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Urbanização e crescimento da cidade de Juiz de Fora: Aspectos político-criminais na transição do século XIX para o XX
Urbanización y crecimiento de la ciudad de Juiz de Fora: aspectos político-delictivos en la transición del siglo XIX al XX
Urbanization and growth in the city of Juiz de Fora: Political-criminal aspects at the turn of the twentieth century
Urbanisation et croissance de la ville de Juiz de Fora : Aspects politico-criminels du passage du XIXe au XXe siècle
巴西茹伊斯德芙拉市的城市化与发展:19世纪至20世纪过渡中的政治与犯罪
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 13, núm. 2, pp. 328-364, 2021
Universidade Federal Fluminense

Artigos



Recepción: 12 Febrero 2021

Aprobación: 13 Abril 2021

DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-202113208

Resumen: Este artículo se centra en el proceso de urbanización y crecimiento de la ciudad de Juiz de Fora, en el estado de Minas Gerais, durante la transición del siglo XIX al XX. Cuestionamos la relación entre este proceso, marcado por una ideología desarrollista y elitista, y la construcción del entramado político, penal y punitivo llevada a cabo en este municipio. Observamos, desde el diálogo de la investigación histórica sobre la ciudad y los marcos teóricos de la criminología crítica, las líneas que conectan los procesos de urbanización y desarrollo, y la economía punitiva durante el periodo estudiado, además de sus reflejos sociales y delictivos a lo largo de la historia de la ciudad.

Palabras clave: crecimiento urbano, violência, castigo, Juiz de Fora, criminología crítica.

Resumo: Este artigo enfoca o processo de urbanização e de crescimento da cidade de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, durante a transição do século XIX para o XX. Problematizamos a relação entre esse processo, marcado por uma ideologia desenvolvimentista e elitista, e a construção do arcabouço político-criminal e punitivo levado à cabo no município. Observamos, a partir do diálogo de pesquisas históricas sobre a cidade e de marcos teóricos da criminologia crítica, as linhas que conectam os processos de urbanização e de desenvolvimento e a economia punitiva durante o período estudado, além de seus reflexos sociais e criminais ao longo da história da cidade.

Palavras-chave: crescimento urbano, violência, punição, Juiz de Fora, criminologia crítica.

Abstract: This article focuses on the process of urbanization and growth in the city of Juiz de Fora in the Brazilian state of Minas Gerais during the transition from the nineteenth to the twentieth century. We problematize the relationship between this process, marked by a developmentalist and elitist ideology, and the construction of the political-criminal and punitive framework in the municipality. Based on the dialogue between historical studies on the city and the theoretical frameworks of critical criminology, we observe the bonds connecting the processes of urbanization and development and the punitive economy during the period under study, along with the social and criminal impacts throughout the course of the city’s history.

Keywords: urban growth, violence, punishment, Juiz de Fora, critical criminology.

Résumé: Cet article s’intéresse au processus d’urbanisation et de croissance de la ville de Juiz de Fora, dans l’État brésilien de Minas Gerais, au tournant du XX. siècle. Nous mettrons en perspective la relation entre ce processus, marqué par une idéologie développementiste et élitiste, et la construction de l’agencement politico-criminel et punitif en œuvre dans la commune. Nous avons observé, à partir du dialogue entre les recherches historiques sur la ville et les jalons théoriques de la criminologie critique, les liens qui connectent les processus d’urbanisation et de développement à l’économie punitive durant la période étudiée, ainsi que leurs répercussions sociales et criminelles tout au long de l’histoire de la commune.

Mots clés: croissance urbaine, violence, punition, Juiz de Fora, criminologie critique.

摘要: 本文重点介绍了19世纪到20世纪过渡时期巴西米纳斯州茹伊斯德芙拉(Juiz de Fora)市的城市化进程和增长过程。我们对发展主义和精英主义意识形态为特征的这一历史进程进行分析,对当时市政当局所建立的政治结构与犯罪和惩罚系统之间的关系提出了质疑。我们发现,在此期间,城市化和经济发展过程中,犯罪与惩罚事件也不断上升,甚至出现了惩罚经济。在城市治理中,政治,犯罪与惩罚,彼此之间相互共存共进,因此,我们需要对传统犯罪学理论进行批判与反思。

關鍵詞: 城市增长, 暴力, 惩罚, 茹伊斯德芙拉 (Juiz de Fora), 批判犯罪学.

Introdução

O presente artigo é fruto da pesquisa “A escalada da violência em Juiz de Fora: para pensar melhor...”, empreendida pelos autores junto ao NEPCrim – Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Para que se fosse possível pensar a realidade criminal da cidade de Juiz de Fora se fez necessário compreender historicamente o desenvolvimento urbano da cidade e suas consequências, onde se evidenciam o acirramento das desigualdades sociais, o aumento da violência urbana e de seletivos processos de criminalização ao longo de sua história.

O trabalho privilegia, do ponto de vista metodológico, a pesquisa com fontes bibliográficas, submetidas a uma análise crítica. E para nosso objetivo, é central a comunhão de pesquisas de caráter historiográfico sobre a cidade de Juiz de Fora (ABREU, 2010; ALMEIDA, 2005; BARROS, 2005; BARROSO, 2008; BATISTA, C., 2012, 2015; GOODWIN JR., 1996; GUIMARÃES, 1999, 2001a, 2001b, 2003, 2005; TASCA, 2002, 2010), os quais são analisados e compreendidos à luz das teorias criminológicas e penais críticas (ANDRADE, V., 2012; BATISTA, N., 1996, 2006, 2010; BATISTA, V., 2003, 2009, 2011; RAUTER; 2003; RODRIGUES, 2015, 2017; ZAFFARONI, 2013). Tal proposta de análise permite que, através dos dados históricos estudados, seja possível perceber a dinâmica socioeconômica e punitiva levada a cabo em Juiz de Fora.

Dessa forma, primeiramente, busca-se apresentar os aspectos socioeconômicos e geográficos do município e, através de uma retomada histórica, descrever a centralidade de Juiz de Fora nas mudanças ocorridas no período a nível nacional. Como outras cidades brasileiras, Juiz de Fora também passou por um processo de modernização, que teve seu auge em 1889, inaugurando o período da belle époque juiz-forana. Os anseios e os projetos de modernização, de caráter desenvolvimentista, tinham marca da elite local.

Posteriormente, será apresentada a centralidade do trabalho escravo na economia de Juiz de Fora, mesmo com os movimentos liberais e abolicionistas das últimas décadas do século XVIII. A mão de obra negra como motor econômico implica nos modelos de punição e controle acionados no período, colocando em evidência o poder-punitivo doméstico-senhorial que, como será apresentado, muitas vezes se colocava em sentido oposto às determinações legais oficiais à época, construindo uma forma específica de economia punitiva.

De outro lado, o avanço do movimento abolicionista, marcado por leis de transição e, finalmente, pela Lei Áurea (BRASIL, 1888), trouxe consigo o aumento do “medo branco”, visto a crescente preocupação com o cometimento de crimes por escravos recém libertos. Nesse contexto, Vera Batista (2003), explica como o medo serviu para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento desses homens, mulheres, crianças e adolescentes miseráveis, percebidos como seres sujos, perniciosos e perigosos.

Por fim, apresentamos os reflexos da primeira fase desenvolvimentista na cidade de Juiz de Fora ao longo do século XX, quando, a partir da década de 30, o desenvolvimento industrial começa a decair e, posteriormente, na década de 60, a cidade passa a se destacar como um polo de oferta de serviços. Tal movimento, assim como as outras mudanças da estrutura econômica ao longo da história do município, trouxe consequências para as políticas de urbanização e controle social, sendo observável um fenômeno de “favelização” (ABREU, 2010).

Portanto, a partir da proposta delineada e no intuito de contribuir para os debates críticos sobre o tema, o presente trabalho pretende refletir sobre o processo de organização e crescimento da cidade de Juiz de Fora, no estado de Minas Gerais, no período citado, desvelando as problemáticas em torno do mito desenvolvimentista, de modo a delinear e compreender as linhas que conectam as políticas de desenvolvimento urbano empreendidas no período e os aspectos político-criminais a elas relacionadas.

Os primeiros influxos e as consequências da urbanização e do crescimento populacional em Juiz de Fora

Juiz de Fora, situada na Zona da Mata mineira, é a quarta maior cidade de Minas Gerais e dista cerca de 280 km da capital, Belo Horizonte. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2019, a população estimada para o município era de 568.873 habitantes, sendo o salário médio mensal dos trabalhadores correspondente a 2,4 salários mínimos e os indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) nos anos iniciais e finais do ensino fundamental na rede pública correspondendo a 5,6 e 4,1, respectivamente (BRASIL, 2017).

O município integra importante malha viária de acesso aos principais mercados consumidores e produtores brasileiros, aos potenciais fornecedores e aos principais terminais marítimos da região Sudeste. Entre os setores mais aquecidos da economia local, destacam-se a indústria, o comércio e o de serviços. A contribuição do setor industrial é da ordem de 34% do Produto Interno Bruto (PIB) da microrregião e advém de seu diversificado parque produtivo, o qual conta com empresas do setor automotivo, têxtil e vestuário, metalúrgico, químico e alimentar. Entre as empresas mais representativas estão: Mercedes Benz, Belgo Mineira, White Martins, Quirela Química do Brasil, Paraibuna de Metais e Laticínios Candido Tostes. Salienta-se, ainda, o setor da construção civil, que tem grande importância na cidade.

Além de destacadas instituições particulares de ensino, o município conta também com uma Universidade Federal que possui cerca de 50 opções de cursos de graduação, 32 de mestrado e 15 de doutorado, além de especializações, MBA, residência e educação de base, figurando como importante centro de conhecimento, cultura e geração de emprego e renda. Além disso, contemplando o ensino profissionalizante, a cidade sedia o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste Mineiro (IFET)1

Embora ainda seja considerada uma cidade importante para a economia do estado, Juiz de Fora teve maior relevância na transição do século XIX para o XX, graças ao grande crescimento econômico gerado pela cultura do café e pelo pioneirismo na industrialização, motivo que, à época, rendeu à cidade a alcunha de Manchester Mineira. No início do século XX, Juiz de Fora contava com uma área de influência que abrangia toda a Zona da Mata mineira e ainda outros estados do país, o que decorreu, inicialmente, de sua localização estratégica no período de extração aurífera no estado e, a partir de 1850, da intensificação da cultura cafeeira na região. Porém, foi no contexto da industrialização e das reformas urbanas promovidas no Brasil, na passagem do século XIX para o XX, que a cidade teve seu auge econômico e populacional.

Para remontar a história de Juiz de Fora é necessário o retorno às primeiras décadas do século XVIII, quando foi criado o então chamado Caminho Novo, construído a mando da Coroa Portuguesa para evitar o contrabando de ouro na região e facilitar a conexão entre Vila Rica (atual Ouro Preto) e o porto do Rio de Janeiro, gerando, assim, a dinamização no escoamento do ouro da região. O Caminho Novo, principal ponto de edificação do que seria mais tarde a estrutura urbana de Juiz de Fora, permitiu que, ao longo de sua extensão, surgissem pequenos povoados que, devido ao aumento de circulação de mercadorias e pessoas, instalaram-se em suas margens, com destaque para os grupos que deram origem às cidades de Barbacena e Matias Barbosa, além do povoado de Santo Antônio do Paraibuna, hoje Juiz de Fora.

No período imperial o crescimento da produção cafeeira na região e o interesse em garantir seu escoamento e o aumento dos fluxos migratórios em direção à Zona da Mata exigiu melhorias nos acessos ao Caminho Novo, o que culminou na contratação do engenheiro alemão Guilherme Henrique Fernando Halfeld, encarregado de realizar as obras. Na década de 1840, sob o comando de Halfeld, foi construída a estrada do Paraibuna, que garantiu o povoamento da margem direita do rio de mesmo nome. Essa estrada (que deu origem à atual Avenida Barão do Rio Branco, principal via pública da cidade de Juiz de Fora) tornou-se via essencial para o desenvolvimento urbano e, já no início da década de 1850, a então província de Santo Antônio do Paraibuna foi elevada à categoria de vila, através da Lei Provincial n.º 472, de 31 de maio de 1850 (MINAS GERAIS, 1850), desmembrando-se, assim, da cidade de Barbacena.


Gráfico 1
População da Vila de Santo Antônio do Paraibuna em 1854

*Estão incluídos 30 estrangeiros, sendo 15 homens e 15 mulheres

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados encontrados em (AHCJF, [199-] apud SOUZA, 1998, p. 41)

Posteriormente, em meados da década de 1860, por meio da Lei Provincial n.º 1.262, de 19 de dezembro de 1865, o município de Paraibuna passou então a ser chamado de Juiz de Fora. A primeira planta da cidade foi construída pelo engenheiro alemão Gustavo Dodt, em 1860, e aprovada no mesmo ano pelo governo provincial. O primeiro plano cadastral se caracterizava como um plano viário, ou seja, focado na setorização de equipamentos públicos dos leitos das vias da cidade.

Nesse sentido, o engenheiro traçou um triângulo formado por três vias responsáveis pela delimitação do centro da cidade. As três vias eram formadas pela antiga Estrada do Paraibuna (posteriormente chamada de Rua Direita e, mais tarde, Avenida Barão do Rio Branco), pela Rua Dom Pedro II (parte da Estrada União Indústria) e pela Avenida Independência (desde 2011, Avenida Itamar Franco). No redesenho, é possível perceber o destaque dado à Rua Direita de onde partem as demais transversais do plano.

Com a intensificação da cultura cafeeira, Juiz de Fora se tornou um dos mais importantes entrepostos comerciais da Zona da Mata Mineira, o que garantiu a acumulação de capital na nova cidade e permitiu a criação de ferrovias, consolidando sua posição no cenário nacional. Sua emancipação, em 1865, coincidiu com o período em que se iniciaram inúmeras transformações econômicas, políticas, sociais e culturais no país, que refletiam as tensões entre a política centralizadora, até então adotada pela Coroa, e os ideais modernizadores, que caracterizaram o período imperial. Dentre as novas tendências se destacaram: o fim do tráfico de escravos, a Lei de Terras e a aprovação do primeiro Código Comercial, que foram o prenúncio das transformações necessárias para o estabelecimento do modelo capitalista liberal.

Em meio a essa complexidade que marcou a política nacional na segunda metade do século XIX, Juiz de Fora, influenciada por uma maior proximidade geográfica e um consequente intercâmbio econômico e cultural com a Corte, diferenciava-se da tradicional cultura colonial mineira observada nas cidades surgidas no século XVIII, destacando-se, assim, nesse processo de transições políticas e econômicas existente no país (BORGES, 2005).

Segundo Fazolatto (2001), uma das características desse período foi o crescimento populacional verificado na cidade. O censo populacional de 1855 apontou uma população de 27.722 habitantes, o que significava um grande crescimento em relação ao mapa populacional de 1831, que registrava apenas 1419 habitantes. Já em 1872, em virtude da expansão da economia cafeeira, os registros da população de Juiz de Fora indicavam mais de 38.000 habitantes, sendo 18.775 escravos (TASCA, 2002).

Vista como cidade pujante, Juiz de Fora passou a ser o centro que atraía os investimentos de uma burguesia emergente, com destaque para Mariano Procópio Ferreira Lage, que, após receber concessão imperial para a construção da estrada que ligaria Juiz de Fora a Petrópolis, colocou em ação a Companhia União & Indústria, que contribuiu para o crescimento da cidade e, mais tarde, influenciou, também, a vinda de imigrantes. Não obstante, para além do mito do desenvolvimentismo, os imigrantes enfrentaram uma série de dificuldades para se manterem em condições mínimas de sobrevivência na cidade. Sobre esse aspecto, a história de Juiz de Fora permanece obscura.

Em 1884, dois terços da malha ferroviária da província se localizavam na Zona da Mata com interligações em Juiz de Fora, sendo que a maior parte dos produtos importados e exportados por Minas Gerais passava pela cidade em função de seu sistema de transporte rápido e eficiente, o que lhe permitiu desenvolver características típicas de polo econômico. Nesse sentido, de acordo com Isabel Borges (2005), a fase desenvolvimentista juiz-forana representa um marco no conjunto de ações de parte da elite local, que almejava a aproximação da cidade com o ideal europeu e buscava, através da criação de uma infraestrutura urbana, possibilitar o crescimento de seus investimentos e instaurar seu projeto modernizante voltado para o desenvolvimento industrial. É essa face industrial que vai garantir a manutenção do destaque econômico da cidade depois da crise da produção cafeeira.

Conforme a autora, a elite da região Sul da Zona da Mata Mineira era composta à época por famílias ligadas ao café e à cultura de alimentos voltada para o comércio. No entanto, a essas famílias pode-se acrescentar a presença de alguns industriais de origem nacional sem vínculo direto com a cafeicultura. É justamente esse grupo que vai possibilitar a emergência em Juiz de Fora de uma identidade caracteristicamente ambígua, que conciliava os ideais conservadores e as tendências modernas, e via na Corte sua principal referência e inspiração, além de uma ponte direta com o ideário europeu. Assim, esse setor da elite juiz-forana almejava a modernização da cidade como um símbolo do seu poder. A pretensão era transformar o município em um centro urbano atraente para o bem viver de uma elite poderosa e em sintonia com as modernas noções de higiene, planejamento urbano, transporte, cultura e segurança.

Os anseios pela modernização da cidade tiveram seu auge em 1889, com a instalação da energia elétrica, inaugurando o período que ficou conhecido como a belle époque juiz-forana. Tal denominação se relaciona com o sentimento presente à época de elogio ao progresso e às inovações tecnológicas e ao desejo de dar às cidades ares europeus. Diversas cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Belém, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras, foram influenciadas por esse espírito (BARROS, 2005).

Nessa esteira, Barros (2005) afirma que a população local incorporava o ideal de progresso, que se fortaleceu com a inauguração da Companhia Construtora Mineira, do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais e da Sociedade Promotora de Imigração em Minas Gerais, em 1887; Companhia Mineira de Eletricidade e Fábrica de Tecelagem Bernardo Mascarenhas, em 1888; Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A, em 1889; Sociedade de Medicina e Cirurgia, em 1889; Companhia Mineira de Juta, em 1893; Academia de Comércio, em 1894.

Não obstante, a belle époque juiz-forana foi marcada também por problemas sanitários, pela falta de habitações, pelo analfabetismo e, sobretudo, pela escravidão, elementos que pareciam incompatíveis com o progresso e com a política liberal.

A mão de obra escrava como motor da economia cafeeira na região e o controle social a partir dos conflitos entre parceiros de cativeiro

Conforme a historiografia feita por Esteves (2008) Juiz de Fora, utilizada como entreposto comercial, teve seu crescimento a partir do capital advindo das lavouras de café, e, aos poucos, foi se tornando importante polo industrial, correspondente ao ideal da nação idealizado pela República. Porém, antes de adentrar as particularidades do contexto local no período republicano, convém destacar que, durante a maior parte do século XIX, a cidade obteve seu desenvolvimento econômico graças ao setor cafeeiro e à mão de obra escrava. Assim, mesmo com os influxos liberais e os movimentos abolicionistas que, nas últimas décadas dos do século XVIII, fortaleciam-se no país, a escravidão ainda tinha papel de grande destaque no município.

Em 1873, a população cativa da cidade era de aproximadamente 19.351 pessoas, o que representava grande parcela frente aos 95.099 escravos existentes na Zona da Mata mineira (GUIMARÃES, 2003). Conforme Guimarães (2001a), a situação dos escravos na região de Juiz de Fora era marcada pela intensa exploração e punições corporais cada vez mais severas, além de epidemias que assolavam a cidade à época e atingiram sobejamente os corpos negros fragilizados.

Contudo, apesar das mazelas enfrentadas em seu dia a dia, os negros escravizados resistiram e encontraram formas de suportar os rigores da senzala. Para tanto, desenvolveram redes de solidariedade dentro das fazendas, constituíram suas famílias, buscaram posses de terras e disputaram funções únicas dentro de suas vivências. Como destaca Guimarães (2001a), cada conquista dentro dos núcleos em que viviam era uma oportunidade de se afirmar perante o grupo, tornando-se, de alguma forma, único dentre os demais.

Não obstante, Guimarães (2003) enfatiza que essa busca por afirmação também terminava por ocasionar conflitos, tais como brigas e rixas entre companheiros de cativeiro ou entre os escravos e seus senhores. Como era de se esperar, tais conflitos, que já eram severamente punidos no âmbito do poder punitivo doméstico, foram criminalizados pelas leis de posturas2 locais, de modo que a maioria dos crimes registrados à época estava intimamente relacionada a ofensas praticadas por escravos. Nos processos criminais do período, Guimarães (2003) verificou que 77,8% dos crimes entre escravos ocorreram entre aqueles que pertenciam a um mesmo proprietário, ou seja, que conviviam e habitavam um mesmo local, vivenciando entre si a competição pela diferenciação. Ao analisar processos criminais da época, disponíveis no arquivo histórico da cidade, a autora relata que, o conflito entre os escravos se deu em razão de disputas e afirmação de poder a partir da definição de quem exerceria a função de distribuição da comida (angu de fubá de milho), desdobrando-se em ofensas e uma facada por parte do escravo encarregado de executar tal tarefa em face daquele tido como intruso (GUIMARÃES, 2003).

Além dos impactos inerentes à criminalização e seletividade na imposição das penas, revela notar as consequências que tais expedientes traziam à moral dos escravos, pois a recusa de reconhecimento dessas distinções que lhes eram importantes, como a simples função de servir a comida, afrontava sua própria existência e desencadeava sentimentos intrinsecamente ligados à sua posição social perante o seu agrupamento. Dessa maneira, a depreciação da liberdade de se diferenciar e o cerceamento da expressão da própria individualidade do negro foram os maiores pressupostos de fundo para os conflitos verificados entre escravos em Juiz de Fora, os quais foram dolorosamente punidos.

Além disso, destaca-se que nas muitas fazendas de grande e médio porte da região havia escravos com distintas etnias, o que proporcionava enorme diversificação e disputas entre os grupos cativos. As significativas diferenças entre os mancípios propiciavam o surgimento de múltiplos conflitos que, não reconhecidos como legítimos por parte de seus senhores, ensejavam, além dos castigos privados, a habilitação do poder punitivo formal e imposição de duras sanções (GUIMARÃES, 2003).

Por outro lado, embora os conflitos fossem severamente punidos, diante de um contexto marcado pela busca da singularização por parte dos mancípios, os fazendeiros moldaram esse cenário a seu favor, promovendo políticas senhoriais de estímulo à diferenciação interna entre cativos, tais como benefícios para a realização de funções diferenciadas na administração da fazenda (GUIMARÃES, 2001b). Essas políticas funcionavam como mecanismos de controle social, pois ao mesmo tempo em que moldavam o cotidiano dos negros de forma a tornar latente a diferença entre aqueles que conviviam no interior das senzalas dia a dia, os proprietários criavam ambiência para a emergência de conflitos, de modo que estes fragmentassem o grupamento cativo, facilitando o controle por parte daqueles.

Ademais, aqueles que não oferecessem resistência e mantivessem o comportamento submisso ao senhor eram agraciados com cargos de confiança e funções notáveis dentro da comunidade cativa. Já os que resistiam às mazelas do cativeiro eram castigados e punidos à cada oportunidade. Tal mecanismo de controle estruturava-se, portanto, em lados opostos, dicotômicos, que sempre entravam em rixa devido à insatisfação com o comportamento do seu oposto. Isso acontecia sobretudo diante de punições que, embora decorrentes dos atos de um único escravo, atingiam demais integrantes do grupo, o que pôde ser extraído da análise de autos findos referente a esse período:

As disputas internas, a afirmação do cativo em seu meio e a oposição de um membro do grupo em subordinar-se à disciplina da fazenda, também estão presentes no assassinato de Estevão, cativo de Azarias José de Andrade. Em uma tarde de domingo, do mês de maio, os escravos da Fazenda São Luiz caminhavam em forma, sob ordens do capataz. Dirigiam-se ao cafezal para buscar inhames. No caminho, Luiz e Estevão desentenderam-se. Das palavras à agressão, Estevão, embora mais forte e robusto que seu agressor, saiu da disputa mortalmente ferido (AHCJF, Homicídio: 29/03/1885). Contam os informantes que entre as partes havia rixa antiga. Luiz, o acusado, confirma que ele e a vítima, havia algum tempo, não se entendiam. Alega que o motivo das desavenças fora ter observado, certa ocasião, que Estevão não estava adequadamente em linha no eito, quando da capina do cafezal. E, portanto, não fazia o serviço direito. Desde então, andavam sempre se desentendendo (GUIMARÃES, 2003, p. 8).

Do trecho in tela é possível ver representada a capacidade do senhor de moldar a vida de seus escravos, utilizando-se da diferenciação, almejada pelos mancípios, como forma de controle social dentro da fazenda, de modo que as revoltas contra a escravidão em si perdessem sua força diante da rixa entre os grupos.

Outra forma de os senhores aproveitarem o desejo de distinção dos escravos era a manipulação da discrepância entre o número de escravos do sexo masculino e feminino. Guimarães (2001b), observou pelo relatório do Presidente de Província de Minas Gerais de 1874, que, em 1873, dos 19.351 escravos existentes na cidade de Juiz de Fora, 11.507 (59,46%) eram do sexo masculino e apenas 7.844 (40,54%) eram do sexo feminino (p. 168). Assim, valendo-se de sua posição, o senhor casava e descasava os negros de acordo com suas preferências pessoais, muitas vezes com a finalidade de ensejar a confrontação entre os escravos, como nos casos de formação deliberada de casais entre os cativos sem a sua devida permissão ou anuência (GUIMARÃES, 2001b). Uma vez estabelecida reiteradamente, essa atividade instaurou diversos conflitos, já que violava o afeto e as relações íntimas dos cativos que eram forçados a observarem suas antigas esposas casadas, por força do senhor, com outros companheiros de cativeiro. A partir da forte carga emocional envolvida e do sentimento de ter suas emoções compelidas e desacreditadas para a satisfação de outros, diversos crimes foram cometidos como forma de vingança e de rebeldia frente ao sentimento de impotência perante os desmandos dos senhores.3

Tais situações podem ser ilustradas a partir do fragmento de carta do Conde de Prados, um dos fazendeiros da região de Juiz de Fora, à sua esposa, na qual afirma que: “Em todo caso, a efetuarem-se esses casamentos por motivos de desentulho, único admissível, devem ser preferidos os mais velhos” (ALBUQUERQUE, 1988 apud GUIMARÃES, 2001b, p. 189). A situação também foi retratada em carta por Marita de Assis, neta do proprietário da Fazenda do Retiro, em Juiz de Fora, dizendo que seu avô “tratava com especial cuidado as escravas solteiras e gostava de arranjar para elas bons casamentos. Estas donzelas trabalhavam sob suas vistas e dormiam em cômodos separados, perto da sede” (OLIVEIRA, 1986 apud GUIMARÃES, E., 2001b, p. 189). Ambas as narrativas corroboram com a perspectiva de que havia tratamentos diferenciados para certos grupos de cativos por parte de seus senhores.

Mesmo que o objetivo fosse suprimir a rebeldia e a resistência à escravidão por meio desse sistema de diferenciações internas, os escravos, em variados momentos, demonstraram sua não aceitação às condições que se lhes eram impostas, demarcando sua insatisfação até mesmo com a morte. Nesse sentido, o suicídio e a embriaguez foram utilizados como resposta a esses desmandos por parte de muitos escravos (AMOGLIA, 1999). Quando não tiravam a própria vida, esses escravos, sobejamente abalados pelo cotidiano abusivo, terminavam por cometer crimes passionais, como verificado por Machado (1987 apud GUIMARÃES, E., 2001b, p. 186), no estudo dos crimes passionais na comunidade escrava de Juiz de Fora:

O desespero foi o motivo alegado pelo escravo Gregório […] para matar sua mulher Luiza, em 1876. Gregório conta que o feitor exigia dele, homem fraco, e de sua mulher, aleijada, a mesma produtividade impetrada aos demais cativos. Um dia, faminto, matou um capado, e por isto foi castigado. Desesperado comunicou à mulher sua intenção de suicidar-se, ao que ela lhe implorou que, neste caso, matasse-a primeiro, o que ele fez, tendo depois tentado o mesmo contra si.

Logo, uma vez que para o cativo, tal qual para qualquer comunidade, diferenciar-se, afirmar-se dentro do seu nicho, era não só almejado, mas rivalizado, eles competiam entre si pelo direito de ser notável dentre os demais. Em virtude disso, os conflitos persistiram como forma de transposição de sua subjetividade, sendo diversas vezes influenciado pelos senhores, tendo sido os crimes de sangue4 os de maior incidência nos processos criminais da época:

Tabela 1
Crimes praticados por escravos em Juiz de Fora (1850-88)

Fonte: Elaborado pelos autores a partir de informações do ARQUIVO HISTÓRICO DA CIDADE DE JUIZ DE FORA. Fundo Fórum Benjamim Colucci. Processos Criminais do período imperial 1850-1888.

Destaca-se que a Lei n.º 4 de 10 de junho de 1835 (BRASIL, 1835) determinava as penas com que deviam ser punidos os escravos que matassem, ferissem ou cometessem outra ofensa física contra seus senhores.

Serão punidos com a pena de morte os escravos ou escravas, que matarem por qualquer maneira que seja, propinarem veneno, ferirem gravemente ou fizerem outra qualquer grave offensa physica a seu senhor, a sua mulher, a descendentes ou ascendentes, que em sua companhia morarem, a administrador, feitor e às suas mulheres, que com elles viverem (BRASIL, 1835, art. 1º).

Tendo como plano de fundo as estatísticas postas, o que está em discussão é, além da seletividade quanto à criminalização das condutas praticadas pelos escravos submetidos a tais mecanismos de controle social, a ruptura das relações de solidariedade entre os cativos, que motivados por suas diferenças e pela disputa por bens entre si, terminavam por entrar em conflito.

Contudo, engana-se quem, diante dos números, conclui que somente crimes de sangue prevaleciam efetivamente à época, pois além dos casos acima havia a cifra negra,5 que correspondia aos conflitos não declarados pelos senhores de escravos ao sistema de justiça criminal da época, ficando os mesmos adstritos ao poder punitivo doméstico. Como verificado por Dias e Andrade (1992 apud GUIMARÃES, E., 2001a, p. 78), os senhores de escravos não tinham por hábito entregar à jurisdição os cativos que cometessem delitos que não os crimes de sangue, tais como furtos, roubos, danos etc. Nesses casos, a prática regular era o açoite e a dita correção do escravo segundo os parâmetros do próprio senhor.

Como assinala Nilo Batista (2010), esse poder punitivo doméstico remonta ao Direito Romano, segundo o qual o paterfamilias era investido de ilimitado poder punitivo, podendo privadamente encarcerar pelo tempo que lhe aprouvesse seus filhos e escravos, podendo açoitá-los, submetê-los a trabalhos forçados, vendê-los ou matá-los. Conforme destaca Batista, N. (2010), Nelson Hungria, eminente penalista brasileiro no século XX, estudou o poder punitivo ao longo da história e observou que as leis penais do século XIX, na sua maioria, não cuidavam dos maus-tratos ou castigos imoderados praticados pelos senhores aos seus escravos.

Ademais, Nilo Batista afirma que havia punições apenas em caso de morte ou lesão corporal grave, que demandava a comunicação do fato a uma autoridade pública, prática pouco habitual como se verifica na história de Juiz de Fora. Como ainda ressalta o autor, o Código Criminal de 1830 contemplava em seu artigo 14, parágrafo 6º, entre as causas de justificação do crime ou exclusão de sua ilicitude, a hipótese de consistir ele “no castigo moderado que os pais derem a seus filhos, os senhores a seus escravos e os mestres a seus discípulos” (BATISTA, N., 2010, p. 16), o que legitimava o poder ilimitado do pater em face dos cativos:

Não nos deteremos sobre o dado infraestrutural que, no Brasil, prolongou – juridicamente, até 1888, e culturalmente só Deus saberá até quando – o poder punitivo doméstico-senhorial: o escravismo, que pressupõe e depende do exercício permanente e aterrorizador desse poder (BATISTA, N., 2010, p. 16).

Destaca-se que tal prática está relacionada também à racionalidade econômica oligárquica, pois, uma vez que o escravo, considerado como objeto e mercadoria, fosse entregue às autoridades, talvez não voltasse ao seu posto de trabalho, visto que o mesmo poderia ser submetido a penas de prisão que o fariam permanecer por longo tempo no cárcere e, portanto, fora de suas atividades nas fazendas. O senhor, então, perderia sua mercadoria e sofreria com os prejuízos causados pela perda da mão de obra. Desse modo, a razão para que o fazendeiro se recusasse a denunciar os crimes cometidos pelos próprios escravos eram os prejuízos que tal lhe acarretaria, o que permitiu que em Juiz de Fora, assim como em outras cidades brasileiras à época, o poder punitivo doméstico convivesse com o poder punitivo formal, subtraindo-lhe a competência quando julgasse conveniente.

Tal cifra negra, que correspondeu ao contingente de crimes que não chegou ao conhecimento do poder público devido à ação deliberada dos fazendeiros para ocultá-lo, decorreu do arbítrio dos senhores de escravo e também do desinteresse por parte do poder público em confrontar os influentes fazendeiros da região. Isso aconteceu apesar de, nesse momento, os escravos já terem direito de ter um julgamento justo nos termos do Código Penal do Império. Ainda que, teoricamente, fossem considerados objetos de posse segundo o Direito Civil, e não pessoas, eles eram sujeitos para o Direito Penal.6 No exemplo abaixo, retirado de um processo relativo à apuração de ofensas físicas da época, tal afirmação se faz sentir mais plenamente:

Em 20 de junho de 1873 o escravo Ernesto (12 anos) fugiu da casa de seu senhor, no Município de Juiz de Fora, e apresentou-se à cadeia da cidade. Queixou-se de maus tratos, de sofrer surras aplicadas com bacalhau, amarrado à escada da casa de seu proprietário. O castigo foi aplicado por outro cativo e assistido por Marcelino de Brito, o proprietário. O delegado pediu um exame de corpo de delito, o qual constatou que Ernesto apresentava cicatrizes na parte posterior do tronco, de mais de dois anos, e ferimentos purulentos nas nádegas, resultantes dos maus tratos recentes. Realizou-se um auto de perguntas ao ofendido. Enviado o processo ao Promotor Público, para oferecer denúncia, o mesmo entendeu que não havia crime e, portanto, nada a ser denunciado. Declarou, ainda, que o auto de corpo de delito estava irregular, pois não se ateve a responder aos quesitos apresentados, extrapolou ao constatar sevícias antigas. E, a bem dos interesses dos proprietários de escravos e da sociedade, aconselhou aos delegados, em casos similares, a não “procederem tão irregularmente, enviem tais escravos imediatamente a seus senhores, recomendando a estes moderação (ARQUIVO HISTÓRIO DA CIDADE DE JUIZ DE FORA, 1873 apud GUIMARÃES, E., 2001a, p. 81)

No chamado Direito Penal particular/doméstico exercido em face do contingente escravo em Juiz de Fora, o próprio senhor assumia o papel de censor e estabelecia o seu veredito, tornando-se juiz, júri e executor de um processo no qual o destinatário não contava com qualquer defesa justa. Nesse processo arbitrário, a jurisdição e as penas eram cominadas pelo próprio senhor, que disciplinava os escravos punindo-os com açoites e marcações na pele para que servissem de exemplo aos demais.

O avanço do modelo liberal, o movimento abolicionista, o medo branco e as leis de moderação

Na última década do século XIX, o abolicionismo ganhou cada vez mais força no cenário nacional, tendo sido impulsionado tanto por pressões políticas externas, que visavam ao fim dos regimes escravistas necessário ao avanço do modelo capitalista, como pelas leis internas Ventre Livre (BRASIL, 1871), Sexagenário (BRASIL, 1885) e Eusébio de Queiroz (BRASIL, 1850). Assim, mesmo diante da resistência dos senhores de escravos juiz-foranos às mudanças, já que a escravidão ainda era a principal fonte de mão de obra nas fazendas cafeeiras da região, os oligarcas não lograram êxito ao tentar se insurgir contra as tendências que se avizinhavam.

Segundo Carlos Eduardo Klôh Júnior (2008), de acordo com o Relatório da Presidência da Província de Minas Gerais, havia em Juiz de Fora, no ano de 1886, aproximadamente 20.905 escravos. Tal quantitativo colocava a cidade no patamar de segunda localidade com maior número de escravos da região cafeeira à época, estando atrás somente de Valença.

Conforme observa Guimarães, E. (2005), analisando os relatórios dos presidentes da província mineira enviados à época ao Ministro da Justiça, a tensão na região aumentou mediante os rumores de que a emancipação de escravos era cada vez mais presente, sendo que tanto os escravos como a população em geral já estavam cientes das mudanças vindouras. Devido a isso, sobreveio o medo da violência de possíveis revoltas, como pode ser verificado no relatório encaminhado em 1870:

A 20 de maio tive conhecimento, por diversas participações oficiais, de que na cidade do Juiz de Fora se manifestavam também receios de uma sublevação, porque 20 a 30 escravos, que segundo se diz, eram protegidos pelos italianos, residentes n’aquela cidade, provocavam constantemente a proteção da polícia, figurando-se vítimas de maus tratos de seus senhores. Fiz logo reforçar o destacamento ali estacionado, e recomendei ao comandante superior a prestação de força da guarda nacional, e d’es’art conseguiu-se evitar a continuação de tais receios, e ficou garantido o sossego público (GUIMARÃES, E., 2005, p. 72).

Na população local foi infligindo o medo de que, após libertos, os escravos passariam a cometer diversos crimes para garantir seu sustento diante da nova realidade de homens livres. Consequentemente, difundiu-se a crença de que furtos e roubos seriam comuns, porque, diante da escassez de trabalho, essas seriam as únicas formas de subsistência possíveis aos negros se libertos, o que colaborou para o crescimento de inquietações e inseguranças sociais. Esse pensamento persistiu até mesmo após a abolição e, por que não dizer, até a atualidade.

Segundo Vera Batista (2003, p. 37), esse medo serviu para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento desses homens, mulheres, crianças e adolescentes miseráveis, percebidos como seres sujos, perniciosos e perigosos:

Esse medo branco aumenta com o fim da escravidão e da monarquia e produz uma República excludente, intolerante e truculenta, com um projeto político autoritário. Essa foi sempre a síndrome do liberalismo oligárquico brasileiro, que funda a nossa República carregando dentro de si o princípio da desigualdade legítima que herdara da escravidão. […] É nessa época que se pontifica o conceito de classes perigosas. Perigosas porque pobres, por desafiarem as políticas de controle social no meio urbano e também por serem consideradas propagadoras de doenças.

Nessa conjuntura, o aumento dos índices da incidência de crimes praticados por escravos passou a ser um dos assuntos de maior interesse naquele tempo, com destaque para o acréscimo gradual entre as décadas de 1860 e 1880 (GUIMARÃES, E., 1999). Para além do terror social infligido à população por parte dos setores contrários à abolição da escravatura, há outros aspectos a serem sopesados na análise acerca do aumento das ocorrências criminais na cidade nessa época. Um exemplo disso é o próprio crescimento populacional registrado no período, que representou tanto o acréscimo da população livre quanto da população escrava (GUIMARÃES, E., 1999). Paralelamente, aferiu-se que, com o declínio do escravismo no final das décadas de 1870 e 1880, foi retirada dos senhores a preponderância quanto à decisão de encaminhar ou não à jurisdição os crimes cometidos por seus escravos. Isso representou a perda gradual de legitimidade por parte dos fazendeiros para imporem os próprios castigos aos seus cativos.

Tendo em vista essa situação, tais fazendeiros viam-se compelidos pela jurisdição estatal, que, ao menos teórica e formalmente, não mais admitia torturas e penalidades físicas. Consequentemente, dos fazendeiros também foi subtraída a escolha seletiva de quais crimes deveriam ser denunciados ao poder público, o que terminou por provocar a falsa sensação de que os crimes praticados por escravos estavam aumentando drasticamente. Diante desse cenário, não tardaram a serem aprovadas novas leis tendentes a oferecer respostas à população em relação ao chamado medo branco.

Até meados da década de 1860, vigoravam algumas leis que dispunham sobre castigos físicos a serem infligidos aos escravos em face da prática de algum fato delituoso, com destaque para a Lei n.º 4 de junho de 1835 (BRASIL, 1835), que determinava “as penas com que devem ser punidos os escravos, que matarem, ferirem ou cometerem outra qualquer offensa physica contra seus senhores”. Outrossim, também é possível citar o artigo 60 do Código Penal Imperial (BRASIL, 1830) que, consoante a tendência à época, permitia a pena física através dos açoites. Nesse sentido, vê-se que até a conjuntura abolicionista, a finalidade precípua das leis penais em relação ao escravo era sua intimidação e enfraquecimento de qualquer tentativa de rebelião ou insurgência. Para tanto, tais leis concebiam aos senhores de escravos grande autonomia em relação àqueles que eram considerados seus objetos.

Na década de 1830, quando foram promulgadas as leis supracitadas, o escravo era considerado um bem abundante e não havia maiores preocupações sobre sua reposição. No entanto, sobretudo com o advento da Lei Eusébio de Queirós (BRASIL, 1850), os temores em relação à possível escassez da mão de obra escrava passaram a ocupar lugar de destaque na sociedade juiz-forana. Considerando que o fato de que os castigos físicos impostos eram demasiadamente excessivos, prejudicando a capacidade de trabalho do cativo, que as condições a que eram submetidos não lhes garantia sobrevida longa e que o tráfico negreiro não seria mais permitido, os fazendeiros passaram a temer os rumos da produção agrícola e da economia na cidade.

Não alheio aos temores que se espalhavam não apenas em Juiz de Fora, mas como em outras regiões do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, e ao mesmo tempo pressionado pelos liberais, tanto no âmbito internacional como nacional, para o fim do escravismo e avanço do capitalismo, o governo imperial se viu obrigado a intervir na questão e uma das medidas tomadas, nesse período de transição entre a abolição da escravatura e o avanço liberal, foi a criação das legislações que previam moderação no tratamento do cativo, com o objetivo de preservá-lo das sanções penais privadas e sem limites antes impostas pelos oligarcas (GUIMARÃES, E., 1999).

Na década de 1850, foram instituídas, na cidade de Juiz de Fora, as ditas legislações moderadoras, que, sob o nome de Código de Posturas Municipais, eram elaboradas pela Câmara dos Vereadores do município (BATISTA, C., 2015). Antes de analisar o impacto de tais normas na cidade, cabe ressaltar a composição da Câmara Municipal, isto é, visualizar quem de fato legislava sobre o cotidiano local. Nesse sentido, Patrícia Falco Genovez (2002), ao analisar as listas de apuração das eleições municipais no período de 1853 até 1900, verificou que eram escolhidos para o cargo os chamados homens bons, como barões, comendadores, médicos, comerciantes, advogados e grandes fazendeiros da região, sendo que todos possuíam parentesco com as famílias mais antigas e tradicionais da cidade.

À vista disso, achava-se, no referido Código de Posturas Municipais, as penas de multa e prisão ao comerciante de escravos que comercializasse o cativo sem a licença de boa-fé, que atestava os bons antecedentes no tratamento do senhor para com os cativos. Outrossim, a mesma legislação também regulamentava o estabelecimento de fiscais de distritos aos quais caberia o dever de informar aos fiscais de cidade os delitos e as sanções privadas cominadas pelos senhores em face de seus escravos. Por fim, outro empreendimento pertinente relacionava-se às penas aplicadas aos cativos. Estas, de acordo com o aditivo número 8 da Resolução de 28 de junho de 1862, aprovada pela Câmara dos Vereadores de Juiz de Fora, deveriam ser precipuamente de prisão, em detrimento das penas corporais de açoite fixadas no referido artigo 60 do Código Penal do Império (GOODWIN JR., 1996).

Segundo Goodwin Jr. (1996), o Código de Posturas Municipais funcionava como um instrumento de controle social e afirmação da hegemonia da elite juiz-forana. Isso acontecia porque, apesar de pretender regulamentar a vida urbana com igualdade de leis para todos, esse mecanismo acabava por reforçar as desigualdades. Entre os principais alvos das medidas de ordem e controle social estavam os negros, sobretudo os cativos urbanos.

Conforme destaca Caio da Silva Batista (2012), as décadas de 1870 e 1880 apresentam relevância por representarem o período de auge do sistema escravista no núcleo urbano da cidade de Juiz de Fora. Segundo o censo realizado em 1872, o município era detentor de 26% da população escrava da província de Minas Gerais. Para reconstruir o cotidiano dos cativos urbanos, o referido historiador utilizou os conjuntos documentais dos processos criminais dos arquivos do Fórum Benjamin Colucci referentes ao período imperial, que representam um total de 1.893 processos. Com base nesses registros e na imprensa da época, o historiador analisou as relações sociais de solidariedade e de conflito entre os cativos urbanos, os demais escravos e a população livre. Tais interações, conforme consta dos noticiários e anúncios do jornal O Pharol, eram compreendidas como badernas, assim como os batuques, as fugas, as brigas e outras agitações sociais que os escravos, individualmente ou em grupo, promoviam dentro do núcleo urbano, nas fazendas e nos distritos de Juiz de Fora (BATISTA, C., 2012).

Corroborando o lugar de poder conferido aos fazendeiros à época, Goodwin Jr (1996) menciona que o Código de Posturas Municipais da década de 1850 permitia que o dono do escravo pagasse uma multa a fim de evitar a pena de açoite e, em último caso, quando a pena de açoite era vista como necessária e inevitável, sua aplicação caberia apenas ao poder público, e não mais aos senhores, devendo, ainda, ser aplicada, nos termos do artigo 9º, em locais específicos: “[…] na Cadêa, nesta Cidade, [do Parahybuna], e fora dellas nos lugares que os Subdelegados designarem” (AHCJF, [185-] apud BATISTA, C., 2015, p. 112) . Nesse sentido, assevera Goodwin Jr. (1996, p. 106):

A nova postura refletida nestes artigos [Código de Posturas] é a da valorização do escravo enquanto trabalhador: não só os açoites – que obviamente prejudicam o rendimento do trabalho escravo – mas o próprio encarceramento são prejudiciais ao senhor, explorador do trabalho escravo. Sobre este, portanto, incorre a multa, agora minorada, saída encontrada pelos vereadores para solucionar o dilema entre a necessidade de manter o escravo no eito, na lide, e a necessidade de repreender o escravo enquanto contraventor das Posturas.

Entretanto, mesmo com o relativo alcance do mencionado Código de Posturas Municipais, o poder político e econômico dos senhores de escravos ainda era determinante em algumas situações relacionadas à aplicação de pena aos cativos. Pois, segundo a racionalidade econômica que dominava o pensamento da oligarquia da região, mesmo que os castigos sobre o corpo reduzissem a capacidade produtiva do negro, as penas de cerceamento da liberdade seriam ainda piores, de modo que a produtividade não seria apenas reduzida como na primeira, mas sim totalmente interrompida por todo o período de cumprimento da pena (GUIMARÃES, E., 2001b).

Assim, mesmo que as Posturas Municipais preceituassem a pena privativa de liberdade, economicamente, aplicar as punições no interior da fazenda acarretaria um menor prejuízo financeiro para o fazendeiro. Tal cenário se faz sentir no trecho abaixo, extraído de um processo criminal da época, que tem como vítima o Barão de Bertioga, cujos pertences e certa quantia em dinheiro foram furtados e, in casu, tenta-se descobrir os autores do delito, ao passo que, diante de algumas suspeitas, o referido aplica, de forma privada, algumas sanções que julgou cabíveis:

Em decorrência dessas denúncias, o Barão ordenou que prendessem e colocassem uma corrente no pescoço de Modesto, que fugiu pela segunda vez […] pois ao saber ou desconfiar que seus escravos Modesto, Marianno e Felipe poderiam ter praticado o roubo em sua casa optou em aplicar castigos, como o cárcere privado e ferros ao pescoço, para que a ordem fosse restabelecida em sua casa e a punição servisse de exemplo aos demais cativos (BATISTA, C., 2015, p. 207).

Destarte, foi um período de grande intervenção por parte do poder público na autonomia privada dos senhores sobre seus escravos, o que não haveria de passar sem reações por parte dos fazendeiros, que, para demonstrar seu poder, não se curvavam às Posturas Municipais. Assim, a criação do Código de Posturas foi um marco que trouxe alguns resultados, mas apesar disso, é fato que muitos delitos não chegaram ao conhecimento das autoridades ou foram silenciados pela necessidade econômica dos escravistas de manterem a rentabilidade de sua mão de obra.

Elione Guimarães (2005) destaca que a imprensa da cidade já afirmava como certa a emancipação dos escravos, tomando por exemplo o jornal O Pharol de 21 de junho de 1887, visto que através de suas páginas eram reproduzidos artigos em apoio à abolição e críticas àqueles contrários ao movimento. Cientes do quadro político, os fazendeiros discutiam sobre a nova mão de obra a ser utilizada nas lavouras, pois, com a perda da mão de obra escrava, haveria carência de trabalhadores. É no bojo desses movimentos que a chegada dos imigrantes europeus começa a impactar a realidade juiz-forana.

Promulgada a Lei Áurea (BRASIL, 1888), muitos dos ex-cativos residentes em Juiz de Fora, assim como em outros lugares, permaneceram nas fazendas. Aqueles que se aventuraram a buscar a cidade e agir como homens livres, sofriam com o estigma de serem negros, pobres e sem moradia, passando a ser chamados de vagabundos e as mulheres de “mulheres da vida” (GUIMARÃES, E., 2005). Diante da marginalização social, os ex-escravizados começaram a desenvolver redes de solidariedade e locais de socialização no centro da cidade, transformando o Largo do Riachuelo e a região onde hoje é o bairro Santa Rita em locais de vivência. Segundo Guimarães (2005) a imprensa local afirmava que esses eram os locais de reunião dos libertos, e, por isso, também o foco de atenção da polícia local, estigmatização que persiste ainda hoje nos referidos espaços.

Destaca-se que mesmo com o fim da escravidão, os conflitos entre a população negra e os detentores de capital e trabalho persistiram, uma vez que a população branca não assimilava a nova condição dos negros como cidadãos livres e aptos a exercerem seus direitos. Um dos principais focos da tensão eram as discussões contratuais de trabalho, que antes não eram necessárias. Nessas negociações, os proprietários de terras não acolhiam pacificamente o desejo dos ex-cativos de negociarem os termos de seu serviço e os acusavam de vagabundagem e vadiagem. Nesse ínterim, a mão de obra estrangeira, que começava a substituir a mão de obra escrava, encontrava no mercado interno uma competição com trabalhadores nacionais e ex-cativos que se lançavam ao mercado de trabalho, o que provocou grande impacto no crescimento demográfico da cidade.

República, imigração, higienismo e os primeiros impactos da modernização juiz-forana

O desenvolvimento industrial juiz-forano pode ser separado em dois períodos: o primeiro marcado pela instalação de fábricas de pequeno porte, oficinas e tecnologia primária, fase que se estende no período entre as décadas de 1870 e 1880; e o segundo período, que, por sua vez, é marcado pelo surgimento de indústrias de médio e grande porte, caracterizadas pela produção em série, maior contingente de operários, utilização de tecnologia importada e uso da energia elétrica como força motriz. O pioneirismo na geração de energia elétrica, dentre outras medidas, fortaleceu a infraestrutura da cidade, propiciando a intensificação do processo de industrialização nas primeiras décadas do século XX.

No bojo das mudanças decorrentes da abolição da escravatura e da proclamação da república, o processo de crescimento industrial verificado em Juiz de Fora se relaciona a interesses econômicos que visavam a facilitar a passagem de uma produção com bases escravocratas para uma economia liberal, voltada para o desenvolvimento do mercado, da indústria e movida pela mão de obra livre. Dentre as diversas transformações sociais ocorridas na cidade nesse período, destaca-se a chegada dos imigrantes europeus, cuja presença foi determinante para o processo de industrialização local. Isso aconteceu porque, diferentemente dos escravos recém-libertos, os imigrantes dominavam técnicas artesanais e manufatureiras e alguns deles, por contarem com certo poder aquisitivo, compunham nova e interessante camada social para o mercado local.

Somado à maciça presença de imigrantes, o desenvolvimento industrial de Juiz de Fora nesse período se deu em razão do lugar de destaque que ocupava ao final do século XIX e que se estendeu até a década de 1930, sendo uma cidade dotada de um núcleo econômico dinâmico e desenvolvido sistema ferroviário. Assim, em meio aos movimentos abolicionistas e republicanos, Juiz de Fora figurava como o polo econômico mais importante da Zona da Mata, sendo palco de grandes negócios, de intensa circulação de mercadoria e de grande concentração e circulação de capital. Tal crescimento econômico gerou reflexos na urbanização da cidade, proporcionando, além do aumento populacional e da arrecadação municipal, a ampliação de setores de mercado interno, o desenvolvimento de reformas urbanas à luz do movimento higienista e o aumento das desigualdades sociais.

No que tange aos imigrantes, revela notar que, juntamente com outros grupos sectários, muitos foram alvo de marginalização social em razão do descontentamento de muitos setores da população local para com estrangeiros que, segundo eles, perturbavam a tranquilidade pública. Essas queixas, como destaca Fazolatto (2001), eram feitas com relação àqueles que, com sua produção arruinada, abandonavam as terras da colônia agrícola destinada aos imigrantes e partiam em direção à cidade para juntarem-se a outros estrangeiros desempregados ou sem nenhuma atividade profissional definida.

A primeira leva de imigrantes que vieram para Juiz de Fora, na condição de colonos, chegou ao Rio de Janeiro em 1858, contabilizando 42 famílias, constituídas por 232 pessoas. A segunda leva, por sua vez, contava com 182 colonos, e a terceira e a quarta leva com 290 e 246, respectivamente (ESTEVES, 1915 apud GIROLETTI, 1988). Em 1860, a cidade abrigava 1.144 imigrantes, 636 homens e 508 mulheres. A maior parcela dessa população adulta dedicou-se, inicialmente, ao labor agrícola, expandindo o plantio de produtos destinados ao mercado interno, como o milho, feijão, arroz, mandioca, batata, inhame e fumo (GIROLETTI, 1988, p. 59-60).

Em que pese a atuação de imigrantes no setor agrícola, sua participação junto à Companhia União Indústria também foi significativa, embora haja relatos de que dentre as diversas frentes de trabalho utilizadas na construção da rodovia não houvesse apenas mão de obra de imigrantes e homens livres. Isso porque dados disponíveis à época indicam que, dos 1.136 trabalhadores atuantes na construção do trecho entre Juiz de Fora e Paraíba, 70% eram escravos, e os 30% restantes eram operários livres, em sua maioria imigrantes. Após a conclusão das obras para a construção da rodovia, percebeu-se a permanência dos imigrantes nas colônias da cidade, destacando-se a colônia agrícola, nomeada São Pedro, e a industrial, denominada Vilagem. Alguns continuaram vinculados à Companhia União Indústria, atuando na manutenção da mesma, outros valendo-se de suas habilidades técnicas, montaram, por conta própria, ou associados aos companheiros, pequenas fábricas. Uma parcela menor de imigrantes dedicou-se à agricultura de subsistência em suas propriedades.

Anos depois, com a inauguração da fábrica de tecidos Bernardo Mascarenhas, em 1871, um novo contingente de imigrantes ingressou na cidade, sendo a maior parte subsidiada pelo governo estadual. Em 1887 foi criada a Sociedade Promotora da Imigração em Minas Gerais, organizada pelos cafeicultores e industriais visando ao estabelecimento de imigrantes e o atendimento das necessidades de mão de obra nas lavouras. Contudo, a permanência dos imigrantes nas fazendas encontrou uma série de obstáculos, como a violência dos fazendeiros, a baixa remuneração, a sonegação dos salários, o inadimplemento dos contratos por parte dos proprietários e a concentração de estrutura agrária que dificultava a aquisição de terras pelos imigrantes.

Em 1889, foi criada a Hospedaria Horta Barbosa, instituída pela Lei n.º 3.417 de mesmo ano, destinada a regular a entrada e a permanência dos imigrantes na cidade. Através da hospedaria, o governo oferecia aos imigrantes: hospedagem, sem qualquer custo, pelo prazo de dez dias; passagem para todos os membros da família; 90 mil réis para cada um que tivesse idade superior a doze anos e que se empregasse na lavoura ou estabelecimentos industriais; auxílios aos fazendeiros por casa construída destinada ao aluguel para os colonos. Como consequência dessa política pública, verificou-se o aumento do número de imigrantes na cidade, que atingiu o patamar de 20.000 estrangeiros, em 1907.

À massa de trabalhadores e imigrantes pobres, juntaram-se ciganos, escravos, desempregados, prostitutas, crianças e adolescentes em situação de marginalização e exclusão social, que – acusados de ameaçarem a ordem na região – eram os principais alvos dos mecanismos de controle social levados a efeito àquela conjuntura. Nesse sentido, destaca-se o já mencionado Código de Posturas Municipais que expressava preocupações não apenas com os negros, mas também com imigrantes, ciganos e outras minorias consideradas ameaçadoras à devida implementação das políticas urbanas idealizadas pelos agentes de poder à época.

Essa efervescência social é sentida nos índices demográficos. Entre 1890 e 1920 a população do município saltou de 55.185 pessoas para 118.166. Esse crescimento demográfico acelerado contou com a presença de uma população heterogênea, visto que chagaram à cidade pessoas das mais diversas origens à cidade, como italianos, portugueses, turcos, alemães, espanhóis, sírios e libaneses, além dos negros libertos, recém-libertos, mestiços e brasileiros de outras regiões do país em busca de oportunidades. Para conseguirem sobreviver na cidade que não fora preparada para recebê-los, esses grupos passaram a conviver, dividiam cortiços, trabalhavam lado a lado nas fábricas e disputavam espaços (ARAUJO, 2005).

Diante do caos social provocado pelo rápido crescimento populacional, somado, sobretudo, aos ideais de progresso e modernização da cidade, as elites juiz-foranas, seguindo o exemplo das cidades europeias, trataram de impor à sociedade, especialmente aos contingentes mais miseráveis, uma nova ética em relação ao trabalho e normas de disciplina e higiene. Um dos caminhos para levar a efeito essas novas tendências para atingir o sonhado modelo de progresso e modernidade foram as reformas urbanas7 tendentes a construir uma nova urbe (SILVA, 2005) ordenada segundo os preceitos e necessidades de uma cidade industrial e moderna.8

À luz da doutrina higienista da época, tais reformas foram impulsionadas especialmente pela classe médica local, tida como mentora intelectual do projeto de saneamento da cidade realizado através da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora9 (SMCJF), fundada em 1889. Nessa instituição foram discutidos e propagados os ideários médico-científicos que viriam a nortear a práxis política do movimento sanitário em Juiz de Fora.

Para que sua ciência pudesse ser colocada em evidência, a SMCJF se valeu da precariedade sanitária em que a cidade se encontrava para colocar em prática suas teorias, tudo com o apoio do poder público municipal, especialmente a Câmara Municipal, responsável por aprovar as reformas. Assim, foi difundida na cidade a noção de que, para que Juiz de Fora se tornasse moderna, era necessário livrá-la das epidemias e de todo o conjunto de condutas insurgentes e incompatíveis com os novos padrões de higiene e segurança (BARROSO, 2008).

Nessa esteira, além das medidas relacionadas à saúde pública foram acionados dispositivos de repressão dos extratos sociais considerados ameaçadores da ordem. A repressão, de modo geral, tornou-se amplamente reivindicada pelas elites locais no intuito de viabilizar o projeto sanitário proposto pelo novo Código de Posturas Municipais de 1891 (JUIZ DE FORA, 1929). Assim, no ano seguinte, foi instituída a Organização do Serviço de Higiene Municipal,10 composta de uma Inspetoria de Higiene na sede do município e de delegacias nos distritos. Para fazer valer as normas sanitárias e os interesses que se lhes legitimavam, a presença de escolta policial nas visitas domiciliares era constante, sendo devidamente prevista e recomendada pelo Código de Posturas, que discriminava a necessidade da aplicação da força para que os citadinos se adaptassem às regras. Barroso (2008) registra que, ao inspecionarem os moradores pobres, tais como moradores dos cortiços, os fiscais de posturas identificavam os que eram ou não adeptos dos preceitos de higiene previstos em lei e poderiam ordenar as medidas para reforma, fechamento ou demolição de suas habitações, caso os problemas fossem insanáveis.

Conforme destaca Almeida (2004 apud MUSSE, 2006. p. 61), ancorada nas demandas por ordem11 que marcaram esse período, a questão criminal passou a ocupar posição de destaque no cenário local. Esses são os primeiros sintomas apresentados em Juiz de Fora daquilo que Nilo Batista (2006), que viveu na cidade em sua juventude e é considerado hoje um dos maiores penalistas brasileiros, chama de programação criminalizante do sistema penal brasileiro. Assim como em outras cidades brasileiras, a programação criminalizante, levada a efeito em Juiz de Fora durante a primeira República, caracterizava-se por medidas de controle social direcionadas à vigilância e à repressão dos comportamentos tidos como não conformes aos padrões de urbanização, higiene e ordem propugnados pelas elites à época, as quais foram incorporadas às práticas policiais e às leis penais.

Sob o signo do perigosismo, aqueles que não conseguiam se colocar no mercado de trabalho e/ou não se adequavam às regras de comportamento estabelecidas pelas classes dominantes, eram considerados vadios, mendigos, desordeiros e vagabundos (BATISTA, N., 2006; BATISTA, V., 2003; RAUTER, 2003). Nesse sentido, ao justificar a intromissão e a intervenção do Estado, tanto na vida pública quanto na vida privada dos indivíduos, as medidas adotadas revelavam seu caráter autoritário. Conforme destacado por Nilo Batista (2006, p. 456-457):

[…] a programação criminalizante da primeira República brasileira espelha as contradições de um sistema penal que participa decisivamente da implantação da ordem burguesa […] a partir da própria concepção, cara ao positivismo e por sua iniciativa inscrita na bandeira republicana, de ordem.

Por conseguinte, a burguesia hegemônica precisava de novos discursos e saberes que lhe permitisse exercer – sem amarras e restrições – seu poder sobre os extratos inferiores e insubordinados, reunidos sob o conceito de classe perigosa (ZAFFARONI, 2013). É nessa confluência que emerge a ideia tratada por positivismo criminológico, produto da associação entre Positivismo, Criminologia, poder punitivo e policial urbano, discurso médico, reducionismo biologista e as disciplinas. Como destaca Rauter (2003), essas disciplinas não estão, necessariamente, subordinadas ao Estado, e vão se organizando através de dispositivos específicos que atuam no âmbito das instituições, produzindo novos métodos de vigilância e de controle da população. Tal arcabouço deu corpo ao que Foucault (2008) chamou de biopoder, o que permite que as técnicas de controle social, espraiadas de forma capilar por meio das disciplinas, estabeleçam através de diversas instituições, mecanismos de intervenção social e assujeitamento ainda mais amplos que aqueles antes impostos pelos mecanismos tradicionais de poder punitivo.

Como destaca Andrade, V. (2012, p. 208), a partir dessas novas demandas, “o poder produz o saber adequado à ordem; o saber, por sua vez, reproduz o poder e a ordem que o produziram”. Calcados em uma visão maniqueísta-biologizante, os discursos cientificistas passaram a dividir a sociedade entre indivíduos considerados normais e anormais. Os pobres – tidos como anormais, porque dotados de características, estilos de vida, habilidades e comportamentos contrários àqueles preconizados pela ordem social burguesa – passaram a ser identificados como seres patológicos, sujos, portadores de doenças, com caráter duvidoso e propensão à violência (RODRIGUES, 2017).

Assim como em outras cidades brasileiras à época, influenciadas por esse ideário positivista, as políticas públicas desenvolvidas em Juiz de Fora, com vistas à sua adequada urbanização, funcionaram, nas palavras de Vera Batista (2011, p. 48), “como um grande catalisador da violência e da desigualdade, característica do processo de incorporação da nossa margem do capitalismo central”. Logo, as medidas de repressão e segregação eram justificadas a partir da ideia de que a tolerância levaria à desordem e à entrada do caos, o que poderia ameaçar o tão almejado desenvolvimento da nação.

Nesse sentido, o projeto de construção da ordem burguesa foi erguido a partir do mito do sujeito perigoso, ameaçador do progresso e da paz social. É nessa época que se pontifica, segundo a autora, o conceito de classes perigosas:

[…] perigosas porque pobres, por desafiarem as políticas de controle social no meio urbano e por serem consideradas propagadoras de doenças. […] No Brasil, a difusão do medo do caos e da desordem tem sempre servido para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento planejado do povo brasileiro. (BATISTA, V., 2003, p. 52-53).

Trabalhos acerca da historiografia local, como o de Christo (1994), revelam o papel fundamental que os processos de marginalização e segregação sofridos pelos negros, imigrantes e pobres nesse período exerceram na configuração territorial da cidade. Após as medidas sanitaristas de destruição dos cortiços e das hospedarias – que determinaram a expulsão desses moradores do centro urbano ainda no final do século XIX – Juiz de Fora passou a vivenciar o início da ocupação desordenada da periferia.

No bojo dessas reformas urbanas, foi possível verificar o aumento do contingente populacional. A título ilustrativo, os dados históricos indicam que em 1872 a população juiz-forana era de mais de 38.000 habitantes, passando para 55.185 em 1890 (ESTEVES, 1915 apud GIROLETTI, 1988, p. 48). No censo realizado pelo governo federal em 1900, foram registradas apenas 28 cidades com mais de 50.000 habitantes no país, sendo que, acima de 100 mil habitantes constavam apenas as cidades de São Salvador (BA), Rio de Janeiro (antigo DF), Recife (PE) e São Paulo (SP).

No mesmo levantamento, Juiz de Fora (MG), Belém (PA) e Campos (RJ) eram as únicas a ultrapassar 90.000. No levantamento censitário realizado em 1900, Juiz de Fora atingiu o patamar de 91.119 habitantes, número que foi elevado a 118.166 no censo de 1920 (ESTEVES, 2008). No censo de 1920, apenas 13 cidades brasileiras figuravam com mais de 100 mil habitantes, a saber, São Salvador (BA), Rio de Janeiro (antigo DF), Juiz de Fora (MG), Caratinga (MG), Teófilo Ottoni (MG), Belém (PA), Recife (PE), Campos (RJ), Porto Alegre (RS), Campinas (SP), Rio Preto (SP), Santos (SP) e São Paulo (SP) (CUCO; LOPES, 2019).


Gráfico 2
População de Juiz de Fora 1855-1920
Fonte: Elaborado pelos autores com informações de Esteves (2008).

De todo o exposto, interessa destacar, ainda, nesse processo de crescimento, industrialização e urbanização do município, a forte participação e influência das elites locais. Conforme Luciane Tasca (2010), as camadas média e média-alta existentes em Juiz de Fora, formadas por pequenos empresários, comerciantes e profissionais liberais, foram as principais incentivadoras e parceiras da administração municipal no que tange às estratégias voltadas ao crescimento da cidade, tanto no âmbito da industrialização, quanto na especulação imobiliária.

Ao longo de seu trabalho “As contradições e complementaridades nas leis urbanas de Juiz de Fora: dos planos aos projetos de intervenção”, Tasca (2010) reflete sobre a relação entre as classes médias urbanas proprietárias e os setores do capital (beneficiados pela política pública) com a especulação fundiária realizada na cidade desde as primeiras reformas urbanas. Além disso, ela também aborda o consequente crescimento urbano desordenado, determinante para o surgimento das áreas de periferia12.

Segundo a autora, nos diferentes projetos de urbanização da cidade é possível perceber que aqueles cuja ênfase recai no foco econômico e na infraestrutura viária foram os mais desenvolvidos, resultando em ações diretas sobre o tecido urbano. Já os projetos voltados para a melhoria da qualidade de vida da população, tendentes à elevação dos níveis de acessibilidade à moradia e serviços urbanos para todos os cidadãos, tiveram, e ainda têm, entraves das mais diversas ordens. Disso resulta um crescimento desordenado e desigual: “de um lado os bairros favorecidos pela proximidade com os novos eixos criados, apresentando melhorias em sua estrutura; de outro os bairros que não se valeram desses projetos e continuam fazendo parte da agenda de necessidades da administração local” (TASCA, 2010).

Para a pesquisadora, as dificuldades do poder público em implementar medidas de melhoria efetiva no tecido urbano e social da cidade, desde o início de seu processo de urbanização na passagem do século XIX para o XX, residem na política elitista e conservadora, cujo foco central ainda é a ligação do município com uma rede de cidades, fortalecendo os laços econômicos e enfraquecendo cada vez mais os laços com os cidadãos das classes populares (TASCA, 2010). Nesse sentido, segundo a autora, em Juiz de Fora, a questão central no debate sobre as práticas de planejamento urbano baseia-se na falta de vontade política dos governantes, ou melhor, na busca de não entrar em conflito com os interesses privados dos detentores do capital, o que provocou repetidas vezes, ao longo do século XX, o adiamento da revisão das leis de uso do solo, parcelamento e zoneamento. Do qual conclui-se que “o resultado dessa ação é a afirmação da desigualdade socioespacial e de acesso aos serviços da cidade por algumas parcelas da população” (TASCA, 2010, p. 95).

A despeito dessas consequências advindas para as classes menos favorecidas nos anos seguintes, os impulsos iniciados na segunda metade do século XIX para o crescimento da cidade trouxeram os resultados pretendidos pelos agentes de poder à época: a cidade cresceu. Na década de 1920, Juiz de Fora era o maior centro industrial de Minas, com uma forte concentração da indústria têxtil.

Em que pese o boom de crescimento registrado na Manchester Mineira nesse período, o desenvolvimento industrial não se manteve por muitos anos. Conforme destaca Luciane Tasca (2010), na década de 30, o padrão industrial da cidade começou a decair, sofrendo os reflexos do declínio da economia cafeeira na Zona da Mata. A partir daí, uma série de limitações e fragilidades relacionadas às diretrizes de política econômica adotadas para o país e à falta de visão estratégica dos agentes econômicos locais para a modernização e diversificação do parque fabril levou o município a um processo de modificação na sua estrutura econômica. Tais mudanças imprimiram na cidade um novo perfil: “perdendo o antigo ímpeto de crescimento industrial, modificaram-se as relações com os demais municípios da região e a cidade se transformou, de centro comercial atacadista, em polo regional prestador de serviços” (TASCA, 2010, p. 106).

A partir de 1950, a economia juiz-forana passou a se centrar em atividades terciárias que se tornaram tradicionais, como os serviços de educação e saúde, que foram ampliados e passaram a atender não somente à população da Zona da Mata, mas também de outras cidades mineiras e do estado do Rio de Janeiro. Ademais, a rede de estabelecimentos comerciais, especialmente o comércio varejista, também merece destaque, pois garantiu o alcance regional na distribuição de bens e de mercadorias e contribuiu para o incremento da economia.

Desse modo, aos poucos, Juiz de Fora foi se rendendo à sua nova vocação, que seria confirmada na década de 1960: de cidade industrial, transforma-se em centro prestador de serviços. Tal vocação foi corroborada com a criação da Universidade Federal de Juiz de Fora no ano de 1960 (TASCA, 2010). Nesse contexto, novos impulsos de crescimento foram observados: a população urbana passou, de acordo com o IBGE, de 181.389 habitantes em 1960, para mais de 238 mil em 1970, o que corresponde a um crescimento de aproximadamente 30%.

No entanto, conforme o ocorrido na primeira fase desenvolvimentista da cidade, esse reaquecimento econômico e populacional também foi o motor de uma série de mudanças no âmbito das políticas de urbanização e controle social da população. Segundo Cristiane Abreu (2010), ao final dos anos 1960, foi possível observar um aumento expressivo no deslocamento das populações em direção aos bairros mais afastados e pauperizados da cidade, fenômeno que a autora denomina de favelização. As consequências desse processo são sentidas até hoje pela população juiz-forana, que, desde então, vem sofrendo com o acirramento das desigualdades sociais, aumento da violência urbana e de seletivos processos de criminalização.

Considerações Finais

Como aponta Vera Malaguti (2009), a política criminal levada à cabo em determinado período está subordinada a uma demanda por ordem. Desse modo, a questão criminal se relaciona com a posição de poder e as necessidades de uma determinada classe social. Partindo de tal pressuposto foi possível conceber o presente trabalho, de modo a compreender como a dinâmica de produção, inicialmente escravocrata e, posteriormente, nas fábricas do polo industrial que se tornou a cidade de Juiz de Fora, influenciou nas decisões de urbanização e crescimento do município e demandou um arcabouço criminal-punitivo para que tal projeto desenvolvimentista, capitaneado pelas elites locais do período, fosse possível.

A presente pesquisa não procurou apontar causas ou a origem da violência e dos problemas urbanos de Juiz de Fora, mas buscou lançar o olhar sobre como as escolhas das diretrizes econômicas, de desenvolvimento e de urbanização durante a transição do século XIX para XX se relacionaram com as demandas de ordem e, consequentemente, as políticas criminais da cidade. Nesse sentido, ao longo do trabalhou procurou-se demonstrar a relevância dos aspectos estruturais para os processos de criminalização, evidenciando que as escolhas repressivas não se exprimem de forma seletiva ao acaso, pelo contrário, revelam desejos e medos de um determinado momento histórico.

A partir dessas questões e da proposta metodológica empreendida, buscou-se remontar a realidade do período estudado tendo como base a leitura da história da cidade e sua análise através de marcos teóricos críticos da Criminologia e do Direito Penal. Tal sentido escolhido possibilitou que fosse apresentado e rediscutido o mito desenvolvimentista e da industrialização no município, apontando para suas consequências nos problemas urbanos, sociais e criminais experenciados pela cidade.

Como visto, a história de Juiz de Fora é marcada por diferentes questões: primeiramente, a mão de obra negra foi o motor econômico e, por isso, o modelo punitivo evidenciado foi o doméstico-senhorial, muitas vezes contrário às determinações legais da época; posteriormente, tem-se o avanço do movimento abolicionista, culminando na promulgação da Lei Áurea de 1888, junto à ela o “medo branco”, que serviu para acionar demandas por ordem e punição de homens, mulheres e crianças, negros e pobres, recém libertos. Lado outro, as elites locais se emprenhavam para estabelecer uma nova proposta de desenvolvimento e urbanização, transformando Juiz de Fora em um grande e importante centro industrial. Tal contexto, juntamente com o crescimento populacional, foram ao mesmo tempo sustentáculo e propulsor para a construção e sedimentação de uma política criminal repressiva e excludente.

Após a década de 30 do século passado, o desenvolvimento industrial da cidade começa a decair, entretanto, os processos de crescimento e urbanização excludentes e higienistas já haviam criado áreas marcadas pela violência e pela marginalização que se perpetuaram e se expandiram ao longo do século XX, marcando um processo de favelização da cidade.

Portanto, o presente estudo buscou compreender as diversas raízes dos problemas enfrentados pela cidade de Juiz de Fora na transição do século XIX para o XX, buscando apresentar seus aspectos político-criminais específicos, visto que se deve compreender o fenômeno criminal, também, como reflexo de demandas de determinados grupos de poder, que buscam no campo criminal abrigo para criar espaço ordeiro para seus anseios. Tal debate, apesar do período tratado, não é distante do que se observa nos tempos atuais, a opção por políticas excludentes de grupos, territorialmente e criminalmente, ainda é lançada. Olhar criticamente para o mito desenvolvimentista e suas consequências se faz determinante para que repensemos as escolhas urbanas a serem feitas.

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Notas

1 Até 2009, a instituição era ligada à Universidade Federal de Juiz de Fora e tinha o nome de Colégio Técnico Universitário.
2 Segundo Moratori (2017), os Códigos de Posturas constituem um instrumento de regulamentação, normatização, vigilância e disciplina que buscaria prevenir os efeitos considerados prejudiciais que incidiriam sobre o espaço urbano. Esses Códigos surgiram com a vinda da família real ao Brasil, em 1824, que instituiu a exigência clara das posturas “policiaes”. Essa lei foi promulgada em 1 de outubro de 1828, estabelecendo os critérios gerais da organização das Câmaras Municipais, e informando que deveria haver um livro separado para os ditos regulamentos.
3 Conforme descreve Guimarães, E. (2001a), em diversas situações, tais abusos e humilhações não foram acatados de forma pacífica pelos escravos, já que muitos praticavam pequenos furtos contra seus senhores ou até mesmo contra seus pares dentro da comunidade como forma de vingança.
4 Os chamados crimes de sangue e/ou crimes violentos aqui referidos consistem nos crimes contra a pessoa, a saber, os crimes de homicídio e lesões corporais, incluindo-se as tentativas.
5 As cifras negras foram amplamente discutidas na obra do sociólogo Edwin H. Sutherland, que as definiu e criticou as ocorrências criminais jamais conhecidas pelas autoridades, permanecendo, portanto, ocultas. Segundo o sociólogo americano, essa cifra, desconhecida, influenciaria nas estatísticas criminais divulgados pelo governo em relação a determinado período. O termo cifra negra (zona obscura, dark number ou ciffre noir) refere-se, portanto, à porcentagem de crimes não informados, compondo um significativo número de infrações penais desconhecidas oficialmente (ANITUA, 2008).
6 Conforme classificação de Teixeira de Freitas, na Consolidação das Leis Civis (1858), os escravos não eram sujeitos de direitos e pertenciam à classe dos bens móveis, ao lado dos semoventes. Como os semoventes, figuravam nos contratos de terras como bens acessórios dos imóveis. Assim, o escravo podia pertencer a mais de um proprietário, como objeto de condomínio. Nesses casos o escravo era alugado a um dos condôminos ou a terceiros. Os filhos dos escravos eram legalmente denominados "fructos" ou "crias”. Não obstante, perante as leis penais o escravo poderia figurar como sujeito punível. Logo, os atos praticados pelo escravo não repercutiriam sobre o seu dominus, cabendo ao escravo, que sofreria as consequências de condenação criminal, nos termos dos arts. 4, 10 e 60 do Código Penal do Império.
7 Ao longo dessas primeiras reformas urbanas realizadas em Juiz de Fora nessa época, foram realizados empreendimentos voltados ao saneamento municipal, como a canalização e rebaixamento do rio Paraibuna (1863), a construção de um cemitério municipal (1884) e a organização da feira livre no Largo da Câmara. Além disso, também foram tomadas providências para melhorar a arborização da cidade, como abertura e calçamento de novas ruas, escavação e capeamento de canais para evasão de esgotos e drenagem das águas das chuvas, todas iniciadas em 1868. Ademais, as reformas visavam à regulação das ruas e o embelezamento da cidade. Por exemplo, a Resolução Municipal, de 1892, dispunha sobre os tamanhos das ruas, a forma como as casas deveriam ser construídas ou como deveriam ser fechados os terrenos ainda vagos. Já a Resolução n.º 530, de 1905, instituía um prêmio anual para os três prédios que mais se destacassem pelo gosto estético de suas construções, especialmente das fachadas. Em 1910 e 1919 foram promulgadas Resoluções determinando que na Rua Halfeld só poderiam ser construídos sobrados ou outros prédios com mais de dois ou três andares, além de incluírem disposições sobre o trânsito de veículos, presença de animais e de mercadores ambulantes no centro da cidade (SILVA, 2005).
8 Outro aspecto importante do crescimento de Juiz de Fora a partir de 1910 é a criação de instituições de ensino. De modo a atender as demandas locais quanto à formação de mão de obra e também a aproveitar o influxo populacional para se desenvolver, foram criados diversos estabelecimentos de ensino na cidade, todos com forte influência religiosa, o que, mais tarde, será o motor de grandes rivalidades quanto à hegemonia do ensino local, o que, dados os limites deste trabalho, será abordado em outra oportunidade. Ver mais em: Cuco e Lopes (2019).
9 “A SMCJF iria se empenhar muitas nas questões relativas ao sanitarismo e higienismo na cidade, sendo que em 1911, Eduardo Menezes (1911, p. 4), a época presidente da instituição, lança uma obra intitulada Cidade Salubre: Código Sanitário fundamentado e justificado feito para a cidade e município de Juiz de Fora, que almejaria como objetivo a propor certas normas de higiene pública e coletiva ao município, atendendo desde as disposições higiênicas sobre construções, sobre serviços de ordem sanitária por administração pública ou particular, alimentação, moléstias e outros, como também visava às instituições educativas, através do ensino de regras higiênicas à população” (MORATORI, 2017. p. 104).
10 Em 1893, foi elaborado pelo engenheiro francês, G. Howyan, um projeto intitulado: “Saneamento e expansão da cidade de Juiz de Fora: águas, esgotos; retificação de rios, drenagem” (SILVA, 2005).
11 Ao trabalhar com a ideia de demanda por ordem, extraída da obra do criminólogo italiano Massimo Pavarini, Vera Batista (2009, p. 23) é procurado demonstrar a relação entre as conexões históricas entre o objeto epistemológico da criminologia e as demandas por ordem no processo de acumulação de capital, compreendendo “a questão criminal como um constructo histórico-social, pode-se trabalhar numa perspectiva política, das relações de poder que envolvem as demandas conjunturais por ordem”. Segundo a criminóloga brasileira, “a criminologia como racionalidade positiva é uma resposta política às necessidades de ordem que vão mudando no processo de acumulação de capital. Para compreender o seu léxico, seu vocabulário, e sua linguagem é necessário ter a compreensão da demanda por ordem. A política criminal também está historicamente subordinada a essa demanda” (BATISTA, V., 2009, p. 23).
12 Paralelamente ao crescimento econômico e populacional, foram também expandidos os controles sociais sobre a população, de modo que nas décadas de 1910 e 1920 foram emitidas algumas resoluções pela Câmara Municipal no sentido de evitar o acúmulo e a aglomeração de operários, pobres e vadios no centro da cidade. Nesse sentido se destacam as Resoluções n.º 666 de 14 de outubro de 1912; n.º 706 de 1 de fevereiro de 1916 e n.º 869 de 2 de maio de 1921, que tratam, respectivamente, da isenção de impostos para a construção de casas de operários; da proibição da construção de avenidas para moradias no centro da cidade e da proibição de indivíduos sem profissão na área central. Tais medidas foram determinantes para o processo de formação das periferias, que se agravou nas décadas seguintes devido à falta de estrutura dada a tais regiões (ALMEIDA, 2005, p. 4).

Notas de autor

* Professora Adjunta de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutora em Direito Penal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com estágio doutoral na Universität Greisfswald (Alemanha) e Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Coordenadora do NEPCrim (Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais da Faculdade de Direito da UFJF). E-mail: ellen.rodriguesjf@gmail.com. http://lattes.cnpq.br/3188104106820567. https://orcid.org/0000-0001-6952-7765
** Mestrando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense, com bolsa CAPES. Bacharel em Direito na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com período sanduíche na Faculdade de Direito da Universidade do Porto - Portugal (FDUP). Pesquisador vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC/UFF) e ao PSICOCULT - Núcleo de Pesquisa em Psicoativos e Cultura. E-mail: mariobanivalente@gmail.com. http://lattes.cnpq.br/6813489502240868. https://orcid.org/0000-0001-9445-0931
*** Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Advogada. E-mail: livia.calderaro@direito.ufjf.br. http://lattes.cnpq.br/9127321163021978. https://orcid.org/0000-0003-0202-5829
**** Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora; Bolsista do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Ciências Criminais (NEPCrim). E-mail: naiara.britto@direito.ufjf.br. http://lattes.cnpq.br/7059526293319469. https://orcid.org/0000-0002-8179-0264
***** Graduando em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E-mail: pedrorivello12@hotmail.com. http://lattes.cnpq.br/5723385154434772. https://orcid.org/0000-0002-9342-0164

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