Artigos
Acesso à justiça: do acesso formal ao acesso à ordem jurídica justa
El acceso a la justicia: del acceso formal al acceso a una ordenación jurídica justa
Access to justice: from formal access to access to a fair legal order
Accès à la justice : de l’accès formel à l’accès à un ordre juridique juste
接近正义:司法化,接近司法公正与冲突的解决
Acesso à justiça: do acesso formal ao acesso à ordem jurídica justa
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 14, núm. 2, pp. 173-203, 2022
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 13 Noviembre 2021
Aprobación: 11 Marzo 2022
Resumo: Este artigo tem como objetivo apresentar o percurso que conduziu o acesso à justiça, de uma vertente formal para outra alicerçada em uma ordem jurídica justa. Ancorado em pesquisa bibliográfica e documental, o trabalho situa a origem do acesso à justiça no contexto de formação do Estado liberal, após derrocada do absolutismo e trabalha a contribuição do Projeto Florença para sua expansão. Apresenta a evolução na legislação brasileira, demonstrando como ele foi equiparado a acesso ao Judiciário, levando ao crescimento da judicialização. Finaliza com a estratégia de promoção de acesso à ordem jurídica justa, introduzida normativamente pela Política Nacional de tratamento adequado de conflitos, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça. Dessa maneira, o artigo salienta a importância da efetiva implementação da mencionada política, visto que ela propiciará aos conflitos soluções pautadas pela efetividade, adequação e tempestividade.
Palavras-chave: acesso à justiça, judicialização, acesso à ordem jurídica justa, tratamento de conflitos.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo presentar el proceso que condujo al acceso a la justicia desde una vertiente formal a otra basada en una ordenación jurídica justa. Tomando como fundamento la investigación bibliográfica y documental, el trabajo sitúa el origen del acceso a la justicia en el contexto de la formación del Estado liberal, tras el derrumbe del absolutismo y examina la forma en que el Proyecto Florencia contribuyó a su expansión. Muestra la evolución de la legislación brasileña, dejando a la vista la forma en que se equiparó al acceso al poder judicial, lo que provocó el crecimiento de la judicialización. Finaliza con la estrategia de promoción del acceso a un ordenamiento jurídico justo, introducida normativamente por la política nacional para el adecuado tratamiento de los conflictos establecida por el Consejo Nacional de Justicia de Brasil. De esta forma, el artículo hace hincapié en la importancia de la implementación efectiva de la citada política, ya que resolverá los conflictos con soluciones basadas en la eficacia, la adecuación y la tempestividad.
Palabras clave: acceso a la justicia, judicialización, acceso a un ordenamiento jurídico justo, tratamiento de conflitos.
Abstract: This article aims to outline the path that led to access to justice from a formal perspective to another based on a fair legal order. Anchored in bibliographical and documental research, the work locates the origin of access to justice in the context of the formation of the liberal State, after the collapse of absolutism, and discusses the contribution of the Florence Project to its expansion. It outlines the evolution in Brazilian legislation, demonstrating how it came to be equated with access to the judiciary, leading to the growth of judicialization. It concludes with the strategy for promoting access to a fair legal order, normatively introduced by the National Policy of adequate conflict management, established by the National Council of Justice. By this means, the article highlights the importance of the effective implementation of the aforementioned policy, given that it will provide conflict with solutions marked by their effectiveness, suitability, and timeliness.
Keywords: access to justice, judicialization, access to a fair legal order, conflict management.
Résumé: Cet article a pour but de présenter le parcours qui a mené l’accès à la justice d’une perspective formelle à une perspective fondée sur un ordre juridique juste. En se basant sur une recherche bibliographique et documentaire, ce travail situe l’origine de l’accès à la justice dans le contexte de formation de l’État libéral qui a suivi la chute de l’absolutisme et analysera la contribution du projet Florença à son expansion. Nous présenterons son évolution dans la législation brésilienne pour montrer de quelle manière il a influencé l’accès à la justice et provoqué la croissance de la judiciarisation. Nous aborderons enfin la stratégie de promotion de l’accès à un ordre juridique juste introduite par la Politique nationale de traitement approprié des conflits du Conseil national de la justice. Cet article souligne ainsi l’importance de la mise en œuvre effective de la politique susmentionnée, en ce qu’elle offre aux conflits des solutions basées sur l’efficacité, l’adéquation et la diligence.
Mots clés: Accès à la justice, judiciarisation, accès à un ordre juridique juste, traitement des conflits.
摘要: 本文旨在表述“接近正义”(Acesso à justiça) 运动的两个途径,一个是基于形式的正义,另一个基于实质的正义。作者基于文献和文本研究,认为西方司法界的“接近正义”运动的起源置于专制主义崩溃后自由主义国家形成的背景下。本文分析了20世纪70年代意大利法官卡佩莱蒂发起的“佛罗伦萨项目”(Projeto Florença) 对接近正义运动的巨大影响。本文介绍了巴西司法制度的演变,展示了它如何被等同于“接近司法”而不是“接近正义”,从而导致泛司法化的结果。作者提出“接近司法公正”的战略,该战略应该由国家司法委员会制定,并充分应用于冲突处理。文章强调了有效实施上述“接近司法公正”战略的重要性,因为它将提供基于有效性、适当性和及时性的冲突解决方案。
關鍵詞: 接近正义, 司法化, 接近司法公正, 冲突处理.
Introdução
A República Federativa do Brasil se caracteriza como um Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos e objetivos previstos no seu documento político maior, dentre outros, a cidadania e a dignidade da pessoa humana; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos.
Como corolário desse Estado Democrático de Direito, tem-se que todos estão sujeitos ao império da lei e não aos ditames da força e do arbítrio e, ainda, o povo é parte estruturante da tomada de decisões, uma vez que todo o poder dele emana e deve ser exercido por ele e para ele. Assim, os cidadãos, direta ou indiretamente, são os responsáveis pela formulação e execução de políticas públicas.
Dessa forma, a ideia de democracia guarda estreita relação com a constante participação popular na tomada de decisões e com a defesa dos valores da liberdade e da igualdade, os quais estão, geralmente, positivados em normas jurídicas e são classificados em direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Logo, a consagração de direitos e garantias, denominados fundamentais, imprime o caráter democrático a uma sociedade.
Afirma-se também que o conceito de democracia deve levar em consideração três dimensões: representativa, constitucional e deliberativa. A primeira tem sua expressão máxima no voto, por meio do qual são eleitos os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo. A segunda concerne ao respeito pelos direitos fundamentais a fim de que todas as pessoas sejam verdadeiramente livres e iguais, sendo o Poder Judiciário seu guardião maior. A terceira dimensão enfatiza o debate público contínuo e tem como protagonista a sociedade civil (BARROSO, 2018).
Denota-se da Constituição Federal, portanto, que o conceito de democracia que hodiernamente prevalece na sociedade brasileira une o Estado de direito à democracia, a qual por sua vez, agasalha o direito de acesso à justiça. Referido direito está hoje consagrado no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, vazado nos seguintes termos: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988).
Reflexos desse acesso podem ser verificados a partir dos dados estatísticos coletados pelo Conselho Nacional de Justiça por meio do seu relatório Justiça em Números (BRASIL, 2020). Com efeito, os números revelam um aumento na judicialização, isto é, no número de casos levados à apreciação do Poder Judiciário. Nesse sentido, no ano de 2019 ingressaram 30,2 milhões de processos (em 2018 o ingresso foi da ordem de 28,1 milhões). Ressaltamos que entre 2010 e 2014 houve crescimento constante, saltando de 24 para 29 milhões em 2014. Em 2015, deu-se a primeira redução do crescimento, finalizando aquele ano em 27,8 milhões de casos novos. Em 2016, há novamente um aumento, com registro de 29,1 milhões de casos novos; número que cai para 28,8 milhões em 2017.
É nesse contexto que se insere a inquietação das autoras expressa no presente artigo, o qual tem por objetivo expor de que forma evoluiu o acesso à justiça e verificar se a amplitude dele significou, na prática, a entrega de uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Assim, buscamos apresentar nas próximas seções a roupagem inicial do acesso à justiça, os estudos e os eventos que no Brasil e no mundo contribuíram para sua remodelagem, as consequências dessa mudança concernentes sobretudo ao excesso de demandas e, por fim, a nova configuração que o acesso à justiça passou a assumir, mormente após a vigência da Política Judiciária Nacional de Tratamento adequado dos conflitos de interesse, instituída pelo Conselho Nacional de Justiça em 2010.
O acesso formal
O acesso à justiça apareceu com o surgimento do Estado de direito, após a derrocada dos regimes absolutistas. Como se sabe, em oposição à multiplicidade de poderes reinante no sistema feudal, marcado sobretudo pela ausência de divisão entre espaço público e privado e pela concentração do poder nas mãos dos donos das terras, os quais exerciam o domínio sobre estas e sobre seus vassalos, nasceu o Estado moderno no início do século XVI sob a roupagem absolutista. Maquiavel (2004), nascido em Florença, notabilizou-se como grande teórico do Estado através da sua obra O Príncipe de 1513, na qual sustenta que deve haver uma ordem imposta por homens para trazer estabilidade à sociedade e evitar o caos. O poder, alicerçado nas boas leis e nos bons exércitos, seria a única forma de enfrentar o conflito. Importante também lembrarmos, nesse período, a obra de Thomas Hobbes (1983), Leviatã, que foi escrita durante a guerra civil inglesa e publicado em 1651. Nela, ele aduz que o Estado serve para dar paz e segurança e que para que haja paz é necessário um pacto no qual as pessoas confiram todo os seus bens e forças a um Soberano.
O absolutismo, a par de também misturar o público e o privado, foi um período de privilégios da nobreza e do clero e opressão do povo, sobretudo dos camponeses. O poder estava inteiramente concentrado nos monarcas que governavam como representantes da autoridade divina na terra. Data desta época a célebre frase “L’Etat c’est moi” atribuída ao Rei Luís XIV da França, símbolo da concentração em uma única autoridade das funções de administrar, legislar e julgar.
Nessa fase embrionária do Estado não se atribuía importância aos direitos porque a relação política era vista partindo-se do soberano e de seus direitos para os deveres dos súditos. Aquele, representando a sociedade, em uma visão orgânica desta, estava em primeiro lugar. Os indivíduos somente possuíam deveres, os quais eram diretamente impostos e exigidos pelo chefe monarca. Desta forma, não se falava em direito de acesso à justiça.
O absolutismo começa a ruir com as ideias iluministas que serviram como mola propulsora da Revolução Francesa de 1789 e defendiam uma política centrada no homem e na sua liberdade, trazendo ao cenário político a burguesia e o Estado liberal. Este por sua vez consolidou a soberania popular, a separação de Poderes e a proteção dos direitos individuais, com destaque para igualdade formal e propriedade privada. Renasceu também a distinção e separação entre os espaços público e privado. Com efeito, um dos legados da mencionada Revolução, ao modificar a concepção estatal de absoluta para limitada, consistiu na afirmação dos direitos do homem como “ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos” (BOBBIO, 2004, p. 19).
É neste sentido o pensamento de Norberto Bobbio (2004), para quem a concepção individualista do Estado, surgida nesse período e alicerçada na teoria dos direitos naturais de Locke, passa a apregoar que o indivíduo está em primeiro lugar, sendo então seguido pelo Estado, de sorte que este existe em função daquele e não o contrário.
É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos (BOBBIO, 2004, p. 30, grifo nosso).
Desta forma, após a derrubada do sistema absolutista, os séculos XVIII e XIX se tornaram conhecidos pelo predomínio de uma filosofia individualista que levava à abstenção do Estado a fim de que o indivíduo desenvolvesse todas as suas aptidões e exercesse sua plena liberdade. Essa ausência do aparelho estatal era necessária para fazer frente ao forte domínio que foi por ele exercido nos séculos anteriores.
Nos estados liberais, portanto, os direitos eram tidos como naturais, anteriores ao Estado e independiam dele para se tornar exigíveis. O acesso à justiça era, então, meramente formal para a maioria das pessoas uma vez que somente quem tinha condições financeiras e conhecimento mínimo de direitos ingressaria com uma ação (CAPPELLETTI; GARTH, 1988). Nesse mesmo raciocínio, o direito e seus aplicadores eram essencialmente legalistas, formalistas e distantes da realidade social.
O legalismo implicava em demasiado apego à supremacia daquilo que estava insculpido em uma lei, sem a qual não havia decisão possível, de modo que a aplicação do direito se resumia a uma operação lógico e dedutiva. O formalismo se traduzia pelo apego dos aplicadores a regras procedimentais fixas e inalteráveis, o que acabava por conduzir ao distanciamento social pois não cabia a consideração de valores ou de outras circunstâncias diversas. Tratava-se assim de um sistema marcado pela neutralidade científica, completude do ordenamento jurídico e interpretação como processo mecânico de valorações estritamente técnicas (BARROSO, 2018).
Todas essas características contribuíram para a visão formal do acesso à justiça, isto é, um acesso que restava satisfeito com a simples propositura ou contestação de uma ação na qual se discutiam essencialmente direitos privados, como o contrato e a propriedade. Não se trazia à baila a possibilidade de o Estado ser devedor de prestações exigíveis juridicamente. No século XX, os rumos da postura distante do Estado em relação ao indivíduo começam a mudar mormente após a Primeira Guerra, com o surgimento de normas voltadas para a proteção do trabalhador, do que são exemplos a Constituição mexicana de 1917 e a Constituição alemã de Weimer de 1919, as quais vieram à tona também em resposta às consequências da Revolução Industrial cujo início remonta à segunda metade do século XVIII e perdura até a primeira metade do século XX.
Igualmente, a eclosão e o posterior fim da Segunda Guerra trouxeram reflexão e mudança de posicionamento da sociedade em relação ao Estado e deste em direção aquela, abrindo espaço para a proclamação de novos direitos, os quais efetivamente se afirmam no contexto da dissolução dos Estados de poder concentrado e instauração de regimes representativos ou, dito de outra forma, no embate entre “duas concepções diversas dos direitos do homem, a liberal e a socialista” (BOBBIO, 2004, p. 25).
Conforme ainda adverte Norberto Bobbio (2004), os direitos, por serem caracterizados como históricos, nascem de forma gradual e de acordo com as lutas travadas contra velhos poderes. O autor, então, aponta os direitos cronologicamente dispostos em fases ou gerações. Os de primeira geração, chamados direitos de liberdade, exigem de terceiros e do Estado e seus órgãos obrigações negativas, ou seja, de abstenção de comportamento. Os direitos de segunda geração, nomeados de direitos sociais, exigem daquelas obrigações positivas e decorrem de novas exigências relativas ao bem-estar e à igualdade não apenas formal. Os de terceira geração pertencem a uma categoria, conforme o autor, heterogênea e vaga, a exemplo do direito ao meio ambiente sadio. Haveria, ainda, outra geração, pois “já se apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo” (BOBBIO, 2004, p. 8).
A respeito do termo geração, salientamos que não obstante transmita a ideia de surgimento de algo novo com abandono do que existia, aqui não é esta a associação para o termo, visto que não há o surgimento de novos direitos com desaparecimento dos anteriores. Assim, “o vocábulo ‘dimensão’ substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo ‘geração, caso este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes” (BONAVIDES, 2010, p. 572).
Na classificação em dimensões, as três primeiras estão intrinsecamente relacionadas ao lema da Revolução Francesa, a saber, liberdade, igualdade e fraternidade. O reagrupamento dos direitos dá-se de uma forma diversa da apresentada por Bobbio (2004), visto que os de primeira dimensão vão agrupar não apenas os direitos civis, mas também os políticos e são qualificados como aqueles que ressaltando a separação entre sociedade e estado, se satisfazem com a abstenção dos governos e se relacionam às liberdades individuais, tais como liberdade de expressão, reunião, culto.
Os direitos de segunda dimensão equivalem aos mencionados anteriormente de segunda geração, os quais se destacam no contexto das distorções sociais provocadas pela ausência do Estado no liberalismo, de forma a exigir o retorno dele, mas não na sua feição autoritária, tirana e opressora. Desta feita, requeria-se um Estado provedor de bem-estar, garantidor de direitos sociais básicos, que promovessem a efetiva igualdade. Entrava em cena o welfare state, responsável por assegurar direitos variados tais como direito ao trabalho, ao lazer, à moradia, à educação, à saúde e outros os quais requeriam um supra direito que os tornassem efetivos. O direito de acesso à justiça ganhou, assim, importância considerável por se tornar a arma do indivíduo para postular os demais direitos existentes (CAPPELLETTI; GARTH, 1988).
Ainda sobre as dimensões do direito mencionadas, a terceira dimensão relaciona-se à proteção do indivíduo enquanto ser pertencente a grupos ou coletividades, prestigia o valor da fraternidade, mais tarde atualizado para solidariedade. Pertencem-lhe o direito ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. A quarta dimensão diz respeito aos direitos emergentes da globalização política como direitos à democracia, ao pluralismo e à informação e suas tecnologias.
Por fim, a quinta dimensão é explicada por Paulo Bonavides (2010), para quem o direito à paz que permite a continuidade da vida na Terra deve ser destacado dos demais e ser alçado a um direito constitucional do gênero humano, de forma que quem o violentar ou negar cometerá crime contra a sociedade humana.
Da breve análise das dimensões mencionadas, conclui-se pela relevância do direito de acesso à justiça, o qual embora figure entre os definidos como direitos de segunda dimensão, é o garantidor por excelência da efetividade dos direitos de todas as demais. Com efeito, é ele que permitirá reivindicar juridicamente a liberdade de expressão, se cerceada (primeira dimensão); a saúde, se negada (segunda dimensão); a elaboração de políticas públicas para os milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, se não forem por elas contemplados (terceira dimensão); o respeito às minorias, se for desconsiderado (quarta dimensão) ou o restabelecimento da paz, se uma guerra eclodir (quinta dimensão).
Destacamos que o acesso à justiça é um direito elementar do homem por ser a ponte que conduz uma violação à efetiva reparação. É ele o acionado quando as liberdades constitucionalmente asseguradas são desprezadas por outros cidadãos ou por autoridades públicas e quando o governo indiscriminadamente descumpre as preferências dos cidadãos, expostas nas políticas públicas.
Ao que se percebe, esse direito desprovido de força no estado liberal, ganhou impulso na vigência do estado social e se tornou um elemento de destaque em uma sociedade democrática, desfrutando atualmente de notoriedade nos cenários político, jurídico e social. Por isso, embora no atual milênio volte-se a propagar o modelo de estado mínimo, o que demonstra o caminho pendular percorrido pelo Estado, visto que começou liberal no século XX, tornou-se social ao longo dele e findou o século novamente liberal, ou melhor, neoliberal (BARROSO, 2018), o compromisso com os direitos e prestações positivas a cargo do Estado permanecem em decorrência do seu caráter democrático. É neste sentido que Paulo Bonavides, ao tratar dos direitos humanos e sua fundamentalidade, conclui que sem esses direitos garantidos a democracia entra em crise.
Os direitos humanos, tomados pela base de sua existência primária, são assim os aferidores da legitimação de todos os poderes sociais, políticos e individuais. Onde quer que eles padeçam lesão, a Sociedade se acha enferma. Uma crise desses direitos acaba sendo também uma crise do poder em toda sociedade democraticamente organizada (COELHO; BRANCO; MENDES, 2010, p. 575).
Não é por outro motivo que para prevenir ou mesmo remediar uma crise de efetividade desses direitos, o acesso à justiça tem sido objeto de revisitação, reavaliação e transformação, visto que o acesso formal nos moldes do liberalismo dos séculos XVIII e XIX tornou-se insuficiente à garantia dos mesmos.
A contribuição do Projeto Florença para expansão do acesso à justiça
Na missão de esquadrinhar o acesso à justiça e propor novos caminhos, destaca-se a contribuição dos estudos realizados, nos anos 1970, pelos professores Mauro Cappelletti e Bryant Garth na série “Acesso à Justiça do Projeto de Florença” (Florence Project). Inicialmente, foram apresentados os obstáculos a transpor para tornar o direito em liça efetivo. Assim, identificaram-se três grupos de barreiras a serem vencidas: as custas judiciais, as possibilidades das partes e os problemas relacionados aos interesses difusos.
No que dizia respeito às custas, o acesso aos tribunais em razão delas era extremamente dispendioso, sobretudo para as pequenas causas, as quais seriam inviáveis se o custo financeiro final do processo excedesse o objeto da controvérsia, isto é, aquilo que se pretendia obter com a demanda judicial. Considerou-se também a influência do tempo no trâmite processual com seus reflexos negativos nos valores a serem desembolsados.
No tocante à possibilidade das partes, verificou-se que algumas possuíam consideráveis vantagens no acesso à justiça em forte oposição a outras que se encontravam em clara desvantagem. Foram apontadas como uma ou outra, a depender da situação, os recursos financeiros, quem os tinha poderia aguardar o tempo do litígio sem maiores dificuldades; as condições pessoais que envolveriam a capacidade para reconhecer um direito juridicamente exigível e a disposição psicológica para recorrer a processos judiciais, considerando a desconfiança nos advogados, os procedimentos complicados e os ambientes intimidatórios e formalistas dos tribunais e seus membros.
E, ainda pertencente a esse segundo grupo de obstáculos, a habitualidade ou eventualidade dos litigantes. Os habituais desfrutavam de vantagens por terem um maior número de casos, experiência com o litígio, desfrutarem de relações com os membros decisores e poderem testar estratégias diversas nas teses jurídicas.
Por fim, quanto aos interesses difusos, como proteção do meio ambiente e do consumidor, a dificuldade residia na ampla titularidade e lesividade dos direitos relacionados ocasionando o desinteresse ou a extrema dificuldade que uma pessoa individualmente considerada teria para propor uma ação, por exemplo, em razão de um desastre ambiental provocado pelo derramamento de óleo na represa de sua cidade. Em casos desse jaez, ainda que muitos fossem os atingidos pelo desastre, talvez poucos se mostrassem dispostos a acionar o sistema de justiça e, ainda que assim decidissem, certamente encontrariam entraves para se reunir e traçar estratégias de enfrentamento.
Apresentados os obstáculos, os autores propuseram soluções que ficaram conhecidas como as “três ondas do acesso à justiça”. A ideia de onda guarda relação com a de movimento, isto é, variação de um objeto em relação a um referencial no espaço de tempo definido. A primeira é relativa à assistência judiciária para os pobres, a segunda é intitulada de representação dos interesses difusos e a terceira é nomeada de novo enfoque de acesso à justiça. Na primeira onda o intuito é aperfeiçoar meios que permitam aos desprovidos de recursos financeiros o acesso à justiça de qualidade. Dentre esses meios, os autores apontam o Sistema Judicare que considera a assistência judiciária um direito e, por isso, advogados particulares são pagos pelo Estado para os que necessitarem na forma da lei. Embora de inegável importância, reconhece-se que tal sistema falha por não permitir um auxílio aos pobres mais amplo que os ajude a compreender seus direitos e identificar as áreas de atuação, de forma que negligencia esses indivíduos como classe.
Outra forma de solucionar esse primeiro obstáculo estava na figura dos “escritórios de vizinhança”, pequenos e localizados na comunidade, com advogados sendo pagos pelo governo e cujo escopo era promover um auxílio mais abrangente para os pobres, inclusive enquanto classe. Um dos problemas identificados consistia no fato de os advogados serem remunerados pelo Estado para atuar, muitas vezes, contra o próprio Estado o que poderia desencorajar uma atuação mais enérgica dos respectivos profissionais. Por fim, verificou-se a existência de modelos combinando os dois citados, inclusive com menção à existência de centros de atendimento jurídicos localizados em áreas pobres, ao redor de Londres que desempenhavam com sucesso essa função.
A segunda onda, conforme mencionado, abordou a questão atinente aos interesses difusos. O processo civil tradicional precisava ser revisto uma vez que os conflitos a serem solucionados não se referiam mais a apenas duas partes antagonizadas. Dessa forma, requeria-se uma mudança de visão no processo judicial, de individualista para coletivo com os consectários decorrentes como alteração de regras atinentes à legitimidade, procedimentos, atuação dos juízes e coisa julgada.
Por fim, a terceira onda chamada de “novo enfoque de acesso à Justiça” sem desprezar e já reconhecendo os avanços ocorridos nas duas anteriores volta-se ao desenvolvimento de um sistema mais estruturado e global de prevenção e solução de disputas. Por conseguinte, envolve a harmoniosa relação que deve existir entre instituições, mecanismos, pessoas e procedimentos voltados ao acesso à justiça. A abordagem deste passa a ser feita de forma holística, entendendo-se que os problemas precisam ser tratados em conjunto.
Destaca-se a preocupação com novos mecanismos procedimentais necessários ao tratamento de novos direitos e com a adaptação do processo a diferentes tipos de litígio, considerando-se assim o nível de complexidade de cada um, de sorte que algumas disputas requererão mais tempo e recursos financeiros para serem enfrentadas, outras são de solução mais simples e menos dispendiosas. Neste mesmo contexto, algumas partes ficarão plenamente satisfeitas apenas com um reconhecimento de culpa do oponente, outras não se conformarão enquanto não obtiverem uma compensação financeira e ainda outras estarão desejosas mesmo é de reatar relações amistosas com o polo oposto do litígio.
Por tudo isso, o novo enfoque exige uma remodelagem de todo o aparato judicial, o que passa não somente por reformas que incluem a figura de um juiz mais ativo, procedimentos mais simples, rápido, barato e acessível, mas pela adoção de um sistema paralelo de solução de litígios, dentro do qual se incluem o juízo arbitral, a conciliação e os incentivos econômicos como forma de evitar os tribunais.
As reformas mencionadas compõem as medidas que os autores chamam de “reforma dos tribunais regulares” e “desvio dos casos dos tribunais regulares”. A estas são acrescentados o “desvio especializado” e a “criação de tribunais especializados”. Todas essas medidas decorrem, asseveram Cappelletti e Garth (1988), da mudança no conceito de justiça, de mera aplicação de regras a fatos verdadeiros à busca da justiça social.
A obra Acesso à Justiça dos dois professores mencionados é um marco no estudo da temática uma vez que até então não existia um estudo tão completo imbuído dos objetivos de identificar os entraves para efetividade desse direito e as propostas de solução por meio de um estudo comparativo do que estava sendo feito em países diversos. Diante disso, qual foi o impacto da citada obra para o acesso à justiça no Brasil?
O acesso à justiça na legislação brasileira
De início, salientamos que os estudos produzidos no Florence Project não fizeram menção à experiência jurídica brasileira. Diante dessa ausência do Brasil, há quem questione se tal se devia à dificuldade de contatar pesquisadores brasileiros ou se decorreria da falta de interesse desses no tema do acesso à justiça, cujos debates só viriam a iniciar no país no final da década de 70 e mais ao longo dos anos 80, exatamente quando se inicia o processo de abertura política (JUNQUEIRA, 1996). Independente do motivo da não participação do Brasil nos estudos do Projeto Florença, é certo que a evolução do acesso à justiça na legislação e na realidade brasileiras se deu em contornos próprios, os quais encontram-se entrelaçados com a própria evolução do direito de assistência jurídica aos necessitados.
No desenvolvimento desse direito, destacamos que a Constituição do Império de 1824 e a primeira Constituição da República, promulgada em 24 de fevereiro de 1891 não continham dispositivo relacionado ao direito de acesso à justiça. Com a era Getúlio Vargas, nos anos 30, iniciam-se os movimentos em defesa dos direitos dos trabalhadores. Assim, a Constituição de 1934, com reconhecimento de direitos sociais, determinou a criação da Justiça do Trabalho, autorizou a concessão de assistência judiciária gratuita aos necessitados, bem como a criação de órgãos para prestar essa assistência.
Em 1937, com a implantação do Estado Novo ou Ditadura Varguista, que representava o fortalecimento do poder autoritário estatal e promovia maior controle sobre a vida social, Getúlio Vargas outorgou uma nova Constituição, na qual foi suprimido o benefício da assistência judiciária gratuita, mas não havia proibição para que União e Estados criassem órgãos destinados à assistência judiciária aos necessitados. A nível infraconstitucional, o Código de Processo Civil de 1939 disciplinou o benefício da justiça gratuita, prevendo a isenção do pagamento de taxas judiciárias, emolumentos, custas, despesas com publicações de atos oficiais, indenizações devidas a testemunhas e peritos e honorários de advogado.
A Constituição de 1946, que marca a derrubada do regime anterior e semeia as bases de uma democratização, consagra valores não apenas liberais, mas também sociais. O documento inova ao prever, pela primeira vez o dispositivo que, posteriormente aperfeiçoado em sua redação, ficará conhecido como aquele que alberga o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição ou aquele que garante propriamente o direito de acesso à justiça. Dessa forma, era previsto que: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual” (BRASIL, 1946, art. 141, § 4º). Na mesma Constituição, é novamente inserida em seu texto a concessão da assistência judiciária, fazendo-o nos seguintes termos: “O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados” (BRASIL, 1946, art. 141, § 4º).
Em 05 de fevereiro de 1950, a assistência judiciária ganha legislação própria com a publicação da Lei nº 1.060 (BRASIL, 1950), cujo primeiro artigo previa aquela como serviço prestado pelo Estado. A referida lei que, foi totalmente acolhida pelo Código de Processo Civil de 1973,1 permaneceria sendo o principal embasamento do benefício durante mais de 65 anos, quando então no ano de 2015 é publicado o atual Código de Processo Civil que, além de regular detalhadamente a concessão do benefício nos artigos 98 a 102,2 revoga parte substancial da legislação de 1950, mais especificamente suprime os artigos 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 11, 12 e 17 da referida lei (BRASIL, 2015, art. 1072, III).
A Constituição de 1967 repetiu, no artigo 150, § 4º (BRASIL, 1967) a garantia de acesso à justiça prevista anteriormente. Neste ponto há que se ressaltar que o documento político foi promulgado já na vigência da ditadura militar. O texto constitucional estava, pois, repleto de dispositivos autoritários, dentre os quais, a previsão de eleição indireta para a escolha do Presidente da República; a aprovação de leis por decurso do prazo, sob o argumento de que era necessário vencer a inércia do Poder Legislativo e a previsão de decretos-leis expedidos pelo Presidente da República, os quais possuíam vigência imediata e não poderiam ser emendados.
Não fosse tudo isso deletério o suficiente, uma junta militar promulgou a Emenda nº 1 à Constituição vigente que permaneceu até o advento da Carta Maior de 1988. Sobre esse momento da história Paulo Bonavides (2010, p. 367) destaca a existência de dois poderes paralelos:
É de assinalar que durante a ditadura dos militares o Brasil testemunhou a ação de dois poderes constituintes paralelos: um, tutelado, fez sem grande legitimidade a Carta semi-autoritária de 24 de janeiro de 1967; o outro, derivado da plenitude do poder autoritário e auto-intitulado poder revolucionário, expediu, à margem da legalidade formalmente imperante, os Atos Institucionais, bem como a Emenda n.1 à Constituição de 1967, ou seja, a ‘Constituição’ da Junta Militar, de 17 de outubro de 1969.
No tocante ao acesso à justiça, embora a Constituição de 1967 tenha mantido o dispositivo em redação idêntica à da Carta anterior, conforme afirmado alhures, a Emenda nº 1 excluía da apreciação judiciária quase a totalidade dos atos praticados na permanência da ditadura militar e reafirmava a vigência do Ato Institucional nº 5 (BRASIL, 1968).
Depreende-se, portanto, que à época dos estudos conduzidos por Cappelletti e Garth (1988), de 1973 a 1978, a garantia de acesso à justiça existia apenas formalmente na legislação constitucional brasileira uma vez que a exclusão acima referida era ampla e genérica o bastante para afastar a proteção judicial da realidade política e social do país, quadro este que só vem a ser alterado com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
A Carta Política de 1988 constitui, pois, um marco na efetivação dos direitos em nosso país, mormente na garantia do acesso à justiça. Publicada após um período de intensa turbulência política, social e econômica, trazia como preocupação central a proteção da dignidade humana. Com efeito, era premente a necessidade de expurgar todo resquício de autoritarismo até então reinante, por isso o documento se tornou conhecido por ser analítico e absolutamente farto na previsão de direitos, tendo ainda dado especial relevo ao papel do Judiciário, consagrando-o como garantidor da implementação dos direitos nela previstos.
A bem da verdade, a palavra de ordem do momento era mudança, a qual estaria alicerçada na centralidade do homem, na prevalência da democracia, no combate às desigualdades e na repressão aos abusos perpetrados por agentes do Estado ou por terceiros, na necessária participação popular, no equilíbrio entre os Estados e os poderes da Federação.
Assim é que se afirma ser a Carta de 88 um instrumento de realização da justiça social e de promoção de direitos, com a incorporação de valores da igualdade social, econômica e cultural, bem como que é um texto essencialmente programático, com os direitos e deveres individuais e coletivos aparecendo antes mesmo da organização do Estado (SADEK, 2004). É a mesma autora que chama atenção para algumas características da CF/88 tais como garantia dos princípios democráticos; ampliação de direitos e garantias fundamentais, com destaque para direitos difusos e coletivos; preocupação com desigualdade social e econômica e ampliação de artigos imodificáveis (SADEK, 2004).
Acerca dos direitos fundamentais, diz-se ainda que a Constituição de 1988 não ficou aquém das mais modernas cartas políticas e no catálogo de direitos, além de reconsagrar o que formalmente já existia, incluiu também novos direitos que conferem tratamento diferenciado aqueles que necessitam de uma proteção específica por particular fragilidade, de forma que pode ser caracterizada como a mais avançada da experiência constitucional brasileira, nada tendo a dever às leis fundamentais dos “povos cultos” (COELHO; BRANCO; MENDES, 2010).
Foi, então, neste cenário de remodelação das forças políticas, sociais e econômicas que se deu o fortalecimento do direito de acesso à justiça, cuja norma matriz encontra-se, como ressaltamos alhures, no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal. Não se olvide que, ao lado dela, há ainda outras que somadas àquela fundamentam o sistema garantidor da justiça, as quais são formadas pelo direito de petição (BRASIL, 1988, art. 5º, XXXIV, a), entendido como a provocação dos poderes públicos para denunciar alguma lesão ou para solicitação de algum direito; devido processo legal (BRASIL, 1988, art. 5º, LIV, a), relacionado à proteção dos bens e da liberdade de todos, de forma estes não podem ser restringidos sem um processo; assistência jurídica (BRASIL, 1988, art. 5º, LXXIV) e Defensoria Pública (BRASIL, 1988, art. 134), os quais asseguram a isenção de custas e a assistência de um órgão jurídico aos carentes de recursos financeiros.
Dos dispositivos mencionados, importa destacar o acesso à justiça propriamente dito e a assistência jurídica a fim de explicitar a diferença de tratamento no que diz respeito à anterior Constituição. Conforme exposto acima, antes do período ditatorial, o dispositivo fora introduzido pela Constituição de 1946 e asseverava: “A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual” (BRASIL, 1946, art. 141, § 4º).
Infere-se que as diferenças formais dizem respeito ao alcance, mais restrito nesta última se comparada à atual, uma vez que não existia previsão no tocante à ameaça e a titularidade era circunscrita ao direito individual, ao passo que a CF/88 destina-se não só à proteção de direitos individuais, mas também aos coletivos, isto é, os direitos que pertencem à sociedade toda, como o direito ao meio ambiente saudável e equilibrado e aqueles atribuídos aos grupos de indivíduos, como os dos consumidores e dos titulares de planos de saúde.
Referente à assistência jurídica, a norma constitucional anterior era igualmente mais restritiva e previa que “O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados” (BRASIL, 1946, art.141, § 35). Em cotejo com a Constituição atual, essa além de tratar a assistência como jurídica, a qualificou de integral. Dessa forma, a mudança que não foi meramente textual, tampouco despropositada reflete que a assistência não deve se restringir apenas ao âmbito processual ou a uma determinada fase processual. Com efeito, trata-se de assistência completa, dentro e fora do processo jurídico.
Percebe-se que a redação atual do inciso que estabelece o acesso à justiça alarga a titularidade e acionabilidade dos direitos expressos constitucionalmente, o que corrobora a afirmação de que o movimento surgido nos anos 1980, no Brasil, diferia daquele retratado no Projeto Florença, coordenado por Cappelletti e Garth (1988) na década de 1970 porque aqui diversamente do objetivo perseguido nos países desenvolvidos que era a expansão do Welfare State a grupos minoritários excluídos, pretendia-se mesmo conferir direitos básicos a grande massa da população deles desprovida em razão da marginalização histórica e da exclusão política ocasionada pelo regime de 1964. Por conseguinte, a tônica do momento estava mais centrada nos direitos coletivos, sendo que, somente com a criação dos juizados de pequenas causas e das agências estatais informais de resolução de conflitos, emergiu a preocupação com os direitos individuais (JUNQUEIRA, 1996).
Por outro lado, como os debates em torno do acesso à justiça não giravam em torno de um possível inchaço do Poder Judiciário para atender a demanda, a qual até então por não existir, não era objeto de inquietação, tendo em vista sobretudo a pouca expressividade que ele detinha, o conhecido princípio da inafastabilidade da jurisdição centrou-se em assegurar que todos os direitos, se lesados ou ameaçados, deveriam ser por ele apreciados. Assim, começou-se a delinear o acesso à justiça sobretudo como acesso ao Judiciário.
O acesso à justiça com o significado de acesso ao judiciário
Da forma como insculpido na Constituição Federal, a ilação a que se chegava facilmente ligava o direito de acesso à justiça ao Poder Judiciário e, neste sentido, o artigo 5º, XXXV, da CF/88 tornou-se conhecido por abrigar o princípio da inafastabilidade da Jurisdição, a qual por sua vez é normalmente definida como o poder do Estado exercido por órgãos jurisdicionais de formular e fazer atuar a regra jurídica concreta.
Nota-se, portanto, que o acesso à justiça, tradicionalmente, remete às figuras do juiz e do Poder Judiciário, bem como à ideia de jurisdição. Aliás, esse é o pensamento do cidadão comum que relaciona acesso à justiça ao imóvel sede do Poder Judiciário ou à pessoa que exerce a função judicante. Tal ideia, de tão arraigada, é vista por vezes em escritos de processualista, o qual, mesmo sem essa intenção, acaba por afirmá-la, quando ao falar especificamente sobre o acesso à justiça, sustenta que não é possível proibir a autotutela e assim dizer que há Estado sem viabilizar a todos o acesso ao Poder Judiciário (MARINONI, 2008).
Por conseguinte, o mesmo dispositivo constitucional tem se prestado a fundamentar tanto o acesso à justiça quanto o acesso aos órgãos judiciais, como se fossem simplesmente idênticos. Associar de forma inexorável um a outro é fruto de uma lente reducionista e faz parte de uma visão ainda presente na realidade (URQUIZA; CORREIA, 2018). Deve-se salientar, todavia, que esse olhar diminuto não é resultado apenas do texto constitucional brasileiro.
Com efeito, a associação é feita também em documentos de envergadura internacional que lhes são anteriores. Antes de demonstrar essa afirmação é necessário esclarecer que existe um sistema internacional de proteção dos direitos humanos, composto por todos os tratados, convenções e pactos relativos à temática. Esse sistema é subdividido em sistema global de proteção, integrado por instrumentos das Nações Unidas e sistema regional de proteção, do qual fazem parte os sistemas interamericano, europeu e africano de proteção aos direitos humanos (PIOVESAN, 2010).
No âmbito do sistema global, tem-se a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e outros (PIOVESAN, 2010). Assim, a Declaração Universal dispõe no artigo 8º que “Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, art. 8º). Por seu turno, o PIDCP garante, no artigo 14, semelhante proteção estritamente ligada aos órgãos de justiça (BRASIL, 1992, art. 14).
No sistema interamericano, o principal instrumento é a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 que no artigo 8º, sob o título “Garantias Judiciais” dispõe que: “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial […]” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS [OEA], 1969, “Artigo 8. Garantias judiciais”, par. 1) e; no artigo 25, sob o título “Proteção Judicial” estabelece que: “Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos [...]” (OEA, 1969, “Artigo 25. Proteção judicial”, par. 1)
Por seu turno, o sistema europeu dispõe da Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, cujo artigo 6º estabelece: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei [...]” (CONSELHO DA EUROPA, 1950).
Por fim, cabe-nos registrar o sistema africano, o qual é pouco lembrado em razão da própria história recente do país de regimes opressivos e violações a direitos humanos (PIOVESAN, 2010). De toda forma, esse sistema tem como instrumento principal a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981 que no artigo 7º estabelece o direito de toda pessoa ter sua causa seja apreciada, vinculando-o em seguida ao direito de recorrer aos tribunais contra qualquer ato que viole os direitos fundamentais que lhe são reconhecidos (ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA, 1981, art. 7º).
Vemos, assim, seja no sistema constitucional brasileiro, seja no sistema internacional de direitos que a justiça que se pretende garantir é aquela prestada por Tribunais, órgãos ou pessoas exercentes do cargo de juiz. Não se vislumbra, por meio dessas normas, possibilidade, ainda que remota, de realização da justiça por outro meio que não através de um Poder estatal instituído com essa finalidade. E isso porque todos os dispositivos mencionados eram oriundos de contextos históricos marcados por exclusão, desigualdades, injustiça, violência, atrocidades, extermínio. Eram essas as características do mundo entre guerras e pós segunda guerra mundial, bem como eram esses os aspectos marcantes do Brasil no período pós-ditadura militar e redemocratização.
Ora, há nesse contexto questionamentos que se impõem tais como: Onde estava o Poder Judiciário na Alemanha nazista que permitiu o extermínio de pessoas com espeque na inferioridade da raça? Onde estava esse mesmo Poder quando os países europeus entraram em guerra reconfigurando as fronteiras do continente às custas de muitas vidas? Da mesma forma, onde estava o Poder Judiciário que não impediu a prática da tortura como técnica de governo e permitiu a suspensão de direitos e liberdades fundamentais durante a ditadura militar brasileira? E qual é o lugar ocupado pelo Poder Judiciário em uma África ainda marcada por conflitos raciais e étnicos?
As respostas a todos esses questionamentos convergem para uma conclusão: de tão arraigado no Estado de direito, com o predomínio da lei, isento de quaisquer influências ética ou moral, o Poder Judiciário limitava-se a chancelar o que as autoridades do Poder Executivo, amparadas pela estrita legalidade de instrumentos normativos editados ao alvedrio de quem estivesse no comando da nação, escolhiam como projeto de governo. Esse panorama, então, de apatia do Judiciário exigia que, vencidas as causas políticas do seu enfraquecimento, saísse o mesmo fortalecido o suficiente para impedir que as desordens outrora cometidas viessem a se repetir.
Logo, o acesso à justiça com o significado de acesso ao Judiciário era o que melhor refletia a necessidade da época. Contudo, essa significação resultou no agigantamento desse poder que, paradoxalmente, pode conduzir a sua incapacidade para resolver todos os problemas que lhes são endereçados em um cenário de hiper judicialização de todas as questões do cotidiano.
A judicialização no âmbito do “neoconstitucionalismo”
Conforme salientamos, a configuração do acesso à justiça no sentido de levar a apreciação do Judiciário toda e qualquer pretensão de direito resistida era indeclinável. Entretanto, se o princípio da inafastabilidade da jurisdição da forma delineada na Constituição de 1988, imprescindível como era, decorria sobretudo da necessidade de enfrentar os tempos de instabilidade democrática vividos no Brasil, em especial, na vigência da ditadura militar, em um contexto de normalidade essa norma não deveria despertar maior atenção, uma vez que transposto o período de exceção que justificava seu alarde (SALLES, 2006).
Não obstante essa afirmação, o princípio do acesso à justiça ganhou uma amplitude talvez não esperada, acarretando o aumento exponencial dos casos submetidos à apreciação do Judiciário, fenômeno normalmente denominado de judicialização e que existe sobretudo no âmbito do que se chama de neoconstitucionalismo. Este surge com a passagem do Estado legislativo de direito para o Estado constitucional de direito e pode ainda ser identificado como constitucionalismo do pós-guerra ou novo direito constitucional (BARROSO, 2018).
Da mesma forma que o mundo mudou e passou não só a reconhecer, mas a rejeitar toda forma de tratamento desumano, degradante, humilhante, bem como a propagar a necessidade de combater as desigualdades e injustiças sociais, afirma Fredie Didier Jr (2018, p. 47) que “a metodologia jurídica transformou-se sensivelmente a partir da segunda metade do século XX” e hoje o pensamento jurídico tem como pontos nodais a aceitação da força normativa da Constituição; o desenvolvimento da teoria dos princípios; o reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional e a expansão e consagração de direitos fundamentais alicerçados na dignidade da pessoa humana (DIDIER, 2018).
Em posicionamento convergente ao citado, aduz Luís Roberto Barroso (2018) que nos últimos anos do século XX, três ordens de transformações afetaram a prática do Direito no mundo e no Brasil. A primeira foi a superação do formalismo jurídico, passando a ganhar força a ideia de que, muitas vezes, a solução deverá ser construída pelo intérprete. A segunda diz respeito à superação de uma cultura jurídica pós-positivista, inspirada na revalorização da razão prática, na preocupação com a justiça distributiva de bens essenciais e na legitimação democrática, de sorte a promover uma reaproximação entre direito e ética. A terceira concerne à ascensão do direito público e centralidade da Constituição, a qual passa a guiar toda interpretação jurídica.
Essas transformações não só foram a mola propulsora do neoconstitucionalismo, como passaram a constituir seu próprio conteúdo. Por conseguinte, afirma-se que esta corrente jurídica tem como marcos: filosófico, o pós-positivismo; histórico, a formação do Estado constitucional de direito e no caso do Brasil, a redemocratização e, por fim, como marco teórico, novas práticas que conferem força normativa à Constituição e novo enfoque a categorias como princípios, colisões de direitos fundamentais, ponderação e argumentação (BARROSO, 2018).
A despeito do consenso em relação aos aspectos centrais desse pensamento jurídico, destacamos o entendimento de juristas como Daniel Sarmento (2009) e Humberto Ávila (2009) que entendem existir vários neoconstitucionalismos e, assim o termo deveria ser utilizado no plural, visto que dentre os autores que se dizem adeptos dessa corrente, há uma diversidade de posições jusfilosóficas e de filosofia política, que inclui positivistas e não positivistas, filiados ao liberalismo político, comunitaristas e procedimentalistas.
Não obstante os aspectos positivos que emergem do neoconstitucionalismo, dos quais citamos a centralidade da Constituição Federal, a revalorização da ética e da moral e a ascensão do Judiciário, devemos registrar que críticas lhes são feitas (ÁVILA, 2009). Todavia, em que pesem as mesmas, é indiscutível que um dos traços visíveis do novo constitucionalismo ou “positivismo jurídico reconstruído ou neopositivismo (DIDIER JUNIOR, 2018)”, é o lugar de destaque concedido ao Poder Judiciário. De acordo com Barroso (2018, p. 85): “Tal fenômeno se manifesta na amplitude da jurisdição constitucional, na judicialização de questões sociais, morais e políticas, bem como em algum grau de ativismo judicial.” A jurisdição constitucional se caracteriza pela interpretação e aplicação da Constituição por todos os órgãos judiciais e não apenas pelas Cortes Supremas; a judicialização concerne ao novo centro das decisões mais importantes da vida, passando a ser o Judiciário e, o ativismo que com esta não se confunde consiste, segundo Barroso (2018, p. 49) em: “uma escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, concretizando seus valores e fins.3 O oposto do ativismo é a autocontenção judicial, postura que procura minimizar a interferência nos outros poderes.
Reiteramos, então, que a judicialização, com o deslocamento das decisões do Poder Legislativo e Executivo para o Judiciário, é corolário do significado de acesso à justiça como acesso ao Judiciário, o que por sua vez é aspecto notório do novo modo de pensar o constitucionalismo. Nesse sentido, Barroso (2018) cita como causas para o fenômeno: reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente; a desilusão com a política majoritária, dada a crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentares em geral; e a preferência dos atores políticos pelo Judiciário como instância decisória de certas questões polêmicas, como uniões homoafetivas, interrupção de gravidez etc.
A consequência deletéria de uma intensa judicialização foi a explosão do número de ações nos fóruns e tribunais brasileiros. Isso é comprovado por meio do citado relatório Justiça em Números (BRASIL, 2020), documento elaborado pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ), que recebe e sistematiza as estatísticas dos 90 órgãos que compõem o Poder Judiciário Nacional.
De acordo com a publicação de 2020 (ano-base 2019), o Poder Judiciário Nacional finalizou o ano de 2019 com 77,1 milhões de processos em tramitação. Importante salientar que se em 2017, viu-se pela primeira vez um freio no acervo, com um menor crescimento do estoque, representado por um aumento de 244 mil casos em relação a 2016; em 2018, houve de fato redução no volume de casos pendentes, com queda de quase um milhão de processos judiciais e, agora em 2019, a queda foi de aproximadamente 1,5 milhão de processos, a maior queda desde 2009.
Durante o ano de 2019, ingressaram 30,2 milhões de processos (em 2018 o ingresso foi da ordem de 28,1 milhões) e foram baixados 35,4 milhões (em 2018 esse número foi de 31,9 milhões). Interessante notar que houve acréscimo dos casos novos em 6,8%, contudo isso não resultou em aumento total do estoque haja vista o também aumento dos casos solucionados em 11,6%. De acordo com o Relatório, em 2019: “[…] foram proferidas 32 milhões de sentenças e decisões terminativas, com aumento de 2.230 mil casos (7,6%) em relação a 2018. Registra-se, também, crescimento acumulado de 33,9% da produtividade em 11 anos. O crescimento registrado no ano anterior tinha sido de 36,8% da produtividade em 10 anos (BRASIL, 2020, p. 94).
Apesar da redução do acervo mencionada e do aumento da produtividade de magistrados e servidores, diversamente de 2018, marcado pelo decréscimo, em 2019 deu-se um acréscimo no número de casos novos, desta forma os dados estatísticos demonstram, além da alta litigiosidade, a incapacidade do Poder Judiciário de garantir o acesso à justiça de forma célere, eficaz e efetiva, o que pode conduzir à perda de credibilidade neste Poder e consequente enfraquecimento da democracia brasileira.
Este último aspecto é confirmado pelo Relatório ICJ Brasil – Índice de Confiança na Justiça Brasileira,4 segundo o qual antes de confiarem no Poder Judiciário, os brasileiros confiam, nesta ordem, nas Forças Armadas, na Igreja Católica, nas redes sociais, na Imprensa Escrita, nas Emissoras de TV, nas Grandes Empresas, no Ministério Público, na Polícia, no Supremo Tribunal Federal e, somente então, no Poder Judiciário brasileiro como um todo (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2021).
Relevante destacar que, malgrado avaliem mal o Judiciário, os entrevistados demonstraram alta propensão a buscá-lo para solucionar seus conflitos. Essa propensão medida pelo ICJ Brasil coaduna-se com outro dado exposto pelo mencionado Relatório Justiça em Números (BRASIL, 2020), o qual destacou que a cada grupo de 100.000 habitantes, 12.211 ingressaram com uma ação judicial no ano de 2019 (esse número foi de 11.796 em 2018). Tem-se, então, uma explosão de litigiosidade, corolário não só do amplo acesso à justiça garantido pelo artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, mas também reflexo de uma sociedade altamente conflituosa, consequências que combinadas levaram a uma busca desmesurada e, por vezes, irrefletida do Poder Judiciário. É nesse cenário que ganha força um novo conceito de acesso à justiça, desta feita não mais como mero acesso ao Judiciário, é sobre ele que falaremos a seguir.
O acesso à ordem jurídica justa
A ascendente judicialização não tem uma ou duas causa, mas uma multiplicidade delas tais como o crescimento nas taxas de urbanização e industrialização, decorrente da transformação da sociedade agrária e rural para industrial e urbana (SADEK, 2004); a ineficiência da administração pública em fornecer serviços públicos básicos, como medicamentos e exames médicos (SANTOS, 2011); a economia de massa geradora de processos repetitivos (WATANABE, 2011); a ascensão econômica da população, as novas tecnologias, a sociedade de consumo, o acesso à informação e a complexidade das relações intersociais (GOULART, 2018) e, para arrematar, “a legislação, o número de recursos, o formalismo, o tratamento dado às demandas individuais repetitivas, o número de juízes, a infraestrutura, o gerenciamento, o orçamento, a mentalidade de magistrados e dos demais operadores do direito” (SADEK, 2014, p. 61).
Esse excesso de demandas no Judiciário acarreta inexoravelmente a tão conhecida lentidão da Justiça brasileira. Com efeito, em todas as classes sociais e em todos os níveis de escolaridade, fala-se do longo tempo necessário para que um processo chegue ao fim.
A excessiva lentidão no julgamento de um processo, ou morosidade processual, constitui um dos efeitos perniciosos da judicialização, a qual além de significar o aumento do número de casos levados à decisão judicial, pode ainda indicar a falência de outras instâncias sociais de resolução de conflitos e não necessariamente a democratização do acesso à justiça (BENEVIDES, 2016). Sobre esse efeito decorrente da cultura demandista instaurada no país, arrematou o multicitado relatório Justiça em Números: “Mesmo que não houvesse ingresso de novas demandas, e fosse mantida a produtividade dos magistrados e dos servidores, seriam necessários aproximadamente 2 anos e 2 meses de trabalho para zerar o estoque” (BRASIL, 2020, p. 94).
É esse panorama que propicia cada vez mais a consolidação de um novo enfoque a ser concedido ao direito de acesso à justiça. Recordamos, neste ponto, a terceira onda preconizada por Cappelletti e Garth (1988), no âmbito da qual afirmam que o desafio das reformas processualistas consiste em tornar efetivo os direitos que foram conquistados, uma vez que a preocupação fundamental do sistema, o qual deve ser acessível a todos e produzir resultados que sejam individual e socialmente justos, passa a ser com a justiça social.
E, neste sentido, estamos com Maria Tereza Sadek (2014) quando aduz, em outras palavras, que não se garante acesso à justiça apenas permitindo a entrada no sistema, mais do que isso, este deve permitir a quem nele adentra vislumbrar a sua saída em tempo que lhe permita ainda desfrutar do direito reivindicado e alcançado:
[…] o direito de acesso à justiça implica que se considerem ao menos três etapas distintas e interligadas: o ingresso visando à obtenção de um direito, os caminhos posteriores à entrada e, finalmente, a saída. Nesse sentido, o direito de acesso à justiça só se efetiva quando a porta de entrada permite que se vislumbre e se alcance a porta de saída em um período de tempo razoável (SADEK, 2014, grifo nosso).
Com efeito, um sistema que alardeia a fácil acessibilidade, mas não promove eficazmente meios a serem trilhados rumo à linha de chegada, antes concentra todos os seus esforços no ponto de partida e, ainda que venha a abrir caminhos, estes se assemelham mais a labirintos de intrigada saída, configura-se muito mais um sistema formal de acesso à justiça em tudo distante do acesso que se pretende em um Estado Democrático de Direito. Por isso, aduz Watanabe (2020, p. 3) que o Estado está obrigado a viabilizar o acesso à ordem jurídica justa, o que significa garantia de acesso de forma efetiva, tempestiva e adequada mas que não está limitada à sentença:
[…) o requisito da adequação torna imperativa a adoção, inclusive pelo Poder Judiciário, de todos os mecanismos que propiciem a solução adequada à natureza dos conflitos e às peculiaridades das partes neles envolvidas, não se limitando à solução adjudicada por meio de sentença.
Assim, as variáveis efetividade, adequação e tempestividade passam a fazer parte de forma indissociável do almejado acesso à justiça. A tempestividade está agora consagrada na Constituição Federal, a saber, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988, art. 5º, LXXVIII). No mesmo azo, a norma processual civil contempla dispositivos que acentuam esses três atributos, quais sejam: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (BRASIL, 2015, art. 4º)” e “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva (BRASIL, 2015, art. 6º). A adequação está contemplada no artigo 3º e parágrafos ao dispor o código processual sobre os meios alternativos de solução de conflitos.
Registramos que todas essas prescrições normativas estão inseridas no capítulo que trata das normas fundamentais do processo civil, cujo artigo 1º destaca a necessidade de interpretação conforme as disposições da Constituição Federal, a qual é o suporte dessa nova interpretação do acesso à justiça que não mais existe sem os mecanismos de solução pacífica dos conflitos. Corrobora o afirmado:
[…] a par da expressa alusão no Preâmbulo à “solução pacífica dos conflitos”, são os dispositivos que explicitam os princípios fundamentais da Constituição, em especial os que mencionam a “dignidade da pessoa humana” e a “cidadania”, como fundamentos da República Federativa do Brasil e a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”, como seus objetivos fundamentais, que dão suporte à interpretação do principio do acesso à justiça como propiciador do acesso à ordem jurídica justa (WATANABE, 2020, p. 5).
Boaventura de Souza Santos (2011) sustenta que a discussão acerca do acesso à justiça possibilita reinventar as bases teóricas, práticas e políticas do direito. Assim, o autor propõe o repensar das concepções dominantes do direito, denominando-o de “novo senso comum jurídico”, assentado em três premissas. A primeira consiste na crítica ao monopólio estatal e científico do direito, defendendo o pluralismo jurídico e uma concepção política do direito. A segunda questiona o caráter despolitizado do direito ocasionado pelo liberalismo e, assim, propõe a reconfiguração do papel dos tribunais para que sejam capazes de fazer frente aos desafios e dilemas do acesso ao direito. A terceira apregoa a necessidade de compreender o direito como instrumento universal de transformação social.
É nesse contexto de transformação ou de mudança de paradigma que está inserido o acesso à ordem jurídica justa, posto expressamente em um dos considerandos da Resolução 125 do CNJ (BRASIL, 2010) a qual, dentre outros, normatizou esse novo conceito e passou a dispor sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário.
Esse ato normativo evidencia a competência do mencionado Poder para instituir políticas públicas no âmbito de sua atuação. De fato, trata-se de uma política de âmbito nacional e vinculante para todo o Judiciário que pode ser visualizada pelo seu ciclo de formação. Assim, na sua concepção identificou-se um problema que ingressou na agenda do Poder Judiciário, isto é, escala crescente de conflitos de interesses e respectiva judicialização; formulou-se alternativas de soluções, o que resta claro ao ser mencionada na Resolução a necessidade de aprimorar práticas já adotadas pelos tribunais e decidiu-se pela adoção oficial da cultura da pacificação a ser propagada pela utilização de outros mecanismos de solução de controvérsias.
A política instituída pelo Conselho Nacional de Justiça, portanto, é um marco na temática do acesso à justiça, uma vez que além de assentar a necessidade de superação da sua vertente formal, externou que cabe ao Poder Judiciário se pautar pela eficiência operacional e pela responsabilidade social, bem como adotar medidas para conter os crescentes problemas jurídicos e conflitos de interesse, tudo com vistas sobretudo à almejada pacificação social.
Considerações finais
O acesso à justiça possui suas raízes no contexto de formação do Estado liberal, o que se deu após derrocada do absolutismo. Esse acesso foi, aos poucos, progredindo e ganhando importância à medida que se consolidavam novas gerações ou dimensões de direitos. O Projeto Florença, que se tornou conhecido pela sua proposta de soluções ao problema do acesso à justiça, as quais ficaram conhecidas como as “três ondas do acesso à justiça”, contribuiu sobremaneira para uma nova configuração do acesso à ajustiça que, entretanto, dado o contexto político e social da época, acabou sendo equiparado a acesso ao Poder Judiciário.
Semelhante visão ocasionou uma excessiva judicialização e não a entrega de uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Com efeito, o aumento da judicialização, demonstrado pela quantidade de casos pendentes no Poder Judiciário que saiu de 60,8 milhões em 2009 para 77,1 milhões de processos em tramitação em 2019, passou a comprometer a capacidade do Judiciário de garantir o acesso à justiça de forma célere, eficaz e efetiva, malgrado o aumento da produtividade de magistrados e servidores, levando estudiosos a repensar o real significado de acesso à justiça.
Nesse escopo, as variáveis efetividade, adequação e tempestividade passaram a fazer parte da definição de acesso à justiça, exigindo, mecanismos para plena eficácia dessa nova forma de pensar esse direito e, nessa conjuntura, nasceu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos, responsável pela inserção, a nível normativo, de um novo significado de acesso à justiça, desta feita como acesso à ordem jurídica justa.
Compete agora aos operadores do mundo jurídico se apropriar da principiologia que fundamentou o ato exarado pelo CNJ, compreender o contexto em que surgiu e implementar todas as medidas para propiciar respostas aos conflitos pautadas pelas variáveis efetividade, adequação e tempestividade.
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Notas
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