo dia em que se torna público o parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, isto é, aos 16 dias de outubro de 1975, o monarca marroquino Hassan II, ao cientificar-se da derrota jurídica sofrida (O ACORDO..., 2005), promove a convocação de uma marcha “pacífica” que reuniu 350.000 pessoas aproximadamente. Esta cruzada ficou conhecida como “Marcha Verde” e levou milhares de pessoas desde o sul do Marrocos, através do deserto, a invadir o território, então “espoliado” do Saara Ocidental (SUZIN; DAUDÉN, 2011, p. 61) Sabendo da investida territorial marroquina, a cúpula do governo espanhol convoca à Madrid, representantes marroquinos e mauritanos para uma série de negociações. Publicamente, as autoridades espanholas asseguravam que o motivo dessas reuniões seria o de retirar a Marcha Verde.

No entanto, as reuniões culminaram em um acordo em que a Espanha cede a administração do Saara Ocidental ao Marrocos e à Mauritânia (MIYARES, 2017). Tal pacto foi celebrado secretamente em 14 de novembro de 1975 (MIGUEL, 1995, p. 199) e ficou conhecido como “Acordo Tripartite ou Acordo de Madrid” (SUZIN; DAUDÉN, 2011, p. 61). Este tratado é considerado por Carlos Ruiz Miguel como “um dos documentos mais infames e com os efeitos mais perniciosos da história da Espanha” (MIGUEL, 2006). Para Mauro Santayana (1987, p. 75) o episódio representa uma das mais terríveis manobras já montadas contra os interesses de um povo. O Conselho de Segurança da ONU através de Resoluções insta à calma e pede parcimônia (ONU, 1975a) além de solicitar a retirada da Marcha Verde (ONU, 1975b).

No ínterim compreendido entre a assinatura do Acordo de Madrid e o empreendimento da Marcha Verde, a Frente Polisario já desatava um confronto bélico lutando por sua independência, contra a potência colonificadora e contra o reino invasor. Em 28 de fevereiro de 1976, último dia de soberania espanhola sobre o Saara Ocidental conforme o texto do Acordo de Madrid, a Frente Polisario proclama a independência da República Árabe Saaraui Democrática - RASD (MIGUEL, 1995, p. 231).

O governo da RASD possui uma estrutura jurídico-administrativa que se projeta sobre o território internacionalmente reconhecido e a população (MIGUEL, 1995, p. 384). Até o mês de março daquele ano a RASD já havia sido reconhecida por nove países, sendo oito africanos (MIGUEL, 1995, p. 277). Entretanto, fatos futuros da conjuntura do conflito, quais não nos cabe aqui analisar, obstam, até hoje a efetiva posse da totalidade de seu território. Atualmente, mais de 90 países de todos os continentes já reconhecem a personalidade jurídica internacional da República Árabe Saaraui Democrática.

Em linhas gerais, sob a ótica jurídica, o Acordo de Madrid é nulo por violar frontalmente o disposto do artigo 73 da Carta das Nações Unidas que dita regras para a descolonização dos povos coloniais. Além disso, o referido Acordo cinge-se de ilegalidade, ao infringir o disposto do artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, vez que a autodeterminação dos povos é uma norma imperativa de Direito Internacional (ius cogens) e, portanto, qualquer conflito com esse postulado, torna inválido o tratado, visto que, tais normas imperativas não admitem qualquer tipo de limitação àquele princípio normativo (FRIEDRICH, 2004, p. 35).

Ademais, o Acordo de Madrid jamais gozou de validade ou reconhecimento internacional, o que denota a ilegalidade dos atos praticados pelos pactuantes. Tanto o é, que a comunidade internacional nunca reconheceu qualquer titularidade marroquina sobre o território do Saara Ocidental. A doutrina internacionalista de Hildebrando Accioly, Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva e Paulo Borba Casella (2009, p. 234) pondera tratar-se de “um ilícito internacional” o caso perpetrado no Saara Ocidental.

A Opinião Consultiva da Corte Internacional de Justiça sobre o Saara Ocidental

A Resolução 3292 (XXIX) da Assembleia Geral de 1974 formulou as seguintes perguntas para que a Corte Internacional de Justiça (CIJ) examinasse: se, tratava-se o território do Saara Ocidental de terra nullius quando do início da colonização espanhola? Caso a primeira resposta fosse negativa, deveriam os juízes e conselheiros jurídicos, esmiuçar quais os vínculos jurídicos existentes entre o território do Saara Ocidental e o Reino do Marrocos e a Mauritânia (ONU, 1974). O documento em si, traz desde as constatações iniciais, os artifícios empreendidos pelo reino marroquino ao criticar a política de descolonização posta em prática pela Espanha, desde a assunção da Resolução 1514 de 1960 no território do Saara Ocidental. Para o Marrocos, o Saara Ocidental deveria ser reintroduzido à sua “pátria mãe”, da qual foi separado durante o processo de colonização (CIJ, 1975, ponto 49).

Ao adentrar o decisium e passar a tratar do mérito da opinião consultiva, a Corte decidiu que a Espanha estabeleceu seu protetorado sobre o Saara Ocidental desde o ano de 1884, quando foram estabelecidos tratados entre os chefes tribais que lá habitavam. Ora, se lá habitavam tribos, conforme o parecer, não se poderia afirmar que tratava-se de terra nullius (CIJ, 1975, ponto 80). Na época da colonificação, o Saara Ocidental foi habitado por povos que, mesmo sendo nômades, eram organizados social e politicamente em tribos e sob o governo de chefes competentes para representá-los. Da mesma forma procedeu-se, nas negociações com a França, no que atine à fixação de limites territoriais. Assim, conclui negativamente a Corte, em relação à primeira pergunta, procedendo, portanto, à análise da segunda questão (CIJ, 1975, pontos 81; 83).

Para examinar os eventuais liames jurídicos que uniam Marrocos ao Saara Ocidental, a CIJ descreve as sociedades nômades que habitavam todo o Magreb, sem qualquer fixação territorial (CIJ, 1975, ponto 87-89). Aduz que a contiguidade territorial entre as partes era discutível, em que pesem as alegações marroquinas neste sentido (CIJ, 1975, ponto 92). O Marrocos colaciona, ainda uma série de documentos de atos internos como “prova” de sua soberania sobre o Saara. Após análise, a Corte conclui que nenhum elemento apresentado é hábil para estabelecer qualquer vinculo de soberania territorial entre o Marrocos e o Saara Ocidental. Os elementos não mostram que o Marrocos tenha exercido uma atividade estatal efetiva naquelas paragens. Tão somente, os elementos denotam a submissão de uma minoria tribal ao Rei do Marrocos. No entanto, por tratar-se de uma minoria tribal, dadas as características do povo da região, os vínculos não gozaram de respaldo por parte da CIJ (1975, pontos 103-107). De qualquer forma, conforme a lógica de Santayana (1987, p. 59): “tais laços [de ligações étnico-fronteiriças] existem em todas as fronteiras povoadas do mundo”.

O parecer insere que, a despeito desses “certos” vínculos, não houve soberania do Marrocos sobre o Saara Ocidental, e sim, apenas, certa “autoridade” ou “influência” sobre “alguns” nômades saarauis (CIJ, 1975, ponto 128) e tais vínculos não mereciam consideração. Neste espectro, figuram principalmente, os votos particulares dos Juízes Gros, Ruda, Petrén, Dillard e Ignacio-Pinto (CIJ, 1975). Em relação aos vínculos eventualmente existentes com a Mauritânia, a CIJ decidiu que, se existiam vínculos raciais, linguísticos, religiosos, culturais ou econômicos interpartes, os dados apresentados pela Mauritânia revelaram a independência entre sí, e a ausência de instituições ou órgãos que fossem comuns (CIJ, 1975, ponto 149).

A CIJ desautoriza expressamente a postura política sustentada, tanto pelo Marrocos, quanto pela Mauritânia. É clara a opinião consultiva, ao observar, que os vínculos eventualmente existentes entre os países, não implicavam nem em soberania territorial, nem cossoberania, nem inclusão em quaisquer das entidades jurídicas (CIJ, 1975, ponto 148). Sendo assim, a Corte Internacional de Justiça descaracterizou qualquer possibilidade de chancela às alegações marroquino-mauritanas no que concerne a existência de vínculos de soberania daqueles países com o Saara Ocidental. Não obstante, o Tribuno da Haia ressaltou também que, nos termos da Resolução 3292, as conclusões logradas sobre a natureza dos vínculos jurídicos relativos entre o território, o Reino do Marrocos e a Mauritânia, em nada afetavam, nem modificavam o direito de autodeterminação do povo saaraui (CIJ, 1975, ponto 161).

Considerações Finais

O conflito que se desenvolve no Magreb africano - sobre o qual debruça-se neste escrito, possui uma característica singular no que atine a sua natureza: resta dormente, pois embora nada contundente e eficaz seja realizado pela comunidade ou pelas instituições internacionais, mostra-se o caso, uma babel jurídica, para a qual o direito internacional tem se apresentado ineficaz.

Muito embora as questões, propriamente, relativas ao conflito não sejam o espectro aqui analisado, é bem verdade que ainda se discute se aquele país - titular do inalienável direito à autodeterminação -, resta pendente de descolonização por parte da Espanha nos termos da Resolução 1514 da ONU, cujo texto constitui a luta pela legitimação da liberdade dos povos e que, no entanto, fora vergonhosamente ignorado pelo reino ibérico, através do abandono colonial. Ou se, resguardados os danos do abandono colonial referido, mas reconhecidos e validados os elementos trazidos pela história e pelos demarcadores jurídicos analisados na primeira parte do artigo - dentre os quais, a instituição da República Árabe Saaraui Democrática, reconhecida internacionalmente por 90 países -, assomados aos elementos prolatados pela Corte Internacional de Justiça no parecer consultivo sobre o Saara Ocidental de 1975, a comunidade internacional está habilitada a reconhecer da legitima personalidade jurídica internacional do Saara Ocidental. A resposta causa relativo desconcerto internacional.

A outorga plena de soberania é condição da liberdade dos estados dentro da Comunidade Internacional. Portanto, a soberania de cada estado só é limitada pelos interesses gerais da comunidade, na qual todos os estados são juridicamente iguais. Ao direito de autodeterminação do Saara Ocidental é pró a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça e, grande parte do respaldo legal ao qual se prende a existência da RASD está ligada ao referido parecer. Não cabe aqui, aquiescer ou discordar. Mas sim, além de aguardar por um desfecho justo e pacífico, tornar pública à comunidade científica, a implicação da Opinião Consultiva emitida pela Corte Internacional de Justiça no processo de descolonização e autodeterminação do Saara Ocidental, escopo principal do presente escrito.

Material suplementario
Fontes
A COLONIZAÇÃO Europeia. Western Sahara - Sahara Occidental. Página modificada em: 26 dez. 2005. Disponível em: http://www.arso.org/hist2-p.htm. Acesso em: 21 mar. 2020.
ALLAL al-Fassi. Philosophers of the Arabs. Página modificada em: 8 jun. 2011. Disponível em: http://www.arabphilosophers.com/English/philosophers/modern/modern-names/eAllal_al_Fassi.htm. Acesso em: 23 mar. 2020.
O ACORDO de Madrid. Western Sahara - Sahara Occidental. Página modificada em: 26 dez. 2005. Disponível em: http://www.arso.org/hist7-p.htm. Acesso em: 21 mar. 2020.
CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Western Sahara: Advisory Opinion of 16 October 1975. 1975. Disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/61/061-19751016-ADV-01-00-EN.pdf. Acesso em: 20 mar. 2020.
MIGUEL, Carlos Ruiz. Una Documentación Esencial para Conocer el Sáhara Occidental.Um Draiga, asociación de amigos del pueblo saharaui en Aragón, 10 oct. 1975. Disponível em: https://www.umdraiga.com/documentos/ONU_informesmision/Informe_Mision_Visitadora_AG_1975_es.htm. Acesso em: 22 abr. 2020.
MIGUEL, Carlos Ruiz. Los Acuerdos de Madrid, inmorales, ilegales y politicamente suicidas. Libertad Digital, n. 26, 2006. Disponível em: https://www.clublibertaddigital.com/ilustracion-liberal/26/los-acuerdos-de-madrid-inmorales-ilegales-y-politicamente-suicidas-carlos-ruiz-miguel.html?_ga=2.56039598.42744234.1601578413-782117548.1601578413. Acesso em: 12 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais: Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960. 1960. Disponível em http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/spovos/dec60.htm. Acesso em: 25 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 3292 (XXIX) de 1974. 1974. Disponível em: https://undocs.org/en/A/RES/3292(XXIX). Acesso em: 25 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. S/RES/377 (1975). Resolução 377, de 22 de fevereiro de 1975 do Conselho de Segurança. 1975a. Disponível em: https://undocs.org/S/RES/377(1975). Acesso em: 25 abr. 2020.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. S/RES/379 (1975). Resolução 379, de 02 de novembro de 1975 do Conselho de Segurança. 1975b. Disponível em: https://undocs.org/S/RES/379(1975). Acesso em: 25 abr. 2020.
ROYAUME DU MARÓC. Maroc: Constitution du 7 décembre 1962. Digitèque MJP, 1962. Disponível em: http://mjp.univ-perp.fr/constit/ma1962.htm. Acesso em: 24 mar. 2020.
ROYAUME DU MARÓC. Maroc: Constitution du 13 septembre 1996. Digitèque MJP, 1996. Disponível em: https://mjp.univ-perp.fr/constit/ma1996.htm. Acesso em: 24 mar. 2020.
ROYAUME DO MARÓC. Secrétariat Général du Gouvernement. Constitution du 29 juillet 2011. 2011. Disponível em: http://www.sgg.gov.ma/Portals/0/constitution/constitution_2011_Fr.pdf Acesso em: 25 abr. 2020.
Referências
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
DELGADO, José Luis Reina. La Presencia Española en el Sáhara Occidental. Notas para una historia. Cuadernos del Ateneo, n. 5, p. 43-48, 1998, Disponível em: https://mdc.ulpgc.es/cdm/singleitem/collection/cateneo/id/174/rec/9. Acesso em: 12 abr. 2020.
FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As normas imperativas de direito internacional público jus cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
GUERREIRO, Ramiro Saraiva. Mensagem do Ministro de Estado das Relações Exteriores, Ramiro Saraiva Guerreiro, a propósito do vigésimo aniversário da Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais, lida no programa “A Voz do Brasil”, em 12 de dezembro de 1980. In: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Repertório da Prática Brasileira do Direito Internacional Público (Período 1961-1981). 2. ed. Brasília: FUNAG, 2012. p. 95.
KHALDOUM, Ibn. Histoire des Berberes et des Dynasties Musulmanes de L’Afrique Septentrionale. Alger: Imprimerie du Gouvernement. 1852. Tome primier.
KOGEL, Jessica E. et al. Industrial & Mineral Rocks: commodities, markets, and uses. 7. ed. Englewood, CO: Society for Mining Metallurgy, 1994.
KORMIKIARI, Maria C. N. Grupos Indígenas Berberes na Antiguidade: a documentação textual e epigráfica. Revista de História, São Paulo, n. 145, p. 9-60, 2001.
McKENNA, Amy. The History of Northern Africa. New York: Britannica Educational Publishing, 2010.
MIGUEL, Carlos Ruiz. El Sahara Occidental y España: historia, política y derecho. Analisis crítico de la política exterior española. Madrid: Dykinson. 1995.
MIYARES, Águeda Mera. Institut de Drets Humans de Catalunya. El Sáhara Occidental: ¿Un conflicto olvidado? Página modificada em: 9 ago. 2017. Disponível em: https://www.idhc.org/arxius/recerca/SaharaOccidental_cast.pdf. Acesso em: 22 abr. 2020.
MOORE, Clement Henry. Tunisia Since Independence: the dynamics of one-party government. Los Angeles: University of California Press, 1965.
NANJIRA, Daniel Don. African Foreign Policy and Diplomacy: from antiquity to the 21st century. Santa Barbara: ABC-CLIO, LLC, 2010.
NUZZO, Luigi. Colonial Law. European History Online (EGO), 16 abr. 2012. Disponível em: http://ieg-ego.eu/en/threads/europe-and-the-world/european-overseas-rule/luigi-nuzzo-colonial-law. Acesso em: 14 abr. 2020.
SANTAYANA, Mauro. Dossiê da Guerra do Saara. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
SUZIN, Giovana Moraes; DAUDÉN, Laura. Nem paz nem guerra: três décadas de guerra no Saara Ocidental. Rio de Janeiro: Tinta Negra Bazar, 2011.
VANDERWALLE, Dirk. Libya since Independence. Londres: I. B. Tauris & CO, 1998.
Notas
Notas
1 O uso da palavra “berbere” para descrever os habitantes indígenas da África norte-ocidental, surge no século VIII d.C. com a chegada dos árabes na região. É possível que a palavra tenha se originado de uma corruptela dos barbari dos romanos. Há quem acredite que o termo, num primeiro momento, designasse um único grupo organizado de forma tribal. Durante o período de ocupação colonial européia sedimentou-se como denominação dos habitantes locais originais. Apesar de poder ser considerada anacrônica foi adotada pela historiografia moderna para designar os habitantes autóctones, visto que foi este o sentido dado a ela pelos árabes e, ainda hoje em dia, é essa a designação dada aos últimos norte-africanos que mantêm tradições milenares do período proto-histórico. De maneira análoga, a historiografia denomina de Berberia o Maghreb, isto é, o Norte da África centro-ocidental, identificando três áreas distintas: Berberia ocidental (Marrocos e Argélia ocidental); Berberia central (Argélia) e Berberia oriental (leste da Argélia e Tunísia) (KORMIKIARI, 2001, p. 11).
2 Maghreb, gramaticalmente Magreb significa para a Corte [da Língua Francesa], o Ocidente. Entre os historiadores árabes, a palavra é empregada pela primeira vez para designar o Norte da África e Espanha, mas, em seguida, deram-lhe um sentido mais restrito, aplicando-a a todo o país, que se localiza ao Oeste da África. Assim, eles introduziram os nomes de Central Magreb (Al-Maghrib al-Aousat) e Magreb Ulterior (Al-Maghrib al-ACSA), o primeiro a ser aplicado aos países que formam os atuais províncias de Argel e Oran, enquanto o segundo foi usado para se referir a qualquer área que está localizado entre o Molounia, o mar, o Atlas e a província de Sous: isto é, o presente reino de Marrocos” (KHALDOUM, 1852. p. 91).
3 “Le Royaume du Maroc, État musulman souverain, dont la langue officielle est l'arabe, constitue une partie du Grand Maghreb.” (ROYAUME DU MARÓC, 1962).
4 “O Reino do Marrocos, Estado muçulmano soberano, cuja língua oficial é o árabe, constitui parte do Grande Magreb Árabe” (tradução nossa).
5 Estado muçulmano soberano, apegado à sua unidade nacional e à sua integridade territorial, o Reino de Marrocos pretende preservar, na sua plenitude e diversidade, a sua identidade nacional única e indivisível. Sua unidade, forjada pela convergência de seus componentes árabe-islâmicos, amazigh e saaaro-hassani, alimentada e enriquecida por seus afluentes africanos, andaluzes, hebraicos e mediterrâneos (tradução nossa).
6 Com base nestes valores e princípios imutáveis, forjados na sua firme vontade de fortalecer os laços de fraternidade, cooperação, solidariedade e parceria construtiva com outros Estados, e trabalhar pelo progresso comum, o Reino de Marrocos, Estado Unido, totalmente soberano, pertencente ao Grande Magreb, reafirma e se compromete a: - Trabalhar na construção da União do Magreb, como opção estratégica; - Aprofundar o sentimento de pertença à Unidade Árabe-Islâmica e fortalecer os laços de fraternidade e solidariedade com seus povos irmãos; - Consolidar relações de cooperação e solidariedade com os povos e países de África, em particular os países do Sahel e do Sahara (tradução nossa).
Notas de autor
* Doutorando e Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Membro do Núcleo de Estudos em Tribunais Internacionais da Universidade de São Paulo (NETI-USP). Professor Colaborador em Direito Internacional Público e Direito Constitucional na Universidade Estadual de Ponta Grossa.
** .Doutor e Mestre em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo. Professor do curso de Direito e do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais Aplicadas, ambos da Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc