Artigos
Intervenção psicológica em demandas judiciais infantojuvenis
Psychological intervention in juvenile lawsuits
Intervención psicológica en reclamos judiciales infantile
Intervention psychologique dans les procédures judiciaires infanto-juvéniles
巴西少年法庭案件中的心理干预
Intervenção psicológica em demandas judiciais infantojuvenis
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 14, núm. 2, pp. 284-311, 2022
Universidade Federal Fluminense

Recepción: 21 Noviembre 2021
Aprobación: 18 Enero 2022
Resumo: No presente trabalho a investigação está na efetividade das intervenções psicológicas em demandas judiciais, cujo objeto de estudo é a proteção integral a crianças e/ou adolescentes diante de abusos parentais. O Direito e a Psicologia pactuam forças e ciência conjunta na tentativa de comprovar a necessidade da multidisciplinaridade através de demonstrativos de resultados completamente diferentes em intervenções psicológicas antecipadas e tardias. Problemática razoavelmente nova, vez que é através da Lei do Divórcio (Lei 6.515/77) conjuntamente à Constituição Federal da República de 1988, que nasce a necessidade de uma nova especialização: Direito de Família. Em paralelo, a Psicologia teve seu reconhecimento mais consistente em 1972 através da implantação do Conselho Federal de Psicologia. Sendo consideradas ciências novas, investigou-se aqui se a ausência de reconhecimento científico e prático de ambas seria o motivo dos prejuízos infantojuvenis vivenciados por ausência de respaldo célere às suas necessidades. Metodologicamente, comparamos processualmente o primeiro caso vivenciado de 1981 a 1988 com o segundo, de 2018 a 2021. Levantamos dados de instituições consistentes e ainda foram trazidos depoimentos públicos de crianças abusadas e hoje adultas, transcritos dos documentários A morte inventada e O amor que tu me tinhas, ambos com direitos autorais disponibilizados em internet. De tudo, restou demonstrado que embora tenhamos evoluído substancialmente em questão legislativa, o objeto estudado (permanência infantojuvenil no ambiente nocivo) não obteve o resguardo esperado, como será demonstrado. Contudo, nossa hipótese demonstrou que a intervenção psicológica qualificada e antecipada (obrigatoriamente) pode reduzir drasticamente os danos e traumas infantojuvenis.
Palavras-chave: intervenção psicológica, alienação parental, abuso infantojuvenil, parentalidade.
Abstract: The object of study of this essay is the protection of children and adolescents in the face of parental abuse, focusing on the effectiveness of psychological interventions in judicial lawsuits. Law and Psychology have joined forces in an attempt to prove the necessity of multidisciplinarity through demonstrations of early and late psychological interventions with completely different results. A reasonably new problem, since it is through the Divorce Law (BRASIL, Law 6.515/77) and the Federal Constitution of 1988 that the necessity for a new specialization, Family Law, was born. In tandem, Psychology had a consistent rise in recognition in 1972 through the implementation of the Federal Council of Psychology (BRASIL, 1962). With them being considered new sciences, there was a need to investigate whether the lack of scientific recognition of both sciences could be the reason for the damages children and teenagers experienced, lacking support to their needs. The first case experienced from 1981 to 1988 was methodologically compared with the second, from 2018 to 2021. We surveyed data from reliable institutions and brought testimonies from abused children, now adults, transcribed from the following documentaries, both publically available on the internet: "A Morte Inventada (2009)" and "O Amor Que Tu Me Tinhas". From these, it was demonstrated that although we have evolved substantially in terms of legislation, the object of study (children's permanence in harmful environments) does not offer the expected protection, as will be shown. However, our hypothesis demonstrates that qualified and (obligatorily) preemptive psychological intervention can drastically reduce the damage and trauma to children and adolescents.
Keywords: psychological intervention, parental alienation, abuse to children and adolescentes, parenting.
Resumen: En el presente trabajo, la investigación se centra en la efectividad de las intervenciones psicológicas en juicios, cuyo objeto de estudio es la protección integral de los niños y / o adolescentes frente al maltrato parental. El Derecho y la Psicología unen fuerzas y ciencia en un intento de demostrar la necesidad de la multidisciplinariedad a través de demostraciones de resultados completamente diferentes en las intervenciones psicológicas tempranas y tardías. Cuestión razonablemente nueva, como es a través de la Ley de Divorcios (BRASIL, Ley 6.515 / 77) junto con la Constitución Federal de la República de 1988, que nace la necesidad de una nueva especialización: Derecho de Familia. Paralelamente, la Psicología tuvo su reconocimiento más consistente en 1972 con la implantación del Consejo Federal de Psicología (BRASIL, 1962). Al ser consideradas ciencias nuevas, se investigó aquí si la falta de reconocimiento científico y práctico de ambas sería la razón del daño que sufren los niños y jóvenes por la falta de apoyo oportuno para sus necesidades. Metodológicamente, comparamos procesalmente el primer caso vivido de 1981 a 1988 con el segundo, de 2018 a 2021. Recolectamos datos de instituciones consistentes y también trajimos testimonios públicos de niños abusados y adultos de hoy, transcritos de los documentales A Morte Inventada (La Muerte Inventada) y O Amor que tu me Tinhas (El Amor que me Tenías), ambos con derechos de autor disponibles en Internet. Con todo, se demostró que si bien hemos evolucionado sustancialmente en cuanto a legislación, el objeto estudiado (mantener a los niños y adolescentes en un entorno nocivo) no obtuvo la protección esperada, como se verá. Sin embargo, nuestra hipótesis demostró que la intervención psicológica calificada y temprana (obligatoria) puede reducir drásticamente el daño y el trauma en niños y adolescentes.
Palabras clave: intervención psicológica, alienación parental, maltrato infantil, relación parental.
Résumé: L’objectif de ce travail est d’investiguer l’efficacité des interventions psychologiques dans les procédures judiciaires ayant pour objet la protection intégrale d’enfants et/ou adolescents victimes d’abus de la part de leurs parents. Le Droit et la Psychologie s’unissent dans la tentative de démontrer le besoin d’une approche multidisciplinaire. Les résultats obtenus sont différents lorsque l’intervention se fait précocement ou tardivement. Cette problématique est en quelque sorte récente. En effet, ce sont la Loi du Divorce (BRÉSIL, Loi 6.515/77) et la Constitution Fédérale de la République de 1988 qui ont engendré le besoin d’une nouvelle spécialisation du Droit: le Droit de Famille. En parallèle, la Psychologie a été véritablement reconnue en 1972 grâce à la création du Conseil Fédéral de Psychologie (BRÉSIL, 1962).Étant les deux sciences considérées nouvelles, cette étude a également investigué la possibilité que l’absence de reconnaissance scientifique et pratique ait impacté des enfants/adolescents en manque de support immédiat à leurs besoins.Concernant la méthodologie adoptée, nous avons comparé les procès d’un premier cas ayant lieu de 1981 à 1988 et d’un deuxième de 2018 à 2021. Nous avons collecté des données d’institutions solides. Nous avons eu accès à des témoignages publiques d’enfants lorsqu’ils ont été abusés et aujourd’hui à l’âge adulte. Ces derniers ont été retranscrits des documentaires “A Morte Inventada” et “O Amor que tu me Tinhas”. Les deux étant disponibles sur internet et soumis à des droits d’auteur. Il a été démontré que, malgré le fait que la législation ait évolué substantiellement, l’objet étudié (présence infanto-juvénil dans un environnement nocif) n’a pas reçu l’attention nécessaire. Néanmoins, notre hypothèse démontre que l’intervention psychologique qualifiée et précoce (obligatoirement) peut réduire significativement les dégâts et traumatismes infanto-juvéniles.
Mots clés: Intervention Psychologique, absence parental, abus infanto-juvénile, parentalité.
摘要:
						                           本论文分析心理干预在青少年侵害案件中的有效性,并研究遭受父母虐待的儿童和青少年的整体保 护问题。根据法官或者当事人的要求,心理學家向受害者提供心理治疗,这种心理治疗是结合法律 的强制力量和心理学的科学方法,对受害者进行必要的心理干预。本文通过对比早期和晚期心理干 预的完全不同结果来证明多学科联合的必要性。在巴西,对受害者进行心理干预,这是一个比较新 的议题,因为它是根据离婚法(巴西法律 6.515/77)和 1988 年共和国联邦宪法,从而产生了一个 新专业的需求:家庭法。与此同时,心理学的干预作用在 1972 年通过联邦心理学委员会 (BRASIL, 1962) 获得了最一致的认可。本文研究发现,缺乏心理学的早期干预会导致受到侵害的儿童和青少 年的心理健康遭受不可逆转的损害。我们在程序上比较了2个案例,第一个发生在 1981 年至 1988 年期间,第二个案例发生在 2018 年至 2021期间。我们从法庭的记录和受虐待儿童(现在已经是成年 人) 的公开证词收集数据,并参考了纪录片 《制造的死亡》(A Morte Inventada) 和 《曾经存在的爱 》(O Amor que tu me Tinhas)的内容—两片的版权都可以在互联网上找到。作者的结论是,尽管我 们在立法方面取得了长足的进步,但是我们所研究的对象—受侵害的儿童和青少年—因为长期生活 在有害环境中,法庭对它们所施行的保护并未获得预期的效果。然而,我们的研究表明,合格的, 具有法律强制性的早期的心理干预可以大大减少儿童和青少年遭受的伤害和遗留的创伤。
關鍵詞: 心理干预, 父母疏离, 虐待儿童青少年, 父母养育.
Introdução
As ações de maus-tratos infantojuvenis estão espalhadas pelas Varas de Família, Infância e Juventude, Cível, Criminal e Violência Doméstica dos Fóruns brasileiros em quantidade não especificada, vez que tramitam em segredo de justiça por resguardo à privacidade da criança e do adolescente envolvido.
Como pôde ser constatado no estudo realizado através dos documentários A Morte Inventada e O Amor que Tu me Tinhas, já comentados e devidamente especificados à frente, são diversos os casos também existentes que não são levados ao judiciário.
Dentre todos os abusos, o abuso moral praticado pela Alienação Parental é o único no ordenamento jurídico brasileiro que possui legislação própria (BRASIL, 2010b), sendo o escolhido para inferir investigação técnica no ensejo de descobrir se as intervenções multidisciplinares nestes processos judiciais geram alguma interferência em seu resultado e havendo a referida interferência, analisa-se se há proteção diferenciada às crianças e adolescentes vítimas quando ocorre intervenção desde a fase inicial dos processos e quando ocorre em sua fase terminativa.
Alguns outros problemas práticos também estão inerentes à investigação, seja a falta de profissionais como psicólogos nessas Varas supramencionadas, qualificação técnica e remuneração satisfatória.
De todo modo, no presente trabalho nos lançamos à profundidade dos traumas causados como princípio norteador, valendo-se uma tentativa metodológica comparativa a fim de descobrir, inicialmente, se nestes últimos quarenta anos o ordenamento jurídico brasileiro, conjuntamente às equipes multidisciplinares lograram êxito em respaldar os infantojuvenis.
O presente artigo é parte de um projeto maior que visa encontrar não só respostas aos questionamentos supra, mas identificar uma metodologia jurídico-multidisciplinar a ser adotada no ensejo de reduzir consideravelmente o período em que as crianças e adolescentes ficam expostas à parentalidade nociva e ainda, uma validação de instrumentos psicológicos realmente eficazes na detecção dos abusos praticados e/ou falsas denúncias.
Por ora nos desdobraremos aos objetivos de comparação entre casos em anos distintos, na evolução da legislação vigente e hipóteses acerca do melhor momento de intervenção psicológica nas demandas supracitadas.
Método
Trataremos de dois relatos de experiências embasados em dois veículos: entrevista e análise documental. Vale ressaltar que todos os procedimentos éticos foram adotados. Por se tratar de relato de experiência não foi submetido ao Comitê de Ética, entretanto, os participantes do caso mais antigo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Já no segundo caso, os dados e informações são trazidos pelo próprio autor, vez que fora o advogado atuante da demanda mencionada, satisfazendo assim os escritos por sua própria vivência profissional, conforme procuração assinada.
Foram analisadas todas as peças processuais de ambos os casos, assim como decisões judiciais e pareceres multidisciplinares que existiram ao longo dos relatos coletados.
Com isso, o presente instrumento será a seguir apresentado em três etapas. A primeira investiga se os escassos recursos legais que existiam à época do primeiro caso foram suficientes (ou não) para resguardar a vulnerabilidade infantil. Já na segunda etapa o mesmo será investigado, porém, consubstanciado ao segundo caso; diante de enorme evolução técnica e legal disponível à seguridade infantojuvenil.
Por fim, será possível analisar a eficácia do Estado diante dos resultados úteis dos processos, bem como a importância da intervenção multidisciplinar nas demandas que envolvam abusos contra crianças e adolescentes, com propósito final de sugerir alternativas no caso de constatada a ausência de resultados satisfatórios.
Primeiro estudo de caso
Em meados dos anos 80, durante os primeiros anos de adaptação social à suposta liberdade da dissolução conjugal advinda da Lei 6.515, chamada de Lei do Divórcio (BRASIL, 1977), nasce um menino que receberá neste artigo o nome fictício de João. Residente com os genitores e a avó materna em um carente bairro paulistano, vivenciou o distanciamento paternal antes mesmo de completar 01 ano de idade, tendo sido determinado judicialmente à época um regime de visitas contemplado pelo instrumento de separação judicial consensual, firmado em 18 de dezembro de 1981, com homologação em 12 de janeiro de 1982, em uma das Varas de Família do Foro Regional do Tatuapé – SP.
No referido acordo, constou guarda unilateral da criança em favor da genitora, com visita facultativa do genitor aos sábados, em horário compreendido entre as 13h e 15h, desde que no lar maternal. No último sábado do mês o pai poderia retirar o filho comum na residência materna às 09h e devolvê-lo às 18h; homologado em Juízo com a devida autorização do Doutor Curador da Família (hoje denominado Promotor de Justiça). João se recorda que sentia muita falta do genitor, porém, a qualquer demonstração de saudade era repreendido pela genitora sob acusações de que este havia abandonado a família para se casar com outra mulher. Vale ressaltar que há poucas lembranças de João referente a este período, vez que possuía tenra idade.
Em análise documental, o primeiro registro na linha temporal encontrado possui data de 29 de outubro de 1984, onde o genitor de João recebeu uma carta redigida pela mãe (mantendo-se aqui sua redação original):
29/10/84
Este documento foi redigido por (nome da genitora) para que (nome do genitor) cumpra suas vontades.
Procure ser adulto e não vá atrapalhar meus planos. Isso é um segredo. Isso é um documento e não uma carta.
Minha decisão nada tem a ver com você.
Quero que você comece a por “João” em seus planos futuros.
Pretendo até o fim do ano deixar o futuro do menino garantido.
“João” gosta de você e será feliz.
Agora resolvi pensar em minha paz. Não tente me atrapalhar ou apenas tocar no assunto. Vamos pensar no futuro do menino.
Quero que você deixe ele sempre em contato com os padrinhos, é importante para ele.
Deverá ser católico, estudar, trabalhar e ser honesto.
Deixarei esta propriedade e um apartamento para ele. As rendas são para os estudos.
Deixarei dinheiro para meu enterro e de minha mãe. Ela não sabe, mas a levarei comigo, ela não saberá viver ser mim. Quando “João” morrer deverá ser enterrado ao meu lado.
Mantenha sangue frio e cuide de tudo. Diga ao “João” que o amei muito. Janeiro terei partido.
(Nome da genitora).
Diante de tal preocupação, em 19 de março de 1985, fora ajuizado pelo genitor naquela mesma Vara de Família do Foro Regional do Tatuapé-SP, requerimento de conversão da separação judicial em divórcio, cumulado com ampliação do regime de visitas. Segundo o requerente, embora tivesse preocupação com o teor daquela carta e outras evidências de maus-tratos ao filho (João), obtivera à época posicionamento dos profissionais especialistas de que a guarda possuía previsão legal em favor da maternidade, não existindo teor suficiente para requerimento de inversão da guarda, como pode se observar:
Art. 10. Na separação judicial fundada no “caput” do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que não houver a e dado causa.
§1º. Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa adv prejuízo de ordem moral para eles (BRASIL, 1977, art. 10).
Assim sendo, houve nova entabulação em 24 de abril de 1985, homologada em sentença por aquele Juízo e com a devida fiscalização do Doutor Curador de Família, onde se manteve a guarda em favor da genitora, alterando a visitação paterna para sábados quinzenais, tendo horário determinado das 10h às 18h, no lar maternal, permanecendo o caráter facultativo de cumprimento por parte do genitor.
Constou ainda no termo judicial que qualquer visita por parte do requerente fora do período estipulado caracterizaria invasão de domicílio com fundamento no artigo 153, § 10º da Constituição Federal de 1967, com alteração da Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969 (BRASIL, 1967, 1969).
Ainda no mesmo acordo se fez presente o termo: “Se o estado de saúde do menor permitir, poderá o genitor retirar e levar o menor a passeio sem a presença materna.”
João se recorda que embora tivesse muita vontade de permanecer por mais tempo com o genitor, nesse período acabava sofrendo muito pela preocupação dos encontros, vez que eram supervisionados pela genitora, que sempre observava a reação deste. Relata ainda que quando se esquecia, e acabava demonstrando afeto pelo pai era imediatamente repreendido pelo olhar materno e até mesmo por castigos físicos.
Com o crescimento de João, comenta seu genitor que nas raras vezes que conseguiu efetivar a visitação (devido à dificultação imposta pela genitora), pode constatar significativas alterações psicológicas no filho, passando então a ter desconfianças sobre maus-tratos praticados pela mãe. Passou a questionar o filho, que sempre negou e ainda, informava à genitora assim que retornava ao lar. João quando questionado, se recorda de tais fatos e declara que sua lealdade e cumplicidade à mãe existiam por mera necessidade de sobrevivência, pois realmente tinha temor às ameaças maternais.
João comenta que neste período passou a ver menos ainda o genitor, sendo obrigado a passar pó de arroz no rosto nas vezes que o mesmo vinha lhe visitar, onde a genitora informava que o mesmo estava doente, se valendo do supracitado termo a fim de proibir aquela visitação.
O genitor, através de seus advogados, ajuizou em uma das Varas de Família do Foro de Itaquera-SP uma nova Ação de Regulamentação de Visitas, em 24 de fevereiro de 1987.
Na petição inicial são relatados diversos atos maternais como a dificultação e proibição de convivência, campanha de difamação em desfavor do pai, opressão e manipulação de João nos encontros supervisionados por esta genitora. Atos que desde 1985 estavam sendo abordados no E.U.A., relatados como definição de uma suposta síndrome, em um artigo escrito por Richard Gardner (2004, p. 612, tradução nossa):
[...] um distúrbio que surge principalmente no contexto de disputas de custódia da criança. Sua manifestação primária é a campanha do filho para prejudicar o progenitor, uma campanha sem justificativa. A desordem resultada da combinação da doutrinação pelo progenitor alienante e da própria contribuição da criança para o aviltamento do progenitor alienado. [...].
Também a carta supracitada, redigida pela genitora, cuja mesma informava sobre seu suicídio e intenção de assassinar a avó materna de “João”, fora apresentada em Juízo. Apresentam ainda os advogados provas acerca da constante embriaguez da genitora e das alterações psicológicas do menor, requerendo em caráter de urgência a intervenção de estudos psicossociais.
Nos pedidos, entabulam-se a ampliação do regime de visitas com pernoite quinzenal e convivência nas férias e datas festivas.
O Juiz de Direito e Doutor Curador de Família decidem que a intervenção multidisciplinar não se faz necessária naquele momento de imaturidade processual, abrindo prazo para contestação.
A genitora então repudia as alegações do genitor, alegando que a verdade dos fatos está ligada ao abandono afetivo e material do genitor, pedindo pelo afastamento do mesmo em virtude de atos paternais que não condiziam com a boa formação do filho comum. Alegava em sede de contestação que o menor era induzido pelo pai a praticar a fala de palavras de baixo calão, “a olhar voluptuosamente às mulheres na rua” e que ainda, “o menor havia lhe relatado que nas parcas vezes em que foi à residência paterna chegou a presenciar atos sexuais praticados pelo pai com a então madrasta.”
Já em junho de 1987, presente na Manifestação à Contestação, informa o genitor através de seus advogados que as alegações não se firmavam verdades, inclusive não constando nenhuma juntada de provas.
Requerem a condenação por litigância de má-fé com fundamento no artigo 15 do Código de Processo Civil de 1973 e ainda, responsabilidade ao patrono adverso com fundamento no artigo 87, XII c/c alínea “c” do item I do Código de Ética Profissional de 25 de junho de 1934 (BRASIL, 1973). Por fim, insistem na necessidade de urgente realização de estudo psicossocial devido à gravidade dos fatos.
Em manifestação do Doutor Curador de Família, há parecer de irrelevância de prova juntada (supramencionada carta), opinando pela realização de estudos psicossociais em momento posterior mais oportuno, com concordância do Juiz de Direito.
Desta forma, resultou acordo entre as partes com ampliação do regime de visitas e inclusão de datas festivas, condicionadas à majoração do valor de alimentos prestado pelo genitor.
Um ano depois de comunicado o Juízo sobre os fatos supramencionados e oito meses antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, em 28 de fevereiro de 1988 (BRASIL, 1988), no 10º Distrito Policial da Penha – SP, foram narrados fatos pelo genitor e três testemunhas, formalizando Boletim de Ocorrência.
No referido documento, informaram que o menor João havia solicitado socorro por telefone a uma tia (irmã do genitor), dizendo estar sozinho com sua mãe no apartamento de seu padrinho e que a mesma estava querendo lhe jogar da janela daquele 10º andar. Consta no Boletim de Ocorrência a versão de que a criança com sete anos à época presenciou a genitora realizando cortes no rosto com uma lâmina de barbear a fim de que, após tê-lo jogado pela janela, pudesse informar que aqueles machucados eram resultado de ataques da criança, no intuito de alegar um surto psicótico infantil e consequente suicídio, lhe servindo aquelas marcas como álibi.
Relata ainda o Delegado de Polícia que “a criança encontrava-se completamente assustada, demonstrando grande pavor à figura materna”. Assim sendo, fora expedido ofício à Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor de São Paulo – FEBEM e uma das cópias fora entregue em Juízo, através de nova Ação de Alteração de Guarda, bem como em distribuição por dependência em Cautelar Inominada com fundamentação no artigo 798 do antigo Código de Processo Civil (BRASIL, 1973, art. 798):
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
A petição inicial da ação supracitada tem data de 02 de março de 1988 e fora distribuída em uma das Varas de Família do Foro do Tatuapé-SP, por entendimento dos advogados de que se fazia competente aquela comarca, já que era a localização atual do menor (residência paterna).
Além de todos os fatos pontuados anteriormente como a carta de suicídio, constante embriaguez e elementos que evidenciavam doenças psiquiátricas da genitora, foram postulados acontecimentos ocorridos durante o lapso temporal daquelas demandas, tais como uma tentativa da requerida em incriminar o genitor por um suposto estupro e uma conjectura de sequestro do menor realizado a mando do pai, onde João fora obrigado a reproduzir às autoridades todos os detalhes da história criados pela mãe no ensejo de responsabilizar o requerente. Também fora informado e comprovado pelo genitor que, inusitadamente, após as buscas policiais, a criança fora encontrada escondida embaixo de um pé de café no quintal da residência materna.
Posteriormente ainda foram levados ao conhecimento daquele Juízo diversos outros atos de agressividade da Ré, bem como diversos atos de maus-tratos infantis, o que anos mais tarde seriam classificados como atos de alienação parental.
Imediatamente aquele Juízo concedeu a liminar pretendida mantendo a guarda provisória em favor do genitor.
Ocorre que dois dias depois, em 04 de março de 1988 a genitora, através de seu advogado, ingressou com Busca e Apreensão do menor em uma das Varas de Família do Foro de Itaquera-SP, onde o Doutor Curador de Família se pronunciou favoravelmente à retomada de guarda em favor da genitora, com fundamentação no acordo de guarda e visitas homologado em vigor à época.
Diante da opinião ministerial e das fundamentações jurídicas apresentadas pelo advogado da genitora, a exemplo de incompetência absoluta do Juízo do Tatuapé-SP, fora revogada aquela liminar, efetivando-se a busca e apreensão da criança no lar paternal, a encaminhando à residência materna.
Imediatamente os advogados do requerente levaram a seriedade dos fatos àquele Juízo, que decidiu por marcar urgente audiência de justificação prévia para 07 de março de 1988.
Em 09 de março de 1988, após seis pernoites da criança com a Requerida, o Juiz de Direito entendeu por certo reconsiderar a decisão e manter a guarda provisória paternal.
O requerimento de nomeação urgente de estudos psicossociais já havia sido efetuado há mais de um ano, tendo naquele momento a nomeação apenas de assistente social, mantendo a decisão de nomeação de psicóloga futuramente, em momento mais oportuno.
Em seguida, mais precisamente em 16 de maio de 1988, a genitora ingressou com pedido de Regulamentação de Visitas, sendo favorável a opinião ministerial, inclusive com o requerimento de pernoite.
De tal sorte, o Juiz de Direito substituto que assumiu a causa deferiu apenas a visitação no lar paternal, aos domingos, das 13h às 18h.
No ensejo de resguardar o menor da convivência com a genitora, fora juntado ao processo parecer psicológico de profissional particular que estava realizando acompanhamento e tratamento com João, onde a Douta Psicóloga relatou: “o menor deixou claro, por várias vezes, que deseja permanecer na companhia paterna e que teme a presença da mãe, pessoa que para este representa o mal, a mentira e o medo”. Ainda, informou: “o menor passou por muitas situações desagradáveis, as quais lhe marcaram muito e que muito provavelmente lhe acarretarão problemas futuros”.
Informa ainda a profissional acerca de relatos da criança sobre abusos sexuais que eram praticados pela genitora, constante naquele mesmo laudo anexado ao processo.
Diante da delicadeza do caso, insiste o requerente através de seus advogados pela nomeação de perícia psicológica, a qual novamente é indeferida, bem como pela suspensão daquelas visitas maternais, o que também não lograram êxito.
Em seguida, em 22 de julho de 1988, a assistente social do Juízo apresenta estudo social favorável à troca de guarda em favor do genitor. No desenvolvimento de seu trabalho investiga diversos parentes e vizinhos de ambas as partes, bem como os próprios genitores e a criança envolvida. Com pronunciamento positivo em favor do requerente, apresenta diversas considerações sobre a genitora, das quais algumas são citadas a seguir: “A Reqda. demonstra amar o filho, mas deseja-o só para si, não aceitando a decisão deste, encontrando-se profundamente magoada com o mesmo”. Posteriormente, opina tecnicamente: “assim, sugiro que a visitação materna seja feita gradativamente e com prudência, através de visitas quinzenais sob supervisão profissional, visando desta forma não prejudicar a formação psicossocial de ‘João’”.
Posicionou-se também quanto ao menor:
[...] “João”, pelo que se observou, está muito assustado, fala sobre a genitora com receio e temor, não desejando retornar ao lar materno. Revela o menor, gostar de sua mãe, mas não aceitar o comportamento desta, sendo este a causa de sua separação com a mesma e seu desejo de permanecer com o genitor.
[...] evitando desta forma que os reflexos de tais circunstâncias possam acarretar-lhe futuros problemas. Ressalta-se que é de grande valia tal acompanhamento psicológico, o qual não deverá em hipótese alguma ser interrompido.
Embora tenha sido informado pela Douta Assistente Social que o menor relatava enorme sofrimento com as visitações maternais, elas foram mantidas. Em 03 de agosto de 1988 fora realizada às 13h a primeira audiência, dando início às entrevistas testemunhais. Já a segunda ocorreu em 10 de agosto de 1988, no mesmo horário, onde fora finalmente determinada e nomeada a intervenção psicológica.
Enquanto a supramencionada profissional realizava seus trabalhos, entrevistas, testes projetivos e gráficos, em 24 de agosto de 1988 ocorrera a terceira audiência, ainda com entrevistas às testemunhas das partes.
Em 09 de setembro de 1988, três anos e cinco meses desde a primeira solicitação de ajuda ao Estado em favor do menor, suplicada pelo requerente, fora finalmente juntado ao processo o laudo psicológico, formalizado por entrevistas com as partes e testes projetivos com o infante.
No referido instrumento apresentou-se teor completamente positivo em favor do genitor. Quanto à genitora, além de diversas considerações pertinentes às doenças diagnosticadas, foram apontados elementos que hoje poderiam ser evidenciados como atos de Alienação Parental através da legislação vigente - Lei 12.318 (BRASIL, 2010b), mas ainda não existente à época:
[...] Apresenta conteúdos de melancolia e nostalgia, que revelam o estado de compensação psíquica que ocorria no tempo em que estava casada. Após a separação do marido, a relação com o filho tornou-se simbiótica, compensando então sua vida psíquica através do mesmo.
[...] Quando indagada a respeito do que fará caso perca a contenda, verbaliza que irá desaparecer, para que seu filho nunca mais a veja, demonstrando assim a dificuldade em enfrentar a situação de perda.
Quanto ao menor, das diversas folhas redigidas pela perita, extraem-se alguns trechos:
[...] Em relação à figura materna, o sentimento mais presente é o medo, concebendo-a como alguém muito grande e forte, ameaçador e desprovido de qualidades. Tal vivência é tão intensa, que sente necessidade de “matar” a mãe, a nível interno e simbólico, para poder sentir-se mais seguro. Entretanto, o vínculo com a figura materna persiste, apesar de extremamente abalado.
[...] Relata ainda ter a mãe mantido relações a nível sexual com ele, descrevendo inclusive sensações desagradáveis experimentadas.
Em parecer final, ainda relata: “Sob a ótica da Psicologia, parece-nos adequado que o menor permaneça junto ao pai, não sendo indicada sua reaproximação da mãe, sem um prévio suporte terapêutico. [...]”
Por fim, em 14 de setembro de 1988, às 13h, fora realizada a última audiência de instrução e julgamento, inclusive com colhimento de depoimento do menor na presença dos genitores e seus advogados, onde fora lhe perguntado com quem o mesmo desejaria permanecer.
Em Sentença, fixou-se a guarda em favor do genitor, com visitação materna quinzenal por uma hora, a ser realizada naquele fórum sob supervisão técnica, à qual o menor compareceu duas vezes e não havendo o comparecimento materno, fora posteriormente revogada.
Do relato de “João”, hoje adulto
João relata se recordar que desde muito pequeno, cerca de quatro a cinco anos, havia rotineira desconstrução à imagem paternal realizada por sua mãe. Também se lembra que havia expressa proibição de demonstração sentimental em favor de seu pai e que no caso de descumprimento era castigado emocionalmente e fisicamente pela genitora. João comenta que passou então a elaborar discursos favoráveis e preferíveis à relação maternal, bem como ofensas ao genitor a fim de evitar a represália maternal. Os presentes advindos do genitor eram jogados fora ou queimados, suas fotos descartadas. Os encontros com o pai passaram a ser cada vez mais temerosos, pois estes sempre deixavam sua mãe infeliz e nervosa. Em entrevista, relatou: “Como “prêmio”, por demonstrar desinteresse (embora falso) pelo meu pai ela passou a me dar e ensinar algo que, como ela dizia, toda mãe que ama um filho o ensina: a fazer sexo.” Segundo João, nos momentos que antecediam os abusos sexuais, a genitora se embriagava e o forçava a ingerir a bebida alcóolica.
Se recorda que foi aproximadamente em 1985 que se iniciaram estes “ensinamentos”, possuindo à época, cinco anos de idade. Inicialmente os abusos maternais eram exclusivamente condicionados ao sexo oral. O mesmo era compelido a receber a prática e posteriormente era forçado a retribuir. João comenta que por muitas vezes tentava enganar a mãe, pois o ato lhe causava nojo, mas em todas era severamente repreendido.
O entrevistado comenta que a partir deste período passou a sentir vergonha e enorme culpa, não só por fazer algo que não tinha tanta clareza em ser o correto, mas por todas as orientações maternais quanto à necessidade de silêncio daquele segredo. Passou a sentir enorme pavor pertinente aos finais de semana paternais, pois já havia entendido que se em algum momento seu pai desconfiasse, algo de muito ruim aconteceria.
Logo em seguida, de 1985 a 1988 (05 a 08 anos de idade), vivenciou “novas fases de aprendizado”, como se lembra de ser dito pela genitora. Do sexo oral à penetração. Bastava uma saída de sua avó materna de casa para que tudo se iniciasse. O menor passou a ter pavor de ficar sem a presença avoenga.
Nos atos sexuais, recorda-se de ser orientado minuciosamente sobre como deveria proceder. De qualquer forma, não interessava o quanto atendesse aos pedidos maternais, era espancado no fim daquela realização, pois a genitora desejava que o filho lhe provesse uma gravidez, o que biologicamente era impossível devido à tenra idade de João, muito embora ele não conseguisse compreender.
Quando a avó materna passou a desconfiar, narra João ter presenciado, por diversas vezes, sua mãe a castigando fisicamente severamente a fim de que cessassem os referidos questionamentos avoengos.
Ao longo das entrevistas, João fez questão de solicitar que constasse seu relato sobre o sequestro forjado pela genitora em desfavor de seu pai, cujo mesmo fora mencionado anteriormente neste texto. Segundo sua narrativa, depois de ser ordenado a permanecer embaixo do pé de café do quintal de sua casa, sua mãe lhe orientou várias vezes sobre uma mesma história a ser contada para os policiais quando o encontrassem.
A genitora almejava que o genitor respondesse criminalmente e assim, se distanciasse de João.
Ela pediu para que eu mentisse, falando que um homem havia se aproximado de mim em um fusca amarelo dizendo ser amigo de meu pai, que me colocara um pano no nariz, me fazendo dormir. Que era pra eu dizer que tinha acordado na casa do meu pai e que depois, tinha ouvido ligações telefônicas e nervosismo da parte de todos os presentes na casa. Que novamente me colocaram um pano na boca, onde dormi e acordei embaixo de um pé de café no quintal na casa de minha mãe.
Disse João que a culpa e vergonha que carregava na infância e na juventude, advindas dos abusos sexuais maternais, foram mais bem solucionadas emocionalmente em detrimento aos demais abusos, vez que a obviedade de ausência de sua responsabilidade nos fatos ocorridos fora dissolvida com sua evolução etária e acompanhamento psicológico. Porém, narra que um enorme peso de cobrança pessoal existia por ter reproduzido as mentiras orientadas pela mãe em desfavor do pai, havendo corrosividade em sua saúde psicológica por longos anos. Não só por ter narrado a história fictícia do sequestro, mas por em todos os momentos ter contribuído com a depreciação paterna, comenta João: “Não desmereço as demais dores, mas as sequelas dos atos de Alienação Parental foram infinitamente mais significativas e destruidoras pra mim”.
Lembra-se João que à época, com muito cuidado o genitor o questionava, perguntando por algumas vezes: “Sua mãe tem te obrigado a fazer algo que não queira?”. Confessa João acerca da necessidade de omitir ou negar os fatos:
Lembro-me de todos os detalhes e inclusive da enorme vontade de pedir ajuda, mas eu era impedido pelo pavor ao que poderia acontecer não só comigo, mas principalmente, àqueles que soubessem do que estava acontecendo. Eu tinha absoluta certeza que minha mãe os matariam e não queria que corressem tal risco.
Nas entrevistas ele não só confirmou todos os abusos que foram noticiados nos processos judiciais, mas elenca diversos outros que sequer tiveram conhecimento.
Hoje, aos quarenta anos de idade, com sofrimento natural pelo que vivenciou, mas com notável superação e equilíbrio emocional, nos traz a importante reflexão da responsabilidade do Estado nos milhares de casos de abusos infantojuvenis existentes atualmente:
Eu sei muito bem o que é ser abusado em diversos sentidos, não só sexual. Sei bem o que é ser abusado emocional e psicologicamente. Sei muito bem o que significa um dia a mais (ou a menos) deste sofrimento e o quanto a demora e a negligência do judiciário podem afetar na saúde psicológica de uma criança ou de um adolescente.
Evolução legislativa
Diante do relato apresentado, será desenvolvida a seguir uma discussão referenciando a evolução legal, processual e multidisciplinar até os dias atuais, a fim de comparar a efetividade da proteção à vulnerabilidade infantojuvenil dos dias atuais através do segundo caso apresentado a seguir com esta apontada no relato de experiência de João. Desta forma, se faz de valia apresentar uma contextualização cronológica das alterações legislativas com objetivo de verificar se todas as novas adequações realmente alcançaram resultados práticos nas demandas judiciais presentes.
No mesmo ano de sentenciada a alteração de guarda provisória de João em favor do genitor, fora promulgada a Constituição Federal de 1988, incluindo dentre diversas outras proteções:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, art. 227, grifo nosso).
Dois anos depois de finalmente protegido o então menor daqueles maus-tratos que sofria, em 16 de julho de 1990 fora publicada a Lei 8.069, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990); revogando o antigo Código de Menores e entrando em vigor em 90 dias de sua publicação, criando inclusive órgão Conselho Tutelar a fim de zelar pelos direitos infantojuvenis. O referido dispositivo passou a versar sobre diversas proteções, inclusive replicando a mesma prioridade absoluta e obrigação do Estado supracitados em seu artigo 4º.
Em 10 de janeiro de 2002 houve publicação do novo Código Civil (BRASIL, 2002), trazendo grandes conquistas sociais, mais eficácia à igualdade de direitos e inclusive, garantindo uma melhor efetividade dos direitos infantojuvenis, os caracterizando como personalíssimos.
Em vigor desde a data de sua publicação, em 13 de julho de 2010, a Emenda Constitucional nº 66 (BRASIL, 2010a) reconheceu o direito ao divórcio como direto e potestativo, extinguindo definitivamente a relação de culpabilidade de dissolução conjugal e sua relação com a definição da guarda da prole.
Conforme consta no site do Ministério Público do Paraná (PARANÁ, 2020), o IBGE e SAP divulgaram em 2015 que cerca de 20 milhões de crianças e adolescentes no mundo sofriam com sequelas advindas da alienação parental e que 80% dos filhos de pais separados já foram maltratados com algum dos atos alienadores.
Cinco anos antes, o Brasil foi pioneiro em promulgar a Lei 12.318 – Lei da Alienação Parental (BRASIL, 2010b), criando mecanismos processuais no ensejo de coibir, estancar e penalizar a prática do abuso psicológico.
Aproximadamente quatro anos depois, em 22 de dezembro de 2014, entra em vigor a Lei 13.058 que dispõe sobre a aplicabilidade preferencial da guarda compartilhada em favor do direito infantojuvenil à convivência com ambos os genitores e familiares (BRASIL, 2014). Grandes avanços foram diagnosticados com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil em 18 de março de 2016.
No ano seguinte, especificamente em 04 de abril de 2017 fora publicada a legislação que trouxe garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, no tocante ao estabelecimento de assistência e proteção, entrando em vigor um ano depois de sua publicação - Lei n⁰ 13.431 (BRASIL, 2017).
Hoje, o Direito de Família brasileiro passou a ser chamado de Direito das Famílias em respeito à diversidade dos novos conceitos de núcleos familiares. O direito de visitas passou a receber nova nomenclatura em virtude dos direcionamentos psicológicos do bem-estar infantojuvenil. Hoje, o direito à convivência é da criança e do adolescente, cabendo no ordenamento jurídico atualizado a elevação da afetividade e seu resguardo, originando a obrigatoriedade de convivência aos pais, aplicando multas pelo descumprimento “astreintes” e até mesmo indenização moral por abandono afetivo. Desta forma, cabe neste momento a verificação se todos esses novos instrumentos jurídicos alcançaram a efetividade almejada, o que será feito a seguir.
Segundo estudo de caso
Já cientes de todas as evoluções legislativas narradas, passaremos ao segundo estudo de caso em que a narrativa nomeará o menino, simbolicamente, de Pedro.
Filho de uma breve relação descompromissada, Pedro permanece no lar materno, possuindo contatos espaçados com o genitor, tornando-se essa convivência cada vez mais frequente à medida que inicia o desmame.
De início a relação se demonstrava sadia e madura, sem nenhuma necessidade de intervenção de terceiros. Pai e mãe agiam conjuntamente na educação e criação do infante, mesmo que não houvesse qualquer forma de relacionamento conjugal. O monetário era deixado pelo genitor em espécie a fim de auxiliar nos custos, sem qualquer conjectura de formalização documental.
Ocorre que o pai de Pedro resolve em um determinado momento informar a mãe de Pedro sobre o relacionamento conjugal que possuía já há algum tempo, inclusive mencionando a data de casamento marcada.
Imediatamente a genitora proibiu a convivência com o filho comum, sob alegação de que ele ia ficar convivendo com uma terceira desconhecida. Solicitou a formalização de pensão alimentícia em juízo. Ainda, informou que o genitor nunca contribuiu materialmente para os cuidados de Pedro.
Não podendo comprovar, através do então advogado dela, resolvem levar um acordo a ser homologado perante o judiciário fixando valor mensal de pensão alimentícia, além de 10 prestações pertinentes aquele valor que “ele nunca havia contribuído”.
Sendo procurado pela parte para assumir o caso, quando questionei o pai de Pedro sobre essa situação ele me disse ter sido um acordo que havia firmado com a genitora a fim de que pudesse regulamentar a convivência com seu filho.
De todo modo, a única parte do acordo que fora rigorosamente cumprida foi aquela que regia as obrigações do pai. A mãe continuou proibindo a convivência, saindo sem avisar nos dias que seriam do genitor, etc.
Pois bem, o genitor e a madrasta de Pedro me procuraram neste período. Como demonstrado no primeiro estudo de caso, teoricamente todas as ferramentas processuais estavam a favor do pai, vez que caberia a execução de multa à genitora, caberia ajuizamento de Ação Declaratória de Alienação Parental, Busca e Apreensão do menor, dentre outras dezenas de possibilidades.
Em 24 de julho de 2018 fora protocolada a Ação informando os atos alienadores praticados, bem como diversos atos abusivos em desfavor da saúde psicológica e física do menor.
De grande valia informar que conjuntamente à petição inicial foram juntados laudos técnicos de psicóloga, psiquiatra e pedagoga; estando os três alicerçando a transferência de guarda de Pedro.
Cerca de quarenta anos depois do primeiro estudo de caso, ele se repetiu na Ação de Pedro: os pareceres multidisciplinares não foram sequer apreciados.
Outra coincidência está na insistência dos advogados que representavam os interesses das crianças (João e Pedro) em requerer estudo psicológico neutro (aquele realizado pelo profissional do Fórum), já que os estudos psicossociais acostados unilateralmente sequer serviram para análise do Ministério Público (órgão fiscalizador dos cuidados infantojuvenis).
Ocorre que toda a evolução legal demonstrada no presente artigo não fez nenhuma diferença entre os dois casos, mesmo que com lapso temporal de quarenta anos entre eles. Os estudos psicossociais foram postergados para “momento mais oportuno” pelo Juiz de Direito, com opinião igual do membro do Ministério Público.
Diversos foram os abusos praticados contra Pedro, todos devidamente noticiados e comprovados. Todos eles sem posicionamento diferente. Aguardava-se o deslinde processual a fim de cumprir as fases processuais. Fases essas que se prolongaram por dois anos e meio. Somente em 09 de dezembro de 2020 fora apresentado estudo por psicológico do judiciário.
Em seu requerimento, alguns meses antes, solicitou-se a presença da genitora, genitor e Pedro a fim que pudessem ser realizadas entrevistas individuais.
Em tentativa furtiva, a genitora não compareceu e muito menos permitiu que a criança comparecesse, estando presente naquela data apenas o genitor, que já não via o filho há mais de ano.
O objetivo da mãe certamente fora alcançado, pois tornou o estudo prejudicado, porém, a profissional que realizou o estudo entendeu por certo trazer o estudo unilateral.
Ela informa a ausência materna e da criança, bem como a metodologia aplicada naquele estudo: “Procedimento: Para a realização do presente estudo, utilizamo-nos de técnicas pertinentes à Psicologia, como entrevistas semi-dirigidas, observações, escuta clínica e intervenções verbais”.
Em segundo tópico expõe os relatos da entrevista e no terceiro, suas conclusões finais; informando ser necessária e urgente a alteração de guarda, não só pelo estudo supracitado, mas devido à análise documental das provas anexadas no processo.
Ainda assim pai e filho passaram separados em data natalina, bem como comemoração de Ano Novo. Não foi diferente durante o período de férias de janeiro.
A genitora continuava com suas proibições, inclusive com fundamentação na pandemia (COVID-19), a fim de justificar o distanciamento de Pedro e seu pai.
Embora tenham tido algumas insistências em audiências, o Juízo agora se colocava a aguardar realização de estudo social presencial.
A profissional nomeada fazia parte do grupo de risco e, portanto, solicitou adiamento sem prazo determinado, acolhido pelo sistema judiciário.
Foi só então mediante denúncias ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Corregedoria e Procuradoria Geral do Estado que em março de 2021 houve uma mudança no curso processual. Um dia após as denúncias, recebo contato telefônico do Promotor de Justiça marcando reunião telepresencial para o dia seguinte, onde fiz questão de ler todo o processo conjuntamente em sessão gravada, bem como apontamento de todas as provas juntadas, inclusive as periciais. Foram três horas e meia de reunião, demorando apenas mais vinte minutos para que o parecer do Ministério Público favorável à inversão de guarda, bem como a comunicação da grande urgência existente devido aos riscos que o menor enfrentava, constasse no processo.
Dezoito dias após o pronunciamento da Promotoria, em 29 de março de 2021, sobreveio sentença declarando os atos da genitora como alienadores e transferindo a guarda de Pedro em favor de seu pai.
| Tempo total de litígio (todas as ações) | Tempo total da ação de guarda | Requerimento de intervenção psicológica antecipada | Quantidade de solicitações de estudo psicossocial | Realização de estudo psicológico particular | |
| CASO 01 | 06 anos e 06 meses | 01 ano e 06 meses | SIM | 05 | SIM | 
| CASO 02 | 05 anos e 02 meses | 02 anos e 09 meses | SIM | 09 | SIM | 
| Metodologia dos estudos particulares | Apreciação do judiciário | Lapso temporal entre a petição inicial da ação de guarda e a juntada do Laudo psicossocial do judiciário | Lapso temporal entre a juntada do Laudo e a transferência de guarda | Tempo total de exposição da criança ao ambiente comprovadamente nocivo | |
| CASO 01 | Entrevistas com membros da família e testes infantis aplicados | NÃO | 01 ano e 07 meses | 05 dias | 07 anos e 11 meses | 
| CASO 02 | Entrevistas com membros da família e testes infantis aplicados | NÃO | 02 anos e 06 meses | 03 meses | 06 anos | 
Diante dos quadros apresentados, podemos consubstanciar uma afirmativa: Em quarenta anos de avanços no Direito das Famílias, infelizmente o sistema judiciário possui a mesma efetividade.
Em virtude da afirmativa acima e observando que a integridade das crianças foi prontamente resguardada, com total celeridade, após a juntada dos laudos no processo, poderíamos afirmar que a intervenção psicológica de forma antecipada teria atenuado 07 anos, 10 meses e 25 dias de exposição do menor ao ambiente nocivo no estudo de caso 01? E ainda, 05 anos e 06 meses no caso 02?
E por fim, o que exatamente essa quantidade de tempo em exposição à nocividade representa na saúde psicológica dos infantes e adolescentes?
Considerações finais
De acordo com a pesquisa realizada através do Relatório Justiça em Números pelo site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em caráter nacional, as Varas da Infância e Juventude e Varas de Família e Sucessões abrigaram 6.045.234 ações judiciais no ano de 2020 (MELO, 2020).
Segundo a mesma fonte, o Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM) registrou o maior crescimento dos últimos onze anos. A evolução no período entre 2009 e 2019 ocorreu tanto nas instâncias de 1º grau quanto nas de 2º grau, sendo que na primeira aumentou o índice em 14,1% e na segunda, 7,3%.
Desta forma podemos concluir que há uma maior quantidade de decisões judiciais ao longo dos processos, especialmente as terminativas (Sentenças e Acórdãos), porém, ainda não nos possibilita averiguar se também aumentou a efetividade de proteção à vulnerabilidade infantojuvenil.
Segundo o próprio CNJ, órgão que fiscaliza a eficácia do sistema judiciário, a morosidade da Justiça é a principal reclamação recebida através de sua ouvidoria. Mesmo com o acentuado crescimento do IPM, em 2019 o tempo médio de duração dos processos (até a Sentença) nas Varas Estaduais foi de dois anos e cinco meses. Em segundo grau, a média foi de mais oito meses e no Superior Tribunal de Justiça, mais nove meses. Ou seja, trilhando um raciocínio simplório (resguardando outras competências recursais), a estimativa de demora processual atual estaria em aproximados três anos e dez meses.
Obviamente trata-se de uma mera estimativa e, portanto, se faz de grande valia pontuar que temos nessa contabilização ações julgadas antecipadamente em aproximados três meses e de outro lado, demandas julgadas após quatro anos de seu ajuizamento.
Infelizmente os casos mais delicados como estes trazidos nos presentes relatos de experiências se enquadram nos prazos mais longos. Todos os que vivenciam a praticidade jurídica e multidisciplinar na esfera infantojuvenil conseguem constatar que a grande litigiosidade entre os genitores está no topo da lista dos motivos desta demora.
Litigiosidade esta embebecida em mágoas e desavenças tão profundas que se tornam, na maioria das vezes, o norteador de uma cegueira parental a ponto de que as próprias dores (dos genitores) sejam egoístas o suficiente para negligenciarem completamente a vulnerabilidade da própria prole e desta forma, fica o sistema judiciário de mãos atadas em tentar prover uma mediação de conflitos mais harmoniosa devido à obrigatoriedade legislativa em respeitar os infindáveis prazos processuais das partes para que apresentem suas versões dos fatos (Direito ao Contraditório). Tal sistema acaba por prolongar em demasia a fase postulatória (cerca de dois a três anos), nomeando e determinando a intervenção multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras, mediadores, etc.) apenas mediante início da fase saneadora do processo; ou seja, grande parte do tempo gasto no processo é destinado a propiciar terreno de discórdia e acusações entre os genitores, solicitando intervenção técnica a fim de avaliar e periciar sobre todo o alegado de forma tardia.
Ocorre que ao longo de todo este período (estimam-se mais de dois anos), crianças e adolescentes como João e Pedro continuam inseridas nos locais e nas relações nocivas, desenvolvendo e majorando os traumas e sequelas que os acompanharão por toda a vida. O Juiz de Direito, o Promotor Público, os Advogados, dentre outros; são profissionais graduados em Direito, concursados e habilitados aos referidos cargos. Não possuem qualificação profissional para identificarem os ruídos psicológicos infantojuvenis e desta forma, acabam por fornecer algo que é extremamente prejudicial aos menores: a prolongação do abuso psicológico.
A vitória processual (sem conjecturarmos as injustiças e erros judiciais) dá ao genitor uma folha timbrada e assinada contendo os louros de suas comprovações. Entrega ao derrotado uma angústia e dissabor que lhe fere o ego, porém, ao real vulnerável, que deveria receber tutela com absoluta prioridade, restam as sequelas e traumas que podem até serem indenizáveis, mas jamais reparáveis.
Embora pareça distante a apresentação de uma solução plausível, apresenta-se próxima e transvestida na simplicidade da obviedade. A intervenção de um “Poder Psicológico”, assim como denomino, deve ser obrigatória e antecipada, imediatamente após a instauração do processo que apresenta acusações de abusos, de quaisquer naturezas, que se faz de grande valia ressaltar ser completamente possível dentro de nosso ordenamento jurídico.
Certamente o leitor terá a imediata reflexão em defender a tese de que não é de simplicidade que veste a argumentação, pois bem se sabe que em vias práticas hoje há cerca de um único profissional da psicologia atendendo diversas Varas de Família, o que torna o trabalho inviável. Sabemos ainda que a ínfima remuneração ofertada afasta a procura de profissionais bem qualificados.
Em projeto científico que se encontra em andamento, realizado por estes próprios autores, já se comprovou que a intervenção antecipada do Poder Psicológico reduz drasticamente o lapso temporal das demandas, vez que o caráter probatório dos laudos técnicos adianta as decisões terminativas, efetivando a real tutela do Estado em favor dos menores, obedecendo a absoluta prioridade expressa em Constituição Federal. Assim, consequentemente, reduz-se drasticamente também o custo do Estado na manutenção de demandas judiciais tão longas, o que justificaria monetariamente a contratação de novos profissionais multidisciplinares bem qualificados.
De tal sorte, enquanto o supramencionado trabalho científico ainda não se configura em Projeto de Lei a ser aprovado, resta-nos a reflexão da evolução (ou involução) humana acerca do reconhecimento à ciência da psicologia da saúde e seus benefícios, bem como à necessidade de cuidados preventivos às mazelas emocionais e psicológicas, hoje tão preconceituadas por não poderem ser vistas ou tocadas.
As maiores dores não estão no físico exposto que os outros enxergam, mas sim, no interior próprio que o ser carrega, convive e dialoga todos os dias. Ser o que somos é infinitamente mais difícil e doloroso do que cedermos a sermos aquilo que querem que sejamos, portanto, é de grande primor e necessidade alavancarmos e protegermos a formação e desenvolvimento das crianças e jovens de hoje a fim de prevenirmos uma sociedade enferma de amanhã.
Em busca de averiguar na prática se esses conceitos poderiam efetivar o resultado esperado ao serem aplicados, procuramos uma Juíza de Vara das Famílias de uma grande comarca do Estado de São Paulo, que diante desta problemática envolvendo sofrimento infantojuvenil, criou uma sistemática onde determinava que em até 15 dias após a denúncia apresentada através da petição inicial, começassem os estudos psicossociais, bem como audiência com participação do(a) psicólogo(a) nomeado(a).
Hoje aposentada e sem acesso aos processos para determinar o tempo exato, a Juíza de Direito destaca que seja para constatar uma falsa denúncia ou real abuso praticado contra menor, demorava em média 03 meses.
Desta forma, conseguimos alicerçar nossa afirmativa de que a intervenção multidisciplinar em caráter antecedente poderia sim ter aliviado o sofrimento de João e Pedro na quantidade informada (07 anos, 10 meses e 25 dias no caso 01 e 05 anos e 06 meses no caso 02).
Por fim, no ensejo de compreender e mensurar, ainda que de maneira vaga o dano causado às crianças e adolescentes vítimas de abusos, transcrevemos trechos do documentário A morte inventada da produtora Caraminhola Produções e dirigido por Alan Minas; disponibilizado publicamente via Youtube (MORTE..., 2009).
O documentário traz depoimentos oriundos especificamente daqueles que sofreram Alienação Parental, o qual se enquadra como abuso moral e psicológico. É possível que o trauma advindo de atos de Alienação Parental seja o mais nocivo e perverso da atualidade, não só pela culpa que o alienado carrega consigo até mesmo em fase adulta (não conseguindo observar meramente como culpa do outro), mas pela projeção de se matar o genitor alienado durante a fase infantojuvenil e posteriormente, quando tem a consciência de questionar e desvendar a realidade vivida, passa a se ver obrigado a matar o genitor alienador para reestabelecer o vínculo com o alienado. De uma forma ou de outra, sempre haverá uma lacuna densa o suficiente para desencadear a quantidade enorme de suicídios, transtornos, sequelas e prejuízo na formação destas crianças e adolescentes. O silêncio deste abuso moral é transvestido de cuidado e amor pela parte alienadora, que acredita, não raras vezes, estar fazendo o correto pelo(a) filho(a), quando na verdade tortura-se o(a) filho(a) diante do egoísmo de sua própria dor de uma separação mal resolvida.
Dos 28 minutos e 44 segundos aos 29 minutos e 08 segundos do vídeo, uma das depoentes, Rafaela, comenta com a voz embargada:
Depois que eu cresci eu achava mesmo que meu pai tinha sido um escroto. Como é que tem coragem de largar a gente pequeno e tal? A última vez que eu tinha visto ele tinha sido nesse dia que eu fiz 15 anos que ele veio aqui no meu aniversário. Depois fiquei muitos anos sem ver e falando esporadicamente pra pedir dinheiro mesmo. Fiquei 11 anos sem vê-lo.
Dos 32 minutos e cinquenta e quatro segundos aos 33 minutos e 35 segundos, ela complementa:
Como é que pode? Por mais que minha mãe tivesse falado mal dele, que ele era um escroto, um filho da puta, eu achava que ele tinha desistido da gente, sabe? Por mais que ela quisesse falar mal dele, não sei o que, afastado, eu achava que mesmo assim ele tinha sido um covarde de desistir da gente porque apesar de toda dificuldade eu achava muito que ele tinha desistido mesmo, sabe? Desistiu dos filhos porque por mais que todo mundo falasse que meu pai era isso, aquilo, aquilo outro, eu achava que ele também tinha uma postura errada porque não tentava conversar com a gente, tentava se aproximar, sabe?
Já dos 34 minutos e cinquenta segundos aos 38 minutos e 19 segundos, Rafaela conclui:
Depois que eu estava fazendo terapia que eu quis resgatar e ouvir também o lado dele. Então, é engraçado que depois de 11 anos que eu não o via, quando eu cheguei lá no aeroporto era normal, era meu pai, sabe? Era a mesma coisa que 11 anos atrás. Meu pai estava ali – Oi pai, tudo bem? – Tudo, não sei o que. Foi pra casa, normal, aí acho que tive a primeira conversa de adulta assim com meu pai, mesmo, sabe? Já mulher... De falar com ele, dele falar as coisas como tinha sido, essa coisa difícil que ele tinha separado da mulher e não tinha separado dos filhos, e que sempre estava presente, que era um pai presente, que queria estar com a gente, mas... e conheci minhas irmãs já grandes e é estranho porque apesar de tanto tempo, tanta distância, tanto buraco, tanta coisa, eu estava ali com meu pai, sabe? Era o meu pai. Como se fosse o pai que eu vi da última vez que eu tinha 15 anos. Era a mesma coisa.
É engraçado porque eu tive uma mãe muito maravilhosa, sabe? De eu bebezinha até sei lá, minha adolescência toda, minha mãe era tudo assim pra mim, sabe? Então eu me lembro do quanto ela era carinhosa, do quanto ela era cuidadosa, de tudo isso. Então eu tive uma mãe muito maravilhosa, mas eu lembro também que essa mãe maravilhosa falava muito mal do meu pai. Então eu cresci desse ódio do meu pai. Então quando eu comecei a ter consciência, olhando pra trás agora, eu vejo que ela atrapalhou muito nessa relação com meu pai. Se ela tivesse percebido que meu pai não deu certo com ela como homem e que isso não interferiria nele como pai, podia ter sido tão mais saudável, sabe? A vida toda. Não precisaria ter esse buraco que eu tenho, sabe? De não ter essa presença e agora não estar falando nem com ela nem com meu irmão, sabe? Que acho que até eu sinto muita falta, sabe? É... é difícil pra mim. Olhando assim pra trás eu tive uma mãe ótima por um tempo, mas depois quando eu comecei a ter consciência das coisas e correr atrás e querer me entender, meu comportamento no mundo e quando eu entrei na terapia e tudo... Eu vi que pra eu conseguir caminhar eu tinha que dar uma cortada, sabe? E cortar minha mãe da minha vida foi muito complicado... Eu tentei explicar mil vezes pra ela, o que tinha acontecido, mas ela não acha que esta errada, não acha que fez nada errado, ela acha que fez tudo do melhor que ela pode, ela não acha que ela teve nenhuma influência da gente odiar meu pai. Ela acha que não! Que não teve nenhuma influência...
O documentário, disponibilizado de forma pública, foi lançado em 2009. Em 2012, outra obra com a mesma temática fora lançada no 1º Congresso Nacional Alienação Parental: Um olhar jurídico e Psicológico, disponibilizada publicamente: O amor que tu me tinhas – um documentário sobre Alienação Parental, com roteiro, produção e direção de Mayara Fukuoka e Paula Carvalho (AMOR..., 2012).
De todo o substanciar a compreensão alcançada neste artigo, se faz justificável finalizar o presente transcrevendo a fala de Jorge Trindade, Psicólogo e presidente, à época do documentário, da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica:
Os efeitos para uma criança podem perdurar pra uma vida inteira. Então, diagnosticar de forma precoce, identificar o mais cedo possível, dar o encaminhamento jurídico e psicológico o mais cedo possível é fundamental para que a gente minimize as consequências da Alienação Parental, fazendo com que a criança esteja mais protegida, veja uma perspectiva de vida mais saudável; para que o alienador cesse o processo de alienação e para que o alienado saia do lugar de alienado porque nós sabemos que aí há uma correlação: onde há um alienador é porque alguém também se coloca no lugar de alienado; assim quando há um abusador, alguém mais fraco esta no outro polo e assim as relações de poder se estabelecem.
Referências
AMOR que tu me tinhas: um documentário sobre alienação parental, O. Direção e produção: Mayara Fukuoka e Paula Carvalho. Febspot, 2012. 1 video (31 min). Disponível em: https://www.febspot.com/video/2305176. Acesso em: 19 out. 2021.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em: 19 out. 2021.
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