Resumo: O assédio moral no trabalho remete à exposição prolongada e repetitiva de trabalhadores a situações ofensivas, humilhantes e constrangedoras, que podem desencadear intenso sofrimento psicológico às vítimas. A literatura identifica os grupos de apoio aos sujeitos assediados moralmente como alternativas de intervenção emergentes e com resultados positivos aos participantes. Dados os casos identificados em uma universidade pública do sul do Brasil, foi realizado um grupo de apoio psicológico e o artigo descreve qualitativamente o desenvolvi mento do mesmo. O grupo foi composto por 5 mulheres, que participaram de 8 encontros nos anos 2014 e 2015. Dentre os principais resultados dessa intervenção, destaca-se um maior esclarecimento sobre o assédio moral, elaboração de novas estratégias de enfrenta mento e o desenvolvimento de um contexto de apoio mútuo entre as participantes.
Palavras-chave:assédio moralassédio moral, trabalhadores trabalhadores, grupo de apoio grupo de apoio, saúde do trabalhador saúde do trabalhador.
Resumen: El acoso laboral se refiere a la exposición prolongada y repetida de los trabajadores a situaciones ofensivas, humillantes y vergonzosas, y puede desencadenar un intenso sufrimiento psicológico en las víctimas. La literatura identifica a los grupos de apoyo con trabajadores acosados moralmente como alternativas de intervención emergentes con resultados positivos para los participantes. Este trabajo tuvo como objetivo describir cualitativamente el desarrollo de un grupo de apoyo que ocurrió en una universidad pública en el sur de Brasil.El grupo estaba compuesto por 5 mujeres que participaron en 8 reuniones en los años 2014 y 2015. Los resultados de esta intervención brindan información sobre el acoso laboral, el desarrollo de nuevas estrategias de afrontamiento y el desarrollo de un contexto con apoyomutuo entre los participantes.
Palabras clave: acoso laboral, trabajadores, grupo de apoyo, salud del trabajador.
Abstract: Bullying at work is a form of violence which consists in prolonged and repeated exposure of workers to offensive and humiliating situations and may be a trigger of psychological distress in many individuals and groups. Literature in the field identifies support groups as an emergent treatment alternative with positive results. This study aimed to qualitatively describe the development of a support group for people who suffered bullying at work in a public university in the South of Brazil. The group was composed of 5 women who took part in 8 meetings during 2014 and 2015. The main results of this intervention provide information about bullying at work, developing new coping strategies and the development of a framework of mutual support among the participants.
Keywords: Bullying at work, workers, support group, worker’s health.
Artículos
Intervenção em grupo de apoio psicológico a trabalhadores vítimas de assédio moral
Intervención en un grupo de apoyo psicológico con trabajadores acosados moralmente
Intervention in a psychological support group with harassed workers
Recepção: 17 Novembro Maio 2015
Aprovação: 16 Junho 2016
O atual contexto socioeconômico pode ser caracterizado por grandes mudanças decorrentes da intensa globalização e da aceleração proporcionada pelos avanços tecnológicos. Lehman (2010) denominou esse cenário como a Era de Kairós, a qual, na mitologia grega, é associada ao tempo descontínuo e imprevisível. Essa reconfiguração da sociedade apresenta consequências como a hipercompetitividade entre organizações, instabilidades no “comportamento” do mercado e inseguranças no trabalho e no emprego, que são propícios a adoção de procedimentos perversos por muitos dirigentes e trabalhadores (Hirigoyen, 2001), a fim de obterem melhores resultados de produtividade ou a interesses próprios. Esse cenário também propicia a insegurança generalizada, ao se considerar que a manutenção das organizações e dos empregos implica a necessidade de os trabalhadores serem competitivos, qualificados, flexíveis, criativos e polivalentes. Torna-se propícia, então, a ocorrência de práticas de violência no ambiente de trabalho e a própria naturalização desses comportamentos no sistema macroeconômico, bem como em nível meso e microorganizacional (Heloani, 2003).
O termo violência possui origem latina e refere-se ao constrangimento sobre uma pessoa com vistas a levá-la a realizar algo contrário à sua vontade (Tolfo, 2011). Caracterizado como fenômeno complexo e polissêmico, a violência pode incluir desde o uso da força e coação (seja verbal, física, política, econômica) até as situações de constrangimento físico ou moral (Gomes & Fonseca, 2005; Quintanilla & García, 2014; Saavedra, 2004). Nessa perspectiva, portanto, ultrapassa-se a ideia de violência físico-explícita, ao se problematizar também as formas menos explícitas (ou sutis), psicológicas e, não menos, perversas de violência, como é o caso do assédio moral no trabalho.
O assédio moral, enquanto uma das formas de violência de caráter predominantemente psicológico é tão antiga quanto o trabalho (Heloani, 2004), porém passou a ser considerado como temática imprescindível na discussão da interface entre saúde e trabalho muito recentemente - a partir da década de 1980 (Soboll, 2008).
Após anos de pesquisa em países diversos, Leymann (1996) trouxe a noção de mobbing ou psicoterror como fenômeno que pode ser conceituado como um conjunto de comportamentos hostis de um indivíduo ou grupo com vistas a excluir um de seus membros, e que tem como efeito a fragilização psicológica desse. O referido estudioso também propõe que o termo bullying seja voltado para grupos de crianças, sob a perspectiva do comportamento do agressor, enquanto o termo terror seria direcionado aos grupos de adultos, com foco na avaliação da vítima, como sinônimo de assédio moral (Leymann, 1996). Soboll (2008), porém, indica que alguns autores ainda utilizam os referidos termos como sinônimos, embora respeitem as conotações específicas de cada um deles.
Ainda no âmbito internacional, Hirigoyen (1998, 2001) popularizou a reflexão sobre esse sofrimento invisível e protagonizou a abertura de inúmeros debates sobre o tema na França. No Brasil, a sistematização acadêmica sobre essa violência ocorreu mais tardiamente, por meio de pesquisas realizadas por Barreto (2000, 2005) que estimularam a divulgação do tema e novas investigações a respeito dessa forma de violência. Para Barreto (2003), o assédio moral corresponde à exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva e prolongada, caracterizando uma atitude desumana, violenta e antiética nas relações de trabalho. Na mesma direção, Heloani (2004) destaca a intencionalidade dos comportamentos, e defende que o mesmo consiste na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua consequente fragilização, com o intuito de neutralizá-la em termos de poder. Em outras palavras, “trata-se de um processo disciplinador em que se procura anular a vontade daquele que, para o agressor, se apresenta como ameaça” (Heloani, 2004, p. 5). Tolfo (2011) acrescenta que as condutas abusivas referentes ao fenômeno podem incluir aspectos evidentes ou encobertos e sutis – gestos, palavras, ações, atitudes – e remetem contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa
Soboll (2008) indica quatro elementos essenciais na identificação do assédio moral interpessoal, são eles: 1) ataques psicológicos (humilhações e desqualificações que causam desconforto psicológico); 2) habitualidade (repetição e continuidade); 3) intencionalidade (intenção de prejudicar, anular ou excluir); 4) pessoalidade (o alvo das agressões é uma pessoa específica). Especialmente quanto ao segundo item mencionado, Hirigoyen (2002) já havia defendido que o assédio moral somente adquire significado pela insistência. Tolfo (2011) também destaca a frequência e a continuidade com que são manifestos os comportamentos do assediador como os principais critérios aceitos para configurar a ocorrência do fenômeno, ou seja, as situações de vexame, ofensas, ameaças que se tornam repetitivas longitudinalmente - em torno de seis meses e uma semana (Leymann, 1996).
Hirigoyen (2002) também identificou e agrupou quatro categorias de atitudes hostis que caracterizam o assédio moral no trabalho, descritas a seguir:
a) Deterioracao proposital das condicoes de trabalho do assediado – retirar a autonomia; não transmitir informações úteis para a realização de tarefas; contestar sistematicamente as decisões da vítima; criticar o trabalho de forma injusta ou demasiada; privar o trabalhador de acessar seus instrumentos de trabalho; retirar o trabalho que normalmente lhe compete e dar permanentemente novas tarefas; atribuir proposital e sistematicamente tarefas inferiores ou superiores às suas competências; pressionar para não exigir seus direitos; agir de modo a impedir ou dificultar que obtenha promoção; causar danos em seu local de trabalho; desconsiderar recomendações médicas; induzir ao erro.
b) Isolamento e recusa de comunicação – interromper a vítima com frequência; não conversar com a vítima; comunicar-se unicamente por escrito; recusar contato; isolar do restante do grupo; ignorar a presença; proibir que colegas falem com a vítima e vice-versa; recusa da direção em falar sobre o que está ocorrendo.
c) Atentado contra a dignidade – utilizar insinuações desdenhosas; fazer gestos de desprezo para a vítima; desacreditar a vítima diante dos colegas, superiores ou subordinados; espalhar rumores a respeito da honra e boa fama; atribuir problemas de ordem psicológica; criticar ou brincar sobre deficiências físicas ou de seu aspecto físico; criticar acerca de sua vida particular; zombar de suas origens, nacionalidade, crenças religiosas ou convicções políticas; atribuir tarefas humilhantes.
d) Violência verbal, física ou sexual – ameaçar a vítima de violência física; agredir fisicamente; comunicar aos gritos; invadir sua intimidade; seguir e espionar a vítima; danificar o automóvel da vítima; assediar ou agredir sexualmente a vítima através de gestos ou propostas; desconsiderar os problemas de saúde da vítima.
É oportuno mencionar que o assédio moral se diferencia de uma situação de desqualificação isolada ou eventual, mesmo que essa venha a produzir dano moral severo ao indivíduo. Embora fatos isolados possam não parecer violências ao trabalhador ou ao assediador, o conjunto de práticas vexatórias, de pequenos traumas, é que gera a agressão (Hirigoyen, 2001). As atitudes e comportamentos de humilhação e desqualificação do outro normalmente começam de forma lenta e gra dual, o que as tornam uma forma de violência invisível (Tolfo, 2011). É comum que o agressor utilize de procedimentos perversos, nos quais o conflito fique encoberto, e o próprio assediado se culpabilize pelas ocorrências. Além do mais, inicialmente o trabalhador assediado pode não identificar claramente o que está ocorrendo ou não quer se mostrar ofendido com as humilhações. Com a continuidade e o aumento da frequência e/ou da intensidade dessas situações, as pessoas sentemse acuadas, postas em situações constrangedoras, e em alguns casos, podem ser submetidas a manobras hostis e degradantes durante um período maior (Tolfo, 2011).
Salienta-se que a classificação de atitudes hostis foi elaborada por meio de dados obtidos em pesquisas realizadas na França. De acordo com Smith (2007), o uso de uma teoria desenvolvida em outra cultura merece atenção, pois deve-se considerar as diferenças e valores locais. Em geral, os fenômenos são estudados em um contexto social e aplica-se a teoria para vários outros. Ao utilizar a classificação da autora francesa, cabe certa flexibilização, pois as práticas de assédio apresentam peculiaridades de acordo com a cultura do país e a própria cultura organizacional. Ressalta-se que os casos de assédio podem apresentar mais ou menos atitudes em uma categoria, considerando o contexto de trabalho daquele indivíduo
De forma geral, o assédio moral é desencadeado por dois fatores principais: 1) recusa frente a diferenças (Tolfo, 2011), que pode ser relacionada ao sexo, cor, etnia, deficiências, orientação sexual, etc. ou características que destacam o assediado, referente às competências, comprometimento no trabalho e visão crítica sobre o mesmo; 2) abuso de poder (Heloani, 2004) nas relações de trabalho. Assim, embora o assédio ocorra predominantemente na direção vertical descendente (chefia-subordinado), em decorrência do uso de procedimentos não legítimos de poder, Tolfo (2011) ressalta que o mesmo pode ocorrer também na direção horizontal (mesmo nível hierárquico), vertical ascendente (subordinado-chefia), e misto (assédio de chefias e colegas ou subordinados). Assim, muitas vezes um profissional competente pode representar uma ameaça para o agressor e posteriormente tornar-se alvo de desqualificações. De forma semelhante, pessoas autênticas e questionadoras podem sofrer agressões por não se submeterem ao autoritarismo do assediador (Hirigoyen, 2001). Além dessas características, o objetivo do agressor é de atingir o outro, romper com a sua estabilidade emocional (Hirigoyen, 2001; 2002), pressionar o outro a pedir demissão ou remoção do local de trabalho, e neutralizar o poder da vítima, fazendo com que o mesmo se sujeite passivamente a determinadas condicoes de trabalho (Heloani, 2004; Tolfo, 2011).
Embora identificado nas relações entre assediado e assediador, faz-se importante distinguir duas categorias de assédio moral conforme o grau de abrangência: 1) interpessoal; 2) organizacional. Enquanto o primeiro tem como alvo específico atingir determinado(s) trabalhador(es), o segundo alcança grande parte dos profissionais da organização, como estratégia de gestão. Com base em Gosdal, Soboll, Schatzmam, e Eberle (2009) constata-se que o assédio moral organizacional é um conjunto sistemático de práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam alcançados determinados objetivos institucionais, relativos à: controle do trabalhador, custo do trabalho, aumento de produtividade e resultados, exclusão, prejuízo de indivíduos ou grupos com fundamentos discriminatórios, ou disciplinadores.
O assédio moral, tanto em nível interpessoal quanto organizacional, traz consequências para o indivíduo, para a organização, e para a sociedade. No que se refere a sua vida pessoal, o trabalhador que é constantemente desqualificado pode abandonar ou passar por dificuldades nas relações familiares. Há casos em que eles sentem-se humilhados e perdem a disposição e a paixão pela vida (Martiningo Filho & Siqueira, 2008). A exposição a essas violências pode ter efeitos negativos na identidade, autoestima, além de ocasionar danos à saúde física e psíquica, expressas por meio de ansiedades, alterações de humor, estresse, depressão, burnout até o suicídio. Em outro nível, a organização também pode ter prejuízos no clima organizacional, na criatividade, na produtividade, na qualidade das tomadas de decisão, nos índices de absenteísmo, rotatividade e, afastamentos, etc. Por último, os danos à saúde do trabalhador refletem em custos sociais com tratamento médico e reabilitação, despesas com benefícios sociais, e custos com processos administrativos e judiciais.
Ainda que recentes, as intervenções organizacionais de prevenção e combate ao assédio moral no trabalho vem aumentando no decorrer do tempo (Jimenéz, Aguilar & Pita, 2011; Martiningo Filho & Siqueira, 2008; Teixeira, Reis & Santos, 2013). Porém, há casos nos quais as organizações não realizam ações efetivas para prevenir e combater esse fenômeno e os trabalhadores não tem um espaço de escuta ou de ação oferecido pela organização. No caso deste estudo, o foco da intervenção foi direcionado às repercussões na vida do trabalhador, na modalidade de trabalho em grupo.
Utilizadas com frequência na área da psicologia e serviços de saúde, as intervenções grupais são priorizadas pela sua potencialidade em promover o compartilhamento entre os membros sobre vivências relacionadas ao tema do grupo, o que colabora para a [des] individualização da dificuldade e do sofrimento. Em várias áreas, utiliza-se o trabalho em grupo, como, por exemplo: intervenção em grupos com mães e bebês (Oré, Díaz & Penny, 2011), com mulheres vítimas de violência doméstica (Matos, Machado, Santos & Machado, 2012), pro fessores do ensino básico (Patias, Blanco & Abaid, 2009). No campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho, os grupos aparecem como possibilidade de intervenção em diversos contextos, sendo realizados no contexto organizacional ou fora dele.
Com relação às intervenções incluindo trabalhadores vítimas de assédio moral, foram encontradas poucas publicações em periódicos e livros. Nesse sentido, Tolfo (2013) listou possibilidades de interven-ções organizacionais com base em menções na literatura. Glina e Soboll (2012) também realizaram revisão de literatura a partir da qual identificaram diversos métodos utilizados em intervenção tanto com as vítimas como com os assediadores. Segundo Cassito, Fattorini, Gilioli & Rengo (2003), uma possibilidade de intervenção são os grupos de apoio formados por pessoas que sofreram assédio moral no trabalho. Estes grupos permitem, em primeiro lugar, o compartilhamento das experiências, a conscientização de que o trabalhador não é o responsável pelo ocorrido, o reconhecimento da agressão e a modificação de comportamentos por parte das vítimas para lidar com a situação.
É importante que o problema da pessoa seja reconhecido por outros, pois o reconhecimento tem papel significativo para diminuir a negação da vítima diante da agressão. Isso facilita que o sujeito tenha mais clareza sobre a situação vivenciada e possa refletir sobre diferentes formas de enfrentamento (Cassito et al., 2003).
Um trabalho pioneiro nesta direção consistiu em um projeto de extensão5, que as autoras Martins, Caldas, Cugnier, Goulart e Tolfo (2012) realizaram, na forma de um grupo de apoio com trabalhadores assediados, utilizando-se da abordagem Psicodramática e de técnicas de dinâmica de grupo para a condução das atividades. Foram realizados seis encontros, quinzenalmente, e o grupo foi formado por cinco participantes, mulheres, com nível superior completo. Martins et al. (2012) salientam que os conteúdos manifestos predominantes nos encontros foram os sentimentos de culpa e responsabilização pelas agressões. Para as participantes, o grupo foi percebido como uma possibilidade para amenizar as repercussões do assédio moral em outras esferas da vida. Entre os resultados dessa intervenção, pode-se destacar os esclarecimentos sobre o atual contexto do trabalho e relações com o assédio moral, a elaboração de estratégias de enfrentamento do sofrimento e o desenvolvimento de um contexto de apoio mútuo entre as participantes (Martins et al., 2012).
Além deste grupo, Silva, Cugnier, Pellegrini, Moura e Tolfo (2014) realizaram outro grupo de apoio com vitimas de assédio moral no trabalho. Nesta outra intervenção, as atividades estavam relacionadas à escuta, compartilhamento de experiências, esclarecimentos, des-construção e reconstrução de estratégias de enfrentamento, visando desenvolver autonomia individual e coletiva para lidar com as situações de assédio. Segundo Silva et al. (2014), o grupo é um espaço onde encontram-se novos olhares sobre as vivências.
Estas autoras salientam que o trabalho em grupo auxilia na identificação do assédio moral no trabalho não como merecimento individual, mas resultante do abuso de poder nas relações de trabalho e o compartilhamento das vivências permite ao assediado reconhecer que outras pessoas se deparam com situações similares.
Outra intervenção em grupo de apoio foi realizada por Schlindwein (2013) e os encontros foram fundamentados na proposta de Barros (1997), cujo objetivo é desenvolver grupos terapêuticos como dispositivo analítico. Participaram três trabalhadoras afastadas do trabalho devido a Lesões por Esforços Repetitivos e com diagnósticos de Transtornos Mentais relacionados ao assédio moral no trabalho. Foram realizados onze encontros, cujos temas foram: história de vida; organização do trabalho; condições do trabalho; riscos no trabalho; trabalho e adoecimento; repercussões individuais, sociais e familiares; enfrenta mento da realidade; estratégias para lidar com o sofrimento e o processo institucional percorrido para o reconhecimento da doença.
Ao considerar a necessidade de atentar para os cuidados emocionais com os trabalhadores que sofrem assédio moral e a importância do compartilhamento em grupo, o objetivo deste estudo é descrever o desenvolvimento de um grupo de apoio considerando-se o planejamento e as principais temáticas emergentes pelas participantes nos oito encontros realizados.
Os procedimentos adotados para realização da intervenção priorizam a abordagem qualitativa, de base interpretativista, e no artigo se buscou descrever o planejamento e o desenvolvimento de um grupo de apoio a trabalhadores que se percebiam como vítimas de assédio moral no trabalho. Inicialmente foi identificada a necessidade de realizar entrevistas individuais a partir das inscrições abertas à comunidade. A divulgação para a realização das mesmas foi realizada entre os meses de setembro e outubro do ano de 2014, por meio de e-mails, contato com sindicatos de trabalhadores, facebook, e site de uma universidade federal do sul do Brasil, local no qual o projeto foi desenvolvido.
Foram realizadas seis entrevistas individuais semiestruturadas com os interessados, nos meses de outubro e novembro de 2014, cujo objetivo foi identificar as vivências correspondentes ao assédio moral no trabalho pelos sujeitos e convidá-los a participar do grupo. As entrevistas buscavam, ainda, levantar as expectativas dos sujeitos que desejavam participar do grupo de apoio, esclarecer dúvidas e verificar se tinham condições de saúde para tanto – dessa forma, era possível explicar e ajustar as expectativas individuais com a proposta do grupo. Dessas seis entrevistas individuais, cinco pessoas indicaram disponibilidade para participar da atividade de extensão.
As intervenções de apoio foram coordenadas por duas graduandas e por uma pós-graduanda em Psicologia, com supervisões semanais com a Coordenadora do Projeto. Foram realizados cinco encontros ao longo de cinco semanas consecutivas no segundo semestre de 2014. Após o interesse relatado por duas participantes no que diz respeito ao aumento na quantidade de encontros, acrescentou-se mais três encontros no primeiro semestre de 2015, com duração de uma hora e meia semanal. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que garante o sigilo das informações e o anonimato dos participantes, bem como a autorização para uso de dados e posterior publicação acadêmica.
Os procedimentos adotados foram apresentados e analisados com ênfase nas atividades e nos principais conteúdos que emergiram nas atividades grupais, problematizados com base na literatura sobre assédio moral no trabalho revisada.
Em sequência são apresentados a caracterização das participantes, os procedimentos utilizados nas entrevistas e na realização das atividades.
a) Entrevistas individuais – Caracterização das participantes
Conforme descrito no método, cinco sujeitos do sexo feminino tiveram disponibilidade para participar do grupo. Elas possuíam como escolaridade Ensino Superior completo, e atuavam profissionalmente nas áreas da Saúde (3), Educação (1) e Engenharia (1). Quatro participantes trabalhavam em organizações públicas. Uma delas trabalhava informalmente em organização particular. As participantes atuantes na área da saúde (duas enfermeiras e uma assistente social) trabalhavam no mesmo local. Neste estudo, a participante da área da saúde atuante em assistência social será denominada como P1, as enfermeiras como P2 e P3, a participante da área da educação pública como P4 e a engenheira como P5. As principais características em relação às situações de sofri mento no trabalho levantadas pelas cinco profissionais nas entrevistas serão abordadas a seguir.
P1 atuava há cerca de quatro meses na área da Saúde Pública quando ocorreu a entrevista inicial. A servidora pública relatou situações de desrespeito a alguns trabalhadores desde os momentos iniciais de sua socialização na organização. A partir do momento em que não concordou com algumas situações que, sob seu ponto de vista eram antiéticas, passou a ser expulsa de reuniões políticas, além de receber demandas excessivas de atividades de trabalho em horários nos quais havia as referidas reuniões. P1 também indicou uma cobrança excessiva por parte de seus coordenadores e alguns colegas de trabalho, como por exemplo, ser ofendida na frente dos colegas pela falta de um hífen em seu relatório de trabalho. Outras trabalhadoras do local (P2 e P3) também passavam por situações abusivas pelo motivo de discordarem de atitudes dos coordenadores e de alguns colegas. P1 relatou que não conseguia aceitar o fato de ser assediada, considerando que havia se dedicado para passar naquele concurso público. Também não aceitava sair da organização, pois acreditava que poderia passar uma imagem de incompetência aos demais profissionais do local. Estava gravando as ocorrências verbais, caso tal situação não fosse resolvida e decidisse denunciar o caso. A entrevistada também afirmou ter adoecido (ficou sem voz) naqueles meses, em decorrência do estresse no ambiente de trabalho.
P2 atuava em Saúde Pública há aproximadamente dois anos e meio quando foi entrevistada, e há cerca de um ano e meio estava passando por situações abusivas por parte de seus coordenadores e alguns colegas. Ela relatou que o início dos abusos ocorreu quando esses profissionais insinuaram que havia trabalhadores furtando materiais de trabalho. A partir disso, começou a perceber sua imagem sendo desqualificada, além de sofrer com calúnias e gritos por parte dos referidos trabalhadores. Relata também que não forneciam o material necessário para que ela executasse seu trabalho, como a coordenação de grupos, por exemplo. P2 sentia muitas dores de cabeça decorrentes do estresse no trabalho e tomava vários remédios (analgésicos) para suportar as situações abusivas. Já havia se afastado do trabalho uma vez por conta do adoecimento resultante do assédio. P2 afirmou que anotava e gravava todas as situações, além de conversar acerca das situações com P1 e P3 que trabalhavam no mesmo local e também sofriam assédio. A entrevistada relatou o seu objetivo inicial de denunciar as ocorrências.
P3 também atuante na área da Saúde Pública há aproximadamente três anos quando foi entrevistada e há cerca de dois anos passava por situações abusivas por parte de seus coordenadores e alguns colegas. A mesma explicou que havia recusado um cargo de coordenação, pois ela não teria a autonomia para realizar seu trabalho. Esclareceu que ela apenas poderia “assinar os papeis” enquanto outro profissional sem a titulação exerceria no cotidiano todas as funções da coordenação. A partir do momento em que P3 não compactuou com a situação, passou a ser perseguida pelo profissional que havia feito a referida proposta. Assim, os novos coordenadores e alguns colegas que compactuavam com as atitudes desses profissionais começaram a macular sua imagem, espalhando mentiras a seu respeito. Quando ficou grávida, as situações pioraram. Seus horários de ida ao banheiro começaram a ser controlados, foi agredida verbalmente algumas vezes e trabalhava em uma sala sem ventilação, fazendo com que a mesma fosse ao pronto-socorro duas vezes.
Tais fatos trouxeram preocupação não apenas com sua saúde, mas também com a de seu filho. Relatou que no momento estava afastada em licença maternidade, tinha dificuldades para dormir e medo de retornar ao trabalho. O seu filho, ainda bebê, participou de alguns encontros com ela. P3 pensava na possibilidade de denunciar a situação.
P4, atuava como professora na área da Educação Infantil pública há cerca de um semestre, à época das entrevistas, relatou dificuldades nos relacionamentos com duas estagiárias da instituição – que realizam seus trabalhos junto à turma de crianças coordenada pela mesma. A entrevistada relatou que várias vezes tentou dialogar com as mesmas, mas não obteve êxito, pois as estagiárias já atuavam há mais tempo naquela turma de crianças e não levavam em conta as colocações da professora. P4 verbalizou que já havia tido dificuldades nos relacionamentos em outros locais de trabalho, segundo ela por conta de seu temperamento forte e pelo fato de ser negra. Relatou que não tem dificuldades com chefias, mas sente-se desrespeitada por seus subordinados. Explicou que as estagiárias questionam suas capacidades pedagógicas e que desmerecem o seu trabalho, comparando-a com outra profissional da área. A profissional expressou sua angústia por não conseguir legitimar o seu papel como professora e que não sabia se as situações que vivenciava caracterizavam-se como assédio, embora tenha relatado sentir um grande sofrimento decorrente do que expôs.
P5, engenheira, não estava trabalhando formalmente na sua área de formação no momento da entrevista e dava aulas particulares de reforço para alunos de uma escola privada do Ensino Fundamental. A entrevistada relatou que em vários contextos da vida particular, acadêmica e profissional passou por situações de controle excessivo (especialmente dos pais), além de assédio moral no contexto do trabalho como Engenheira. De acordo com ela, em seu último emprego formal possuía opiniões divergentes de sua chefia e passou a ter dificuldades nos relacionamentos com a mesma.
P5 tinha dificuldades em relatar as situações que vivenciou, mas salientou que se sentia diminuída: retiraram dela o trabalho que lhe competia normalmente e passou a exercer tarefas muito inferiores às suas competências – foi contratada para o cargo de engenheira, mas atribuíram-lhe funções de secretária. Ela permaneceu somente quatro meses no local e em seguida solicitou desligamento da organização, mas a sua chefia não autorizou que ela cumprisse o aviso prévio de forma integral. Diante de tudo isso, P5 indicou que tinha muitas dificuldades e medo de se inserir novamente no mercado de trabalho.
As temáticas abordadas no grupo foram definidas de acordo com os conteúdos trazidos nas entrevistas e na observação das coordenadoras em relação às demandas de intervenção presentes em diferentes momentos do grupo. Após os encontros realizavam-se reuniões semanais para promover a reflexão sobre as temáticas emergentes no grupo, bem como para elaborar um plano de ação para os encontros seguintes. A tabela 1 representa uma síntese do planejamento dos oito encontros realizados.
Buscou-se criar no grupo um ambiente de conversa, escuta e troca de experiências entre as participantes sobre suas situações de assédio moral, para propiciar melhor entendimento acerca do assunto e construir juntas estratégias de enfrentamento às dificuldades encontradas pelas trabalhadoras, sendo que algumas já haviam, inclusive, relatado ter a sua saúde afetada devido ao assédio moral ocorrido no trabalho.
Esse artigo teve como objetivo descrever o desenvolvimento de um grupo de apoio a trabalhadores assediados moralmente, realizado entre novembro de 2014 e abril de 2015, considerando-se o planejamento e as principais temáticas emergentes pelas cinco participantes nos oito encontros realizados.
intervenção em grupo possibilitou a identificação do assédio moral no trabalho não como merecimento individual, mas como resultante do abuso de poder nas relações de trabalho (Silva et al., 2014), isto é, o compartilhamento das vivências permitiu que as participantes reconhecessem que outras pessoas também passavam por situações similares. As intervenções iniciais no grupo alvo do presente estudo também cumpriram a função de auxiliar na identificação e caracterização das situações de dificuldades pelas quais as integrantes haviam sido expostas, por meio da categorização proposta por Hirigoyen (2002): 1) deteriorização proposital das condições de trabalho; 2) isolamento e recusa de comunicação; 3) atentado contra a dignidade; 4) violência verbal, física ou sexual. Nesse espaço de escuta, abriu-se a possibilidade para que as trabalhadoras trouxessem exemplos de suas vivências no âmbito laboral, com base nas quatro formas de comportamentos negativos, por meio de atitudes, gestos, e palavras que caracterizam o assédio moral. A Tabela 2 ilustra situações vivenciadas pelas trabalhadoras com base nessas referidas categorias.
Ao se considerar a centralidade que assume o trabalho na vida dos sujeitos, a gravidade do assédio, e suas consequências para todos os envolvidos, percebe-se a importânica de intervenções com trabalhadores que sofreram assédio moral. A partir deste estudo, avaliou-se que o grupo foi de extrema importância para todas participantes, especialmente por ser um espaço de trocas de experiências, onde ocorriam compreensões e elaborações sobre o assédio, bem como identificações com a história do outro com a finalidade de entender melhor o que acontecia em suas próprias histórias.
Verificou-se, assim, que o atendimento na modalidade grupo permitiu o melhor entendimento acerca do assunto assédio moral, bem como o compartilhamento de experiências referentes às situações de sofrimento, de modo a propiciar a identificação e empatia entre as participantes, a partir da exposição a situações semelhantes de frustração na esfera profissional, bem como a partir de diferentes possibilidades de enfrentamento das situações. Essa identificação, aliada a abertura para comunicação e para a exposição de emoções e medos, e a existência de objetivos comuns, auxiliou na dedicação das participantes e no desenvolvimento positivo do grupo. Apesar do sofrimento expresso nas presentes em todos os encontros, o grupo auxiliou as participantes na reflexão sobre diferentes maneiras de enfrentar essas frustrações, e a vislumbrar projetos futuros, fossem na fuga ao estresse ou no suporte social. Considera-se que os encontros do grupo tenham sido fonte de apoio social necessário para a vida das participantes como recurso de enfrentamento naquele momento. Finalizando, considera-se que o propósito de proporcionar escuta e cuidados emocionais, visando propiciar sentimentos de aceitação, respeito e compreensão, tranquilização e apoio; encorajar a exposição dos sentimentos; fornecer orientação e garantir um seguimento do conjunto da vida de forma mais saudável foi alcançado por meio da intervenção do psicólogo, atuando em relação a fenômenos organizacionais e do trabalho.