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Violência policial, tortura e maus tratos: audiências de custódia e Política Criminal de Hiperencarceramento
Violencia policial, tortura y malos tratos: audiencias de prisión provisional y política delictiva de hiperencarcelamiento
Police violence, torture, and mistreatment: Custody hearings and the criminal policy of hyper-incarceration
Violences policières, torture et mauvais traitements : audiences de détention provisoire et politique pénale d’hyperincarcération
巴西的警察暴力、酷刑和虐待:监禁听证会和滥捕的刑事政策
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 14, núm. 2, pp. 225-257, 2022
Universidade Federal Fluminense

Artigos

Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos: mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.

Recepción: 28 Septiembre 2021

Aprobación: 18 Enero 2022

DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-202214204

Resumo: As audiências de custódia são definidas pela resolução nº 212/2015 do Conselho Nacional de Justiça como uma garantia que determina que toda pessoa presa em flagrante seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas, à autoridade judicial e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão, de modo que seja avaliada a legalidade, regularidade e necessidade do flagrante, bem como identificar possíveis situações de tortura ou violência durante a prisão. Em outras palavras, objetivam a garantia dos direitos processuais da pessoa acusada, e surge na perspectiva de enfrentamento tanto do vertiginoso encarceramento do país como das práticas de tortura e violência policial que podem ocorrer no decorrer da prisão, pretendendo garantir minimamente os Direitos Humanos. O presente trabalho tem como objetivo analisar as audiências de custódia da região metropolitana de Natal, Rio Grande do Norte, problematizando os desafios que são postos a ela quanto à política criminal do nosso país e o encarceramento em massa, bem como analisar o cumprimento do objetivo o qual a audiência de custódia se propõe no que tange a diminuição de práticas de tortura, maus tratos ou violência policial no momento da prisão em flagrante.

Palavras-chave: audiência de custódia, política criminal, criminologia crítica.

Resumen: Las audiencias de prisión provisional están definidas por la Resolución n.° 212/2015, del Consejo Nacional de Justicia de Brasil, como una garantía que determina que toda persona detenida en flagrante debe ser llevada a disposición, dentro de las 24 horas siguientes, de la autoridad judicial y se deberá realizar una audiencia sobre las circunstancias en que se produjo su detención, con el fin de evaluar la legalidad, regularidad y necesidad de la detención en flagrante, así como identificar posibles situaciones de tortura o violencia durante la detención. En otras palabras, su objetivo es garantizar los derechos procesales de la persona imputada y surgen desde la perspectiva de abordar tanto los vertiginosos encarcelamientos en este país como las prácticas de tortura y violencia policial que pueden ocurrir durante el tiempo en prisión, a fin de garantizar mínimamente el cumplimiento de los derechos humanos. El presente trabajo busca analizar las audiencias de prisión provisional en la región metropolitana de Natal, en el estado de Rio Grande do Norte, analizando los desafíos a los que se enfrenta como consecuencia de la política criminal de nuestro país y el encarcelamiento masivo, así como examinar el cumplimiento del objetivo que se proponen las audiencias de prisión provisional en términos de reducción de las prácticas de tortura, malos tratos o violencia policial en el momento de la detención en flagrante.

Palabras clave: audiencia de prisión provisional, política criminal, criminología crítica.

Abstract: Custody hearings are defined by the Brazilian National Council of Justice’s resolution no. 212/2015 as a guarantee determining that all individuals arrested in flagrante delicto must be presented to the legal authorities within 24 hours for a hearing outlining the circumstances in which their arrest took place, in order to assess the legality, regularity, and need for the act, as well as to identify possible situations of torture or violence during the arrest. In other words, this aims to guarantee that the individual’s procedural rights will be upheld, based on the perspective of a clash both with Brazil’s rocketing rate of imprisonment and the practices of police torture and violence which may occur during an arrest, aiming to provide a minimum defense of Human Rights. The present work aims to analyze custody hearings in the metropolitan region of Natal, Rio Grande do Norte, problematizing the challenges it faces in terms of criminal policy in Brazil and mass imprisonment, as well as to analyze whether the custody hearings meet their proposed aim, in terms of reducing the practices of police torture, mistreatment, or violence during an arrest.

Keywords: custody hearing, criminal policy, Critical criminology.

Résumé: Les audiences de détention provisoire sont définies par l’Arrêté nº 212/2015 du Conseil national de la Justice comme une garantie déterminant que toute personne interpelée en flagrant délit doit être obligatoirement présentée aux autorités judiciaires dans un délai de 24h pour y être entendue quant aux circonstances de son arrestation. L’objectif consiste à évaluer la légalité, la régularité et la nécessité de ladite interpellation en flagrant délit, ainsi qu’à identifier les éventuelles situations de torture ou de violence y afférentes. En d’autres termes, il s’agit de garantir les droits procéduraux de la personne mise en cause pour s’attaquer aussi bien à la politique d’incarcération de masse du pays qu’aux pratiques de torture et de violences policières qui peuvent avoir lieu suite aux arrestations, le but étant de garantir un respect a minima des droits humains. Il s’agira donc ici d’analyser les audiences de détention provisoire de la région métropolitaine de Natal, dans l’État brésilien du Rio Grande do Norte, pour mettre en perspective les défis qu’a à relever à leur égard la politique pénale brésilienne d’incarcération de masse. Il s’agira en outre de savoir si l’objectif affiché de ces audiences, à savoir la diminution des pratiques de torture, des mauvais traitements et des violences policières lors des interpellation en flagrant délit, est atteint.

Mots clés: Audiences de détention provisoire, politique pénale, criminologie critique.

摘要: 巴西全国司法委员会第 212/2015 号决议将羁押听证会定义为一项基本权利保证措施,即确定必须在 24 小时内将每个当场逮捕的人提交给司法当局,并听取他们被捕的情况,以评估逮捕行动的合法性、规范性和必要性,并检查逮捕行动期间可能发生的酷刑或暴力情况。换言之,它们旨在保障被告人的诉讼权利,从而减少警察滥用逮捕的问题和在监狱期间可能发生的酷刑和警察暴力行为的问题。该法律从这个角度出发,意在最低限度地保证被告人的权利。本文分析了北里奥格兰德州纳塔尔大都市地区的监护听证会,检讨巴西的刑事政策和大规模监禁的问题及其所面临的挑战,并分析拘留听证会是否会在犯罪嫌疑人被当场逮捕时,能够起到减少酷刑、虐待、滥捕滥关的问题。

關鍵詞: 羁押听证, 刑事政策, 批判犯罪学.

Introdução

O conceito de Política Criminal é complexo, problemático, ideológico e sua finalidade é unívoca (BARATTA, 1997). À luz de Andrade (2012), o conceito de Política Criminal é forjado na modernidade e se firma no final do século XIX, balizado no modelo integrado das ciências penais. Nas palavras da autora, a criminologia, a dogmática penal e a política criminal constituem os três pilares que dependem mutuamente um do outro no controle da criminalidade e do crime. Nesse sentido, Batista (2007) defende que a Política Criminal é um conjunto de princípios e recomendações para transformação ou reforma da legislação penal e dos órgãos encarregados de sua aplicação, no caso, o Sistema judiciário, de Segurança Pública e o Penitenciário. Dessa ótica, tais transformações e reformas sofrem influência dos saberes criminológicos, uma vez o autor explica que “há entre a criminologia e a política criminal a distinção – e ao mesmo tempo o relacionamento – intercorrente entre a capacidade de interpretar e aquela de transformar certa realidade” (BATISTA, 2007, p. 34).

Em suma, compreendemos consoante a Andrade (2012) que a Política Criminal é a forma que o Estado tenta controlar não só o crime e a criminalidade, mas também o criminoso, e está intrinsecamente articulada com a dogmática penal e a criminologia, sendo esta última, uma ciência causal-explicativa da criminalidade que tem como objeto o fenômeno da criminalidade, definido nas bases legais do Direito Penal (ANDRADE, 2012). Dessa forma, dada a complexidade do fenômeno, o primeiro passo para aprofundarmos nesse campo é entender o crime como um constructo social que está intrinsecamente relacionado a realidade econômica e social no modo de produção capitalista. De tal modo, pensar na questão criminal é pensar na forma como punimos, na forma do poder punitivo formal e informal existente no Brasil e em como trabalhamos a questão do crime, do controle do crime e da pena, uma vez que as análises criminológicas historicamente influenciaram a política criminal, o sistema penal e as formas de controle, dominação e métodos punitivos.

Se Zaffaroni (1988) define a criminologia como sendo o “curso dos discursos” sobre a questão criminal, bem como o “saber e arte de despejar discursos perigosistas” e Batista, V. (2012, p. 19) argumenta que “todas as definições de criminologia são atos discursivos, atos de poder com efeitos concretos, não neutros: dos objetivos aos métodos, dos paradigmas às políticas criminais” e nesse curso dos discursos e na construção de conhecimento hora sobre o crime, depois sobre o criminoso e posteriormente sobre os processos de criminalização, a questão se complexifica, expande seus horizontes, mostrando-se um campo complexo e rico. Desse modo, embora cientificamente a criminologia tenha nascido nos marcos do positivismo, conectando-se com as ciências naturais, com a psicologia e psiquiatria criminal, que, lançaram mão ao estudo do cérebro dos criminosos na tentativa de detectar e corrigir os “anormais”. E, mesmo com o rompimento paradigmático com a criminologia da reação social, com o surgimento e influência do marxismo na criminológica crítica que busca romper com a ideia de criminoso nato e “a questão criminal passa a ter um enfoque macrossociológico que historiciza a realidade comportamental e ilumina as relações com a estrutura política, econômica e social” (BATISTA, V., 2012, p. 89), sustentamos consoante a Batista, V. (2012) que a epistemologia positivista permanece no pensamento brasileiro até os dias atuais, sendo não apenas uma escola de pensamento, mas constituindo-se enquanto cultura. No entanto, partimos da crítica feita pela criminologia crítica, especialmente a marxista que apontam que a pena de prisão é a pena típica do capitalismo e os mecanismos de punição são criados de acordo com o modo de produção e reprodução das relações sociais (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004).

Com efeito, se compreendemos que as políticas criminais validam e selecionam quem deve ser criminalizado no sistema penal a partir das bases legais do Direito Penal (KILDUFF, 2010) e que as políticas criminais são estruturadas de forma especifica nos marcos do modo de produção capitalista, argumentamos que “na sociedade capitalista, a política criminal dos Estados a seu serviço, esteve sempre política e economicamente orientada a ‘ensinar’ aos não proprietários a aceitar resignadamente sua condição de expropriados.” (KILDUFF, 2019, p. 3). Baseado nisso, argumentamos tal qual Cruz et al. (2017) que uma vez regida por uma sociedade de classes, a Política Criminal, ainda que no imaginário social aparente generalização, vela os interesses, valores e relações sociais da classe dominante. Com base nisso, afirmamos que a Política Criminal no Brasil é operada no cenário de acirramento do Estado Penal, erigido no capitalismo neoliberal e corroboram para o hiperencarceramento e políticas penais repressivas

Desse modo, para entender a complexidade da política criminal vigente na contemporaneidade é necessário partirmos de uma realidade concreta comprometida em todas as suas nuances pelo modo de produção capitalista. O capitalismo é erigido sob a intensa acumulação, concentração e centralização de riqueza convertida em Capital, bem como sob a divisão de classes o qual, de forma antagônica, tem-se os detentores dos meios de produção (burguesia) de um lado, e os que precisam vender sua força de trabalho para sobreviver (trabalhadores) do outro. Ou seja, conforme Fontes (2008) podemos definir o capitalismo como “uma relação de produção e reprodução da vida social baseada em classes sociais.” (FONTES, 2008, p. 28). Cabe ressaltar que o processo de acumulação de capital, é indispensável tanto para gênese como para a reprodução do capital e torna-se um processo imprescindível e contínuo para permitir o aumento do valor, gerando uma intensa desigualdade social (KILDUFF, 2019). No entanto, essas características citadas acima, que são intrínsecas ao capitalismo não se desenvolvem livremente, elas são permeadas por entraves econômicos, políticos e sociais que se evidenciam em formas de crises.

É nessa esteira que na década de 1970 o modo de produção capitalista passou por uma crise estrutural. Mandel (1990) enfatiza o caráter estrutural da crise, apontando que ela foi generalizada e atingiu diversos países, assim como ocasionou uma profunda recessão econômica em decorrência de altas taxas de inflação combinado com uma alta de desemprego, diminuindo assim o poder de compra e as taxas de lucro, culminando na derrocada do sistema monetário internacional, expresso na desvinculação do dólar no ouro. Ou melhor, essa foi “uma crise clássica de superprodução, se observadas as tendências de longo prazo fundadas na lei do valor” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 116). Essa crise estrutural provocou em intensas modificações para a economia, política e cultura. Como resposta à crise e com intuito de manter a reprodução do capital e elevar as taxas de lucro, exsurgem as políticas neoliberais.

Segundo o autor Perry Anderson (1995) podemos caracterizar o neoliberalismo como a implementação de um conjunto de medidas centradas em um amplo processo de privatização, elevação da taxa de juros, reestruturação do mercado de trabalho e corte de gastos sociais, medidas essas que tiveram rebatimentos devastadores para a classe trabalhadora, visto que provocaram um alto índice de desemprego, redução dos salários e direitos trabalhistas, assim como promoveram o aniquilamento dos postos de trabalho não-qualificado e reduziram os gastos com políticas sociais. Sobre isso, Paulo Netto (2011) nos alerta que o neoliberalismo veio para mostrar que o capital não tem nenhum “compromisso social”, já que a sua implementação nos levou a um quadro profundo acirramento das desigualdades sociais, pobreza, perseguição à classe trabalhadora e um alarmante desemprego. Assim, Batista, V. (2012, p. 28) argumenta que

Para conter as massas empobrecidas, sem trabalho e jogadas à própria sorte, o neoliberalismo precisa de estratégias globais de criminalização e de políticas cada vez mais duras de controle social: mais tortura, menos garantias, penas mais longas, emparedamento em vida.

É no cenário de acirramento do neoliberalismo nos Estados Unidos da América que Loïc Wacquant (2003) cunha o termo Estado Penal, em seu livro Punir os pobres. O autor demonstra em seu estudo que em detrimento da crise do capitalismo no período neoliberal há o declínio do welfare state e o desmonte do Estado caritativo, com a retração da rede de segurança social, cortes orçamentários nas políticas sociais, em particular na assistência, saúde, educação e habitação, e o deslocamento de recursos para o sistema penal, ocorrendo assim a hipertrofia do Estado Penal, que tem como consequência a exacerbação do disciplinamento da classe trabalhadora, através da culpabilização e criminalização do indivíduo por meio de um aparato policial e jurídico, reverberando em um uma explosão nos índices de encarceramento (WACQUANT, 2003). O autor destaca o eficientismo (o discurso da lei e da ordem) como uma modelo-movimento de controle penal ligado ideologicamente ao neoliberalismo. De modo que o discurso da “Lei e da Ordem” argumenta que se o sistema não funciona é porque ele não é suficientemente repressivo (ANDRADE, 2012). Sobre isso, Kilduff (2019) explica que há uma relação proporcional entre a medida do acirramento da ofensiva capitalista com as políticas neoliberais como resposta à crise do capital para lidar com as manifestações da questão social e o crescimento do aparelho penal.

Essas mudanças vieram do norte global para o sul e a partir de sua importação foram incutidas em certo nível no Brasil. Embora tenham diferenças importantes, sendo um país imperialista e de capitalismo central e o outro, um país de capitalismo dependente, nessa ordem, conceituar e compreender o Estado Penal a partir da crise do capitalismo contemporâneo e advento do neoliberalismo, serve de auxílio para o desvelamento do real no que tange os estudos estruturais sobre política criminal. Nesse aspecto, o Estado Penal rebateu na América Latina e especialmente no Brasil, através do fortalecimento do sistema punitivo, acompanhando os padrões do estado penal, através de medidas como: penas mais severas, discurso punitivo com base na retórica de responsabilidade individual do sujeito que comete o crime e o uso intensivo da pena de prisão (ITURRALDE, 2012).

Se como forma de conter as massas empobrecidas fruto da agudização da questão social com o advento do neoliberalismo a estratégia global utilizada a importada para o Brasil a de políticas criminais cada vez mais duras e um controle social cada vez mais rígido e punitivo, sendo que a desigualdade social, a superexploração do trabalho, autoritarismo e racismo, sempre estiveram presentes na história do Brasil, a resposta dada as manifestações da questão social pelo país foi um intenso processo de criminalização da pobreza que culminou em um grande encarceramento e extermínio da juventude negra e pobre, sob a égide de letal política criminal orientada ao hiperencarceramento e o acirramento de práticas punitivas e repressivas, com destaque para a guerra às drogas que tornam-se a institucionalização de uma prática direcionada ao encarceramento e o extermínio em massa da população negra, periférica e pobre no nosso país através de altos índices de violência policial e seu modus operandi arbitrário e letal.

Para ilustrar os rebatimentos dessas políticas no Brasil, cabe apresentar os dados de encarceramento. De acordo com os dados fornecidos pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN (BRASIL, 2016), a população carcerária aumentou no período de 1990 a 2013 em 507% passando de 90 mil presos para 574.027. Ademais, nos anos de 2003 a 2013 a taxa de encarceramento aumentou em 86%. Nesse mesmo período, a população brasileira cresceu em 36%, ou seja, o aumento da população carcerária foi expressivamente maior que a taxa de crescimento da população nacional. Os dados mais atuais do INFOPEN1 (BRASIL, 2017),2 trazem que a população carcerária do Brasil é de 726.354 pessoas apesar da capacidade carcerária de 423.242 mil vagas, indicando um déficit total de 303.112 mil vagas, perfazendo uma taxa de ocupação de 171,62%. A partir dos dados levantados, tem-se que 43,57% das pessoas presas no Brasil estão sentenciados em regime fechado, seguido de 33,29% composta por presos provisórios, ou seja, sem condenação e 16,72% presos em regime semiaberto. Os dados indicam que uma parte expressiva (33,29%) das pessoas presas estão em privação de liberdade de forma provisória, sem ter sido sentenciado. A população prisional é composta por 54% de homens em sua maioria jovens com baixa escolaridade. 63,6% das pessoas presas são de cor/etnia pretas e pardas, seguido de 35,4% da população carcerária de cor/etnia branca. Todavia, esse boom no sistema carcerário tem suas particularidades pois os dados indicam que a grande maioria dos encarcerados no Brasil são homens jovens negros e pardos, com baixa escolaridade e pertencentes à classe mais empobrecida, expondo assim a expõe a seletividade do sistema penal racista e classista, fruto da nossa herança escravocrata que corrobora para uma realidade em que o racismo é estrutural.

É nesse cenário que em 2015 através da resolução de nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que são instituídas as audiências de custódia, objeto dessa pesquisa (BRASIL, 2015). A audiência de custódia é caracterizada através do seu Art. 1º como uma garantia que determina que toda pessoa presa em flagrante, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas, à autoridade judicial e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão. A sucessão da audiência ocorre de tal modo que o autuado será ouvido pelo Juiz, pelo Promotor de Justiça e, ainda, pelo advogado constituído ou pelo Defensor Público, caso necessite. Assim, decidir-se-á se os procedimentos referentes à prisão em flagrante, ou seja, se a pessoa presa terá a manutenção da prisão preventiva, se a ela será concedida liberdade provisória ou a se serão aplicadas medidas cautelares. Não obstante, durante a realização da respectiva audiência deve ser constatada a possível ocorrência de violência policial durante os procedimentos da prisão, tais como abuso de autoridade, tortura ou maus tratos, podendo ser requisitada a realização de exames médicos (BRASIL, 2015).

A resolução do CNJ que preconiza a audiência de custódia está ancorada e idealizada a partir da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), assinada e pactuada em 1969, aderido pelo Brasil através do decreto nº 678/1992 e remete-se especificamente o Art. 7º “Direito a liberdade penal” que em seu item 5 afirma que

Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo (BRASIL, 1992, art. 7º, item 5).

Não obstante, tal resolução também considera o art. 9º, item 3, do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas que versa sobre a condução da pessoa presa ou encarcerada sem demora à presença de um juiz. Cabe destacar que essas medidas que balizam as custódias no Brasil, embora tenham sido previstas em diplomas legais há cerca de 20 anos, só foram instituídas como audiência de custódia através de mobilizações realizadas por organizações de Direitos Humanos que denunciavam o grande encarceramento e a quantidade pessoas presas provisoriamente (FERREIRA, 2017).

Diante o exposto, percebe-se que a audiência de custódia surge como uma proposta que visa a garantia dos direitos processuais da pessoa acusada e surge na perspectiva de enfrentamento ao vertiginoso encarceramento do país. Além disso, tem também como objetivo de reduzir, ou melhor, mitigar, a violência policial e as práticas de tortura, pretendendo garantir minimamente os Direitos Humanos. Traçando um paralelo entre a política criminal vigente e a implementação da audiência de custódia, será que os seus objetivos são cumpridos tendo em vista que vivemos no marco de uma Política Criminal gestada para que o efeito seja contrário? Estariam as audiências de custódia sendo esforço um Sistema de Penal em conseguir efetivamente garantir o mínimo dos direitos humanos? A audiência de custódia consegue fazer enfrentamento aos processos criminalizatórios? Há o combate à tortura ou violência policial a partir desta?

Com intuito de responder as indagações e inquietações surgidas no decorrer da discussão teórica, essa pesquisa tem como objetivo analisar as audiências de custódia e seus atores e instituições envolvidas, problematizando os desafios que são postos a ela quanto à política criminal do nosso país e o encarceramento em massa, analisar o cumprimento de seus objetivos formais e práticos no que tange ao desencarceramento e combate a práticas de tortura, maus tratos e violência policial e problematizar as audiências de custódia como um recurso de garantia de direitos e de redução de práticas criminalizatórias no âmbito da política criminal. Para tanto, a pesquisa foi realizada no Estado do Rio Grande do Norte, contemplando especificamente na Região metropolitana de Natal, isto porque o núcleo de audiências de custódia de Natal, situada no prédio da Central de Flagrantes em Natal abrange de algumas comarcas da região metropolitana, sendo estas: Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante, Macaíba, Ceará-Mirim e Extremoz.

Percursos Metodológicos

O presente trabalho se trata de uma pesquisa qualitativa, caracterizada por Minayo, Deslandes e Gomes (2016) como método de pesquisa que se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, respondendo assim questões muito particulares, tendo em vista que esta trabalha com o universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que diz respeito a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos. Consoante, Chizzotti (2000) enfatiza que na abordagem qualitativa o objeto não é um dado inerte e neutro, está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. Ou seja, aponta que conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa, sendo também o sujeito-observador e parte integrante do processo, interpretando os fenômenos e atribuindo-lhes um significado.

O nível da pesquisa é exploratório e documental. A pesquisa exploratória proporciona uma maior familiaridade com o problema com intuito de torná-lo mais compreensível e tem como principal objetivo o aprimoramento de ideias ou descobrimento de instituições (GIL, 2002). No que tange a pesquisa documental, o mesmo autor denota que esta se vale de materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa, bem como aponta que os documentos constituem fonte rica e estável de dados e que subsistem ao longo do tempo, tornam-se uma importante fonte de dados. Nesse sentido, foi feito um levantamento e análise documental das resoluções, portarias e dos documentos que contenham relatórios e levantamentos emitidos sobre as audiências de custódia a nível nacional e estadual desde sua implementação até os dias atuais, com o intuito de analisar se esse instrumento vem cumprindo o objetivo de fazer frente ao hiperencarceramento e aos enormes índices de prisões provisórias, bem como ao combate a tortura e violência policial.

Antes de passarmos para as etapas metodológicas percorridas nessa pesquisa, cabe salientar que parte do que foi pensado para a investigação do fenômeno foi impossibilitado de acontecer em decorrência da pandemia do Sars-Cov-2 (Covid-19), decretada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A doença que se alastrou pelo mundo causando altos índices de morte é transmitido de pessoa para pessoa especialmente através de aerossóis no ar, superfícies infectadas (na época acreditava-se que essa era a forma de transmissão mais comum). Contatos próximos, abraços, apertos de mão, foram declarados como perigo iminente à contaminação. Dessa forma, as principais medidas recomendadas para frear a contaminação e transmissão da doença eram: uso de máscara, álcool em gel e/ou higienização das mãos e principalmente a restrição de circulação de pessoas. Assim, o mundo inteiro foi alertado para a emergência na medida em que os casos iam se alastrando rapidamente. O Brasil foi e continua sendo um dos países com as maiores taxas de contaminação e morte. Em virtude disso, houve diversas transformações econômicas, políticas e sociais no mundo inteiro. No âmbito das audiências de custódia, o Conselho Nacional de Justiça determinou a suspensão das audiências de custódia no dia 17 de março de 2020, através da recomendação nº 62/2020, suspendendo por 90 dias, sendo esse prazo revogado e posteriormente, de maneira que as audiências voltaram de forma online apenas no final do segundo semestre de 2020 (BRASIL, 2020).

Em virtude disso a coleta de dados não pode em sua completude posto que em decorrência da pandemia não foi possível realizar parte da coleta concernente à realização de entrevistas semiestruturadas com os atores do sistema de justiça que compõe as audiências, sendo: representantes do poder judiciário, ministério público, defensoria pública ou advogados. Em contrapartida, parte da coleta de dados havia sido feita no período anterior à pandemia do coronavírus e suspensão das audiências de custódia. Os dados foram coletados entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020 através da inserção no campo e da participação como observadora de cerca de 20 audiências de custódia na central de flagrantes localizada em Natal, Rio Grande do Norte, mediante a devida autorização da coordenação do polo central das audiências de custódia. Para tanto, a técnica utilizada enquanto procedimento metodológico, foi a observação participante, descrita por Minayo, Deslandes e Gomes (2016, p. 59) como “o contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos”, de maneira que dado o estabelecimento do contato face a face é possível que tanto o observador como o observado possam ser modificados pelo contexto, assim como pode-se observar uma variedade maior de fenômenos para além de entrevistas.

O período de coleta de dados que resultou na observação de 20 audiências de custódia foi de 5 idas a campo, em semanas distintas, já que os juízes, promotores e defensores públicos que conduzem as audiências de custódia participam de um rodízio semanal, de modo que em dois dias da semana (segunda e quinta) eram dois juízes fixos da vara criminal e os restantes dos dias da semana as audiências eram conduzidas por equipes da vara criminal diferentes, através de um rodízio semanal. Desse modo, o espaçamento em dias de coleta seria viável para uma maior abrangência de equipes. Durante a inserção no campo de pesquisa foi utilizado como instrumento de registro de dados o diário de campo, desde o primeiro dia de coleta de dados até o último enquanto fase final da investigação. O diário de campo foi usado instrumento de registro e anotação das impressões e informações colhidas que são suscetíveis a análise posteriormente, isto é, “Nele diariamente podemos colocar nossas percepções, angústias, questionamentos e informações que não são obtidas através da utilização de outras técnicas” (MINAYO; DESLANDES; GOMES, 2016, p. 63).

Com efeito, estabelecemos alguns critérios para o registro no diário de campo, sendo estes: 1) Observação do cumprimento da resolução do nº 213/2015 do CNJ (BRASIL, 2015) no que tange as formalidades que devem ser cumpridas durante as audiências de custódia; 2) a observação dinâmica de funcionamento da central de flagrantes e de todos os atores que a compõe, desde os funcionários das instituições do sistema penal, como do setor administrativo, os policiais, policiais penais, as pessoas presas em flagrante e seus familiares; 3) a estrutura física e a disponibilização de recursos necessários para o cumprimento das garantidas do direito à defesa preconizado na resolução da audiência de custódia; 4) a conduta dos juízes, promotores, defensores públicos ou advogados no que diz respeito a possíveis denúncias de tortura, maus tratos ou violência policial; 5) os procedimentos e medidas adotadas em relação aos casos que seriam analisados nas respectivas audiências, bem como todo o rito processual que acontece dentro das salas de audiências de custódia e 6) o registro das impressões gerais de cada dia de coleta de dados, as afetações, das frases ou situações que mais chamaram atenção, os questionamentos e inquietações que ocorriam durante a observação das audiências de custódia.

A análise dos resultados teve como base a criminologia crítica e partiu de autores que discutem a teoria social marxiana, utilizando aproximações com o materialismo histórico-dialético, ou seja, procurou-se fazer uma leitura singular-particular-universal do fenômeno num momento histórico determinado. O método materialista histórico-dialético teve seus fundamentos estabelecidos por Karl Marx e de acordo com Pasqualini e Martins (2015) tem em vista a captação e reprodução do movimento do real no pensamento. Nessa direção, o conhecimento humano é compreendido como uma reconstrução da realidade objetiva no pensamento, bem como pressupõe a compreensão dos fenômenos em sua processualidade e totalidade no desvelamento de sua concretude. Corroborando com isso, Paulo Netto (2011) aponta que a principal tarefa do pesquisador é apreender a essência – estrutura e dinâmica do objeto. Desse modo, o método de pesquisa visa alcançar a essência ao passo que propicia o conhecimento teórico partindo da aparência. Tal afirmativa leva à conclusão de no processo de construção do conhecimento teórico, essa relação sujeito/objeto é uma relação na qual o sujeito está implicado no objeto, rejeitando, assim, qualquer pretensão de “neutralidade” científica. Ou melhor, o sujeito é ativo e tem que ser capaz de mobilizar um máximo de conhecimentos, criticá-los, revisá-los e deve ser dotado de criatividade e imaginação.

No que tange ao rigor metodológico, Paulo Netto (2011) afirma que Marx não deixou um método pronto e em seu texto utiliza uma citação de Lenin para clarificar a questão metodológica “[...] Marx não deixou uma lógica, deixou a lógica d´O capital” (LENIN, 1989, p. 284 apud PAULO NETTO, 2011, p. 28). Compreende-se assim que o método não é resultado de operações repentinas e sim produto de uma longa elaboração teórico-científica, permeado por diversas tentativas de aproximações de seu objeto de pesquisa. Não obstante, apesar disso, Paulo Netto (2006) aponta que o percurso deixado por Marx consiste sempre em avançar dos fatos (empírico), apanhar as suas relações com outros conjuntos empíricos, investigar a sua gênese histórica e o seu desenvolvimento interno e reconstruir todo esse processo no plano do pensamento.

Audiências de Custódia: Conceito e finalidade.

Partimos do pressuposto que a Política Criminal vigente no Brasil é operada no cenário de acirramento do Estado Penal, erigido no capitalismo neoliberal que corrobora para o hiperencarceramento e políticas penais e policiais repressivas que criminalizam a pobreza e são marcadas por violência policial e intensas violações de direitos humanos. Não à toa, carregamos o título do terceiro país que mais aprisiona no mundo e da polícia que mais mata e que mais morre, em uma intensa e irracional política criminal de guerra às drogas. Isso rebate no grande encarceramento e na problemática das prisões brasileiras.

Nesse cenário, de acordo com os dados mais recentes disponibilizados pelo INFOPEN (BRASIL, 2017), 34,35% da população carcerária do Brasil, correspondente à 263.404 pessoas, está presa preventivamente, sem condenação. Sobre isso, Monteiro Neto (2018, p. 37) afirma que “Entre os vinte países com maior população carcerária do mundo, o Brasil ostenta a quinta colocação em número de presos provisórios. E o prazo dessa prisão provisória, denominada no direito penal de prisão processual, não é curto”. É esse o quadro, especialmente o de prisões provisórias, que a audiência de custódia se propõe a alterar, já que o elevado número de pessoas presas provisoriamente reflete a quantidade de pessoas que entram no cárcere sem que o processo penal tenha sido concluído.

Como vimos, as audiências de custódia estão previstas nas normativas legais dos tratados internacionais de Direitos Humanos, especialmente na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto San José da Costa Rica) em 1969, o qual o Brasil foi signatário ainda no período que enfrentávamos um regime ditatorial e foi incorporada na legislação brasileira apenas em 1992. Em seu art. 7º, item 5, a convenção versa sobre a apresentação sem demora da pessoa presa à presença de um juiz ou autoridade judicial, o que conhecemos hoje como audiência de custódia, que foi instituída no Brasil pelo CNJ através da Resolução nº 213/2015 (BRASIL, 2015). Todavia, é imprescindível ressaltar que elas não são forjadas no Brasil não como uma benesse do Estado, como algo dado que surge de forma espontânea apenas para cumprir o que já estava previsto nos marcos legais. Pelo contrário, as audiências de custódia exsurgem de um campo de intensas disputas de luta de classes, o qual de um lado os movimentos sociais, organizações da sociedade civil e as instituições que defendem os Direitos Humanos denunciavam a barbárie que acontecia no sistema prisional do país que alcançou uma taxa de 33,29% de presos provisórios, e cobravam do Estado que as audiências de custódia que já ocorriam em outros países fossem implementadas aqui com intuito de frear o encarceramento alarmante, reduzir os casos de tortura, maus tratos e violência policial no decorrer da prisão e dar ao preso o mínimo de direitos e garantias processuais e direitos humanos. Por outro lado, setores e instituições do sistema penal e parte da sociedade civil se manifestavam contra a instituição das audiências de custódia através da narrativa falaciosa de que esse instrumento aumentaria a impunidade no país. Todo o clamor contrário as audiências de custódia, reforçam o argumento que o Direito Penal Burguês persiste na orientação de proteção aos interesses da burguesia de gerir a pobreza através do controle social operado através do poder punitivo do Estado. Dessa ótica, não são paradoxais as insurgências que surgiram contrárias à efetivação do mínimo de Direitos Humanos para os “que cometem crimes” no Brasil, ao contrário, é a expressão do desejo da manutenção do funcionamento de um sistema de justiça que menospreza o respeito à liberdade e à dignidade humana.

É nesse cenário que as audiências de custódia surgem, de acordo com o Art 1º da Resolução nº 213/2015 do CNJ, como uma garantia que determina que toda pessoa presa em flagrante, seja obrigatoriamente apresentada à autoridade judicial em até 24h para que seja ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou a sua prisão ou apreensão (BRASIL, 2015). Na ocasião, o juiz deverá, a partir de prévio contato estabelecido entre o Ministério Público e a Defensoria Pública ou defesa, analisar e verificar o auto da prisão em flagrante e sua regularidade, cabendo a ele decidir pelo relaxamento da prisão ou pela sua homologação; analisar os requisitos legais da prisão em flagrante e decidir a concessão de liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares, ou decidir pela manutenção da prisão em flagrante; na ocasião, cabe ao juiz informar os direitos processuais à pessoa presa e perguntar a pessoa presa sobre as circunstâncias de sua prisão, objetivando identificar abuso, violência policial, tortura e maus tratos ou outro fato que possa ser investigado. (FERREIRA, 2017).

Com efeito, a conceituação da audiência de custódia se relaciona com o proposito que ela tem a cumprir a partir da sua implementação. Os autores que pesquisam o tema apontam quatro finalidades das audiências de custódia no Brasil (FERREIRA, 2017; MONTEIRO NETO, 2018; PAIVA, 2018), sendo estas: Ajustar ordenamento jurídico brasileiro aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos; Prevenir à tortura e violência policial; Evitar prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessária; Reduzir o encarceramento. Entretanto, durante a pesquisa realizada foi possível observar que as audiências de custódia perpetuam as violações de direitos humanos e violações das garantias processuais do acusado. Isso dá-se, principalmente, devido a forma como a política criminal e o sistema penal estão estruturadas no modo de produção capitalista.

No que diz respeito ao objetivo de prevenção à tortura e maus-tratos por parte dos agentes de segurança no decorrer da prisão, o artigo 5.2 da CADH, tratado que baliza a audiência de custódia, prevê que “Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1969, art. 5, item 2). Apesar disso, as práticas de tortura, maus-tratos e violência policial, práticas recrudescidas no período ditatorial que permanecem presente até os dias atuais, se estabelecem como problemas estruturais no Brasil, afetando majoritariamente a população negra e jovem, já que no Brasil a prática do “sistema penal subterrâneo”, expressão cunhada por Zaffaroni (2014) é corriqueira. Segundo o autor, o sistema penal subterrâneo institucionaliza a pena de morte, tortura, execução sumária, entre outras violações de direitos e é exercido pelas agências de controle pertencentes ao Estado que atuam à margem da lei e de maneira violenta e arbitrária. Essa realidade se evidencia a partir de inúmeras denúncias de organizações de direitos humanos, da sociedade civil, instituições, organizações e movimentos sociais que pautam suas lutas na promoção dos Direitos Humanos e denunciam o emprego de penas cruéis, que mesmo proibidas, não anula a prática de violações de direitos e tratamento desumano testemunhada no sistema prisional do Brasil. A exemplo, o relatório produzido pelo Subcomitê de Prevenção à Tortura da (SPT) da ONU (CAT/OP/BRA/R.1, 2012) que é citado como previsão normativa na resolução nº 213/2015 da audiência de custódia, destaca diversas situações de tortura e maus tratos em instituições de privação de liberdade, tais como:

O SPT recebeu diversas e consistentes alegações dos entrevistados acerca de tortura e de maus-tratos, cometidos, particularmente, pela polícia civil e militar. As alegações incluem ameaças, chutes e socos na cabeça e no corpo, além de golpes com cassetetes. Esses espancamentos aconteceram sob a custódia policial, mas também em ruas, dentro de casas, ou em locais ermos, no momento da prisão. A tortura e os maus-tratos foram descritos como violência gratuita, como forma de punição, para extrair confissões e também como meio de extorsão (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2012, p. 19).

Não obstante, o último Relatório Especial do relator da ONU sobre tortura no Brasil classifica as práticas de tortura no sistema prisional no país como algo “endêmico” que ocorre frequentemente no momento da prisão e do interrogatório (UNITED NATIONS, 2016). Nesse sentido, Paiva (2018, p. 41) explica que a audiência de custódia pode:

[...] contribuir para a redução da tortura policial num dos momentos mais emblemáticos para a integridade físi­ca do cidadão, o qual corresponde às primeiras horas após a prisão, quando o cidadão fica absolutamente fora de custódia, sem proteção alguma diante de (provável) violência policial.

Para tanto, na resolução nº 2013/2015 do CNJ, Art. 8, item VI, preconiza que durante a entrevista com o custodiado, o juiz deverá “perguntar sobre o tratamento recebido em todos os locais por onde passou antes da apresentação à audiência, questionando sobre a ocorrência de tortura e maus tratos e adotando as providências cabíveis;” (BRASIL, 2015, art. 8, item VI). Além disso, no documento consta em anexo um o protocolo que tem por objetivo orientar tribunais e magistrados sobre como realizar os procedimentos para denúncias de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes que são relatados pelos flagranteados durante as audiências. (BRASIL, 2015). Apesar disso, os dados fornecidos pelo relatório “A expansão das audiências de custódia” do CNJ (BRASIL, 2018b), referentes ao período de 2015 a 2017, demonstram que o número de casos em que houve alegação de maus-tratos e/ou tortura durante a prisão, correspondeu somente a 4,68% do total de audiências de custódia realizadas.

Assim, com intuito de compreender como as audiências de custódia vem se materializando no país, apresentaremos no próximo tópico uma comparação dos dados gerais desde a implementação das audiências de custódia até os dias atuais, assim como os índices referentes à possíveis denúncias de tortura, maus tratos ou violência policial no momento da prisão,tendo em vista que é um dos principais objetivos da pesquisa.

Dados das audiências de custódia no Brasil

Após o período que implantação das audiências de custódia no território nacional, o Conselho Nacional de Justiça apresentou um relatório com os resultados obtidos até o mês de maio de 2016. Os dados do relatório são extraídos o banco de dados do sistema de audiências de custódia (SISTAC) que, de acordo com o Art. 7 da Resolução nº213/2015 do CNJ, deve ser obrigatoriamente preenchido no momento da apresentação da pessoa presa em flagrante à autoridade judicial. Partindo disso, o relatório de abrangência da implementação das audiências de custódia no Brasil, demonstrou que, no ano de 2017, das 2.855 comarcas analisadas, registrou-se pelo menos uma audiência de custódia em 1.019 comarcas, equivalendo assim à 35,3% do universo pesquisado, indicando assim um ritmo lento na implementação das audiências de custódia, principalmente em comarcas do interior. Os dados fornecidos pelo CNJ, demonstram que até janeiro de 2017, 186.455 mil audiências de custódia já haviam sido realizadas no Brasil, sendo concedida liberdade, mediante aplicação de medida cautelar alternativa ou não, em 46% dos casos, e decretada a prisão provisória do custodiado em 54% deles

Antes de passarmos aos dados gerais, faz-se necessário explicar que realizamos a análise de dados do relatório do Instituto de Defesa do Direito de Defesa – IDDD (2017), intitulado “Audiências de custódia: panorama nacional pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa” publicado no final de 2017 que registra os dados referentes ao desenvolvimento das audiências de custódia através de informações enviadas pelos Tribunais de Justiça e de parceiros (organizações, faculdades ou grupos de estudos) que fizeram o monitoramento in loco, registrando várias especificidades acerca dos contextos de implementação e o relatório publicado pelo CNJ um relatório intitulado “Audiência de custódia, prisão provisória e medidas cautelares: obstáculos institucionais e ideológicos à efetivação da liberdade como regra” (BRASIL, 2018a). Ambos os relatórios fazem o panorama geral nacional dos dados das audiências de custódia, mas focam em Estados específicos.

Com efeito, em 2018, foi publicado pelo CNJ um relatório intitulado “Audiência de custódia, prisão provisória e medidas cautelares: obstáculos institucionais e ideológicos à efetivação da liberdade como regra” (BRASIL, 2018a), coordenado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados referentes à 2017. O relatório citado pertence a “Série Justiça Pesquisa” que foi concebida pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Con­selho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ). A pesquisa do relatório contempla os dados de implementação das audiências de custódia de seis estados, sendo: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraíba, Santa Catarina, Distrito Federal e Tocantins.

Apresentaremos também o maior e mais atual levantamento já feito no país sobre as audiências de custódia, publicado em 2019, com dados relativos à 2018. O mapeamento foi realizado pelo IDDD (2019) e é intitulado “O fim da liberdade”, o qual realiza análises de pouco mais de quatro anos passados desde o início da implementação da audiência de custódia, fazendo um levantamento a partir de 2,7 mil casos em audiências de custódia. A ideia de apresentar os dados concernentes aos dois relatórios oficiais é de fazer um contraponto entre os números da audiência desde sua implementação até os dias atuais. Para facilitar a exposição, as informações serão divididas por tópicos.

Os dados gerais disponibilizados pela plataforma online do CNJ, atualizados até o mês de abril de 2017, indicam um total de 229.634 audiências de custódia realizada em todo Brasil, sendo 103.669 (45,15%) audiências que resultaram em liberdade provisória, seguidos de 125.965 (54,85%) que findaram em prisão preventiva. Somente 11.051, que correspondem à 4,81% dos casos foram alegados violência, tortura ou maus-tratos no ato da prisão. E, dentro desse universo citado, 10,77% dos casos tiveram encaminhamento social/assistencial. Por conseguinte, os números mais atuais disponibilizados pelo painel analítico do CNJ, até o mês de junho de 2021, demonstram que o padrão de prisão como regra continua, mesmo anos depois da implementação das audiências de custódia. Vejamos os dados: Até junho de 2021 foram realizadas 772.832 audiências de custódia, desse universo, em 308.976, correspondente a menos da metade, foi concedido liberdade provisória (não é informado se é com ou sem cautelar). Somente em 47.246 audiências realizadas foram alegados casos de tortura e maus-tratos, indicando que permanece a subnotificação. Das audiências realizadas, 30.258 tiveram encaminhamentos de casos para o serviço socioassistencial.

Concernente a práticas de combate à tortura e maus-tratos, o relatório produzido pelo CNJ (BRASIL, 2017) demonstra que 21,6%, correspondente a 206 das pessoas detidas, declararam ter sofrido algum tipo de violência e/ou maus-tratos no momento da prisão, embora o questionamento acerca da possível violência e práticas de tortura não tenha sido feito para 31,8% das pessoas presas em flagrante. Dentre as 206 pessoas que relataram tortura ou maus-tratos, 71,4% (141 pessoas) aludiram tais práticas à policiais militares, seguido de 11,2% (23 pessoas) que mencionaram a polícia civil como agente perpetradora de violências sofridas durante a prisão.

Sobre o relato de episódios de violência policial, tortura e maus-tratos, o IDDD (2019) infere que das 85,5% pessoas custodiadas que foram explicitamente perguntados/as sobre a ocorrência de violência policial, apenas 25,9% responderam afirmativamente. Ademais, 14,5% das pessoas que passaram pelas audiências de custódia não foram perguntados(as) pelos juízes sobre a possível prática de violência no momento da prisão. Desse universo, somente 11,3% relataram, de forma espontânea, ter sofrido violência policial no momento do flagrante. Ou seja, a pesquisa conclui que se considerados todos os casos, tem-se que 23,8% das pessoas afirmaram ter sofrido violência no momento da prisão e 63,3% das pessoas disseram que não.

No que tange ao agente perpetrador da violência, a pesquisa do IDDD (2019) segue o mesmo padrão da pesquisa do CNJ (BRASIL, 2017) apontando os policiais militares como autores do maior número de relatos de violência, totalizando 72,9% dos casos, o que corresponde em números absolutos de 458 casos, dentro de uma amostra de 606 casos estudados. Outros números relevantes dentro dessa amostra são: 59 de casos de agressões foram praticados por policiais civis e 48 civis (populares). (IDDD, 2019). A notória subnotificação do relato de violência policial, tortura e o/ou maus-tratos tem diversos fatores, podendo inclusive estar relacionado a presença de policiais durante as audiências de custódia, ainda que a resolução nº 213/2015 do CNJ (BRASIL, 2015) recomenda que esses agentes não estejam presentes durante o procedimento da audiência, justamente para que o custodiado não se sinta inibido ou coagido a relatar violências durante a prisão em flagrante. O CNJ (BRASIL, 2017), mostra que em 86,2% dos casos foi observada a presença de agentes policiais. A pesquisa do IDDD (2019) mostra um aumento significativo nesse índice, apontando que em 96,3% dos casos tinham agentes de polícia presentes durante a audiência. Isso também pode ser explicado a partir do dado trazido pela pesquisa que em algumas cidades as audiências são realizadas nas delegacias e unidades prisionais, o que causa preocupação em relação a possível dificuldade que isso causa nos relatos de violência policial, tortura ou maus-tratos (IDDD, 2019).

A subnotificações de denúncias de tortura e/ou maus-tratos durante a prisão: A permanência e perpetuação da violência e políticas criminais repressivas

Como se sabe, a resolução que institui as audiências de custódia preconiza que durante a realização da respectiva audiência deve ser constatada a possível ocorrência de violência policial ocorrida durante os procedimentos da prisão, tais como abuso de autoridade, tortura ou maus tratos, podendo ser requisitada a realização de exames médicos. Para isso, disponibilizam em anexo protocolo II que define o conceito de tortura,3 as orientações quanto a condições adequadas para a oitiva do custodiado na audiência, um questionário para auxiliar o magistrado na identificação e registro da tortura, bem como providências a serem adotadas em caso de identificação de práticas de tortura e tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O protocolo define tortura a partir da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes, de 1984; a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura de 9 de dezembro de 1985, e a Lei 9.455 (BRASIL, 1997).

Há à recomendação à autoridade judicial de se atentar as condições de apresentação da pessoa mantida sob custódia com a finalidade de averiguar a prática de tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Para isso, estabelece duas premissas: 1) A prática de tortura como grave violação ao direito da pessoa custodiada; 2) A informação à pessoa custodiada que as práticas de tortura são ilegais e injustificáveis, independentemente da acusação ou da condição de culpada de algum delito cometido e que as denúncias serão encaminhadas para as autoridades competentes.

Cabe destaque ao questionário fornecido pelo protocolo II tem como objetivo subsidiar a autoridade judicial quanto à identificação da prática de tortura durante a audiência de custódia, permitindo-lhe caso seja identificada, desencadear os procedimentos de investigação do suposto crime de tortura. As perguntas sugeridas no questionário versam sobre o tratamento recebido durante a detenção, o que aconteceu, o local, horário, entre outas. Caso seja constatado a existência de indícios de tortura e outros tratamentos cruéis, o protocolo apresenta as medidas que os juiz deverá adotar para garantir a segurança da pessoa custodiada, de modo que ela não seja exposta aos agentes que perpetraram a violência, assim, sugere-se, entre outras medidas: realizar registro fotográfico ou audiovisual, registrar minuciosamente o depoimento da pessoa acusada, encaminhar para realização do exame de corpo de delito, assegurar o necessário e imediato atendimento de saúde integral da pessoa vítima de tortura e outros tratamentos cruéis.

Durante a observação das audiências de custódia, constatou-se que em nenhuma audiência a questão da violência ou práticas de tortura foi abordada. Não houve perguntas da parte dos magistrados, ministério público ou defensoria, como também não houve nenhuma manifestação sobre violência, ainda que as marcas de violência no corpo fossem bastante visíveis em pelo menos quatro pessoas que passaram pelas audiências de custódia o qual observamos. Algumas pessoas estavam com as roupas rasgadas, de pés descalços e visivelmente machucadas. Aqui, cabe destacar que em todas as audiências de custódia assistidas, havia a presença de pelo menos um policial na sala, o que pode coibir o custodiado de relatar algum caso de tortura e maus tratos. O incômodo causado pela falta de perguntas relacionadas às possíveis práticas de violência policial ou tortura e maus tratos, nos levou a questionar o juiz, no intervalo entre as audiências, sobre como ele fazia para constatar se a pessoa que estava ali sendo apresentada na audiência de custódia havia passado por alguma prática de tortura ou violência policial, ele respondeu afirmando que “Lembra quando eu perguntei como ele está de saúde? É nesse momento”.

Esse dado corrobora com os índices apresentados pela pesquisa do IDDD (2017)4 referentes as audiências de custódia do RN o qual demonstram que das 2.496 audiências de custódia realizadas à época da pesquisa, em apenas 2% ocorreram alegações de violência, tortura e maus-tratos durante o ato da prisão. Cabe ressaltar que os dados seguem o padrão nacional, já que o CNJ através do seu painel analítico de dados, contabilizando informações a partir do SISTAC, registra que desde sua implementação até 2020, houve indícios de tortura e maus-tratos em apenas 5,65% das audiências registradas. Isso indica uma subnotificação e, principalmente, aponta uma falha das audiências de custódia em cumprir com um de seus principais objetivos: à prevenção à tortura e maus tratos no decorrer da prisão.

São muitos os fatores analíticos que podemos levantar a respeito dessa constatação. Primeiramente, se a resolução dispõe de um protocolo extremamente importante que subsidia os magistrados ou atores da audiência de custódia a identificar e tomar as providencias legais cabíveis quanto à prática de tortura e ou maus tratos, o não cumprimento desse objetivo não deve ser compreendido apenas como um mero descumprimento das formalidades dispostas na resolução nº 213/2015 do CNJ (BRASIL, 2015). Há de se considerar o desvelamento da essência desse fenômeno, indo além da aparência.

Argumentamos que a subnotificação de violência perpassa desde as práticas de violência policial que são naturalizadas pelas vítimas, como pelas instituições. Os relatórios do CNJ (BRASIL, 2015), IDDD (2017) e Conectas (2017) demonstram que muitas pessoas flagranteadas que passam pela audiência de custódia entendem as práticas de violência e/ou tortura como algo normal, como uma condição natural de quem sempre esteve submetido a esse tipo de conduta e abordagem. Do mesmo modo, a lógica operante do “inimigo” o qual devemos combater, neutralizar e eliminar, perpassa as instituições do sistema penal e a violência pode ser vista pelos operadores da audiência de custódia como algo intrínseco a isso, portanto natural. Tão natural que durante toda a coleta de dados não houve manifestação de nenhum dos atores do poder judiciário sobre violência, tortura, maus tratos e outros tratamentos cruéis. Não obstante, sugerimos que a problemática da violência policial que é sustentada pela lógica da punição excessiva dos métodos de controle formal e informal do Estado, sob a égide de uma política criminal e segurança pública militarizada e orientada ao encarceramento que opera através da seletividade do um sistema penal e suas instituições de controle informal e formal.

Como vimos anteriormente, a violência policial é um fenômeno complexo e multifatorial, mas, dentro dessa complexidade existem alguns fatores que apontam para a compreensão da realidade concreta que apresentamos nessa pesquisa. A lógica do “inimigo” é alterada com a chamada guerra às drogas, passando do “inimigo interno”, o subervisvo, no período ditatorial para o “inimigo geral”, o traficante, o negro, o pobre, a partir da com a importação da lógica de guerra às drogas advinda dos Estados Unidos no marco do Neoliberalismo. Isso se sustenta nos preceitos de uma criminologia positivista que, mesmo com todas as superações paradigmáticas no âmbito das ciências criminológicas, permanece mais viva e operante do que nunca no nosso modelo punitivo. A ideia de “criminoso nato”, irrecuperável, junto com um racismo científico que ajustou perfeitamente com as teorias desenvolvidas na escola criminológica positivista, buscando características do criminoso no seu biotipo, de modo que perguntamo-nos, tal como Zaffaroni, “Como pôde Lombroso florescer na Bahia?”. A lógica dicotômica bem versus mal, o “cidadão de bem” versus o “bandido perigoso” e uma política criminal repressiva e militarizada, alicerçada no mito da defesa social, ou melhor, da defesa da burguesia, o qual pretende separar os maus dos bons para que estes não causem dano ou desequilíbrio a sociedade, leva a um sistema penal que opera através da lógica do que Zaffaroni (2014) nos ensina que o “inimigo” não merece nem mesmo o tratamento de pessoa, e a ele é negado até mesmo os direitos humanos. A lógica é punir para prevenir. Isso pode ser observado também através do fato que durante as observações na audiência de custódia, mesmo que a resolução não recomendasse a presença de policiais na sala durante as audiências, permaneciam pelo menos dois agentes da polícia na sala e a recomendação de que os presos não permanecessem algemados também era descumprida, de modo que apenas um dos juízes pediu para que os policiais retirassem as algemas dos custodiados durante a audiência, mesmo que os crimes cometidos não tivessem sido considerados graves. Inclusive, quando as algemas foram retiradas um deles relatou o alívio e agradeceu ao juiz, mostrando nos braços as marcas causadas pela pressão da algema apertada.

Fundamentado em uma política criminal bélica, combater o inimigo é eliminá-lo, neutralizá-lo e os policiais, militares ou civis, dentro dessa lógica, são colocados no front para matar ou morrer e são formal ou informalmente autorizados e até mesmo estimulados a praticar violência e práticas ilegais pela sociedade, pela grande mídia e por governantes (KARAM, 2015). Consoante a isso, Zaccone (2015, p. 140) é categórico ao afirmar que “Se a polícia mata quem joga a “pá de cal” é o poder jurídico”. Ou seja, a polícia comete arbitrariedades e mata, mas não mata sozinha. Opera através de um sistema penal que legitima as suas operações.

Para sustentar sua argumentação, Zaccone (2015) investiga a participação dos atores do sistema penal nas mortes em decorrência de ações e operações policiais na cidade do Rio de Janeiro, para isso, o autor analisa os procedimentos de arquivamento de inquéritos policiais instaurados para investigação de homicídios decorrentes de autos de resistência. Em sua arguição, a partir das análises, o autor argumenta que existe uma forma jurídica que sustenta os massacres e as ações violentas e letais da polícia pari passu que são arquivadas as investigações de assassinatos. Essa forma jurídica é engendrada na construção de um inimigo “matável”, como um outro diferente através da negação da vítima, identificando o inimigo como uma fonte de perigo e jamais como um sujeito que está exposto ao perigo. Em suas palavras, “Essa construção, feita no ambiente social, revela todo o seu esplendor nas palavras mortíferas dos promotores de justiça criminal, estabelecendo assim o vínculo oculto entre o direito e a violência” (ZACCONE, 2015, p. 61).

A construção do inimigo requerer que ele seja identificado como a fonte do perigo e nunca como alguém exposto ao perigo. Fica menos difícil entendermos a lógica pela qual, nos pedidos de arquivamento dos inquéritos dos autos de resistência a vítima fatal de uma ação policial violenta tenha tratamento suspeito/investigado. A inclusão da Folha de Antecedentes Criminais do morto no inquérito que investiga sua própria morte, o inventário moral da sua vida nas declarações prestadas pelos seus familiares e, principalmente, a sua condição estigmatizante como “traficante de drogas”, definida através das apreensões de armas e drogas no interior de uma “comunidade favelada”, transforma a vítima da ação violenta do Estado em coisa, ou melhor, em número, estatísticas. As chamadas “falhas” dos inquéritos policiais instaurados para apurar as mortes praticadas por policiais em serviço, nada mais são do que a racionalidade do descaso sistêmico que o poder político-jurídico manifesta em relação aos altos índices de letalidade do nosso sistema penal (ZACCONE, 2015, p. 260-261).

Ou seja, isso não demonstra a ineficiência da justiça e sim, a sua própria lógica (ZACCONE, 2015). O descaso sistêmico citado pelo autor é aparelhado pela falha nas investigações dos agentes do sistema penal que, não se propõe a investigar as violações de direito. Isso se legitima também a partir da construção da opinião pública que também exerce um controle punitivo através das agências de criminalização secundária, como nos ensina Zaffaroni e Batista (2011) e, para legitimar a punição, se baseiam na narrativa ideológica do aumento desenfreado da criminalidade utilizam disso para estimular e justificar o uso de violência para o controle da criminalidade. Essas narrativas são incorporadas no âmbito da política criminal, direito penal e sistema penal onde a guerra aos pobres é justificada pela paz do “cidadão de bem”. Em suma, “Em nome da proteção à vida produzimos os maiores massacres, com a chancela do estado de direito, que se confunde e se mistura com o estado de polícia, ao legitimar a expansão do poder punitivo” (ZACCONE, 2015, p. 263). Em conformidade, de acordo com o que foi argumentado anteriormente, entendemos que no Brasil, há o pleno exercido do poder através do sistema penal subterrâneo, termo cunhado por Zaffaroni (2007) que é evidenciado através da institucionalização da pena de morte, tortura, execução sumária, entre outras violações de direitos e é exercido pelas agências de controle pertencentes ao Estado que atuam à margem da lei e de maneira violenta e arbitrária, desse modo, “À medida que o discurso jurídico legitima o poder punitivo discricionário e, por conseguinte, nega-se a realizar qualquer esforço de limitá-lo, ele está ampliando o espaço para o exercício do poder punitivo pelos sistemas penais subterrâneos” (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p. 70).

A negação do esforço para limitar o poder punitivo discricionário citado pelos autores que acaba por forjar um modelo de atuação de sistema penais subterrâneos, podem, na realidade dessa pesquisa, ser compreendido a partir do uso desnecessário de algemas que se torna a regra, a presença de policiais durante as audiências de custódia, da negligência dos juízes, promotores e defensores em não perguntar à pessoa custodiada acerca das condições em que foi efetuada sua prisão e se naquele momento ou no momento posterior houveram práticas de violência, tortura ou maus tratos, ainda que os flagranteados ou as flagranteadas estejam visivelmente machucados, com roupas rasgadas, de pés descalço, como também na omissão em explicar tanto para a pessoa presa o objetivo da audiência e, por conseguinte, à medida que a ela foi aplicada: a manutenção da prisão preventiva ou o relaxamento da prisão com ou sem cautelares.

Para compreender como isso tem se materializado nas audiências de custódia, a pesquisa, traremos para a discussão a pesquisa intitulada Tortura Blindada, realizada pelo Conectas Direitos Humanos (2017) que objetivou analisar a efetividade do procedimento de combate e prevenção à tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes nas audiências de custódia em São Paulo através do acompanhamento e identificação dos relatos dessas práticas que apareciam nas audiências e quais as reações e procedimentos adotados pelo poder judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Instituto Médico-Legal, diante a denúncia apresentada.

Os resultados do relatório demonstram que de 331 casos de violência, apenas em 109 o juiz perguntou a pessoa presa se ela foi vítima de agressão ou violência no momento da prisão, mesmo sendo esse o seu papel e obrigação de acordo com a resolução nº 213/2015 do CNJ (BRASIL, 2015), 1/3 dos juízes se quer tocou nessa temática no decorrer das audiências. Ademais, 75% dos juízes fizeram intervenções quando houve o relato da violência e 25% nada fizeram. Em 80% dos casos em que o(a) custodiado(a) relatou ter sido vítima de agressão, o Ministério Público, instituição do sistema de Justiça responsável pelo controle da atividade policial, não fez nenhuma intervenção. Nos 20% dos casos em que os promotores(as) interviram, 60% foram no sentido deslegitimar o relato da vítima e não de apurar os fatos, demonstrando assim uma expressiva negligência dessa instituição.

No tocante aos procedimentos tomados relato de agressão, violência policial, tortura e maus tratos, dos 393 casos estudados, em apenas um deles foi aberto inquérito policial e em 72% dos casos o juiz determinou que as próprias corregedorias das polícias investigassem as denúncias de violência. Isso significa que, no caso de policiais militares, o próprio batalhão em que o acusado da prática de tortura ou maus tratos trabalha, será responsável por conduzir as investigações, o que pode corroborar com aumento de subnotificações e retaliação as vítimas que relataram tortura ou violência durante a prisão.

Em suma, a pesquisa demonstra como os diversos atores que compõe a audiência de custódia legitimam as práticas de violência, tortura e maus tratos, de modo que suas atuações e omissões contribuem para que não haja a responsabilização dos agentes do Estado. Dessa maneira, é nítido que essa problemática perpassa as audiências de custódia em todo o Brasil, conforme apontamos na apresentação dos dados, e, principalmente nas audiências de custódia da região metropolitana de Natal o qual os números de relatos de violência durante as diligências que levam a detenção são ínfimos.

No que diz respeito a omissão sobre as perguntas referentes aos procedimentos durante a prisão, é sintomático que isso ocorra aos olhos das instituições de justiça presentes e que não seja feito nenhum comentário, tampouco seja dado algum encaminhamento para os casos de relatos de tortura, maus tratos e violência policial. É sintomático porque 1) se não é relatada a violência, ela não existe ou como vimos, é minimizada. Entretanto, os dados que apresentamos no capítulo anterior, o qual o relatório da ONU aponta as práticas de tortura no sistema prisional no país como algo “endêmico” e que ocorre principalmente no momento da prisão e do interrogatório, assim como a tônica do modus operadi dos agentes de segurança pública se evidenciam na truculência com grupos determinados; 2) vimos na pesquisa realizada pelo instituto Conectas (2017) que quando o relato aparece, ele nem sempre é adequadamente encaminhado e que a violência não está sendo devidamente apurada. Não obstante, Zaccone (2015) argumenta que o sistema penal legitima as violentas e sangrentas operações policiais. A polícia mata, mas não mata sozinha. Compreendemos então que isto desemboca na legitimação e perpetuação das práticas de violência policial exercidas no sistema penal subterrâneo, de modo que essa é a forma estrutural de operação da justiça e das instituições policiais e não somente más condutas individuais ou descumprimento das formalidades que estão previstas na resolução do CNJ que forja as audiências de custódia no Brasil.

Compreendemos que as audiências de custódia são um instrumento extremamente importante para dar conta das complexas formas que a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes assumem, mas na prática, essas violações de direitos acabam sendo legitimadas por elas. Poderíamos então esperar números tão diferentes dos que foram apresentados uma vez que partimos do pressuposto que vivemos em sociabilidade capitalista que lucra com a punição, a morte e o massacre sistemático dos “indesejáveis sociais”? A nós, parece mais uma contradição entre o modus operandi do sistema penal e sistema de justiça criminal e a forma como a política criminal através do direito penal e sistema penal trata os “inimigos” à ferro, fogo e sangue, ao passo que se institui, através da luta de classes, um mecanismo que dentro do garantismo penal surge com o objetivo de diminuir ou mitigar os casos de tortura e maus tratos gerados pelo próprio sistema. A partir dessas análises, arguimos que as práticas de tortura, maus tratos e violência policial em si, não devem ser consideradas apenas como uma má conduta individual dos agentes que a cometem, mas como práticas que se estruturam e são estruturadas em uma política criminal de derramamento de sangue e um sistema penal extremamente seletivo que agem através do horror e do espetáculo punitivo

Considerações Finais

Através das pesquisas de campo realizadas nesse trabalho durante a participação através da observação das audiências de custódia da região metropolitana de Natal, e da coleta de dados em relatórios, painéis estatísticos e documentos que analisam a implementação das audiências de custódia no Brasil é possível inferir que esse instrumento continua reproduzindo a) violações de garantias processuais da pessoa acusada, de modo que não garantem na maioria das vezes o direito adequado à defesa e o direito à informação; b) a perpetuação das práticas de violação de Direitos Humanos desde os momentos posteriores as audiências, como durante a ocorrência desta, ocorrem práticas que violam não só o que está prescrito na resolução nº 213/2015 (BRASIL, 2015) das audiências de custódia, como também os direitos humanos mínimos da pessoa acusada. Tal afirmação pode ser exemplificada através da presença de policiais e uso de algemas durante a audiência de custódia, discursos e julgamentos moralizantes proferidos pelos operadores do sistema de justiça, em grande parte das vezes a pessoa acusada era tolhida à fala e c) em nenhuma das audiências o qual observamos na pesquisa o magistrado que a conduziu fez perguntas referentes à sua prisão ou questionou sobre práticas de tortura, maus tratos ou violência policial e os dados nacionais demonstram que em cerca de 5% das audiências de custódia há encaminhamentos referentes a denúncia de tortura, maus tratos ou violência policial (BRASIL, 2017), mesmo que, na prática, a perpetração policial seja comum durante as abordagens e prisão, dada a vigência de uma política criminal de derramamento de sangue, sendo a política o braço armado do Estado; d) A prisão contina sendo aplicada como regra, representando a maioria das decisões, assim como em nenhuma das 20 audiências observadas houve decretação de liberdade irrestrita, todas as liberdades provisórias concedidas eram condicionadas ao cumprimento de medidas cautelares, indicado assim o fim da liberdade sem alguma formas de controle do Estado. Esses dados demonstram um limite muito claro no cumprimento dos objetivos da audiência de custódia, uma vez que toda a nossa política criminal, métodos punitivos e formas de controle social se desenham de forma que o efeito é exatamente o contrário que motiva a sua existência: O encarceramento desenfreado e altíssimos índices de violência policial, práticas de tortura ou maus tratos.

Partindo dessa realidade, argumentamos nesse trabalho que os dados coletados na pesquisa não teriam como ser expressivamente diferente tendo em vista que hegemonicamente a política criminal vigente no Brasil é profundamente seletiva, classista, racista, sexista e letal e é operada no cenário de acirramento do Estado Penal, erigido no capitalismo neoliberal que corrobora para o hiperencarceramento e políticas penais e policiais repressivas que criminalizam a pobreza e são marcadas por violência policial e intensas violações de direitos humanos. Sendo assim, sustentamos nesse trabalho os seguintes argumentos:

  1. 1. 1) Compreendemos que as audiências de custódia são um instrumento extremamente importante para dar conta das complexas formas que a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes assumem, mas na prática, essas violações de direitos acabam sendo legitimadas por elas, de modo que são invisibilizadas e subnotificadas. Vimos também que até mesmo quando as denúncias são feitas, os procedimentos adotados ficam a margem da impunidade dos agentes que perpetram as violências. Dessa forma, sustentamos nessa pesquisa, tal qual Zaccone (2015) que o sistema penal legitima as violentas e sangrentas operações policiais. A polícia mata, mas não mata sozinha. Compreendemos então que isto desemboca na legitimação e perpetuação das práticas de violência policial exercidas no sistema penal subterrâneo, como nos ensina (ZAFFARONI, 2014). Apresentamos assim uma contradição entre o modus operandi do sistema penal e sistema de justiça criminal e a forma como a política criminal através do direito penal e sistema penal trata os “inimigos” à ferro, fogo e sangue, ao passo que se institui, através da luta de classes, um mecanismo que dentro do garantismo penal surge com o objetivo de diminuir ou mitigar os casos de tortura e maus tratos gerados pelo próprio sistema. A partir dessas análises, arguimos que as práticas de tortura, maus tratos e violência policial em si, não devem ser consideradas apenas como uma má conduta individual dos agentes que a cometem, mas como práticas que se estruturam e são estruturadas em uma política criminal de derramamento de sangue e um sistema penal extremamente seletivo que agem através do horror e do espetáculo punitivo

    2) Argumentamos nesse trabalho que o encarceramento como regra, a aplicação excessiva de medidas cautelares como condicionantes à liberdade provisória e as manutenção das práticas violadoras das garantias processuais da pessoa acusada e as violações de direitos humanos que continuam ocorrendo nas audiências de custódia não devem ser compreendidas simplesmente como condutas individuais equivocadas dos operadores do sistema de justiça ou meramente como descumprimento das formalidades e recomendações dispostas na resolução nº 213/2015 do CNJ (BRASIL, 2015). Analisamos o fenômeno a partir da realização da abstração que nos leva a compreender as contradições presentes na própria estruturação da questão criminal que é estruturada no modo de produção capitalista e como a atuação vigente da Política Criminal, Sistema Penal e Direito Penal se engendram para manutenção e reprodução da sociabilidade nesse modo de produção específico.

    3) Em suma, as análises feitas nesse trabalho nos permitem responder à pergunta de pesquisa, seus objetivos gerais e específicos a partir da reflexão as audiências de custódia por si só não teriam como ser responsáveis pelo rompimento com as estruturas punitivistas orientada ao encarceramento. O esforço para superação desse modelo vigente de política criminal que é cada vez mais política punitiva é bastante complexo e deve sempre ser pensado dialeticamente, tendo em vista que as contradições e impasses estão registrados no campo macroestrutural e micro, através das instituições do sistema penal, da ideologia, da cultura, de políticas eficientistas (ANDRADE, 2012).

Os resultados desse trabalho demonstram que é imprescindível a realização de mais estudos sobre esse instrumento de garantismo penal que foi implementado no Brasil em 2015 e que ainda vem passando por diversas transformações. No caso do Rio Grande do Norte, as audiências de custódia se desenvolveram de forma tímida, de modo que apenas na transição do ano 2020 para 2021 elas foram interiorizadas no Estado com a criação de polos regionais que abarcam as comarcas do interior. Há também a necessidade de dados mais concisos e de se debruçar sobre os fenômenos que aparecem a partir do seu desdobramento, como as articulações intersetoriais que podem ser feitas com as políticas públicas e sociais setorizadas ou não e a forma como os profissionais de psicologia e assistentes sociais se inserem nesse campo e como se desenvolvem as ações práticas de sua atuação.

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Notas

1 O INFOPEN é um sistema de informações estatísticas do sistema prisional brasileiro do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional). Os dados fornecidos são gerados através de um sistema (atualizado pelos gestores das unidades prisionais e policiais) e são lançados semestralmente. O último relatório de dados feitos pelo DEPEN é de 2017, a partir de então o acesso as informações se dão apenas através de tabelas com dados brutos e menos detalhados. Por tanto, utilizaremos os dados referentes a Junho de 2017 tendo em vista que são os mais completos até o presente momento.
2 Dados referentes à junho de 2017.
3 Resolução nº 213/2015 (BRASIL, 2015). Conselho Nacional de Justiça. Define como tortura: “I. A finalidade do ato, voltada para a obtenção de informações ou confissões, aplicação de castigo, intimidação ou coação, ou qualquer outro motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; e II. A aflição deliberada de dor ou sofrimentos físicos e mentais.”
4 Em que pese a defasagem de dados oficiais das audiências de custódia na região metropolitana de Natal e do Rio Grande do Norte no SISTAC, dados esses que são disponibilizados pelo CNJ, consideramos como dados oficiais a pesquisa do IDDD que foi realizada em parceria com o CNJ e tratou de fazer a análise da implementação das audiências de custódia no Brasil.

Notas de autor

* Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Compõe o Grupo de Pesquisa Marxismo & Educação (GPM&E/UFRN).
** Professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e Coordenadora do Grupo de Pesquisas Marxismo & Educação (Diretório CNPq).

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