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O Tribunal Penal Internacional e o Tribunal de Nuremberg: aspectos históricos e jurídicos
Flavia Denadai Alvarenga; Tarsis Barreto Oliveira
Flavia Denadai Alvarenga; Tarsis Barreto Oliveira
O Tribunal Penal Internacional e o Tribunal de Nuremberg: aspectos históricos e jurídicos
El Tribunal Penal Internacional y el Tribunal de Núremberg: aspectos históricos y jurídicos
The International Criminal Court and the Nuremberg Tribunal: Historical and Legal aspects
Le Tribunal pénal international et le Tribunal de Nuremberg : aspects historiques et juridiques
国际刑事法院和纽伦堡法庭:历史和法律方面
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 13, núm. 1, pp. 72-104, 2021
Universidade Federal Fluminense
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Resumo: O presente trabalho analisa a contribuição do Tribunal de Nuremberg para a humanidade, sobretudo no âmbito da prevenção de ocorrência de novas atrocidades, como as vivenciadas em nossa recente história. O estudo aborda a necessidade de revisar-se o passado, em tempos de preconceitos, reforçando o alerta à Humanidade de que a intolerância contribui para o caos social, político e internacional. Também se apresenta como justificativa à pesquisa a necessidade de revisão dos aspectos históricos frente aos quais foi criado o Tribunal Penal Internacional, com o objetivo de punir os crimes mais cáusticos contra a humanidade. O presente trabalho analisa o processo de formação do TPI, com enfoque em seus aspectos históricos e jurídicos, destacando casos emblemáticos que seriam passíveis de julgamento pelo Tribunal, caso ele existisse na época dos acontecimentos.

Palavras-chave: Tribunal de Nuremberg, Tribunal Penal Internacional, tribunais ad hoc.

Resumen: El presente trabajo analiza la contribución del Tribunal de Núremberg al concepto de delito contra la humanidad, sobre todo en el marco de la prevención de ocurrencia de nuevas atrocidades como las que han tenido lugar en nuestra historia reciente. El estudio aborda la necesidad de revisar el pasado, reforzando la advertencia de que la intolerancia contribuye al caos social, político e internacional. También se presenta como justificativa de la búsqueda la necesidad de revisión de los aspectos históricos frente a los cuales se creó el Tribunal Penal Internacional, con el objetivo de punir los delitos más cáusticos contra la humanidad. Este texto examina el proceso de formación del TPI haciendo hincapié en sus aspectos históricos y jurídicos, destacando casos emblemáticos que serían susceptibles de ser juzgados por el Tribunal si hubiese existido en la época en la que se produjeron los acontecimientos.

Palabras clave: Tribunal de Núremberg, Tribunal Penal Internacional, tribunales ad hoc..

Abstract: The present work analyzes the contribution of the Nuremberg Tribunal to the shaping of the concept of crimes against humanity, particularly in the sphere of the prevention of the occurrence of new atrocities, such as those experienced in our recent history. The study approaches the need to review the past, reinforcing the warning that intolerance contributes to social, political, and international chaos. The investigation is also justified by the need to revise the historical aspects of the context in which the International Criminal Court was created, with the aim of punishing the most serious crimes against humanity. The present work analyzes the process by which the ICC was formed, with a focus on its historical and legal features, highlighting iconic cases to go on trial at the Court, if in existence when the events occurred.

Keywords: Nuremberg Tribunal, International Criminal Court, ad hoc courts.

Résumé: Ce travail analyse la contribution du Tribunal de Nuremberg à la conceptualisation du crime contre l’humanité, et ce principalement dans le cadre de la prévention de la survenue de nouvelles atrocités telles que celles dont notre histoire récente a été le témoin. Notre étude aborde la nécessité de réviser le passé afin de renforcer l’alerte de ce que l’intolérance contribue au chaos social, politique et international. Notre recherche se justifie également par la nécessité de révision du contexte historique dans lequel a été créé le Tribunal pénal international dans le but de punir les crimes contre l’humanité les plus graves. Il s’agit ici d’analyser le processus de constitution du TPI en s’intéressant plus spécialement à ses aspects historiques et juridiques, ainsi qu’aux cas emblématiques qui auraient été passibles d’être jugés par le Tribunal si celui-ci avait existé à l’époque des faits.

Mots clés: Tribunal de Nuremberg, Tribunal pénal international, tribunaux ad hoc..

摘要: 本文分析了纽伦堡法庭对反人类罪概念的定义,特别是在防止发生新的反人类暴行方面,例如在刚刚结束的二战期间发生的暴行,纽伦堡法庭做出了独特的贡献。本项研究回顾历史,警告国际社会,民族之间的不宽容会造成并且加剧社会,政治和国际混乱。本文还证明,有必要反思国际刑事法院成立的历史背景,那就是对危害人类的严重罪行必须进行惩处。本文作者分析了国际刑事法院成立的过程,着眼于其对历史和法律方面的贡献,作者强调了一些标志性案件,把它们作为案例分析,以展示纽伦堡法庭的历史地位与特殊贡献。

關鍵詞: 纽伦堡法庭, 国际刑事法院, 专案法庭.

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Artigos

O Tribunal Penal Internacional e o Tribunal de Nuremberg: aspectos históricos e jurídicos

El Tribunal Penal Internacional y el Tribunal de Núremberg: aspectos históricos y jurídicos

The International Criminal Court and the Nuremberg Tribunal: Historical and Legal aspects

Le Tribunal pénal international et le Tribunal de Nuremberg : aspects historiques et juridiques

国际刑事法院和纽伦堡法庭:历史和法律方面

Flavia Denadai Alvarenga*
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Tarsis Barreto Oliveira**
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 13, núm. 1, pp. 72-104, 2021
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 26 Junio 2020

Aprobación: 09 Diciembre 2020

Introdução

Intensificam-se, no cenário internacional, inúmeros conflitos. O cenário hodiernamente apresentado, o mesmo de décadas passadas (e que precederam a guerras mundiais), representa ambiente propício à ocorrência de novas disputas internacionais, suscitando estudo apurado desse fenômeno.

Devido a essa insegurança, a criação do Tribunal Penal Internacional tornou-se surpreendentemente relevante, sendo resultado de longo processo de combate a injustiças perpetradas por inúmeros países.

O Tribunal Penal Interacional e o Tribunal de Nuremberg apresentaram significativa contribuição para o atual estágio civilizatório, demonstrando que o indivíduo que age em nome do Estado pode ser responsabilizado pessoalmente por meio de um Tribunal Penal Interacional, evitando que barbáries sejam cometidas por indivíduos em nome de seus países.

Investiga-se nesta pesquisa o papel desempenhado pelo Tribunal de Nuremberg na delimitação da responsabilidade penal dos autores de graves violações aos direitos humanos, cuja responsabilidade adentra a esfera do Direito Internacional e a soberania dos países.

Este Tribunal consolidou as bases do Direito Internacional Penal, chegando-se, a partir dele, ao Tribunal Penal Internacional, um tribunal permanente, voltado para punir indivíduos que tenham praticado crimes internacionais graves.

O TPI (Tribunal Penal Internacional) tem caráter excepcional e complementar, ou seja, sua jurisdição fica condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno.

A criação do TPI foi aprovada em 17 de julho de 1998. Ao punir criminosos internacionais, desempenha a função de informar para a sociedade a mensagem de que não haverá tolerância ou impunidade, representando avanço na segurança jurídica internacional e progresso do Direto Humanitário Internacional.

O Tribunal Penal Internacional foi criado com o objetivo de punir os crimes mais cáusticos contra a humanidade. Este instrumento jurídico é resultado da restauração da cidadania universal e dignidade da pessoa humana, tendo em vista que a impunidade engendra considerável ressentimento e mal-estar sociais.

O presente trabalho encontra-se estruturado em três capítulos. O primeiro capítulo versa sobre o contexto pós segunda guerra mundial, demonstrando o papel fundamental do Tribunal de Nuremberg, fazendo referência aos conflitos no cenário internacional, assim como apresentando os Tribunais Ad Hoc que existiram, e a necessidade de criação de um Tribunal permanente.

O segundo capítulo aborda o Tribunal Penal Internacional, sua criação, os crimes de sua competência, a segurança jurídica internacional, bem como a proteção internacional dos direitos humanos, apresentando alguns casos julgados pelo TPI.

Por fim, o terceiro capítulo expõe casos emblemáticos que seriam passíveis de apreciação pelo TPI, quais sejam: o holocausto nazista; o apartheid e a segregação racial nos Estados Unidos, acontecimentos históricos expressivos de intolerância e que ainda deixam marcas na humanidade.

Contexto pós Segunda Guerra Mundial

As tropas alemãs invadiram a Polônia no dia 1º de setembro de 1939, dando início à segunda guerra mundial, marcada por envolvimentos de civis nos confrontos, violações às garantias fundamentais da pessoa humana, conflito bélico violento com duração de seis anos, e cujos efeitos ainda são sentidos.

Sobre esse conflito, Hobsbawm (1995) afirma que suas perdas são incalculáveis, uma vez que a guerra matou tanto civis quanto pessoas de uniforme, e grande parte da pior matança aconteceu em regiões, ou momentos, em que não havia ninguém a postos para contar ou se importar.

No mesmo sentido assevera:

[...] era uma nova impessoalidade da guerra, que tornava o matar e estropiar uma consequência remota de apertar um botão ou virar uma alavanca. A tecnologia tornava suas vítimas invisíveis, como não podiam fazer as pessoas evisceradas por baionetas ou vistas pelas miras de armas de fogo.

[...] Lá embaixo dos bombardeios aéreos estavam não as pessoas que iam ser queimadas e evisceradas, mas somente alvos. Rapazes delicados, que certamente não teriam desejado enfiar uma baioneta na barriga de uma aldeã gravida, podiam muito mais facilmente jogar altos explosivos sobre Londres ou Berlim, ou bombas nucleares em Nagasaki. Diligentes burocratas alemães, que certamente teriam achado repugnante tanger eles próprios judeus mortos de fome para abatedouros, podiam organizar os horários de trem para o abastecimento regular de comboios da morte para os campos de extermínio poloneses, com menos senso de envolvimento pessoal. As maiores crueldades de nosso século foram sobretudo quando podiam ser justificadas como lamentáveis necessidades operacionais. (HOBSBAWM, 1995, p. 57)

Capelato e D’Alessio (2012) afirmam que as experiências nazifascistas que ocorreram no mundo marcaram o século XX. Os crimes então cometidos contra a humanidade jamais poderão ser esquecidos, sobretudo em contexto de crise internacional e de atuação de movimentos radicais extremistas. Na atualidade, o desrespeito aos direitos humanos e às diferenças, a descrença na razão e o crescimento da xenofobia nos levam a indagar se a “barbárie nazista” realmente já foi esquecida.

O regime nazista idealizou a superioridade do povo alemão, cenário em que a simples existência do diferente tornava-se insuportável, expondo a face mais perversa do fenômeno identitário. O “outro” deveria ser excluído socialmente, combatido e eliminado fisicamente. A intolerância atingiu, então, seu ponto culminante na história humana (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

Infelizmente, a consciência sobre a necessidade de não deixar impunes os criminosos de guerra veio a existir somente após os sofrimentos e massacres da segunda guerra mundial.

Cawthorne (2015, p. 201) afirma que:

Em agosto de 1945, a conferência de Londres criou o Tribunal Militar Internacional, que recebeu autoridade para indicar acusados de três tipos de crime: crimes contra a paz (ou seja, planejar e começar guerras de agressão), crimes contra a humanidade (genocídio, extermínio e deportação) e crimes de guerra (isto é, violação das leis da guerra). Cada uma das quatro Grandes Potências, Grã- Bretanha, Estados Unidos, União Soviética e França, forneceria um juiz e um promotor.

No dia vinte de novembro de 1945 a sede do Tribunal foi mudada para o Palácio da Justiça de Nuremberg (CAWTHORNE, 2015).

O julgamento dos responsáveis pelas severas violações aos direitos humanos serviu de alerta ao mundo, certificando que indivíduos que agem pelo Estado respondem pessoalmente por seus atos, de tal forma a impedir que tais atrocidades viessem a acontecer novamente em posteriores conflitos.

Cretella Neto (2008) expõe que o Estatuto do Tribunal de Nuremberg foi aprovado em 6 de agosto de 1945, contendo 30 artigos, estabelecendo que aquela seria uma corte quadripartite, devendo cada país aliado enviar um juiz titular e outro suplente, com a presidência sendo exercida na forma rotativa.

Durante o terrível período do holocausto, no decorrer da segunda guerra mundial, ocorreram crueldades contra a humanidade. Devido a esses acontecimentos, a comunidade internacional considerou relevante punir e responsabilizar os criminosos, tendo o Tribunal de Nuremberg surgido em reação direta às barbáries praticadas pelos nazistas.

O Julgamento de Nuremberg fomentou mudanças na estrutura do sistema jurídico internacional do século XX, tendo em vista tratar de crimes de genocídio, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade.

O Tribunal de Nuremberg apresentou significativa importância para o desenvolvimento do conceito de “tribunais internacionais”. Consolidando as bases do Direito Internacional Penal, a partir dele pôde-se chegar ao Tribunal Penal Internacional, tribunal permanente voltado à punição de indivíduos que tenham praticado crimes internacionais graves, assim como fora o Tribunal de Nuremberg.

Piovesan (2007) relata o surgimento de acirrada polêmica em torno da alegação de afronta ao princípio da anterioridade da lei penal, sob o argumento de que os atos punidos pelo Tribunal de Nuremberg não eram considerados crimes no momento em que foram cometidos. A essa crítica outras se acrescentaram, como as relativas ao alto grau de politicidade do Tribunal de Nuremberg (em que “vencedores” estariam julgando “vencidos”); ao fato de ser um Tribunal precário e de exceção (criado post facto para julgar crimes específicos); e às sanções por ele impostas (como a pena de morte).

O Tribunal de Nuremberg recebe inúmeras críticas por ter sido um tribunal de exceção, conhecido como “tribunal dos vencedores contra os vencidos” e também pelo fato de ter sido adotado após as condutas incriminadoras terem sido praticadas. Porém, mesmo diante dessas críticas, apresentou-se como marco nas relações jurídicas e políticas do século XX, sendo considerado o alicerce do Direito Internacional Penal.

Como bem assevera Gonçalves (2001), o Tribunal de Nuremberg previa a punição para os delitos que até então eram inconcebíveis e, desta forma, não estavam tipificados. O texto produzido para o julgamento dos homens de Estado do Eixo trazia um novo código ao sistema jurídico internacional pós 1945. Então, o Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg poderia ser evocado quando em conflitos futuros, atrocidades semelhantes àquelas ali tipificadas viessem a ser cometidas. A influência destas normas foi percebida pelas cinco décadas seguintes, culminando na criação Tribunal Penal Internacional, instituído pela comunidade das nações em 1998.

No mesmo sentido, Jankov (2009) afirma que o Tribunal de Nuremberg serviu de elemento catalizador para o desenvolvimento do direito internacional penal, em que, pela primeira vez, indivíduos foram acusados com base na violação de normas internacionais, sendo efetivamente julgados e processados por instâncias internacionais.

Ainda, Paloma Pirez Valério (2006) reconhece que o Tribunal de Nuremberg representou a vingança dos vencedores contra os vencidos, isso foi revelado tanto pela escolha dos acusados, quanto pela determinação dos seus advogados e juízes do referido tribunal. Porém, o mundo estava sedento por justiça naquele momento e clamava pela punição daqueles que haviam destruído famílias em câmaras de gás, torturado inocentes, colocado crianças em fornalhas, feito seres humanos de cobaias para experimentos científicos. Apesar de talvez existir algumas injustiças no que se refere ao plano do Direito Penal, o mundo precisava restabelecer a paz internacional e a punição dos infratores era mais do que necessário para isso.

O referido Tribunal tornou-se referência para o novo “sistema jurídico internacional, no qual a guerra deveria ser devidamente banida, crimes contra a paz e, sobretudo, crimes contra a humanidade passariam a ser considerados” (GONÇALVES, 2001, p. 188).

O mencionado Tribunal trouxe a ideia de que a violação dos direitos humanos representa problema de importância internacional.

Com o final da segunda guerra mundial os países aliados pretendiam julgar os criminosos nazistas para puni-los pelas atrocidades cometidas, tais como crimes cometidos em campos de concentração e de extermínio, tentativa de eliminação de minorias, experimentos medicinais com humanos sem o consentimento das vítimas, causando debilidades físicas e até mesmo a morte.

Como bem assevera Aguiar (2016), os trabalhos do Tribunal de Nuremberg foram voltados à busca pela certeza da culpa dos acusados, a fim de evitar possíveis injustiças e críticas posteriores ao procedimento, sinalizando que estados e indivíduos estão sujeitos ao Direito Internacional, tornando-o força reconhecida em todo o planeta.

Conforme Machado (2006) o tribunal de Nuremberg contribuiu para fortalecer a jurisdição penal internacional, universalizando o princípio da responsabilidade internacional daqueles que violassem os direitos humanos.

Com o término da segunda grande guerra, o mundo se encontrava em delicado contexto geopolítico, evidenciando a ocorrência de inúmeros conflitos no cenário internacional, causados principalmente pela denominada “guerra fria”.

Segundo Donnelly (2007 apud NASSER, 2009, p. 78):

A fase inaugural da internacionalização dos Direitos Humanos originou-se em uma mudança drástica das referências normativas. Em primeiro lugar, a Carta das Nações Unidas de 1945 e a afirmação explícita dos Direitos Humanos como objetivo primordial da organização, vinculadas diretamente com os imperativos de paz e segurança internacionais (preâmbulo e artigos 1º,55 E 56). Em segundo lugar os tribunais militares internacionais de Nurembergue e Tóquio de 1945-1946, cujos estatutos introduziram três grandes novidades jurídicas que contradiziam o direito penal moderno – o princípio da legalidade e da irretroatividade da lei penal-, o direito convencional e costumeiro internacional e as leis militares da época: os crimes contra a humanidade, a responsabilidade individual dos agentes do Estado e a impossibilidade da obediência devida como isenção de responsabilidade penal. Em terceiro lugar, em 1948, a Convenção sobre a Prevenção e Sanção do Crime de Genocídio, figura derivada diretamente da noção de crime contra a humanidade. Em quarto lugar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Assembleia Geral no dia 10 de dezembro de 1948, considerada o documento fundador por excelência do regime internacional (embora sem efeito jurídico vinculativo imediato). Em quinto lugar, a Convenção de Genebra que, em agosto de 1949, procedeu à sistematização do direito humanitário, incorporando os novos crimes contra a humanidade aos crimes de guerra existentes.

Neste cenário, o “reaparecimento de conflitos orientados por um nacionalismo belicoso e as disputas entre povos envolvidos em questões étnicas, culturais e religiosas reativaram preconceitos raciais adormecidos” (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012, p. 9).

A expressão “guerra fria” se deve ao fato de o conflito ter acontecido no campo ideológico, não ocorrendo embate militar declarado e direto entre os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS), tendo em vista que estes dois países apresentavam arsenal de centenas de mísseis nucleares. No entanto, ambos acabaram alimentando conflitos em outros países.

A União Soviética possuía sistema socialista; já os Estados Unidos, defendiam a expansão do sistema capitalista. Na segunda metade da década de 1940 até 1989, essas duas potências tentaram implantar em outros países os seus sistemas políticos e econômicos.

Nesse Sentido, Cassese (2003 apud JANKOV, 2009) afirma que durante a guerra fria os dois blocos de poder (EUA e URSS) garantiram uma certa ordem internacional, já que cada um dos “superpoderes” atuava como uma espécie de policial e garantidor em sua respectiva esfera de influência.

Todavia, esse período caracterizou-se pelo desenvolvimento de instituições competentes para processar e julgar as graves violações do direito internacional humanitário. Foi estabelecido o Conselho de Segurança dos dois tribunais ad hoc para a antiga Iugoslávia e para Ruanda, assim como o Tribunal Penal Internacional.

Posteriormente ao Julgamento de Nuremberg, a Organização das Nações Unidas fortaleceu os Direitos Humanos e promoveu a criação de outros tribunais nos padrões de Nuremberg, como os de Tóquio, Ruanda e da ex Iugoslávia, sendo estes Tribunais ad hoc, uma vez que foram estabelecidos exclusivamente para julgar os criminosos dos conflitos em questão.

O Tribunal Internacional do Extremo Oriente para crimes de guerra, também chamado de Tribunal de Tóquio, foi criado para julgar crimes cometidos na segunda guerra mundial, constituindo-se em 1946 e seguindo os mesmos moldes do Tribunal Penal Internacional de Nuremberg. O referido Tribunal tentou adaptar as leis japonesas ao Direito Internacional.

O Tribunal teve o objetivo de julgar criminosos de guerra do Império do Japão. Foi instalado por acordos assumidos nas conferências do Cairo, Portdam e Moscou. Compunham o Tribunal juízes da Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Índia, China, Holanda, França, Filipinas, Reino Unido, União Soviética e Estados Unidos.

Mello (2014, par. 2-7) afirma que:

O Procurador Geral foi Joseph Keenan, Chefe da Divisão Criminal do Departamento de Justiça dos EUA e uma equipe de 45 promotores. A defesa esteve a cargo de mais de 100 advogados, os processos duraram dois anos e todas as sentenças foram confirmadas pelo Supremo Comandante Aliado, General MacArthur, que tinha o poder de comutá-las se quisesse. O mais importante réu foi o lendário General Hideki Tojo, o maior chefe militar do Exército, Primeiro Ministro e ideólogo da política expansionista do Império, primeiro a ser enforcado.

O Tribunal instalou-se em Tóquio em 29 de abril de 1946. Foram julgados 28 personalidades militares e políticas de alto escalão do Império e numa segunda categoria 5.700 acusados por crimes de guerra e desobediência à Convenção de Genebra sobre tratamento de prisioneiros.

As sentenças para o primeiro grupo foram de 7 condenações à morte por enforcamento, 16 prisões perpétuas e uma prisão de 20 anos. Dois acusados foram absolvidos, Nobosuke Kishi foi posteriormente Primeiro Ministro e Yoshisuke Aikawa foi presidente da NIssan.

Do segundo grupo, foram 984 sentenciados à morte e os demais a várias sentenças de prisão.

A família imperial foi declarada isenta de acusação. O Tribunal teve bastante oposição dentro do Japão que o considerava ilegítimo mas, no Tratado de Paz de San Francisco assinado em 8 de setembro de 1951, o Japão aceitou oficialmente a legitimidade do Tribunal e de suas sentenças.

Em 1958 uma decisão do Presidente Eisenhwer anistou todos os condenados ainda presos.

Calcula-se que o número total de civis e prisioneiros de guerra assassinados em Nanquim e suas proximidades durante a ocupação japonesa foi de mais de duzentos mil.

Em relação ao Tribunal Internacional da ex-Iugoslávia, os conflitos tiveram início em 1991, quando Croácia e Eslovênia se declararam independentes do governo federal, sendo confrontados por milícias sérvias. A situação se agravou em 1992 com a declaração de independência da Bósnia-Herzegovina. Nesta ocasião, foram publicadas as notícias de realização da “limpeza étnica” e também de violências sexuais contra mulheres (JO, 2000).

De acordo com Gonçalves (2001) o Tribunal foi estabelecido para processar e julgar os indivíduos responsáveis por violações graves aos direitos humanos cometidas no Território da ex-Iugoslávia.

Em 1993 foi constituído o Tribunal Internacional para o julgamento dos crimes contra a Humanidade no Território da Antiga Iugoslávia, objetivando o julgamento de vários crimes contra os direitos humanos cometidos no Território da ex-Iugoslávia, devido às declarações de independência de algumas nações, iniciados em 1991, como a Croácia e a Eslovênia.

Foi estabelecido que o tribunal teria autoridade para processar quatro categorias de crimes: graves violações às Convenções de Genebra, de 1949, violações às leis e costumes da guerra, crimes contra a humanidade e genocídio. A jurisdição estava limitada às violações ocorridas no território da antiga Iugoslávia a partir de 1991 (JANKOV, 2009).

Nos mesmos moldes da antiga Iugoslávia foi definido um Tribunal para Ruanda. Desde a independência de Ruanda da Bélgica em 1967, ocorria um conflito entre dois grupos étnicos: os tutsi e os hutus, causando a morte de milhares de pessoas.

A corte internacional foi criada em novembro de 1994, a partir de um pedido do próprio Estado Nacional de Ruanda ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. O objetivo do Tribunal era realizar as investigações, os julgamentos e aplicar as devidas punições aos principais envolvidos no genocídio e nas demais violações ao Direito Humanitário ocorridos em Ruanda.

O TPI para Ruanda foi estabelecido seguindo princípios versados para o Direito Humanitário, como o da proibição da pena de morte e dos trabalhos degradantes ou forçados, bem como da proibição do bis in idem.

Tanto o Tribunal Penal Internacional de Ruanda, como o da ex Iugoslávia foram criados por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, tendo em vista que um tratado levaria muito tempo para ser ratificado por todos os Estados.

Os dois Tribunais ad hoc citados, assim como o Tribunal de Nuremberg representaram avanços na jurisdição penal internacional.

A existência dos Tribunais ad hoc explanados garantiram a punição dos criminosos frente às vidas perdidas durante a guerra e também por violações aos direitos humanos, servindo o Tribunal de Nuremberg como inspiração para a sua criação, e marco para o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional.

Todavia, o aumento dos crimes de repercussão internacional após a segunda guerra mundial, ligado ao fenômeno da globalização e, posteriormente, do ato terrorista do dia 11 de setembro de 2001, acentuou a preocupação internacional com o desenvolvimento de mecanismos capazes de vencer o grande desafio imposto pela repressão a essas condutas. (JANKOV, 2009)

Diante dos conflitos existentes no cenário internacional e da violação à vida e à dignidade da pessoa humana, o sistema das Nações Unidas visou o estabelecimento de mecanismos permanentes e imparciais para a justiça penal internacional.

De acordo com Jankov (2009) os esforços das Nações Unidas para constituir um tribunal penal manifestaram-se basicamente em dois âmbitos: a codificação dos crimes internacionais e a elaboração de um projeto de estatuto para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional.

O referido autor ainda expõe que, simultaneamente ao Trabalho da Comissão de Direito Internacional, a Assembleia Geral também estabeleceu um comitê, encarregado de elaborar o estatuto de um tribunal penal internacional, sendo submetido à aprovação em 1952. Posteriormente, um novo comitê foi criado pela Assembleia Geral com o objetivo de rever o projeto de estatuto, com base nos comentários realizados pelos Estados- Membros, relatado à Assembleia Geral em 1954 (JANKOV, 2009).

Inicialmente, a concepção de crimes internacionais estava diretamente relacionada à jurisdição do Estado em cujo território o acusado se encontrava, dependendo seu julgamento da legislação e das autoridades do país em questão. Portanto, não existia a possibilidade de o acusado ser processado por um Estado estrangeiro, a não ser que este fosse seu Estado de nacionalidade. Todavia, duas categorias de crimes eram consideradas exceções a esse princípio: a pirataria e os crimes de guerra.

Originariamente, o julgamento dos acusados de crimes de guerra era baseado no “princípio da nacionalidade passiva”, ou seja, os Estados de nacionalidade das vítimas conduziam os julgamentos, isto é, o adversário era responsável pelo julgamento (JANKOV, 2009).

Desde a primeira guerra mundial o princípio da territorialidade foi inserido, bastando que o crime fosse cometido no território do Estado para estar sujeito à sua jurisdição.

Lopes (2015) afirma que o Tribunal Penal Internacional surge com o ideal de implementar os preceitos penais da anterioridade e legalidade. Assim, a criação da Corte representou imensa evolução, já que acabou com os Tribunais de Exceção, como os de Nuremberg e de Tóquio, bem como os tribunais ad hoc para a ex-Iugoslávia e Ruanda.

Jankov (2009) relata que a criação do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg foi um turning point para a caracterização dos crimes internacionais, surgindo duas novas categorias de crimes: crimes contra a paz e crimes contra a humanidade.

Houve a necessidade de criação de um Tribunal Internacional Permanente, para julgar graves violações ao direito internacional humanitário, isto é, crimes que constituem ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade.

A criação de uma jurisdição penal permanente significou avanço, trazendo vantagens significativas, garantindo a imparcialidade, igualdade e uniformidade na aplicação do Direito (MACHADO, 2006).

Ao punir criminosos internacionais, é possível transmitir a ideia de que com o Tribunal Penal Internacional não haverá tolerância em relação aos autores de crimes de repercussão internacional.

O Tribunal Penal Internacional

Foram iniciadas em 1994 negociações para o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional permanente, que tivesse competência sobre os crimes mais graves praticados contra a humanidade.

O artigo 25 do Estatuto de Roma, tratado que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, deixa claro que o Tribunal exercerá a sua competência sobre indivíduos e não sobre Estados. Um Estado que não é parte no Estatuto pode emitir declaração aceitando a competência do Tribunal (BRASIL, 2002).

A jurisdição do Tribunal Penal Internacional deve ser exercida somente quando um Estado não possa ou não deseje julgar os supostos criminosos de guerra que estejam sob uma jurisdição, de acordo com o princípio da complementaridade.

A ideia de criação de um Tribunal Penal Internacional permanente foi analisada pela primeira vez em 1948, quando a Assembleia Geral das nações Unidas pediu à Corte Internacional de justiça que examinasse a possibilidade de criação de um tribunal para julgar os casos semelhantes aos que haviam sido submetidos aos tribunais de Nuremberg e Tóquio (ACCIOLY, 2011).

Comparato (2003) afirma que entre os anos de 1951 e 1953 foram apresentados projetos de estatuto para o futuro tribunal por meio de dois comitês constituídos pela Assembleia Geral da ONU. Contudo, devido à chamada “guerra fria”, os trabalhos de criação do tribunal ficaram suspensos até o ano de 1989, quando, a pedido da Assembleia Geral, a Comissão de Direito Internacional voltou a trabalhar no assunto.

A par disso, Jankov (2009) assevera que entre 1995 e 1998, a Assembleia Geral das Nações Unidas convocou dois comitês para produção do denominado “texto consolidado” do Projeto do Estatuto para a criação de um Tribunal Penal Interacional. O Comitê ad hoc para a Criação de um Tribunal Penal Internacional discutiu, em 1995, as principais questões substanciais e administrativas, mas não iniciou as negociações nem a redação. Em 1996, o comitê ad hoc foi substituído pelo Comitê Preparatório para a Criação de um Tribunal Penal Internacional, o qual realizou várias reuniões, submetendo à Conferência Diplomática em Roma um Projeto de Estatuto e um Projeto de Lei Final com 116 artigos, representando uma multiplicidade de opções quanto a dispositivos inteiros ou ainda determinadas palavras e expressões.

Assim, foi aprovada a criação do Tribunal Penal Internacional na Conferência, em 17 de julho de 1998, com 120 votos favoráveis, 21 abstenções e 7 votos contrários, quais sejam: da China, Estados Unidos, índia, Filipinas, Sri Lanka, Israel e Turquia (PIOVESAN, 2007).

Conforme Mazzuoli (2008) a assinatura do Tratado Internacional referente ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional no Brasil aconteceu em 7 de fevereiro de 2000, sendo aprovado pelo Parlamento brasileiro por meio do Decreto Legislativo nº 112, em 06 de junho de 2002, e promulgado pelo Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

O referido autor também afirma que o Brasil se tornou parte do referido tratado, efetivamente, quando houve o depósito da Carta de ratificação brasileira. Ou seja, na data de 20 de junho de 2002 o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao Direito brasileiro com status de norma constitucional, não podendo haver abolição de quaisquer dos direitos e garantias nele constantes por qualquer meio no Brasil, inclusive por emenda constitucional (MAZZUOLI, 2008).

Piovesan (2007) assevera que o surgimento do Tribunal Penal Internacional se dá como suporte complementar às Cortes Nacionais, com o objetivo de assegurar o término da impunidade para os mais graves crimes internacionais, levando em consideração que, por vezes, na ocorrência de tais crimes, as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na realização da justiça. Percebe-se que a responsabilidade primária para o julgamento de violações aos direitos humanitários é do Estado, tendo a comunidade internacional a responsabilidade subsidiária. A jurisdição do Tribunal Internacional é adicional e complementar à do Estado, ficando condicionada à incapacidade ou à omissão do sistema judicial interno.

A referida autora ainda expõe que o Estatuto de Roma busca de forma equacionada a garantia do direito à justiça, a soberania do Estado e o fim da impunidade, à luz do princípio da complementariedade e do princípio da cooperação. (PIOVESAN, 2007)

Nascimento (2009) afirma que o Estatuto de Roma tem a finalidade de assegurar a paz, garantir a segurança e bem-estar dos seres humanos e reconhecer a gravidade de crimes contra a humanidade.

Desta forma, o Tribunal Penal Internacional é instituição independente, não um órgão da ONU, mas mantém relação de estreita cooperação, sendo integrante do sistema das Nações Unidas (MACHADO, 2006).

O TPI tem competência para julgar quatro categorias de crimes, a saber: crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão, sendo eles crimes mais graves que afetam a comunidade internacional. O Estatuto de Roma descreve esses crimes como “atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade e crimes de maior gravidade com alcance internacional” (JANKOV, 2009).

Além disso, o TPI foi criado originalmente para o julgamento de crimes que basicamente se caracterizam pela hostilidade e violência do homem contra o próprio homem, e que, ao se utilizarem do poder bélico e de interesses internos, acabam agredindo o próximo e colocando a dignidade da pessoa humana e toda a comunidade internacional em risco. Contudo, em 15 de setembro de 2016 o Tribunal inovou ao anunciar que irá processar e julgar crimes ambientais. Tal anúncio foi feito em documento de 18 (dezoito) páginas, trazendo as prioridades para a seleção dos casos pela Corte (TÔRRES, 2016).

Quando um Estado passa a ser parte no Estatuto de Roma, ele aceita a competência do TPI sobre os crimes acima mencionados. Um Estado que não seja parte no Estatuto pode emitir declaração aceitando a competência do Tribunal.

O artigo 25 do Estatuto dispõe que:

1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas.

2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto.

3. Nos termos do presente Estatuto, será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem:

a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável;

b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa;

c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática;

d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum. Esta contribuição deverá ser intencional e ocorrer, conforme o caso:

i) Com o propósito de levar a cabo a atividade ou o objetivo criminal do grupo, quando um ou outro impliquem a prática de um crime da competência do Tribunal; ou

ii) Com o conhecimento da intenção do grupo de cometer o crime;

e) No caso de crime de genocídio, incitar, direta e publicamente, à sua prática;

f) Tentar cometer o crime mediante atos que contribuam substancialmente para a sua execução, ainda que não se venha a consumar devido a circunstâncias alheias à sua vontade. Porém, quem desistir da prática do crime, ou impedir de outra forma que este se consuma, não poderá ser punido em conformidade com o presente Estatuto pela tentativa, se renunciar total e voluntariamente ao propósito delituoso.

4. O disposto no presente Estatuto sobre a responsabilidade criminal das pessoas físicas em nada afetará a responsabilidade do Estado, de acordo com o direito internacional (BRASIL, 2002, art. 25).

A seguir, será objeto de análise cada um dos crimes acima citados.

O crime de genocídio1 está previsto no artigo 6º do Estatuto de Roma. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “genocídio” qualquer ato praticado com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como: homicídio de membros do grupo; ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo e transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo.

Jankov (2009, p. 61) afirma que:

[...] o que diferencia o genocídio dos crimes contra a humanidade e crimes de guerra é o fato de que o ato, seja homicídio ou qualquer outro dos definidos pelo artigo 6º, deve ser cometido com o intuito de “destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”.

A tipificação do crime de genocídio pelo Estatuto de Roma representa conquista para a comunidade internacional.

O artigo 7º do Estatuto de Roma prevê o “crime contra a humanidade”. De acordo com o referido artigo, entende-se por crime contra a humanidade os atos de Homicídio; Extermínio; Escravidão, Deportação ou transferência forçada de uma população; Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional, Tortura; Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional; Desaparecimento forçado de pessoas; Crime de apartheid; Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.

Mazzuoli (2008) afirma que a origem histórica dos crimes contra humanidade está ligada ao massacre provocado pelos turcos contra os armênios, na Primeira Guerra Mundial, tendo sido esta ocorrência qualificada pela Declaração do Império Otomano, feita pelos governos russo, francês e britânico, em maio de 1915, em Petrogrado, como um crime da Turquia contra a humanidade e a civilização.

Os crimes contra a humanidade são puníveis, independentemente de terem sido cometidos durante conflito armado ou em tempos de paz.

Nascimento (2009, p. 39) relata que:

O ano de 1915 foi a data em que pela primeira vez se ouviu o termo “crime contra a humanidade”. Grã-Bretanha, França e Rússia usaram o termo em notas oficiais, para fazer referência ao massacre feito pelos turcos contra os armênios. O fundamento da concepção jurídica do crime contra a humanidade foi o reconhecimento de que esse tipo de crime “transcende o indivíduo, pois, quando o indivíduo é agredido, através de atos inumanos, ataca-se e nega-se toda a humanidade”.

Diante da realidade descortinada ao final da Segunda Guerra Mundial, sentiu-se a necessidade de criar um novo tipo de crime, pois os fatores citados acima não se enquadravam como Crimes de Guerra. Assim, cunhou-se no Direito Internacional o Crime Contra a Humanidade. Nesse período, até por uma decorrência das sentenças do Tribunal de Nuremberg, os crimes contra a humanidade eram considerados no contexto de um conflito armado. Essa condição deixou de existir, sendo afastada pela Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade de 1968 e pelo Estatuto de Roma de 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional, ao tratar o crime contra a humanidade de modo independente a uma situação de conflito. Deste modo, os crimes contra a humanidade podem ser cometidos em tempos de paz.

Importante destacar que no caso de crimes contra a humanidade não haverá prescrição, ou seja, aqueles que cometeram crimes contra a humanidade poderão ser sempre julgados e punidos, independentemente de quando os tenham praticado (NASCIMENTO, 2009).

O “crime de guerra” está previsto no artigo 8º do Estatuto de Roma, abrangendo a maior parte das violações graves ao direito interacional humanitário. O referido dispositivo dispõe: “O Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes” (BRASIL, 2002, art. 8º).

Entende-se por “crimes de guerra”, segundo o Estatuto de Roma, violações graves à Convenção de Genebra, abrangendo quaisquer dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção, a saber: homicídio doloso; tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo experiências biológicas; o ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; destruição ou apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; o ato de compelir prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de potência inimiga; privação intencional de prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a julgamento justo e imparcial; deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; e tomada de reféns.

Considera-se também como crimes de guerra outras violações graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do Direito Internacional, situações especificadas na alínea b do parágrafo 2º do artigo 8º do Estatuto.

A alínea c do parágrafo 2º do artigo 8º do Estatuto de Roma estabelece que:

c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:

c) Em caso de conflito armado que não seja de índole internacional, as violações graves do artigo 3o comum às quatro Convenções de Genebra, de 12 de Agosto de 1949, a saber, qualquer um dos atos que a seguir se indicam, cometidos contra pessoas que não participem diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto armas e os que tenham ficado impedidos de continuar a combater devido a doença, lesões, prisão ou qualquer outro motivo:

i) Atos de violência contra a vida e contra a pessoa, em particular o homicídio sob todas as suas formas, as mutilações, os tratamentos cruéis e a tortura;

ii) Ultrajes à dignidade da pessoa, em particular por meio de tratamentos humilhantes e degradantes;

iii) A tomada de reféns;

iv) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem julgamento prévio por um tribunal regularmente constituído e que ofereça todas as garantias judiciais geralmente reconhecidas como indispensáveis (BRASIL, 2002, art. 8º).

A alínea c do parágrafo 2o do citado artigo aplica-se aos conflitos armados que não tenham caráter internacional e, por conseguinte, não se aplica a situações de distúrbio e de tensão internas, tais como motins, atos de violência esporádicos ou isolados ou outros de caráter semelhante.

A alínea e prevê outras violações graves das leis e costumes aplicáveis aos conflitos armados que não têm caráter internacional, como por exemplo, os seguintes atos: Dirigir intencionalmente ataques à população civil em geral ou civis que não participem diretamente nas hostilidades; Atacar intencionalmente edifícios consagrados ao culto religioso, à educação, às artes, às ciências ou à beneficência, monumentos históricos, hospitais e lugares onde se agrupem doentes e feridos, sempre que não se trate de objetivos militares; Recrutar ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou em grupos, ou utilizá-los para participar ativamente nas hostilidades; Ordenar a deslocação da população civil por razões relacionadas com o conflito, salvo se assim o exigirem a segurança dos civis em questão ou razões militares imperiosas.

Segundo Cassese (2003 apud JANKOV, 2009, p. 63), “Crimes de Guerra são sérias violações das normas consuetudinárias ou, onde aplicável, dos tratados que formam o corpus do direito internacional humanitário dos conflitos armados.”

Para Jankov (2009), os crimes de guerra podem ocorrer tanto em conflitos armados internacionais como em guerras civis.

O artigo 124 do Estatuto de Roma limita a possibilidade de exercício da competência do TPI sobre os crimes de guerra. Conforme essa disposição, um Estado pode declarar que, durante um período de sete anos, ele não aceitará a competência do Tribunal para os crimes de guerra presumivelmente cometidos por seus nacionais ou em seu território.

Com base no parágrafo 2º do artigo 5º do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional poderá exercer a sua competência sobre o crime de agressão quando for aprovada disposição que defina esse crime e enuncie as condições para o exercício dessa competência.

Como o crime de agressão não possui conceituação precisa, a sua inserção como espécie de crime no Estatuto de Roma apresentou consideráveis dificuldades (LIMA, 2007).

Mazzuoli (2008) expõe que o crime de agressão não foi bem compreendido, nem no contexto da prática das relações internacionais, nem mesmo em sede doutrinária. Para Husek (2006) a definição de crime de agressão nunca foi estabelecida de uma maneira exata, mas o crime consiste em ações políticas ou militares, por alguém que detém o poder, contra outro ente internacional.

Assim, como não existe definição precisa sobre o crime de agressão que seja suficiente para servir de elemento constitutivo de crime e para fundamentar a responsabilidade penal internacional dos indivíduos, acabou-se por dificultar a inclusão dessa espécie delituosa no Estatuto de Roma (MAZZUOLI, 2008).

Com o anúncio do dia 15 de setembro de 2016, constata-se que o TPI dará atenção especial a crimes relacionados com a destruição do meio ambiente, exploração de recursos naturais e apropriação ilegal de terras.

Diante disso, Tôrres (2016) afirma que este assunto é de extrema relevância para o Direito Internacional Ambiental, uma vez que, atualmente não há uma corte internacional exclusivamente dedicada à matéria ambiental, o acesso de autores não-estatais, seja como autores ou réus, às cortes internacionais de competências diversas que apreciam também casos ambientais ainda é significativamente limitado e porque é vital que a proteção internacional do meio ambiente seja compreendida como preocupação comum da humanidade.

Para Tôrres (2016, “Estrutura do Tribunal”, par. 12), “[...] a expansão do foco relacionado ao julgamento de determinados crimes ambientais só demonstra a preocupação da comunidade mundial com a ciência do Direito Ambiental e com o meio ambiente.”

Grokskreutz (2014, p. 20) afirma que:

[...] o Tribunal Penal Internacional não pode ficar com seu poder decisório restrito aos delitos atualmente tipificados no Estatuto de Roma, deve haver uma ampliação deste rol e a inserção de crimes ambientais, precisamente para que a intervenção penal não seja tardia.”

O referido autor ainda expressa que, se no futuro não houver onde obter oxigênio, alimento e água potável, toda a estrutura normativa existente no planeta terra será completamente descartável, a ordem jurídica interna de cada Estado Soberano não servirá se não houver vida e sociedade a ser regulamentada. Portanto, é razoável se falar em ampliação da competência do Tribunal Penal Internacional, tipificação de condutas lesivas ao meio ambiente junto ao Estatuto de Roma, e na expansão de seus efeitos sobre todo o globo terrestre (GROKSKREUTZ, 2014).

Pode-se concluir que o Tribunal Penal Internacional, que até então se ocupava do julgamento de genocídios, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e crimes de agressão, passa a ampliar a sua atuação, dando início ao julgamento de crimes ambientais. Um avanço para a preservação do futuro do planeta, pois, com essa mudança, sinaliza-se a ausência de impunidade para as catástrofes ambientais (TÔRRES, 2016).

Kolodziej (1995, p. 315) afirma que:

Na tentativa de elaborar uma definição equilibrada, nem muito ampla, nem muito estreita, eu diria que há um problema de segurança quando os Estados ou as populações procuram atingir seus objetivos pela ameaça de coação ou pelo uso da força. O fio condutor entre os diferentes tipos de problemas de segurança que o mundo vem enfrentando depois da Segunda Guerra Mundial, analisados a seguir, é a noção de força coativa e de ameaça de uso da força. Esse enfoque instrumental proporciona um princípio básico de identificação de um problema de segurança e permite diferenciar, para fins analíticos e políticos, a inclinação dos Estados e populações para usar a força a fim de atingir seus objetivos de poderio militar, dos interesses, dos valores e das preferências que os incitam a recorrer à violência para obrigar outros a acender à sua vontade. Dessa maneira, isola-se a segurança como um problema distinto a ser tratado em seus próprios termos, pelo menos de início.

No mesmo sentido, Nasser (2009) assevera que nos últimos vinte anos, o mundo vivencia uma reavaliação profunda das noções sobre a natureza da segurança, desencadeada pelo fim da Guerra Fria e, posteriormente, pelo 11 de setembro, as transformações e incertezas do novo panorama internacional tiveram um impacto direto sobre as preocupações de segurança dos Estados e das populações, que passaram a questionar a adequação da abordagem tradicional, abrindo espaço para a emergência do novo conceito de segurança humana.

Muitos problemas aparentemente não associados à segurança, como o desenvolvimento econômico, a exploração demográfica, a imigração, a falência da sociedade civil, a iminência de desastres ecológicos de vários tipos, relacionam-se fortemente com as questões de segurança. Por exemplo, muitos países de industrialização avançada vêm impondo barreiras cada vez maiores e mais duras à entrada de imigrantes. Enquanto isso, países ricos vêm suspendendo ajuda econômica ao mundo em desenvolvimento, mesmo que nestas vastas regiões se concentrem a miséria e a carência econômica mais profundas, as maiores taxas de crescimento populacional e a desordem política endêmica (KOLODZIEJ, 1995).

Nasser (2009, p. 9) reconhece que hodiernamente, existe um consenso sobre um novo ambiente de segurança internacional, instaurado depois da Guerra Fria, em que as transformações políticas, econômicas, sociais, religiosas e culturais estão conectando nações e povos distantes, causando sérias tensões. Ao mesmo tempo, um número crescente de atores internacionais está ativamente envolvido na prevenção e na administração dos conflitos e também na reconstrução das sociedades que emergem após as ações violentas. Todavia, não há um consenso sobre a maneira pela qual a paz e a segurança global devem ser alcançadas. Diante de perspectivas diferentes dos mais variados atores (Estados, Organizações Internacionais e atores não-estatais) existe, para cada um deles, várias questões envolvendo as dimensões inter-relacionadas, como a política, o direito e as ciências sociais e esses desafios atuais exigem não apenas uma compreensão mais profunda da natureza das causas e das consequências dessas transformações internacionais, mas requer, também, que se encontrem respostas legítimas para esses problemas.

A noção de segurança tem assumido significado mais abrangente, sendo possível uma melhor compreensão do novo tipo de conflitualidade e de tendências emergentes, assim como das condições em que a segurança pode ser alcançada na nova ordem internacional (NASSSER, 2009).

O sentido estrito do termo “segurança”2 é a responsabilidade de proteger as pessoas, tendo como objetivo dar aos Estados a capacidade efetiva de criarem condições para que as pessoas sob sua jurisdição se sintam no dia a dia seguras (NASSER, 2009).

Valério (2006) afirma que a doutrina Jurídica mais flexível separa os direitos humanos em três gerações, a primeira geração refere-se ao direito à liberdade, isto é, direito civil e político que abrangem o direito à vida, a nacionalidade, liberdade de movimento, o direito de asilo, a proibição da tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante, assim como a proibição da escravidão, a liberdade de opinião e as atividades políticas e trabalhistas, a segunda geração dá ênfase aos direitos econômicos, sociais e culturais e a terceira geração, que trata do direito a um meio ambiente saudável, mas não só ele como também o direito à paz, o direito ao desenvolvimento e o direito aos bens que constituem o patrimônio comum da humanidade.

Sabe-se que os direitos humanos passaram a desemprenhar papel inédito e crucial na ordem internacional construída pelos Estados vencedores da segunda grande guerra. Devido aos horrores e às atrocidades do holocausto, os direitos humanos passaram à condição de lei internacional, consagrando o princípio de que indivíduos são os titulares dos direitos reconhecidos, e os Estados, os responsáveis internacionais pelo respeito e pela garantia desses direitos para todas as pessoas submetidas a sua jurisdição (NASSER, 2009).

Deste modo, ao reconhecer o valor da vida, da dignidade humana e de todas as possibilidades de desenvolvimento da pessoa com um alcance universal, desconsidera-se a posição até então dominante, de que as violações dos direitos dos cidadãos nacionais eram assuntos domésticos de cada Estado, protegidos pelo direito exclusivo de soberania e pela obrigação de não intervenção dos demais (NASSER, 2009).

A respeito da preservação dos direitos humanos, Valério (2006) pontua que as leis do direito internacional não são elaboradas somente para alguns seguirem, sendo, do contrário, de imperiosa observância por todo o corpo internacional, no intuito da pacificação, da instauração de iguais direitos e da observância dos direitos humanos.

Dos casos julgados pelo TPI, Thomas Lubanga Dyilo foi o primeiro réu a ser julgado em 2006, sendo acusado de recrutar crianças para lutar nos conflitos étnicos na região de Ituri entre 2002 e 2003, na República Democrática do Congo.

Siza (2012) afirma que Lubanga foi um dos principais organizadores da União dos Patriotas Congoleses, milícia que combatia o Exército Popular Congolês, e da Força de Resistência Patriótica e outros grupos étnicos (no caso, da etnia lendu) envolvidos na guerra civil daquele país africano. Calcula-se que mais de 60 mil pessoas morreram no conflito e cerca de 50% dos combatentes tribais em Ituri em 2003 tinham menos de 18 anos. O tribunal ouviu testemunhos sobre o modus operandi da milícia de Lubanga, tendo-se constatado que crianças, por vezes com apenas cinco anos, eram raptadas, treinadas para intimidar ou matar (no caso dos rapazes), ou usadas como escravas sexuais. As crianças eram sujeitas ao uso de drogas para deixá-las mais submissas ou mais agressivas.

A corte julgou e condenou Thomas Lubanga Dyilo a 14 anos de prisão.

Outro julgamento realizado pelo Tribunal Penal Internacional foi do congolês Jean Pierre Bemba Gombo, eleito um dos vice-presidentes do processo de transição da República Democrática do Congo entre julho de 2003 a dezembro de 2006.

Jean Pierre liderou um levante chamado de “Movimento de Libertação do Congo”, tendo praticado vários crimes contra a humanidade, como homicídios, estupros coletivos e pilhagem.

Bemba Gombo foi preso em 2008, por ordem emitida pelo Tribunal Penal Internacional e foi condenado a 18 anos de prisão.

Casos emblemáticos que seriam passíveis de apreciação pelo TPI

Como bem asseveram Capelato e D’Alessio (2012, p. 6): “nenhum fato que envolva a intolerância pode ser esquecido”

O Estatuto de Roma, de 1998, entrou em vigor em 2002 e criou o Tribunal Penal Internacional (TPI). Este Estatuto é produto e efeito de uma longa jornada da comunidade internacional após vários conflitos ocorridos ao redor de todo o mundo e provocados pelos mais diversos motivos: étnicos, religiosos e/ou políticos (NASCIMENTO, 2009).

Até então, atrocidades como o apartheid, o holocausto e a segregação racial vinham sendo julgados por “tribunais ad hoc”, criados para investigação, julgamento e punição dos responsáveis. Porém, com o grande número de conflitos de elevada magnitude, sentiu-se a necessidade de criação de um tribunal penal internacional que possuísse caráter permanente (NASCIMENTO, 2009).

Este tópico versará sobre o holocausto nazista, o apartheid e a segregação racial nos Estados Unidos. Importante destacar que é possível encontrar crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão nos três acontecimentos históricos mencionados.

Capelato e D’Alessio (2012, p. 80) anunciam que:

A origem da intolerância em relação aos judeus é muito remota. Na baixa Idade Média, os judeus foram discriminados pelos cristãos, e as primeiras perseguições estão relacionadas às Cruzadas. De base religiosa, as questões eram acompanhadas de razões políticas e econômicas porque membros desse povo estavam, muitas vezes, envolvidos com atividades ligadas ao comércio ou ao câmbio. Os saques às casas dos judeus eram lucrativos, pois os bens eram vendidos facilmente.

No século XII, o judeu passou a ser considerado, em boa parte da Europa, inimigo do cristianismo. Dois séculos depois, num contexto de crise política e econômica, agravada pela fome, pela peste e por calamidades naturais, os judeus foram responsabilizados pelas desgraças.

Note-se que “O termo antissemita só apareceu em 1870, criado para descrever o ódio não declarado ao judeu. Os antissemitas modernos não se opunham ao judeu no plano religioso, mas se diziam motivados por questões de ordem econômica, política e racial” (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012, p. 81).

Capelato e D’Alessio (2012) afirmam que o regime nazista esteve em vigor na Alemanha entre 1933 e 1945. De todos os regimes genericamente denominados “fascistas”, como o comandado por Benito Mussolini na Itália, por Francisco Franco na Espanha e por Antônio Salazar em Portugal, o nazismo alemão, mais violento e traumático, foi o mais estudado, uma vez que as atrocidades praticadas pelo poder contra indivíduos, grupo e povos considerados inimigos causam perplexidade até hoje. Desde o advento do nazismo, muitos analistas procuram compreender por que se produziu, na Alemanha, um projeto de destruição tão amplo e por que um povo culto teria apoiado um movimento dessa natureza.

O holocausto foi consequência do forte antissemitismo existente na Alemanha. A respeito dele, Sousa (2016) relata que foi uma prática de perseguição política, étnica, religiosa e sexual estabelecida durante os anos do governo nazista. De acordo com a ideologia nazista, a Alemanha deveria superar todos os entraves que impediam a formação de uma nação composta por seres superiores e segundo essa mesma ideia, o povo legitimamente alemão era descendente dos arianos, um antigo povo que tinha a pele branca e deram origem à civilização europeia. Dessa forma, o governo de Adolf Hitler passou a pregar o ódio contra aqueles que impediam a pureza racial dentro do território alemão. Segundo o discurso nazista, os maiores culpados por impedirem esse processo de eugenia étnica eram os ciganos e principalmente os judeus (SOUSA, 2016).

O antissemitismo era difundido nas escolas, as crianças aprendiam a odiar judeus e a acreditar na existência de uma raça “superior”, a ariana. Em alguns cartazes, o judeu era retratado como figura ameaçadora, capaz de ser responsável pela morte de crianças não judias, por exemplo, ou por atentados sexuais (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

O antissemitismo e os valores do partido nazista já se faziam presentes na alfabetização. Uma editora chamada Der Strumer publicava manual para os professores, orientando-os sobre as formas de estimular, nas crianças, a aversão aos judeus. O docente deveria usar imagens que apresentassem os judeus de maneira deformada e esteticamente feia, contrastando com as de arianos, demonstrando que o judeu andava e falava de forma diferente do ariano. Nas aulas de história, os alunos aprendiam que os judeus haviam destruído as maiores civilizações do mundo (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

Consoante reportam Capelato e D’Alessio (2012, p. 40-41):

Nos livros de contos infantis publicados pela Der Strumer, o judeu era apontado como “não humano”. Um deles, de autoria de uma estudante de 18 anos, chamava Elvira Bauer, tinha o seguinte título: Não confie numa raposa em um campo verde ou na palavra de um judeu. As ilustrações do livro mostravam o contraste entre judeus e alemães. As expressões maliciosas do judeu e da raposa completavam a ideia de desconfiança: a raposa era retratada em posição de ataque em uma presa, e o judeu, jurando em falso, tinha atrás da cabeça uma estrela de davi. Cabe esclarecer que no folclore alemão a raposa, tida como traiçoeira, conquistando suas presas com juramentos falsos, é o símbolo do mal, aparentando muitas vezes como representação do demônio. A comparação com o judeu é facilmente identificável. Publicado em 1935, o conto teve sete edições.

Em 1938 foi publicado pelo mesmo órgão o livro O cogumelo venenoso, uma história em que a mãe ensina o filho a distinguir cogumelos, comparando-os com as pessoas boas e más. Os judeus são classificados como maus porque podem assumir formas diferentes, o que torna mais difícil distingui-los dos não judeus. A mãe afirma ainda que o judeu é o próprio demônio, daí a sua força para o mal.

A medicina na Alemanha nazista também era influenciada pelo regime, trazendo consigo horrores, como experimentos humanos, esterilização forçada, eutanásia involuntária e assassinato em massa. As atrocidades médicas cometidas por médicos e pesquisadores nazistas se apoiavam em princípios bem particulares, que vieram a ser conhecidos como a “ética médica nazista”. Não havia falta de ética, mas sim uma ética terrivelmente distorcida (SCHEINBERG, 2017).

Scheinberg (2017, par. 1; 2) afirma nesse sentido que:

O estudo desses princípios próprios da nova “ética médica” tornou-se obrigatório no currículo das faculdades de medicina alemãs entre os anos de 1934 a 1945. Essa ética médica deu origem a um documento que pregava que os direitos coletivos da sociedade eram mais importantes do que os direitos humanos individuais.

[...] Por exemplo, em 1933, foi promulgado um programa de prevenção de doenças hereditárias, “incentivando” os portadores dessas enfermidades à esterilização involuntária. [...] Fritz Klein, médico da SS, costumava afirmar que assim como um apêndice inflamado necrosado deveria ser retirado do corpo humano para o paciente não ter graves complicações, os judeus, como tal, deveriam ser eliminados da espécie humana.

A perseguição aos judeus, as principais vítimas do nazismo, passou por várias fases: emigração forçada, expulsão, isolamento em guetos, prisão em campos de concentração e extermínio (conhecido também como “solução final”), que significava genocídio ou eliminação de todos os judeus da Europa (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

Anne Frank foi uma judia que ficou escondida em anexo secreto em Amsterdam, na Holanda, até o dia 4 de agosto de 1944, quando as oitos pessoas que moravam no esconderijo foram descobertas e capturadas pela Gestapo, polícia secreta do Estado Alemão. Em seu diário, Anne relatou: “Não poder sair me deixa mais chateada do que posso dizer e me sinto aterrorizada com a possibilidade de nosso esconderijo ser descoberto e sermos mortos a tiros” (FRANK; PRESSLER, 2008, p. 38).

Anne Frank menciona:

Excelentes espécimes de humanidade, esses alemães, e pensar que na verdade sou um deles! Não, isso não é verdade, Hitler retirou nossa nacionalidade há muito tempo. E além disso não há maiores inimigos na terra do que alemães e judeus (FRANK; PRESSLER, 2008, p. 65).

Também consta de seu diário a seguinte passagem:

Hoje só tenho notícias tristes e deprimentes a contar. Nossos muitos amigos e conhecidos judeus estão sendo levados aos montes. A Gestapo está tratando todos eles muito mal, e transportando-os em vagões de gado para Westerbork, o grande campo em Drenthe para onde estão mandando todos os judeus. Miep contou sobre alguém que conseguiu escapar de lá. Deve ser terrível em Westerbork. As pessoas não tem praticamente nada para comer, muito menos para beber, já que só existe água uma hora por dia, e há somente um toalete e uma pia para vários milhares de pessoas. Homens e mulheres dormem no mesmo cômodo, e as mulheres e as crianças costumam ter as cabeças raspadas. Fugir é quase impossível; muitas pessoas têm aparência de judias, e são marcadas pelas cabeças raspadas.

Se está tão ruim na Holanda, como estará nos lugares distantes e poucos civilizados para onde os alemães os estão mandando? Presumimos que a maioria está sendo assassinada. A rádio inglesa diz que eles estão sendo mortos por gás. Talvez seja o modo mais rápido de morrer (FRANK; PRESSLER, 2008, p. 64).

O componente essencial de todos os campos nazistas era o mesmo: a fome, a privação do sono e de todo tipo de necessidade primária, brutal ritmo de trabalho, sadismo incessante por parte das SS, e a morte lenta por inanição, ou súbita e aleatória, pelas mãos de algum nazista (FAINGOLD, 2015).

Sousa (2016, par. 4-5) afirma que:

Dado o início da Segunda Guerra, o governo nazista criou campos de concentração onde os judeus e ciganos eram forçados a viver e trabalhar. Nos campos, os concentrados eram obrigados a trabalhar nas indústrias vitais para a sustentação da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. Além disso, os ocupantes dos campos viviam em condições insalubres, tinham péssima alimentação, sofriam torturas e eram utilizados como cobaias em experimentos científicos. É importante lembrar que outros grupos sociais também foram perseguidos pelo regime nazista, por isso, foram levados aos campos de concentração. Os homossexuais, opositores políticos de Hitler, doentes mentais, pacifistas, eslavos e grupos religiosos, tais como as Testemunhas de Jeová, também sofreram com os horrores do Holocausto. Dessa forma, podemos evidenciar que o holocausto estendeu suas forças sobre todos aqueles grupos étnicos, sociais e religiosos que eram considerados uma ameaça ao governo de Adolf Hitler.

Os ciganos, homossexuais e eslavos também foram alvo do nazismo, sendo estes últimos vistos como “subumanos”; já os ciganos eram vistos como uma raça inferior, de marginais e parasitas (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

Como informa Ruby (1995 apud CAPELATO; D’ALESSIO, 2012), Heinrich Himmler, um dos principais líderes do partido nazista, declarou que o homossexual é um homem doente, fraco e se mostra covarde em todos os casos; para Himmler, os homossexuais precisavam ser exterminados para preservar a Alemanha, uma vez que se o vício homossexual se expandisse no país não conseguiriam combatê-lo.

Durante o período do holocausto nazista o extermínio foi praticado tanto pelo assassinato puro e simples como por meio de trabalho forçado, método mais útil e mais cínico (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

O projeto nazista de criação de um mundo “perfeito” gerou um imaginário baseado em identidade nacional coletiva excludente, que justificava o extermínio do outro. Porém, as práticas de extermínio foram realizadas num mundo oculto, deixando vestígios para a reconstrução, pela história, desse passado de terror (CAPELATO; D’ALESSIO, 2012).

Já no tocante ao apartheid, Francisco (2017) assevera que esse termo se refere a uma política racial implantada na África do Sul. De acordo com esse regime, a minoria branca, os únicos com direito a voto, detinha todo poder político e econômico no país, enquanto a maioria negra era obrigada a obedecer rigorosamente à legislação separatista (FRANCISCO, 2017).

Santana (2011) afirma que apartheid significa vidas separadas, sendo o nome dado ao regime de discriminação racial na África do Sul, sistema segregacionista que negava aos negros direitos sociais, econômicos e políticos.

Nascimento (2009, p. 32-33) reitera:

A partir de 1950, uma série de normas passou a regulamentar o Apartheid de maneira muito mais forte58. Dentre eles havia o “Ato n° 30 de Registro da População” que classificava as raças entre brancos, negros e coloureds -, e o Group Areas Act e delimitava o lugar onde as diferentes raças deveriam residir. Os negros e coloureds foram “abrigados” em Pátrias Bantus, que constituíam as periferias dos centros urbanos brancos. Com o tempo, este Ato evoluiu para a “Lei de Constituição das Pátrias Bantu”, espécie de territórios nacionais que abrigavam todas as tribos negras no país. Com isso, os negros deixavam de ter a cidadania sul-africana, para ter a cidadania de sua Pátria Bantu – Xhosa, Zulu, Twasa, Nguni, Venda, Swazi, Ndebele ou Sotho. Estas novas pátrias possuíam autoridades políticas nativas que eram financiadas e sustentadas pelo Governo de Pretória.

O apartheid não permitia o acesso dos negros às urnas, proibindo-os de adquirir terras na maior parte do país, sendo obrigados a viver em zonas residenciais segregadas, uma espécie de confinamento geográfico, em que casamentos e relações sexuais entre pessoas de diferentes etnias também eram proibidos. Tal política de segregação racial foi oficializada em 1948, com a chegada do Novo Partido Nacional (NNP) ao poder (FRANCISCO, 2017).

Santana (2011) relata que as principais leis do apartheid abrangeram a proibição de casamentos entre brancos e negros, proibição de circulação de negros em determinadas áreas das cidades; determinação e criação dos bantustões (bairros) só para negros e a criação de sistema diferenciado de educação para as crianças.

Nascimento (2009, p. 34) afirma que:

No dia 21 de março de 1960, ocorreu um protesto pacífico organizado pelo Congresso Pan-Africano (CPA), na cidade de Sharpeville. O protesto se deu em reação à “Lei do Passe”, que restringia o direito de ir e vir dos negros e coloureds na África do Sul. A polícia sul-africana reprimiu fortemente os manifestantes, deixando 69 mortos e aproximadamente 180 feridos. Após este fato, foi decretado que o CPA era um movimento ilegal. Com efeito, esta data tornou-se um marco do Apartheid, tendo em vista que foi a partir dela que a comunidade internacional passou a posicionar-se contra o governo de Henrick Verwoerd, presidente sul-africano naquela ocasião.

Os negros, diante da realidade a que foram subjugados, passaram a se organizar de modo mais sistemático para dar fim ao apartheid. Dentre seus principais líderes estavam Nelson Mandela3 e Oliver Tambo. Eles já haviam criado o Congresso Pan-Africano (PAC) e contavam também com o antigo CNA (congresso nacional africano). Contudo, as duas instituições foram declaradas ilegais pelo governo após o número de protestos e manifestos terem aumentado significativamente pelo país.4 Por toda a África do Sul eclodiram movimentos estudantis e organizações lutando pela causa negra (NASCIMENTO, 2009).

Segundo Nascimento (2009) Nelson Mandela e alguns companheiros do CNA foram transferidos para a prisão Pollsmoor,em 1982, este foi o primeiro indício de que o Governo Sul-Africano percebeu que o Apartheid estava se enfraquecendo e deveriam tomar providências. Era necessário ceder, pois o país já se encontrava em “Estado de Emergência” e o número de protestos, casos de violência contra a minoria branca, atentados e greves se tornava cada vez maior.

O apartheid foi reconhecido como “crime contra a humanidade”, sendo classificado no artigo 7º do Estatuto de Roma.

Neste sentido, Nascimento (2009) assevera que houve a comprovação da existência de crimes como assassinato, escravidão, privação de liberdade, realocação forçada, violência sexual, dentre outros, com isso, o Apartheid foi considerado crime contra a humanidade pelo Estatuto de Roma, pois foi um sistema que possuía várias características que são condenadas pelo Estatuto.

Fernandes (ca. 2017, “O que é a segregação racial?”, par. 1, grifo do autor), a respeito da segregação racial, pontua que:

[...] no contexto da Idade Contemporânea, pode ser definida como um tipo de política de Estado que tem por objetivo separar indivíduos ou grupos de indivíduos de uma mesma sociedade por meio de critérios raciais (ou étnicos). Esse tipo de medida passou a ser executado a partir do fim do século XIX e teve forte vigor no século XX, em países como a Alemanha nazista, com o antissemitismo, a África do Sul, com o apartheid, e os Estados Unidos da América.

É necessário compreender o processo de formação dos Estados Unidos da América para entender a questão da segregação racial. Inicialmente, os Estados Unidos foram formados por colonos ingleses, que deram origem às chamadas “treze Colônias”, na costa Leste do país, tendo as colônias doSul desenvolvimento diferente das do Norte. Enquanto no Norte predominou o modelo de pequena propriedade privada, no Sul prevaleceu o da grande propriedade de terras e da monocultura (que caracteriza a chamada plantation). Nesse modelo, ao contrário do que vigorou no Norte, assentou-se o uso do trabalho escravo, mais precisamente de escravos negros do continente africano. Assim, durante o período em que predominou a escravidão no Sul dos Estados Unidos, os negros escravos eram considerados mercadoria de seus donos, e não indivíduos portadores de direitos (FERNANDES, ca. 2017).

O término do modelo escravocrata veio com a Guerra Civil Americana, entre 1861 e 1865. Nela, entraram em conflito os estados do Norte, ou União, comandados pelo então presidente Abraham Lincoln, e os autoproclamados “Estados Confederados do Sul”, que pretendiam fundar uma confederação separatista. A guerra terminou com a vitória do Norte, resultando na abolição da escravatura (FERNANDES, ca. 2017).

Após a guerra, iniciou-se o processo de reconstrução do país e reincorporação dos estados do Sul ao restante do país. Nesse período, apareceram as primeiras tentativas de “implementação das políticas segregacionistas”. Para muitos cidadãos brancos sulistas era inaceitável que os negros, recém-libertos, tivessem os mesmos direitos e ocupassem os mesmos espaços que eles. No mesmo ano em que terminou a guerra foi formada a organização racista Ku Klux Klan(FERNANDES, ca. 2017).

Durante esse período de segregação havia espaços públicos (como escolas, bairros, banheiros e ambientes de trabalho), separados para negros e brancos, promovendo-se clara distinção em função da cor da pele. Indivíduos negros eram humilhados, desprezados e agredidos, sendo-lhes tolhidos direitos e oportunidades.

Somente em 1964 o presidente dos Estados Unidos, Lyndon Johnson, assinou a Lei de Direitos Civis, estabelecendo (ao menos sob o ponto de vista “formal”), o fim da segregação racial em escolas, ambientes de trabalho e locais públicos de todo o país.

Conclusão

Frente às inúmeras violações de direitos humanos ocorridas no século XX, principalmente durante a segunda guerra mundial, o ius puniendi passou a ser analisado sob diferentes concepções, surgindo a preocupação com a proteção internacional dos direitos humanos, sendo o Tribunal Penal Internacional o resultado de longo processo de responsabilização dos seus autores, movido por sentimento universal de justiça.

O Tribunal de Nuremberg contribuiu para o desenvolvimento do Direito Penal Internacional, revelando-se marco nas relações internacionais.

O anseio do Tribunal Penal Internacional é fazer com que os mais graves e hediondos abusos contra a consciência humana e a segurança coletiva não fiquem impunes, promovendo-se a satisfação do sentimento universalmente compartilhado de realização de justiça.

O Tribunal de Nuremberg contribuiu decisivamente para sinalizar que quem age em nome do Estado para o cometimento de graves crimes contra a humanidade estará sujeito à responsabilização pessoal por seus atos frente ao Tribunal Penal Interacional.

Acontecimentos históricos como o holocausto nazista, o apartheid e a segregação racial corresponderam a eventos abomináveis na história do século XX, cujos desdobramentos repercutiram em inúmeros crimes contra a humanidade, muitos dos quais foram objeto de punição, e cuja triste memória deve servir de alerta para as presentes e futuras gerações, a fim de que as atrocidades e horrores por eles engendrados não mais produzam efeitos no presente século.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 “A palavra genocídio foi primeiramente empregada por Raphael Lemkin em seu livro sobre os crimes cometidos pelos nazistas na Europa." (JANKOV, 2009, p. 60)
2 Todavia, “o conceito de segurança humana é tão abrangente que se torna pouco claro, vago e ambíguo” (NASSER, 2009, p. 74).
3 Consoante lembra Nascimento (2009, p. 37), Nelson Mandela foi libertado em fevereiro de 1990, tendo sido considerado o seu retorno à sociedade um marco no processo de transição da segregação racial para a democracia sul-africana.
4 A nova Constituição sul-africana, denominada Constituição da República da África do Sul, representou formalmente o fim do Apartheid(NASCIMENTO, 2009, p. 37).
Notas de autor
* Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins. E-mail: flaviadenadai12@hotmail.com. http://lattes.cnpq.br/0693991458991177. https://orcid.org/0000-0001-8709-8669
** Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Tocantins. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da Universidade Federal do Tocantins, em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense. E-mail: tarsisbarreto@mail.uft.edu.br. http://lattes.cnpq.br/2822267824059777. https://orcid.org/0000-0003-0931-8915
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