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LITURATERRA [Resenha: 2022, 2, 2] O Cotidiano da Revolução
Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, vol. 14, núm. 2, pp. 370-376, 2022
Universidade Federal Fluminense

Resenhas

Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos: mantém os direitos autorais e concedem à revista o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution que permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista.
AGULHON Maurice. 1848: o aprendizado da República.. 1991. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 256pp.. 978-8521905134

Recepción: 03 Marzo 2022

Aprobación: 03 Abril 2022

DOI: https://doi.org/10.15175/1984-2503-2022142010

“Paris tem sempre os dentes à mostra: quando não está agastada, ri”

(Victor Hugo, Os Miseráveis, terceira parte, livro primeiro).

Em tempos de crise (crise sanitária associada pandemia da Covid 19, crise geral do capitalismo neoliberalista e suas guerras), como a experienciada por todos nesta segunda década do século XXI, convém aprofundarmos a reflexão sobre livros que desenvolvem métodos e estratégias de análise de conjunturas históricas.

A historiográfica sobre os acontecimentos em torno das revoluções de 1848 – designadas “primavera dos povos”, evento de proporções transnacionais ocorrido em vários países europeus, constitui possibilidade ímpar para o desenvolvimento de análises de conjuntura no tempo presente.

Vinte anos passados desde a primeira edição em língua portuguesa pela Paz e Terra, a releitura deste livro atualiza algumas interpretações que não perderam sua pertinência e relevância.

O movimento revolucionário de 1848 na França, contudo, tem sido o mais estudado, referido e projetado como campo de observação empírico para o campo dos estudos históricos e da teoria política. Daí a pertinência da assertiva de Victor Hugo no seu mais famoso livro, “Os Miseráveis”, quando se refere à ira e à gaiatice dos parisienses. E tudo isso para não falar da análise de conjuntura histórica francesa empreendida por Karl Marx sobre as revoluções de 1848, em especial seus efeitos na ditadura bonapartista que se seguiu a elas (1852-1870).

Na combinação da ira com a gaiatice reside a alma de Paris e, por extensão, da França em meados do século XIX. Chamamos de “alma” o imaginário social da cidade que é constituída por todo um universo mental cuja historicidade expressa-se nas representações ideológicas – ritos, cerimônias, mitos, etc. Pela importância de Paris no conjunto da formação social francesa, podemos dizer que este universo mental parisiense tenderá a se impor no processo de ideologização que constrói a identidade social francesa.

Ao evocar o debate entre republicanos e monarquistas na França no período de 1848-1852 (2ª. República), Maurice Agulhon, historiador dedicado ao estudo desta conjuntura e do republicanismo francês, opta por esmiuçar a conjuntura revolucionária e apresenta uma contribuição importante para o estudo da História da França e das várias conjunturas de embate no processo de revolução burguesa naquele país. Suas preocupações teóricas e político-ideológicas caminham ao longo do livro em duas direções. De um lado, Agulhon indaga-se sobre as condições históricas que criaram uma situação revolucionária no final da década de 1840. No fundo, questiona-se sobre o processo histórico que transforma o riso em ira revolucionária; que gera o elã contestatório nas classes subalternizadas parisienses, segundo o autor, aparentemente passivas.

De outro lado, esta busca através do estudo das revoluções de 1848 deve também entendida no contexto dos acontecimentos de Maio de 68 em Paris (a publicação de “O Aprendizado da República” data de 1973), quando os estudantes do Quartier Latin levantaram barricadas e mobilizaram a França. Sobretudo, o movimento estudantil francês calou fundo e motivou uma greve operária que, juntamente com os desdobramentos da guerra de independência argelina, provocaram abalos políticos na sólida estrutura de poder tecida pelo general De Gaulle, desde fins da 2ª. Grande Guerra. Abalou-se a crença numa relativa estabilidade (vista como “passividade”) na qual estaria submersa a sociedade francesa.

Por certo o livro de Agulhon procurou respostas no passado para melhor compreender a conjuntura de 1968. No capítulo 2, “Tentativa e fracasso de um socialismo”, o autor situa as “jornadas de fevereiro”. Tais jornadas constituíram-se basicamente da campanha dos banquetes. Na impossibilidade de realizar reuniões ou comícios públicos, os partidários da reforma eleitoral e parlamentar (adversários dinásticos de Luís Felipe e republicanos, coligados no encaminhamento desta reforma) organizavam banquetes com a participação de um número grande de pessoas e nos quais os brindes convertiam-se em discursos políticos.

A 21 de fevereiro o governo sob a liderança de Guizot baixou uma proibição para que um desses banquetes se realizasse no dia seguinte. A decisão governamental chegou tarde: “Os operários e estudantes afluíram dos subúrbios do Leste e do Quartier Latin, dirigindo-se à Place de la Madeleine (o banquete seria realizado numa sala dos Champs-Ellyséss)” (p. 35). Destacamos esta citação pela ênfase dada pelo autor à aliança entre estudantes e operários. Em fevereiro de 1848 os estudantes mobilizaram-se em apoio ao movimento operário. Em maio de 1968, os operários fizeram greve em apoio ao movimento estudantil. Destarte, revela-se nessa passagem a preocupação político-ideológica de Agulhon em recuperar historicamente tal aliança.

Levando este argumento mais longe, caberia algumas indagações sobre a recuperação da memória da Revolução de 1848 em França na conjuntura atual. Que motivações explicariam uma retomada dos debates sobre as revoluções de meados do século XIX? Mais especificamente, que situação histórica particular estaria a hipotecar esforços para a elucidação da irrupção (quase sempre inesperada) de movimentos sociais e políticos contestatórios? De alguma maneira, os recentes acontecimentos políticos nos países da Europa Centro-oriental despertaram e despertam ainda neste primeiro quartel do século XXI o interesse no tema.

Maurice Aguilhon lança mão de um jogo de palavras que é muito sugestivo e abre caminho para a interpretação das condições históricas que prepararam a Revolução. Afirma o autor que a República proclamada a 25 de fevereiro de 1848 em Paris foi sustentada pelos “republicanos de véspera”. Estes contrapunham-se aos “republicanos de amanhã”, para quem a república era transitória; esperavam a restauração da monarquia. Os “republicanos de amanhã” são tratados por Agulhon como republicanos por “passividade e circunstâncias”. Os “republicanos de véspera”, os verdadeiros arquitetos e construtores da república em 1848, eram partidários calorosos e convictos da “república pela própria república”, ou seja, pelas ideias revolucionárias que a bandeira republicana radical representava. O autor desenvolve seu argumento mostrando que a evocação da república se confundia no imaginário social com a ditadura jacobina (1793-1795); confundia-se com o terror e a guilhotina. Tudo fazia crer, segundo Agulhon, que os “republicanos de véspera” tinham pouca chance política de fazer ressurgir os ideais de 1789 e que as forças favoráveis à restauração monárquica seriam, por anos, hegemônicas.

“O Aprendizado da República” trabalha o dia a dia da vida política francesa entre 1848 e 1852. Desenvolve uma articulação das especificidades desta conjuntura com a dinâmica histórica de formação da estrutura de classes e seus desdobramentos políticos e ideológicos. Destaca a crise econômica de (1847-48). Situa o desgaste político da monarquia e o fortalecimento do movimento socialista. Paralelamente, formula uma interpretação sobre as condições histórico-culturais presentes neste processo como parte constitutiva da conjuntura revolucionária. “O romantismo era onipresente. Pode-se mesmo dizer que nos anos 1840 os grandes poetas - Hugo, Lamartine, Vigny, Musset – brilharam com toda intensidade [...]” (p. 19). O romantismo e o populismo levavam a elite intelectual a apontar no povo um reservatório de forças novas em termos políticos e culturais e a questão social foi incorporada à produção literária.

Mas não somente a produção literária é enfatiza como condição histórico-cultural favorável à Revolução. Agulhon sublinha ainda o papel da História e dos historiadores que, paralelamente à influência de memórias individuais (dos “republicanos de véspera”) que mantiveram acesa a chama revolucionária, contribuíram para a criação de uma memória coletiva. “É graças à História que nos anos 1840 a República se torna mais conhecida [...]” (p. 12). Michelet, com sua “L´Histoire de la Revolution”, Lamartine, com “L´histoire des Girondes” e Louis Blanc, com “L´histoire de la Revolution”, entre outros, assentaram tijolos nesta memorização coletiva.

Queremos, por fim, concluir com uma citação do historiador francês Lucien Febvre, de 1949: “Organizar o passado em função do presente: é aquilo a que poderíamos chamar a função social da história” (FEBVRE, 1949/1985, p. 258).

Referências

FEBVRE, Lucien. Combates pela História (1949). Lisboa: Editorial Presença, 1985.

Notas de autor

1 Doutora em Ciências Humanas (História Social, Universidade de São Paulo). Professora Titular de História da Universidade Federal Fluminense. Editora de Passagens. Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica. Pesquisadora do Conselho Nacional de desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Membro do RCSL (Research Committee on Sociology of Law – Iinternational Sociological Association) e da AUPPF (Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental).

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