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Do amor pela obediência: Comentários sobre a liberdade e a irracionalidade do direito
Ana Maria Lombardi Daibem; Matheus Bento Costa
Ana Maria Lombardi Daibem; Matheus Bento Costa
Do amor pela obediência: Comentários sobre a liberdade e a irracionalidade do direito
Del amor por la obediencia: comentarios sobre la libertad y la irracionalidad del derecho
On the love of obedience: comments on the freedom and irrationality of law
De l’amour de l’obéissance : commentaires sur la liberté et l’irrationalité du droit
从爱到服从:论自由与法律的非理性
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 3, pp. 430-456, 2020
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: A capacidade de escolher com base na percepção de um raciocínio lógico é o sustentáculo da justiça como sistema normativo moderno. É o que possibilita a responsabilização de um indivíduo por seus atos, ou seja, que permite a sua classificação como criminoso ao violar a lei. É também esse ideal de liberdade que coloca o direito e a justiça como produtos da vontade do ser humano na tradição ocidental. Este artigo questiona esta tradição para, através de intersecções com a política e a filosofia, problematizar a questão do justo e do injusto a partir da perspectiva de que a obediência, apesar de poder ser uma escolha, não é escolha necessariamente racional.

Palavras-chave:JustiçaJustiça,razãorazão,liberdadeliberdade,obediênciaobediência,amoramor.

Resumen: La capacidad de escoger tomando como base la percepción de un raciocinio lógico actúa como apoyo de la justicia como sistema normativo moderno. Es lo que posibilita responsabilizar a un individuo de sus actos, es decir, permite clasificarlo como delincuente que viola la ley, pero además es también ese ideal de libertad lo que sitúa al derecho y la justicia como productos de la voluntad del ser humano en la tradición occidental. Este artículo cuestiona esta tradición para, a través de intersecciones con la política y la filosofía, poner en tela de juicio la cuestión de lo justo y lo injusto partiendo de la perspectiva de que la obediencia, pese a poder ser una elección, no es una elección necesariamente racional.

Palabras clave: justicia, razón, libertad, obediencia, amor.

Abstract: The ability to choose based on the perception of logical reasoning is the very foundation of justice as a modern normative system. It is what renders the individual responsible for their actions, allowing them to be classified as a criminal when in breach of the law. It is also this ideal of freedom that locates law and justice as products of human will in the Western tradition. The following article questions this tradition by harnessing its intersections with politics and philosophy in order to problematize the issue of what is just and what is unjust by means of the view that obedience, although it may be chosen, is not necessarily rational.

Keywords: Justice, reason, freedom, obedience, love.

Résumé: La capacité à choisir sur la base de la perception d’un raisonnement logique constitue le fondement de la justice en tant que système normatif moderne. C’est ce qui rend possible l’attribution à un individu de la responsabilité de ses actes, et donc ce qui permet de le considérer comme un criminel lorsqu’il enfreint la loi. Dans la tradition occidentale, c’est également cet idéal de liberté qui fait du droit et de la justice des produits de la volonté de l’Homme. Au croisement de la politique et de la philosophie, cet article s’intéresse à cette tradition afin de mettre en perspective la question du juste et de l’injuste à partir de l’idée de ce que l’obéissance, même si elle peut être choisie, ne constitue pas nécessairement un choix rationnel.

Mots clés: Justice , raison , liberté , obéissance , amour.

摘要: 人们基于逻辑推理做出选择,人类的理性选择能力是法律作为现代社会规范体系的支柱。它是每个自由人对其自身行为负责的原因,也就是当他在违反法律时被归类为罪犯的原因。正是这种自由主义理想使法律和正义成为西方传统, 被普遍化为人类意志的产物。本文对这一传统提出了质疑,从政治和哲学的角度质疑“公正”与“不公正”的含义。我们认为,尽管“服从”法律是一种选择,但不一定是一种理性的选择。

關鍵詞: 正义, 理性, 自由, 服从, 爱.

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Artigos

Do amor pela obediência: Comentários sobre a liberdade e a irracionalidade do direito

Del amor por la obediencia: comentarios sobre la libertad y la irracionalidad del derecho

On the love of obedience: comments on the freedom and irrationality of law

De l’amour de l’obéissance : commentaires sur la liberté et l’irrationalité du droit

从爱到服从:论自由与法律的非理性

Ana Maria Lombardi Daibem*
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Matheus Bento Costa**
Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 12, núm. 3, pp. 430-456, 2020
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 27 Octubre 2019

Aprobación: 07 Julio 2020

Introdução

“O espírito é sempre joguete do coração” (LA ROCHEFOUCAULD, 2012, p. 35). Esta que já foi uma máxima filosófica, hoje mais parece o trecho de uma poesia sem muito sentido prático, especialmente para o Direito, que atualmente é mais ciência do que arte. Tudo deve ser passível de explicação racional e a história, como o fato trazido por Kelsen (2006, p. 34), citando Karl V. Amira, de que no medievo era possível propor uma ação diretamente contra um animal, é visto como mera ratificação da superioridade do direito moderno frente às irracionalidades de um passado já distante.

Esta ideia de superioridade ou evolução do Direito até a sua emancipação do sentimento, símbolo das contradições humanas, não é de toda despropositada. A imagética comumente associada ao direito é realmente aquela da burocracia, dos textos e métodos frios e, portanto, justos, bem como da inteligência e cultura de seus operadores. Contudo, esta certeza da racionalidade dos institutos deixa de fora as diversas sensibilidades que permeiam a filosofia por trás de um ordenamento jurídico.

A situação dos animais narrada acima pode parecer absurda do ponto de vista do direito moderno, entretanto, Peter Singer, por exemplo, levanta a interessantíssima questão ética de que, se o ser humano estende o princípio de igualdade para os semelhantes menos inteligentes – em linguagem jurídica trata-se dos relativamente e totalmente incapazes (BRASIL, 2002, art. 3º et seq.) –, este não poderia menosprezar os animais baseado apenas em sua menor capacidade intelectual, lembrando lição de Bentham segundo a qual é a capacidade de sofrer, sentir dor, o quesito principal para o reconhecimento do grau de igualdade (SINGER, 1995, p. 70-72).

Singer não é jurista profissional, mas com certeza levanta um problema que não fica restrito ao campo da igualdade, abrindo a muito mais ampla discussão sobre como o ser humano define a si mesmo e suas escolhas e, consequentemente, a justiça que lhe serve de guia durante a vida. O comum na doutrina jurídica é discursar sobre os atos de legislar e de julgar como advindos da razão, e esta razão como prova de exclusividade, de individualidade em relação ao resto que nos rodeia, o que, infelizmente, ignora os elementos irracionais que sustentam a eficácia da norma enquanto ideia de justiça no cotidiano.

Este artigo visa tratar destas irracionalidades que, acumuladas, correspondem à obediência, ideia cara tanto ao direito moderno e sua justiça, quanto ao Estado moderno e sua soberania, com o cuidado de não adotar pretensões de esgotar tema tão multifacetado.

Eu, o outro e eu mesmo

Emma Goldman escreveu no século passado que não era mais cabível discussões sobre qual seria a forma perfeita de governo, se uma ditadura (governo forte) ou uma democracia parlamentar, para resolver os problemas sociais apresentados pelo mundo industrializado, sendo muito mais vital discutir a utilidade de um governo em si. Para Goldman já não havia dúvidas sobre a inutilidade da autoridade política, pois sociedades e nações lhe apareciam como abstrações para o que seria “senão um ajuntamento de indivíduos” ao qual o Estado e aqueles submetidos ao seu “culto” somente atrapalhavam a marcha rumo ao progresso (GOLDMAN, 2007, p. 30-31).

Este tipo de pensamento não é apenas mero anarquismo idealista, isto deve ficar claro logo no início; trata-se de uma tradição ocidental que é severa com o fenômeno político, e não para menos. Desde a narrativa platônica do julgamento de Sócrates até a crucificação do Cristo, o fator político parece influenciar para que os inocentes sofram enquanto os maus triunfam, dando razão a Ortega y Gasset (1963, p. 16) quando este afirma que a política nada mais é do que “el imperio de la mentira”. Tal tradição, longe de ser idealismo pueril, é extremamente racional, baseada na existência de verdades cognoscíveis pelo indivíduo.

Arendt abordou esta tradição no seu texto sobre desobediência civil, denominando-a “tradição ocidental de consciência” e apontando o Crito de Sócrates como o primeiro e mais proeminente texto desta escola de pensamento, segundo a qual os acordos com terceiros são contingentes em comparação “à decisão solitária in foro conscientiae(ARENDT, 2017, p. 56-57). Goldman se insere nesta tradição ao defender que o indivíduo “é a verdadeira realidade da vida, um universo em si” que não existe em função da sociedade, mas que, ao contrário, vive em conflito constante com esta para fazer valer a “civilização” (GOLDMAN, 2007, p. 31).

Obviamente existem diferenças entre uma pensadora moderna e o Sócrates da Atenas da antiguidade. Sócrates nunca pregou a revolução enquanto derrubada do Estado, entretanto, não resta dúvidas de que foi sim um pensador revolucionário dentro de seu próprio tempo, questionando a moral e a justiça da sociedade, fato comprovado por sua conversa com Crito, onde oferecida a opção de fugir ao cárcere e à morte, este prefere permanecer para não entrar em contradição consigo mesmo, se impondo a si mesmo e aos seus juízes receber a pena cominada (ARENDT, 2017, p. 56-57).

Outro diálogo socrático emblemático e polêmico sobre as questões envolvendo a moral, a justiça e a lei é o Êutifron, que tem como pano de fundo uma das relações mais complexas no meio social, qual seja, a relação entre pai e filho, valendo colher alguns apontamentos feitos por Bartrand Russel (2016, p. 106-107) sobre o tema central do texto, in litteris:

Do ponto de vista ético, o diálogo lança alguma luz sobre a religião oficial ateniense e sobre a maneira pela qual a ética de Sócrates diferia dela. É a diferença entre a ética autoritária e a fundamentalista. Sócrates enfoca a questão quando pede certos esclarecimentos sobre a sugerida definição que Eutífron apresenta do sagrado como sendo aquilo que os deuses aprovam unanimemente. Sócrates quer saber se uma coisa é sagrada porque os deuses aprovam ou se os deuses aprovam porque é sagrada. A questão é, na verdade, uma crítica velada ao que evidentemente constitui a atitude de Eutífron diante do problema. Para ele, tudo o que importa é que os deuses tenham ordenado que se faça algo. [...] Que este não é de modo algum um tema morto e enterrado fica claro a partir do fato da eterna permanência entre nós do problema da lei e da justiça. Qual é a relação entre ambas? Que devemos fazer quando somos obrigados a obedecer a uma lei que consideramos injusta? A questão está agora mais viva do que nunca, quando a obediência cega aos nossos senhores políticos ameaça afundar o mundo numa destruição total e irreparável.

As questões sobre consciência individual e suas relações com o justo são comuns a ambos os autores, muito embora exista a diferença no tempo e na metodologia, consciência que presta exatamente para determinar a responsabilidade na eventual ocorrência de um crime, crime aqui sendo considerado como todo ato assim definido por uma lei como por exemplo, o homicídio (BRASIL, 2002, art. 121), que configura o ato de matar alguém.

Não existindo dúvidas sobre o dever obedecer, o problema circula em volta da justiça de exigir-se tal dever, e aqui brota uma área cinzenta entre a figura do justo e sua relação com o Direito enquanto sistema no qual a autodeterminação da vontade (liberdade) é essencial, pois só pode desobedecer e ser responsabilizado por seus atos quem, de fato, pode atuar conforme a sua vontade racional.

Considerar a justiça um atributo interno, fruto de uma decisão individual, cria inevitavelmente uma dicotomia entre o interior e o exterior; a famigerada questão da submissão, trazida por Gros (2018, p. 38-40) como “redução à impotência”, onde a pessoa obedece porque “não pode fazer de outro modo” em vista das consequências imediatas da desobediência (p. ex. a exclusão social, a demissão, os sofrimentos físicos), tornando um indivíduo concomitantemente ativo e passivo.

Estabelece-se um conflito entre o “eu interno” e o “eu externo”, motim nascido da irracionalidade que torna o ser humano um “autômato do ‘dever’” (NIETZSCHE, 2012, p. 33, aspas no original), ser que vive “por imitação”, submetendo-se às “regras do jogo” para “repudiá-las às escondidas” (CIORAN, 1989, p. 110). Sobre o assunto, Žižek (2019, p. 202) oferece o exemplo do terrorista Abdelhamid Abaaoud, que, num vídeo promovendo o Estado Islâmico, se dirigiu a seus espectadores com uma pergunta simples: vocês estão satisfeitos com suas vidas? É tudo que vocês querem, ou vocês buscam algo mais, um engajamento mais profundo que torne a sua vida não apenas mais significativa, mas também mais dinâmica, ousada e até mais divertida?

O conflito da ação com a vontade é um reflexo da relação do “eu” com o “outro”, este é o domínio da política, onde liberdade ganha o sentido werberiano de luta pelo poder (WEBER, 2008, p. 56), ou, em outras palavras, de asserção da “minha” vontade em detrimento da vontade do “outro”. Liberdade seria, então, uma afirmação de força. Assim, somente por relações de poder, de submissão e comando, seria possível ditar a própria conduta sem obstáculos.

No caso concreto apresentado do terrorista, o conflito se estabelece no âmbito daquilo que Žižek (2019, p. 202-203) denomina de “maioria silenciosa” que vive em resignação forçada por falta de uma expressão política, quadro agravado pela enorme complexidade alcançada pela sociedade contemporânea, enormidade que desfavorece “qualquer sentimento de eficácia individual” (SARTORI, 1994, p. 47).

Nesse diapasão, a lei seria um instrumento de opressão enquanto a vontade individual ou de um grupo menor seria uma forma de libertação ou, em outras palavras, uma forma de justiça, adentrando no campo da legitimidade da resistência violenta e do terrorismo como ferramenta de resistência.

Não obstante, seguro dizer que a maioria é reticente em reconhecer alguma legitimidade a atos violentos fora da esfera da autoridade estatal, e a doutrina jurídica, inseparável desta autoridade, preocupa-se grandemente em justificá-la e, ironicamente, faz isso taxando toda a violência externa à ordem jurídica (do outro) como injusta.

O Eu no direito moderno

O reconhecimento de qualquer ordem civil não é possível em um estado constante de conflito entre vontades. É preciso por termo ao embate em algum momento, mas, se a força for o fator determinante, o medo não cessará. Este era o quadro no século XVI, não sendo coincidência Zygmunt Bauman (2008, p. 8) enxergar na frase de Lucien Fabvre – “Peur toujours, peur partout1 - uma “clara e admirável” descrição do viver no limiar da era moderna.

Perguntar-se o que é o medo não tem tanto valor para o direito quanto perguntar do que se tem medo. “Da morte, foi sempre a resposta. E de todos os males que possam simbolizá-la, antecipá-la, recordá-la aos mortais” (CHAUI, 1987, p. 36). Dentre estes símbolos da morte estão os homens modernos de Maquiavel (2012, p. 86), descritos no Príncipe como “ingratos, volúveis, simuladores e dissimuladores, temerosos do perigo, ambiciosos por ganho”.

A visão do homem corrupto por natureza é mais antiga do que o realismo político maquiavélico, deitando raízes desde os primórdios do cristianismo. “A natureza é corrupta”, escreveu Pascal, “Sem Jesus Cristo, o homem tem de ficar no vício e na miséria. Com Jesus Cristo, o homem fica isento de vício e de miséria” (PASCAL, 2015, p. 157).

A diferença do pensamento de Maquiavel está na ausência do divino. Não é Ele, Deus, quem mantém o homem longe da tentação, mas, o temor da figura do príncipe, que “deve desejar ser considerado piedoso e não, cruel”, mas que, igualmente, não deve “importar-se com a má fama de cruel, para poder manter seus súditos unidos e fiéis” (MAQUIAVEL, 2012, p. 85).

O modelo apresentado no Príncipe reverbera no Leviatã de Thomas Hobbes (1974), ambos os pensadores sendo inseridos na história da formação do Estado moderno, cuja marca de nascença é, segundo Lebrun (1984, p. 27), a “ideia de uma dominação suprema”. Mas, esta dominação não é grosseira, nem em suas justificativas, nem em seus métodos.

Thomas Hobbes, conforme ensina Reale (2002, p. 46-47), entra para a história do direito por ser o primeiro a apresentar o Estado “como uma pessoa jurídica ou pessoa moral”, ou seja, “como sujeito agente e sujeito de deveres e direitos” (KELSEN, 2006, p. 321). No caso do Leviatã, o soberano nasce com um dever: a manutenção da paz.

O fim último, causa final e desígnio dos homens (que amam naturalmente a liberdade e o domínio sobre os outros), ao introduzir aquela restrição sobre si mesmos sob a qual os vemos viver nos Estados, é o cuidado com sua própria conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera condição de guerra que é a conseqüência necessária (conforme se mostrou) das paixões naturais dos homens, quando não há um poder visível capaz de os manter em respeito, forçando-os, por medo do castigo, ao cumprimento de seus pactos [...] Porque as leis de natureza (como a justiça, a eqüidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes (HOBBES, 1974, p. 107, grifo do autor).

Perante o Estado moderno, o “eu” deixa de ter a conotação positiva de asserção da vontade e, consequentemente, da liberdade, para metamorfosear-se em violação desta mesma vontade, pois, em Hobbes, o pensamento político de Maquiavel torna-se jurídico através da figura do pacto, do acordo de vontades, cunhando-se a famosa afirmação de que “os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém” (HOBBES, 1974, p. 107).

Desta forma o “eu” decompõe-se em egoísmo, ao passo que a submissão à norma é soerguida ao patamar, não só de ato de vontade, mas, também de altruísmo, pois implica uma desistência do “eu” em favor da paz com o “outro”. Assim, o justo é justo e determinado pelo acordo racional entre vontades (“querer”) que buscam uma coexistência pacífica (“para que”).

A razão hobbesiana possui complexas sutilezas que transformam a vontade individual em rei e súdito, rei no momento da instituição da lei e súdito no seu cumprimento. É a vontade instituidora da autoridade que nega a si própria. Existe uma clara diferença em relação ao que foi visto no tópico anterior. A autoridade política aqui não é a figura do Woodrow Wilson e do Roosevelt desenhada por Emma Goldman, figura asquerosa e servil que só age em nome dos próprios interesses e dos interesses do “grande capital” que lhe financia as campanhas (GOLDMAN, 2007, p. 50-51), mas, uma representação metafisica da afirmação e da negação da vontade/liberdade.

Parece ser por isso que, não obstante as críticas severas de muitos pensadores dos mais diversos espectros políticos (liberais, conservadores, anarquistas, marxistas etc.), a democracia permanece como um bem maior no interior da arena política, afinal, se como afirmou Nietzsche (2001, p. 120)God is dead! God remains dead! And we have killed him!”,2 não sobra espaço para a decisão política fora da vontade do homem; e se a decisão deve ser tomada entre os homens, melhor que seja um consenso entre o maior número de pessoas possível. Somente isto pode explicar o fato de que o apertar de um botão em uma máquina ou o assinalar em uma cédula ser considerado o pináculo da participação popular na política.

De qualquer forma, Hobbes não erra ao ligar a soberania da ordem ao desejo pela paz. Mais do que desejo, necessidade, como pontua Carnelutti (2015, p. 43-45) ao lembrar-se da máxima romana – “Concordia minimae res crescunt, discordia maximae dilabintur3 – por isso, muito embora o meio seja semelhante, o direito não se confunde com a força bruta pelo seu propósito, constituindo um amalgamado de força e justiça, usando “da guerra para combater a guerra”.

Tanto é assim, que a manutenção da paz continua a ser ensinada como a principal razão de ser, a quintessência do direito enquanto sistema de normas, com Cintra et al. (2006, p. 25-28) atribuindo ao ordenamento jurídico, a função de “coordenação dos interesses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre seus membros”, sendo certo que, historicamente, “surge o juiz antes do legislador”.

Alguns chegam a ir mais longe, afirmando que os advogados, profissionais “cuja presença se reclama diante da incerteza da disputa” e que devem, “todos os dias adorar o Direito”, salvaram o mundo “protegendo o homem de seu maior inimigo: o próprio homem” (NEVES, J., 2018, p. 20-25), dando verdadeira injeção de vitalidade ao pensamento seiscentista em pleno século XXI.

A pura questão da lógica

Ainda assim, o princípio do medo envolve um incontornável problema de irracionalidade da sociedade política e das suas regras, irracionalidade porque a afirmação “todo homem é inimigo de todo homem” (HOBBES, 1974. p. 80), deita por terra qualquer possibilidade de liberdade, salvo no momento da formação da sociedade. Formada, esta não mais seria uma associação de homens e mulheres, mas, de formigas e abelhas, estes sim os representantes por excelência do ser sociável aristotélico no pensamento hobbesiano (HOBBES, 1974. p. 108).

Bem diferente é a convenção de Rousseau (2016, p. 23-24), a qual existe como negação da submissão, submissão que representa, no entender do genebrino, uma renúncia “à qualidade de homem, aos direitos de humanidade e mesmo aos próprios deveres”, sendo incompatível com a “natureza” humana por privar “de toda moralidade os próprios atos e de toda liberdade a vontade”.

Não por acaso, Comparato (2006, p. 229) tem em Rousseau “o anti-Hobbes”; para este (Hobbes) a legitimação da ordem política é tudo, vale por si como um imperativo fundamental para a existência e subsistência do povo, naquele há o inverso, o povo legitima a ordem política como afirmação (e salvaguarda) da própria liberdade.

O que Rousseau faz é inserir a noção de responsabilidade para além da formação inicial do corpo social, alcançando o governo da sociedade civil, ambos frutos da liberdade intrínseca ao ser humano; conceito este que aparece anteriormente no jovem brilhantismo de Étienne de La Boétie (2009, p. 36), sagrado por sua entusiástica crítica da tirania:

Não é preciso combater nem derrubar esse tirano. Ele se destrói sozinho, se o país não consentir com sua servidão. Nem é preciso tirar-lhe algo, mas só não lhe dar nada. O país não precisa esforçar-se para fazer algo em seu próprio benefício, basta que não faça nada contra si mesmo. São, por conseguinte, os próprios povos que se deixam, ou melhor, que se fazem maltratar, pois seriam livres se parassem de servir. É o próprio povo que se escraviza e se suicida quando, podendo escolher entre ser submisso ou ser livre, renuncia à liberdade e aceita o jugo; quando consente com seu sofrimento, ou melhor, o procura.

Esta chamada a responsabilidade para a própria história é essencial ao desenvolvimento do Estado de Direito democrático, indo além do “querer” e do para “que” (que representam essencialmente o objetivo ao qual a vontade se dirige), e adentrando no reino do “por que” (por que um ato deve ser justo enquanto outro não?), até desaguar no máximo racional do imperativo categórico kantiano, representativo de “um princípio de conduta que se aplica a uma pessoa em virtude de sua natureza de ser racional igual e livre”, aplicável independentemente de qualquer objetivo particular (RAWLS, 2002, p. 277-278).

Para uma autoridade democraticamente constituída, a existência de uma vontade popular expressa e objetiva é essencial. O grande argumento rousseauniano contra a tirania e a favor da justiça do legislador é, afinal, dizer que as leis “são atos da vontade geral” onde “todo o povo estatui sobre todo o povo” (ROUSSEAU, 2016, p. 49-50). Muitos pensadores modernos e contemporâneos apontam as dificuldades lógicas de discernir entre essa vontade geral e a vontade da maioria, alguns até tomando o pensamento de Rousseau como ponto de partida para regimes autoritários onde a maioria oprime a minoria.

Realmente, tomar a lei e a justiça como uma coisa só, intrinsecamente ligada ao campo da maior ou menor participação política, logicamente não permite outra conclusão além de que esta lei é outro mecanismo (embora mais elaborado) de opressão igual a ditadura em sua essência. Aceitar a justiça da lei como um produto da participação política implica afirmar que a percepção majoritária sobre um determinado objeto é o próprio objeto, o que, em si, é negar toda a possibilidade de um conhecimento estável especialmente no campo da história.4 Mais do que isto, implica dizer que a justiça em uma sociedade democrática é um engodo, pois tudo o que haveria de verdade é a opressão da maioria em relação a uma minoria.

Talvez seja por esta razão que parte da doutrina jurídica contemporânea enxergue com espanto e preocupação o processo de politização da lei, onde esta é “reduzida a elemento secundário, que não tem importância por si, nem em si, mas sim em vista da finalidade”, finalidade que é definida politicamente (FERREIRA FILHO, 1999, p. 46). Entretanto, culpar Rousseau pelos problemas enfrentados e gerados pelas lógicas das sociedades industrializadas representa a verdadeira injustiça aqui.

Rousseau não é pura lógica, muito embora faça exímio uso desta para defender sua tese do Contrato Social. O genebrino é também um romântico, fala de sentimento, e um dos mais violentos e injustiçados pela atualidade mais preocupada com o realismo das coisas do que com as coisas em si; ele fala de amor, de um Estado limitado em espaço pela “extensão das capacidades humanas”, onde o vício não teria lugar para esconder-se e a virtude restaria ao alcance dos olhos de todos, “e onde o doce hábito de se ver e de se conhecer fizesse do amor à pátria o amor aos cidadãos mais do que o amor à terra” (ROUSSEAU, 2017, p. 22), ideal obviamente longínquo da realidade demasiadamente capitalista e industrial que temos hoje.

O Eu na multidão

O contrato social de Rousseau e o imperativo categórico de Kant servirão de base para John Rawls formular a sua ideia de “justiça como equidade”, segundo a qual o consenso entre “pessoas livres e racionais, preocupadas em promover seus próprios interesses” partindo dos ideais de igualdade racional e material, ninguém conhecendo “o seu lugar na sociedade”, determinará os princípios de justiça e injustiça respeitando uma “situação inicial” [estado de natureza] equitativa (RAWLS, 2002, p. 12-14).

Com isso, contorna-se o problema imposto pelo egoísmo natural do homem, problema que, como visto, não nasce com Hobbes, mas com o cristianismo. O transcendentalismo cristão deixa de ser uma necessidade para o justo no pensamento ocidental e a autoridade do Estado fica sedimentada em bases estritamente racionais, completando um processo de “descristianização” que, segundo Le Goff (2007, p. 83), teria sido iniciado em 1789.

O que a teoria de Rawls e daqueles que inspiraram seu pensamento faz é salvaguardar a característica racional do homem enquanto identificada com uma vontade livre, pressupondo que o “plano racional para uma pessoa determina o que é bom para ela” (RAWLS, 2002, p. 451). Ocorre que tal afirmação não é menos ideológica quanto a de qualquer religião, cuja pregação exige que a vontade do homem seja exatamente o fruto de todos os seus infortúnios.

O cerne do problema permanece o mesmo, é a relação do indivíduo consigo mesmo e a lei, com o mérito da justiça na tradição ocidental pendendo para a prevalência do interior. Ao considerar que o mérito não está apenas no cumprimento do dever, mas no cumprimento do dever de acordo com o justo, a lei e aqueles que a seguem tornam-se responsáveis do ponto de vista da moral. É o que estrutura Thoreau (2012, p. 9) para justificar a própria desobediência, defendendo fervorosamente que o seu único compromisso enquanto homem era o de fazer aquilo que sua consciência julgava “ser correto”.

A justiça não estaria na lei, mas na consciência individual, no “eu”. Dito isso, esta tradição tem de lidar com a dúvida levantada por Santo Agostinho, sobre aqueles que cometem um crime de homicídio sem nenhuma paixão, sem desejo por trás de suas ações, como, por exemplo, o soldado ou o juiz que condena o criminoso a pena capital (AGOSTINHO, 1995, p. 33), dentro de padrões racionais seculares.

Em Rawls (2002, p. 487) esta relação interior de que falamos ganha o sentido de “auto-estima” [sic], um “bem primário” dentro da concepção de “bem como racionalidade”, visto que, sem um senso de valor próprio e confiança na própria capacidade de realizar seus objetivos, o “desejo e atividade se tornam vazios e inúteis”, afundando a pessoa “na apatia e no cinismo”. Cabe perguntar então: qual a causa do interesse de um homem ser sempre guiado por uma consciência com base em um raciocínio lógico e determinável? A figura e o relacionamento com o outro, ou seja, com o exterior, não é um acordo, é uma imposição da realidade. Por que a interação haveria de ser diferente?

Esta preocupação com o senso do eu é necessária, pois é o fator que determinará para onde a vontade se voltará, para a obediência das regras, enxergando justiça nas mesmas, ou para a revolta que vimos linhas atrás. Dito isso, não há motivo algum para concluir que o valor que se dá a si mesmo e ao outro, seja este outro um sistema de normas ou qualquer outro objeto, sejam igualmente determinados por mecanismos racionais internos e individuais.

Mesmo a razão precisa ser desenvolvida por meio do contato com a educação, pela presença dos mestres ou pelo conhecimento acumulado e deixado por estes. E os primeiros mestres são sempre a família, sendo certo, não obstante Rousseau pontue que a permanência no seio familiar a partir de certo ponto não é mais natural e sim fruto de escolha (ROUSSEAU, 2016, p. 19), que esta deixa marca indelével no indivíduo adulto, pois é ela que o ensina a sobreviver e viver, ou seja, ensina o que a pessoa é e como deve ser.

Esta verdade reconhecida por todos, porque todos sentem o peso da presença ou da ausência da família de diferentes formas, já representa um obstáculo intransponível na relação do indivíduo com sua consciência, pois esta não é o bastante para alcançar o conhecimento de si para si, ficando sempre na dependência e, consequentemente, a mercê do outro.

De fato, o senso de valor que alguém possui sobre si mesmo parece ser muito menos adquirido em razão dos atos pensados do interior para o exterior (do por que dos objetivos alcançados ou que se quer alcançar), e muito mais do sentimento recebido de fora, do exterior, para dentro em razão dos atos realizados. Passado para termos jurídicos, basta revisitar a figura do criminoso para concluir que este apenas existe no contexto social e jamais no individual.

Quem quer ser tratado como anormal, marginal, como criminoso? Ninguém. Todos querem ter o respeito dos seus pares e sucesso em suas empreitadas, todos querem ser alguém, como tão bem observou Alain de Botton (2017), e, quando somos alguém, somos “objeto de amor”, ou, ao menos, sentimos que somos. “Nossa presença é notada, nosso nome é registrado, nossas opiniões são ouvidas, nossos fracassos são tratados com indulgência e nossas necessidades são atendidas” (BOTTON, 2017, p. 13).

Os termos escolhidos por Botton são perfeitos, descrevendo a vida adulta em dois polos, o primeiro da busca pelo “amor sexual”, que dispensa maiores explicações, o segundo da busca pelo “amor do mundo”, o “impulso” ou desejo por status, amiúde ligado à inveja e ao mundo dos bens econômicos (BOTTON, 2017, p. 14-15). Os termos são perfeitos porque expressam com clareza a irracionalidade dessa busca, principalmente porque a noção de estima social varia muito de uma época para outra e, no âmago, tem um sentido só – a repressão daquilo que é individual.

Por exemplo, não obstante os largos desenvolvimentos nos campos científicos e filosóficos, “pode-se dizer que as explicações a respeito dos motivos que levam alguém a ser pobre e do valor que uma pessoa pode ter para a sociedade tornaram-se notavelmente mais punitivas e emocionalmente inconvenientes na era moderna” (BOTTON, 2017, p. 62), contrastando com a doutrina cristã, segundo a qual, nem a riqueza nem a pobreza servem para medir o valor de uma vida, pois Cristo era pobre e, também, o mais elevado dos seres na terra (BOTTON, 2017, p. 66).

Em termos de ganho de capital, pode até falar-se em inversão ética, onde o ganho não mais existe em função do bem que proporciona ao ser humano, mas o ser humano existe “em função do ganho como finalidade da vida”, deixando implícito que as virtudes de um homem (p. ex. a honestidade) somente se justificam também em função do ganho que pode proporcionar (WEBER, 2004, p. 46).

Isto significa que a noção de autoestima não é algo que existe com o indivíduo, sempre dependendo de tempo, lugar e da adequação maior ou menor da pessoa em relação ao seu meio, o que já compromete a premissa de que aqueles que estivessem na “posição original” de equidade proposta por Rawls teriam condição ou vontade de “evitar quase a qualquer custo as condições sociais que solapam a auto-estima” [sic] (RAWLS, 2002, p. 487), uma vez que qualquer senso de valor interior depende, necessariamente, do reconhecimento/avaliação do mundo exterior/outro (p. ex. da capacidade de fazer amigos e julgamento de familiares próximos).

Inverte-se a fórmula. A pessoa não trabalha para alcançar algum objetivo próprio, muito menos para sentir-se superior; aliás, mesmo os seus objetivos podem ser definidos de forma externa a sua vontade enquanto trabalha e persevera para conseguir a aprovação do grupo. O sucesso vira um sintoma e o fim passa a ser o reconhecimento em si. Interioriza-se o bom comportamento, o certo e o errado igual à criança que toma a palavra do pai por lei, na esperança de receber um olhar de respeito, um gesto de reconhecimento, de receber uma prova de amor, o que, por sua vez, é concomitantemente, prova do valor, do lugar da pessoa no seu mundo interior e exterior.

Nietzsche fez acurada descrição desta situação ao expor a escravidão como uma forma de “disciplina e educação espiritual”, um pensar que dita “Tu deves obedecer seja a quem for e por muito tempo, senão perecerás e perderás o último resto de respeito por ti mesmo” (NIETZSCHE, 2002, p. 104), embora não tão acurada quanto Sartre, que brindou o mundo com uma verdade sobre o justo que ciência jurídica nenhuma pode refutar ao afirmar através da sua veia artística que “o inferno são os Outros” (SARTRE, 2014, p. 125).

A justiça é sempre encontrada no outro que serve de modelo. O pai, a mãe, os amigos, sempre sábios, sempre conhecedores do que é justo. Se o outro não fosse o modelo daquilo que consideramos justo e belo, a pergunta de Žižek (2019, p. 222) – “E se o resultado do meu exame de mim mesmo for a descoberta de que absolutamente eu não gosto do que encontrei?” – não teria peso algum e todos viveriam no Éden ainda que todos fossem os maiores pecadores do mundo.

Para desgostar de algo é preciso ter um objeto semelhante para fins de comparação, não sendo possível conhecer ou adquirir sozinho alguma noção de certo ou errado simplesmente porque não há nada intrínseco ao indivíduo além do próprio (sobre)viver. Por isso o inferno está no outro, pois este é o ponto de partida do desejo de melhora, a consciência de toda e qualquer imperfeição pessoal.

Amor pela obediência

Nietzsche (2001, p. 103) utiliza termos como “imposição” e “coação” para referir-se a moral, enquanto a ciência jurídica utiliza esses termos para diferenciar a sua justiça da justiça do resto, mas o que há é apenas o mais puro “querer” – querer ser aceito, querer receber amor e respeito, querer ser alguém para alguém – e porque é puro não há raciocínio, não vai além do sentimento suscitado pelo que se recebe do outro ou pelo que se vê o outro receber.

Em termos leigos, o que falamos parece um truísmo que o raciocínio traduz, vulgariza e naturaliza na simples busca pelo prazer. Ignora, entretanto, que o prazer é alcançado sempre na vida, na realização da vontade que amiúde independe da visão que o outro tem de nós. O desejo criminoso, então, não passaria realmente de um desejo criminoso na medida em que é obtido às expensas da felicidade do outro, e estaríamos meramente endossando as palavras de Del Vecchio (1959, p. 23), de que no ideal do direito se encontra o ideal do bem ou da justiça.

A obediência não pode ser só isso, pois representa um desejo ao mesmo tempo de vida e de morte, desejo pela mais perfeita adequação ao modelo; verdadeiro inferno para alguns, fonte de amor para outros. Amor torto, celerado, é verdade, mas amor mesmo assim, e o amor sempre existe na dependência da vontade do outro.

Isto implica um verdadeiro desmonte da autoridade assentada em escolhas racionais, porquanto o que há e o que sobra para a consciência que toma conhecimento de sua humanidade são as reações determinadas pelo meio e, inclusive, tomadas em função deste meio ao qual foi ensinado que se pertence inexoravelmente; o que igualmente significa que a eficácia das normas sociais não pode mais ser justificada no aceite expresso ou tácito, simplesmente porque não há realmente uma vontade individual para expressar este aceite.

A autoridade da norma, assim, longe de ser o resultado de uma escolha meticulosamente calculada, é a manifestação de um sentimento específico; é a manifestação de um amor pela obediência, que é o amor pelo amor, é o indivíduo amando ser amado e por isso obedecendo. É uma reação, uma resposta a um afago, um carinho, um olhar de admiração.

O amor à obediência, como todo romance, tem um sentido poético – significa tudo em uma sociedade: ser um bom cidadão onde não há nada mais além de bons cidadãos – e um sentido trágico – é a vontade de ser humano em um ambiente desumano. Obviamente uma afirmação deste tipo perde completamente o sentido quando desprovida de um exemplo prático. Infelizmente, o século passado deixou para a história diversas tragédias que colocam em xeque a lógica dos institutos jurídicos, dentre as quais se encontra o complexo caso de Otto Adolf Eichmann, criminoso nazista, capturado e trazido para julgamento em Jerusalém em 1961 por sua participação no que é hoje o mais conhecido crime contra a humanidade, o Holocausto.

O caso de Eichmann é, talvez, o maior desafio para todo o pensamento jurídico arregimentado sob a o estandarte da razão, da capacidade de decisão e escolha do homem, escolha que só pode acontecer quando há mais de uma possibilidade. O genocídio perpetrado pelos nazistas é um mal, é moralmente abjeto, não há dúvida, mas o direito não é moral, é política, é poder que só se manifesta na presença do outro e, por isso, é um comando e não uma admoestação da consciência.

Goebbels escreveu em seu diário – “O fuhrer diz que temos que conseguir a vitória, tanto faz se estamos agindo certo ou errado” – para logo depois justificar que os nazistas tinham “muita responsabilidade nas mãos”, pois perder a guerra significava que todo o seu povo seria “varrido do mapa” (REES, 2018, p. 248). Hoje, tais afirmações podem ser descartadas como propaganda e mentira, como realmente eram. Nas palavras de Arendt (1999, p. 65), “a mentira que mais funcionou com a totalidade do povo alemão foi o slogan ‘a batalha pelo destino do povo alemão’ [der Schicksalskampf des deutschen Volkes]”.

Entretanto, não estamos olhando para uma peça propagandística apenas. Estamos olhando para o diário, o pensamento íntimo do maestro da propaganda nazista que, pelo visto, acreditava piamente nas próprias mentiras, igual à maioria do povo alemão daquela época, o que torna tudo mais desconcertante. E se Goebbels tenta através da enganação colocar suas ações para além do bem e do mal, com certeza não as colocava para além do sistema legal do III Reich, cujo “centro absoluto” [era] o “comando do Fuhrer” (MAUNZ 1943 apud ARENDT, 1999, p. 35).

Esta hipocrisia se fez presente em toda a sua confusão no julgamento de Eichmann, levantando o problema de como responsabilizar um homem por suas escolhas ou exigir-lhe um comportamento diverso dentro de um país no qual “a hipocrisia passou a ser parte integrante do caráter nacional” (ARENDT, 1999, p. 65)? O maior desafio para os juízes do monstro nazista era a ausência do pressuposto da vontade, ausência do “querer” agir contra, do “querer” prejudicar as vítimas do holocausto perpetrado pelo Estado nazista, fato comentado com perceptibilidade ímpar por Zygmunt Bauman (2008, p. 81-82, grifo do autor):

Esse pressuposto foi na verdade uma presença invisível no banco dos réus durante todo o julgamento de Eichmann em Jerusalém. Com a ajuda de seus cultos advogados, Eichmann tentou convencer o tribunal de que, já que seu único motivo era o trabalho bem-feito (ou seja, capaz de satisfazer seus superiores), este não se relacionava com a natureza e o destino dos objetos de suas ações [...] O que se pode recolher da defesa de Eichmann [...] é que o ódio e o desejo de fazer a vítima desaparecer da face do planeta não são condições necessárias para um assassinato – e se algumas pessoas sofrem em decorrência do fato de outras cumprirem seus deveres, a acusação de imoralidade, portanto, não se aplica. Fazer a vítima sofrer é visto menos ainda como um crime na compreensão do direito moderno, o qual insiste que, a menos que se encontre um motivo para o assassinato, o réu não deve ser classificado como criminoso, mas como pessoa doente, psicopata ou sociopata, devendo ser submetido a tratamento psiquiátrico, e não à prisão ou à forca.

É preciso perceber o recôndito na alma como Arendt percebeu. Em sua descrição, Eichmann jamais demonstrou remorso, mas como poderia? Ele era um homem medíocre antes de Hitler, um “jovem ambicioso” que, cansado da “vida rotineira, sem significado ou consequência” de caixeiro-viajante, veio encontrar sentido neste movimento “no qual alguém como ele – já fracassado aos olhos de sua classe social, de sua família e, portanto, aos seus próprios olhos também – podia começar de novo e ainda construir uma carreira” (ARENDT, 1999, p. 45).

Para Eichmann, não seus atos e sim a sua autoestima, o seu valor no mundo, estava sendo posto em xeque pelo tribunal, um mundo no qual ele viveu igual outros 80 milhões de alemães, marchando juntos “em perfeita harmonia” (ARENDT, 1999, p. 65), mas que também não existia mais, o que explica a afirmação do governo alemão, de que Eichmann não era cidadão alemão, para negar o pedido de extradição da defesa, uma “mentira patente” na visão de Arendt (1999, p. 46).

Não era mentira. O perito na deportação forçada de judeus fora cidadão da Alemanha hitlerista. Agora que o Reich não existia mais, seus atos, antes legitimados pela ordem vigente, consequentemente, não significavam mais muita coisa além de uma monstruosidade criminosa. Faltava-lhes a sociedade para garantir-lhes a antiga legitimidade. Eichmann não entendeu a própria situação e por isso representava (representa) um problema jurídico complexo.

Não podia sentir remorso, uma vez que o fator preponderante para “acalmar sua própria consciência foi o simples fato de não ver ninguém, absolutamente ninguém, contrário à Solução Final” (ARENDT, 1999, p. 133). Não é crível que não houvesse oposição, mas, a regra era ser nazista, de forma que a “única maneira possível de viver no Terceiro Reich e não agir como nazista consistia em não aparecer de forma alguma” (ARENDT, 1999, p. 143), era tornar-se um marginal perante o social; e Eichmann deixou incomodamente claro que preferia morrer um nazista à admitir viver a “vida discreta e normal” de um vendedor (ARENDT, 1999, p. 45).

De fato, a promotoria acusava Eichmann baseada no fato de que este, como toda “pessoa normal”, teria plena consciência “da natureza dos seus atos”, mas ignorava completamente que este agiu dentro dos mais estritos padrões esperados para a época dos fatos, agora vistos como criminosos (ARENDT, 1999, p. 38). Em resumo, a monstruosidade colocada diante dos juízes era patente, já o homem que as cometeu era opaco, quase inexistente.

A leitura do monstro feita por Arendt é tormentosa por expor ao sol da consciência as “sutilezas legais” que implicavam todo o mundo alemão daquela época, desde as “forças armadas regulares”, até o sistema de Justiça e o “mundo empresarial” (ARENDT, 1999, p. 29). Que poderia ser feito? O homem era o modelo de cidadão nazista, um paradoxo entre a ausência de dolo e a fervorosa vontade de cumprir a lei. Deveria colocar-se todo o povo soberano da Alemanha no banco dos réus, fazendo cumprir a profecia de Goebbels? Impossível. Diante da impossibilidade, como expor um único cidadão alemão que fosse ao sol da consciência sem entrar em contradição?

Não é o caso de fazer revisionismo para inocentar um homem, mas de realizar uma crítica da ideia de consciência e capacidade racional humana. No caso concreto, não se pensava, se obedecia, e pela obediência era recebido um feedback positivo que induzia à continuidade do comportamento. Foi assim para todos no regime hitlerista. Tudo no movimento nazista ocultava a realidade, chamando para a obediência, desde o presente – as vitórias militares, a impressão de melhora da situação econômica – até o futuro – as promessas de vitória ou destruição absoluta.

Contra este fato histórico, opõe-se o velho ideal filosófico de liberdade do ocidente. Recupera-se Thoreau (2012, p. 89) para repetir que a política “não é mais do que a fumaça do charuto de um homem”, que um indivíduo, fosse Eichmann ou qualquer outro poderia ter agido de forma diversa, até desaguar em Sartre, para quem “não há acidentes em uma vida” e mesmo uma guerra também implica um ato de escolha, ou seja, a guerra do Estado também é “feita a minha imagem” e, portanto, merecida, pois sempre há opções como o suicídio e a deserção (SARTRE, 1999, p. 678).

Qualquer soldado ao qual Sartre fizesse a proposta de suicídio ou deserção, das duas uma, ou diria ‘você primeiro’ ou lhe tomaria por um traidor da pátria imundo. Isto porque a obediência não é racionalidade, é emoção, é a sensação de pertencer, de ser necessário para uma sociedade que de outra forma nos é completamente indiferente. Por isso a obediência implica em um tipo de sentimento, um romance onde, em última instância, o indivíduo se sente querido pelo seu meio, não podendo ser originário de algo tão frio e calculado como um acordo entre vontades.

De nada adianta levantar a possibilidade de desobediência para condenar Eichmann, pois se a inação solitária de um pode servir de argumento para sua condenação, tanto mais para o restante dos indivíduos que compõem a sociedade. Este é o maior problema de se apelar para a ‘consciência’ como se esta fosse um dado uniforme da natureza. O homem normal é, inevitavelmente, a maioria. Aquilo que a maioria faz é automaticamente considerado comum e aquilo que é comum torna-se norma de costume ou de direito. E se Eichmann agiu conforme as mentiras que convenceram a maioria do povo alemão a ignorar os horrores do extermínio e da guerra, este não é mais condenável do que qualquer um, em qualquer sociedade, por qualquer injustiça que esteja em curso ou que venha a ocorrer.

Vejamos algumas aplicações do que foi dito no parágrafo anterior: a maioria acha um objeto belo e, por consequência, considera outro feio. Cria-se um padrão de beleza. A maioria elogia aquilo que acha belo e censura o feio. Cria-se um padrão de virtude. A maioria prioriza o pragmatismo em detrimento do conhecimento teórico. Cria-se um padrão de inteligência. A maioria prefere a riqueza à pobreza. Cria-se um padrão de honra.

A maioria é a forma de qualquer fórmula baseada na concordância. A maioria concorda, portanto, faz regra pouco importando as alternâncias, estas somente servindo para mudar a perspectiva do poder instituidor não a sua natureza em si. Contudo, se esta concordância é tão racional ao ponto de ser considerada um pacto, então todos também são responsáveis por toda e qualquer injustiça perpetrada na vigência do contrato.

Peguemos, por exemplo, a morte devido à fome, o abandono de crianças e a ação de grupos criminosos dentro da sociedade; todos estes casos podem ser objeto de questionamentos futuros e considerados crimes individuais por retrospecto; por que você não cuidou de alimentar aquele homem? Por que você não adotou um órfão? Por que você não votou por penas mais duras quando os índices de criminalidade estavam elevados? Resposta: Porque estava no seu direito. Porque não estava descumprindo nenhuma lei.

Obviamente o tipo de responsabilização supramencionada não coaduna com um sistema individualista, onde a pessoa é responsável somente pelas suas escolhas e atos, entretanto, a visão da sociedade como um grupo de indivíduos que concordam conscientemente com um sentido de justiça também não oferece nenhuma justificativa do porquê os indivíduos não possam ser responsabilizados pelos infelizes que seu sistema cria, nada garantindo que dentro de 100 ou 200 anos a sociedade atual não vá ser colocada perante o sol da consciência e responsabilizada pelas mortes dos pobres e carentes que gerou, sendo taxada de irracional e atrasada.

Nós no futuro – Ciência x Dignidade Humana

Para Hannah Arendt (2017, p. 86), “todos os demônios seriam soltos se o modelo de contrato original de associações – promessas mútuas com o imperativo moral pacta sunt servanda – se perdesse”, e, no entanto, a participação voluntária, a escolha individual, parece ser hoje um elemento supérfluo da vida em conjunto. Todo o problema pode ser reduzido a uma única pergunta: Por que eu devo fazer alguma coisa? Porque é assim que “o mundo” funciona; porque é preciso – para não morrer de fome, para ajudar os outros, para ser um bom cidadão. Ao final, o problema é sempre reduzido a uma questão de necessidade, não havendo espaço para a vontade no ‘imperativo’ do pacta sunt servanda.

Ainda assim, existem aqueles que, opondo o pragmatismo à filosofia e o elevando às últimas consequências, tomam as próprias ações por prova da sua individualidade. É compreensível. Vivemos a era da genética, afinal de contas, como pontuou o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, no acórdão do Recurso Extraordinário 363.889/DF, as pesquisas atinentes ao genoma humano representam “a última fronteira para a individualização da identidade pessoal” (BRASIL, 2011, p. 97). Como, diante de tantas façanhas científicas, negar a racionalidade, a liberdade do zoon politikon?

Pergunte-se então: qual é o fim da ciência? Não é, como geralmente acredita-se, a busca do conhecimento pelo conhecimento (isto é filosofia). Busca-se conhecimento científico para melhor controlar e usufruir das coisas. A ciência formula novas técnicas (p. ex. cura doenças, aumenta a produção de alimentos...) que permitem ao ser humano melhor controlar a natureza; em suma, ela (ciência) é útil do ponto de vista prático e por isso é, amiúde, percebida erroneamente como superior a outras formas de conhecimento.

Nesse diapasão, a biomedicina aparentemente vem reforçar a relação de liberdade do homem para consigo mesmo. Contudo, isto não é necessariamente verdadeiro, pois os avanços no campo das ciências biológicas fazem mais do que expandir as possibilidades de ação do indivíduo; elas criam novas possibilidades de intervenção, nomeadamente no campo do genoma humano, ao permitir o controle sobre as características de outro ser. Esta possibilidade de controle torna as relações entre os sujeitos naturalmente assimétricas ao reduzir uma das partes à posição de objeto do outro, que sobre esta faz projetar sua decisão, que é inexorável e irreversível (HABERMAS, 2003, p. 11-14).

Entenda-se, não é o caso de simplesmente se falar da necessidade de novas regulamentações. Mesmo a bioética preocupando-se enormemente com a temática do consentimento e autodeterminação, que encontra seu ponto de partida no domínio jurídico já no século passado (1914) com o caso Schloendorff vs. Society of N.Y. Hospitals (NEVES, M., 2003, p. 488), a manipulação genética possibilita a encarnação material da supremacia do grupo (projeto do grupo) sobre a vida da pessoa, não apenas por causa dos empecilhos éticos que pode representar a liberdade do indivíduo que sofre a manipulação, mas, porque estabelece posições sociais virtualmente imutáveis dentre aqueles que dominam a manipulação do material genético e os que têm seu genoma artificialmente alterado (HABERMAS, 2003, p. 65).

Um estamento social como o supramencionado não viola apenas a liberdade e a igualdade (formal e material). Constitui igualmente uma quebra com o princípio da dignidade humana, aqui conceituada como:

qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.(SARLET, 2001, p. 67, grifo nosso).

Se considerarmos que a bioética reconstrói parâmetros “para fundamentar as condutas dos homens para com os indivíduos e com a comunidade no respeito à dignidade da pessoa humana em face da vida” (FERRARI, 2017, p. 165), não há dúvidas de que a manipulação genética representa o novo em termos racionais, entretanto, também não há dúvidas de que o seu exercício não pode ser legitimado pelo método jurídico. Que pode um legislador fazer perante uma situação como esta? Usar da lei para proibir o avanço da razão nova que veio negar a razão antiga, aquela sob a qual os principais sistemas políticos e jurídicos contemporâneos deitam suas raízes? Se esta é a resposta, devemos louvar Platão por sua argucia em perceber a relação intrínseca entre a mentira e o governo da coisa pública. De qualquer forma, o espírito racional da lei e, portanto, da sociedade democrática, restará ferido de morte.

O ponto principal deste tópico que deve ficar claro, é que o problema do irracionalismo e da liberdade individual no direito contemporâneo não fica restrito a um debate retórico de visões ideológicas sobre a natureza do ser humano, encontrando eco, inclusive, nas práticas vanguardistas da biomedicina e suas implicações éticas e jurídicas.

Considerações finais

A guisa de conclusão, é preciso reconhecer que parte da doutrina jurídica atual, como o citado Fabio Konder Comparato (1997, p. 11-12), admite que o “logos do homem” é expressão da sua racionalidade em conjunto com a “emotividade ou sensibilidade”, distinguindo a ética contemporânea do “racionalismo triunfante do século das luzes”, por esta ser fundada “em preferências axiológicas muito concretas, ditadas também pela emoção e pelo sentimento”.

Resta dúvida, entretanto, sobre o real peso destas preferências axiológicas, pois é inegável que o racionalismo ainda impera sob todo o resto, ostentando um valor muito maior em diferentes campos da nossa sociedade e, como visto no tópico anterior, pode, inclusive, perverter a ordem social e irrevogavelmente reduzir o sujeito à situação de objeto/produto da sociedade se levado às últimas consequências.

No final, uma divisão perfeita da consciência humana entre sentimento e razão está fadada a cair no velho maniqueísmo de outros tempos, sendo preciso escolher qual valor prevalecerá, se o racionalismo ou o sentimento de amor ao próximo. Pondera-se, entretanto, que o amor ao próximo vai além do amor pela justiça, pois este último não vai além das satisfações do “eu”, ao passo que o primeiro consegue enxergar que não existe justiça verdadeira que não seja permeada pelas idiossincrasias de uma vida inteira de sofrimentos e desejos.

Ora concluindo propomos retomar essas questões à luz de Pessini (2017, p. 257) quando afirma:

Temos de enriquecer a inteligência intelectual e instrumental, da qual não podemos prescindir se quisermos dar conta dos problemas humanos. [...] A racionalidade tem também uma importante contribuição a dar, mas quando amalgamada com a sensibilidade do coração. [...] A categoria central dessa nova visão é o cuidado como ética e como cultura humanística. [...] o que E. Wilson chama de biofilia, o amor `a vida. Tudo do que cuidamos também amamos. De tudo o que amamos também cuidamos.

Material suplementario
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Notas
Notas
1 Medo sempre, medo em todos os lugares (tradução nossa).
2 Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! (tradução nossa).
3 Na harmonia as coisas mínimas florescem, na discórdia até as maiores desfazem-se (tradução nossa).
4 As chamadas fake news não são a prova final de que a percepção sobre um fato é instável, somente prestando ao discurso sobre este mesmo fato. As diversas versões oficiais sustentadas por governos e contestadas ao longo da história revelam um debate que vai de Platão até Santo Agostinho, passando por Kant, Nietzsche, Derrida, até finalmente alcançar a nossa época que parece receber com surpresa assuntos que, apesar das novas formas, são objeto de debate muito antigo.
Notas de autor
* Professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, PROGRAD - CENEPP - Centro de Estudos e Práticas Pedagógicas. Doutora em Educação pela UNESP. Mestre em Administração da Educação pela UNIMEP. Pedagoga. Docente do programa de pós-graduação em Bioética (mestrado e doutorado) e no mestrado profissional em Nutrição do Centro Universitário São Camilo.
** Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito e Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado. Membro do Grupo de Estudos Família e Felicidade (GEFam/Mackenzie). Membro dos Grupos de Pesquisa Políticas Públicas como instrumento de efetivação da Cidadania e; Os Parlamentos Latino-Americanos (Mackenzie).
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