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Epidemiologia da violência contra adolescentes no Brasil: Análise de dados do sistema de vigilância de violência e acidentes*
Epidemiology of violence against adolescents in Brazil: Data analysis of the violence and accident surveillance system
Revista Médica Herediana, vol. 32, núm. 2, pp. 79-90, 2021
Universidad Peruana Cayetano Heredia

Investigación original


Recepción: 19 Marzo 2020

Aprobación: 25 Marzo 2021

DOI: https://doi.org/10.20453/rmh.v32i2.3981

Financiamiento

Fuente: Coordinación de Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior (CAPES) y Programa de Alianzas para la Educación y la Capacitación - OEA-GCUB Internacional Perú-Brasil.

Beneficiario: M. E. Salazar-López

Resumo: Objetivo: Descrever as características da violência contra adolescentes notificados a partir do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes/VIVA, no Brasil. Material e métodos: Estudo descritivo, com dados do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes/VIVA, Brasil, no período de 2009 a 2016. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, raça, local de ocorrência, vinculo do agressor com a vítima e suspeita de uso de álcool nos casos de violência física, psicológica/moral e sexual. Utilizou-se estatística descritiva e o teste de tendência de proporções no STATA. Resultados: A taxa de prevalência da violência física na faixa de 15-19 anos alcançou 104,4 por 100 000 casos, e a prevalência da violência sexual na faixa de 10-14 anos foi de 38,5 por 100 000 casos. A violência sexual alcançou nas meninas a prevalência de 52,0 por 100 000 casos, enquanto que, nos meninos, de 4,5 por 100 000 casos. Houve tendência crescente significativa de violência física na faixa de 15-19, e de violência sexual na faixa de 10-14 anos. Ambos tipos de violência atingiram as raças parda e indígena, acontecendo na residência da vítima, sendo o agressor o namorado. No caso de violência sexual, cresceu a suspeita de uso de álcool pelo agressor. A variação percentual na violência física e psicológica aumentou em mais de 400%. Conclusões: Houve aumento de todos os tipos de violência nestes oito anos. Foram mais frequentes as notificações de violência física e sexual, atingindo principalmente as meninas, na residência, sendo o amigo/conhecido ou namorado da vítima os principais agressores.

Palavras-chave: Maus-tratos infantis, Monitoramento epidemiológico, Notificação de abuso, sistemas de informação em saúde, exposição à violência, causas externas.

Abstract: Objective: To describe the characteristics of violence against adolescents in Brazil reported from the Violence and Accident Surveillance System (VIVA). Methods: A descriptive study, based on data from the VIVA, Brazil, from 2009 to 2016. The variables analyzed were age, gender, race, place of occurrence, bond between the aggressor and the victim, and suspected of alcohol use in cases of physical, psychological/moral and sexual violence. Descriptive statistics and tends proportion test with STATA were used. Results: The prevalence rate of physical violence in the 15-19 years age bracket reached 104.4 per 100,000 cases, and the prevalence of sexual violence in the 10-14 years age bracket was 38.5 per 100,000 cases. Sexual violence reached 52.0 per 100,000 cases in girls, compared to 4.5 per 100,000 in boys. There was a significant upward trend in physical violence in the 15-19 years age bracket, and in sexual violence in the 10-14 years age bracket. Both types of violence affecting more frequently brown and indigenous races, and happening at the victim’s home, with the perpetrator being the adolescent’s boyfriend. In cases of sexual violence, the suspicion of alcohol use by the aggressor has grown. The percentage change in physical and psychological violence increased by more than 400%. Conclusions: Regardless of the type of violence, there was an increase in the eight years. Notifications of physical and sexual violence were more frequent, affecting mainly girls, in their residence, being a friend/acquaintance or boyfriend of the victim the main aggressors.

Keywords: Child abuse, epidemiological monitoring, mandatory reporting, health information systems, exposure to violence, external causes.

INTRODUÇÃO

A violência contra os adolescentes é uma das formas mais visíveis de violência na sociedade, considerada como um relevante problema de saúde pública (1,2,3,4), que depende de fatores individuais, da família e comunidade (2,4), estando profundamente enraizada nas práticas culturais, econômicas e sociais (2,4,5,6,7). O Ministério da Saúde (MS) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhecem crianças e adolescentes como mais vulneráveis à violência, que pode se manifestar sob as formas física (VF), sexual (VS) e psicológica (VP), cometida pelos pais ou pessoas próximas, no contexto de uma relação de confiança (2,4,8,9,10,11,12).

Pesquisas tem mostrado a idade como um fator de risco para o aumento da vulnerabilidade à VF ou VS, apresentando variações conforme o país. Estimativas indicam que 22,6% dos adultos em todo o mundo sofreram abusos físicos na infância e 36,3% sofreram abuso emocional (9), enquanto que as taxas de abuso sexual tendem a crescer após o início da puberdade (4,9). O sexo da vítima é outra variável que aumenta a vulnerabilidade para a violência. Conforme o Mapa da Violência 2012 contra Crianças e Adolescentes, elaborado a partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) do Brasil, mais da metade dos casos notificados (60,3%) tem as meninas como vítimas. A VF é a mais frequente, representando 40,5% dos casos atendidos, estando a vítima, em 77% desses casos, na faixa de 10 a 19 anos (13). Já os agressores variam de acordo com a idade e a maturidade da vítima, podendo ser os pais, padrastos e madrastas, irmãos, outros familiares e cuidadores (4,10,14), algumas vezes justificando o uso de violência como uma medida disciplinar (4,6,14).

A vigilância epidemiológica da violência é uma estratégia útil para dar visibilidade aos casos notificados, caracterizar o perfil da vítima e as circunstâncias da agressão, contribuindo, assim, para a formulação de políticas públicas e a implementação de medidas preventivas. Com a finalidade de dimensionar a magnitude do problema no país e avaliar tendências históricas, buscou-se descrever as características da violência contra adolescentes a partir das notificações do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes, no Brasil.

MATERIAL E MÉTODOS

Estudo epidemiológico descritivo, baseado em dados secundários do Sistema de Vigilância de Violência e Acidentes (VIVA) do Brasil, registrados no SINAN, compreendendo as notificações de violência contra adolescentes entre 10 e 19 anos entre 2009 a 2016 no Brasil. O VIVA foi implantado pelo MS em 2006, com a finalidade de viabilizar dados e divulgar informações. Esse sistema foi estruturado em dois componentes: o primeiro relacionado à vigilância contínua de violência doméstica, sexual e outros tipos de violências interpessoais e autoprovocadas; e o segundo relacionado à vigilância sentinela de violências e acidentes em emergências hospitalares. A partir de 2009, o componente de vigilância contínua do VIVA foi incorporado ao SINAN.

Nosso estudo baseou-se na definição de adolescente utilizada pela OMS e pelo MS (9,13,15). Foram incluídos todos os casos notificados de violência contra adolescente de 10-19 anos de idade. As variáveis estudadas foram: a) características demográficas da vítima: idade, sexo, raça/cor, b) dados da ocorrência da violência: local (residência, habitação coletiva, escola, local de prática esportiva, bar ou similar, via pública, comércio/serviços, indústrias/ construção e outros), c) características do agressor: vínculo/grau de parentesco com a vítima (pai, mãe, padrasto, madrasta, cônjuge, namorado, amigo/conhecido), suspeita de uso de álcool; d) tipo de violência: física, psicológica/moral e sexual. Os parâmetros considerados para cada variável foram notificação anual segundo frequência absoluta, conforme instruções para “Ficha de notificação de violência interpessoal e autoprovocada”, elaborada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), MS, 2016 (16). A seleção das variáveis foi realizada no sistema de informação disponível (17), nenhuma variável foi excluída.

Os dados foram salvos em formato tipo *CSV, e armazenados em MS Excel 2010. Fizeram-se tabelas de contingência, obtendo-se frequências absolutas e porcentuais. As estimativas de taxas e tendências foram realizadas com a projeção da população do Brasil por sexo e grupo de idade para o período em estudo, conforme (18). A tendência crescente ou decrescente da violência foi estimada com o teste de tendência de proporções. Utilizou-se o pacote estatístico STATA v.13 para a realização das análises, considerando-se p <0,05 como estatisticamente significativo para todas as variáveis. Por se tratar de um banco de dados governamentais de domínio público, não foi necessária a apreciação e a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa para a realização deste estudo.

RESULTADOS

Entre 2009 e 2016 foram notificados, no Brasil, 204 989 casos de VF, 75 058 de VP, e 77 760 casos de VS perpetrados contra adolescentes de 10 a 19 anos, de ambos os sexos. A prevalência de período calculada foi de 74,60 casos por 100 000 para VF; 27,31 casos por 100 000 para VP e, 28,30 casos por 100 000 para VS.

Observa-se diferenças nas características sociodemográficas das vítimas e dos agressores conforme o tipo de violência notificado. Para todos os tipos, as ocorrências foram mais frequentes entre vítimas do sexo feminino (57,4% VF, 77,4% VP e 92,1% VS). Na faixa etária de 10 a 14 anos, a VS foi duas vezes mais frequente que a VF ou VP. Em relação à raça/cor, adolescentes das raças branca e parda foram as mais atingidas. Ainda, em torno de 50% dos casos de violência notificados ocorreram na residência/habitação coletiva das vítimas, seguidos de casos ocorridos na via pública (em média 20,1%). O mais frequente perpetrador foi um amigo/conhecido da vítima (quase 50% dos casos) para todos os tipos de violência. Houve suspeita de uso de álcool pelos agressores durante a ocorrência da violência, em média, em 34% dos casos notificados (tabelas 1, 2 e 3).

A análise das proporções das notificações de VF mostra uma tendência crescente estatisticamente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor parda e indígena, ocorrência na residência/habitação coletiva, agressão pelo namorado e não suspeita de uso de álcool (tabela 1). Na VP, também houve uma tendência crescente significativa na faixa etária de 15 a 19 anos, raça/cor indígena, namorado ou cônjuge como agressores, e não suspeita de uso de álcool (tabela 2). Quanto à VS, ser menina, raça/cor parda e indígena e ocorrência da violência na residência/ habitação coletiva apresentaram uma tendência crescente no período. Dentre as características do agressor, ser namorado ou cônjuge e suspeita de uso de álcool também apresentaram tendência crescente (tabela 3).

No gráfico 1 nota-se o incremento na tendência da violência nos casos notificados segundo a idade das vítimas. A VF é mais que o dobro frequente na faixa etária de 15 a 19 anos, quando comparada com a faixa de 10 a 14 anos. Em oito anos, a VF passou de 24,21 casos por 100 000 para 159,07 casos por 100 000 adolescentes, com tendência crescente. Por sua vez, a VS, na faixa de 15 a 19 anos, mostrou um comportamento mais linear, enquanto que, na faixa de 10 a 14 anos, apresentou aumento da prevalência de 13,20 casos por 100 000 para 56,06 casos por 100 000 adolescentes (gráfico 1 (A/B)).

A análise segundo o sexo dos adolescentes mostrou uma elevada e crescente taxa de prevalência da VF, independentemente do sexo do adolescente. Contudo, entre as meninas houve uma taxa de crescimento anual perto de 10 casos por cada 100 000, muito maior em comparação aos meninos. A prevalência da VS também cresceu de forma constante, principalmente entre as meninas, em comparação com os meninos. Nestes, tanto a VS como a VP mostram linearidade nos últimos cinco anos (gráfico 1 (C/D)).

Constatou-se que, independentemente do tipo de violência, houve aumento das notificações nos oito anos analisados; entre os anos 2009 e 2016 no Brasil, enquanto a VF aumentou 490,5%, a VP teve um incremento de 423,1%, e a VS, de 291,2%.


Tabela 1. Características sociodemográficas dos adolescentes vítimas de violência física e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016


Tabela 2. Características sociodemográficas dos adolescentes vítimas de violência psicológica/moral e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016


Tabela 3. Características sociodemográficas dos adolescentes vítimas de violência sexual e dos agressores no Brasil. Período 2009-2016



Gráfico 1 A/B. Tendência dos casos notificados de violência contra adolescentes, segundo o tipo de violência e faixa etária noBrasil. Período 2009-2016.



Tendencia dos casos notificados de violencia contra adolescentes, na faixa de 10 a 14 anos segundo o tipo de violencia no Brasil (A)
MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.



Tendencia dos casos notificados de violencia contra adolescentes, na faixa de 15 a 19 anos segundo o tipo de violencia no Brasil (B)
MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.



Gráfico 2 C/D. Tendência dos casos notificados de violência contra adolescentes, segundo o tipo de violência e sexo no Brasil.Período 2009-2016.
MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.



Tendencia dos casos notificados de violencia contra adolescentes, no sexo feminino segundo o tipo de violencia no Brasil (C)
MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.



Tendencia dos casos notificados de violencia contra adolescentes, no sexo masculino segundo o tipo de violencia no Brasil (D)
MS/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação/SINAN. Dados sujeitos a alteração.

DISCUSSÃO

Os resultados mostram uma tendência progressiva de aumento dos casos notificados de violência contra adolescentes ao longo de oito anos (2009-2016) no Brasil. A prevalência da VF foi maior que a descrita na Índia (36%), Egito (26%) e Filipinas (37%) (19), e superou as prevalências encontradas em outros estudos brasileiros (5,11). Estes achados concordam com a literatura, que destaca as meninas entre 15 a 19 anos como as mais atingidas pela violência (9,10,12,13), especialmente a VF (1,20). Destacou-se uma tendência crescente das notificações para a VF, independentemente da idade e sexo da vítima. Provavelmente esses casos envolvam maior agressividade, colocando os adolescentes em risco de vida ou provocando lesões mais visíveis ou graves, que exigem atendimento de saúde, já que a procura pelos serviços de urgência depende da gravidade das lesões (2,4,9). No entanto, em programas de proteção a crianças menores de 9 anos, a VF é maior nos meninos (5,21,22), complementando achados do presente estudo.

Análise de atendimentos de adolescentes de 15 a 19 anos em unidades de urgência indicou que 90,9% das agressões físicas tiveram meninos como vítimas (15). Segundo a UNICEF, os meninos experimentam VF cometida por amigos, professores e outros perpetradores desde que completam 15 anos de idade (4). É possível que os nossos achados estejam apontando para uma tendência atual de maior cuidado na proteção das meninas e para uma cultura de maior tolerância à agressividade masculina.

A VP mostrou crescente tendência entre as meninas de 15 a 19 anos, replicando alguns estudos (7,19,23) e contrariando outras investigações que encontraram maior proporção de VP entre meninos (10). Observou-se baixa proporção de registros de VP em comparação aos demais tipos de violência, corroborando outras pesquisas (24), possivelmente por ser considerada uma forma corriqueira de relacionamento familiar (14), o que leva a sua banalização também nos atendimentos em saúde, reduzindo as notificações (5,7,10,25). Estudos mostraram que VP e VF são aplicadas como medida disciplinar. Ainda, que a VP, por ser concomitante a outros tipos de violência (9,24), é menos perceptível para notificação.

Em relação à VS, pesquisas apontam que as meninas correm maior risco, independentemente da idade (1,5,10,21,23,26). Efetivamente, 92% das notificações por VS referiam-se às adolescentes, com maior índice entre 10 a 14 anos. Estudos multipaíses mostraram que pelo menos uma a cada cinco meninas relataram VS nessa faixa etária (4,8,9). Com o início da puberdade, aumenta o risco de abuso e VS entre as meninas (4).

Ao contrário, a VS contra os meninos mostrou tendência decrescente no presente estudo. Construções sociais podem ter relação com os baixos índices de notificação neste grupo. Em Uganda e Moçambique meninos foram menos propensos do que meninas a relatar relações sexuais forçadas (4,9). Sentimentos de vergonha, culpa ou medo de descrença em seus relatos ou de culpabilização podem contribuir para a menor notificação da VS entre meninos, bem como preconceitos sobre a sexualidade masculina (4). No cotidiano, algumas vezes trabalhadores das unidades de saúde também não aceitam as queixas de adolescentes vítimas de VS pelo fato de o agressor ser um outro adolescente mais novo.

Poucos estudos analisaram a relação entre características étnico-raciais e violência. Notou-se tendência ascendente entre a raça parda; somados aos casos da raça negra, atingiram quase a metade das notificações. Resultados similares foram reportados em outras pesquisas, o que indica um padrão étnico da violência (1,12). Por outro lado, a taxa de notificações entre a raça amarela e indígena ainda é baixa. Esses resultados podem ter diferentes explicações, desde a falta de resposta no preenchimento da autodeclaração até dados preenchidos segundo o juízo de quem notificou o caso.

Nossa pesquisa mostrou tendência crescente de violência na residência/habitação coletiva da vítima, seguida da via pública. Pesquisas tem indicado a residência da vítima como principal local de agressão (1,5,1214,27,28). Culturalmente, as meninas permanecem mais tempo em casa, o que poderia torná-las mais vulneráveis, já que os agressores tendem a ser pessoas próximas. Outros estudos também encontraram a via pública como segundo lugar mais frequente de violência, principalmente contra meninos (12,15), talvez devido às práticas culturais que permitem aos meninos passar mais tempo fora de casa (5).

No que diz respeito ao agressor, em quase metade das notificações a violência foi cometida por um amigo/conhecido da vítima. Poucos estudos indicaram esta categoria como principal agressor (4,5,12,13,23), destacando-se o pai, a mãe ou o padrasto como os principais agressores no ambiente familiar (4,7,15,21,25,28,29). Segundo a UNICEF, meninas também relatam ter sido vitimadas por amigo/conhecido em alguns países da América Central e África (4). Nossa pesquisa mostrou também uma tendência crescente do namorado como agressor, para todos os tipos de violência. Em estudos multipaíses, a prevalência de VS na infância é maior para as meninas e, na maioria dos casos, o agressor é um familiar (não pai ou padrasto) do gênero masculino (4,8,9). Os achados do presente estudo quanto ao principal agressor sugerem a existência de um vínculo de confiança nos casos de violência extrafamiliar (25).

Em relação ao uso de bebidas alcoólicas, poucos estudos incluem essa variável. Não houve suspeita de uso de álcool pelo agressor nos casos de VF, com tendência crescente, ao contrário da VS. Outros autores encontraram resultados similares para crianças (28), independentemente do tipo de violência (5). Nas pesquisas em que as mães relataram estados de embriaguez dos pais, não houve associação entre este consumo e relatos de adolescentes sobre VP (11,14), o que pode indicar que a violência após a ingesta de álcool seja dirigida à mãe da vítima.

As principais limitações do presente estudo referem-se aos dados em branco/ignorados ou ausentes, e aos dados não atualizados no SINAN, o que pode explicar o leve decréscimo da tendência de VP no último ano analisado. A baixa notificação entre adolescentes de raça/cor amarela e indígena pode estar limitando a real dimensão desse problema entre minorias. Considera-se necessário melhorar os registros, a partir do treinamento das equipes de saúde.

Outra limitação foi a subnotificação dos casos, o que depende das percepções dos profissionais em relação à violência, além da tendência cultural de não envolvimento em assuntos familiares (10,30).

Muitos profissionais desconhecem os aspectos legais da notificação e podem ter medo de se envolver em questões dessa ordem ou mesmo de sofrer represálias, caso notifiquem (10,22,30). A aceitação social da violência contra adolescentes também pode explicar a subnotificação (3,9,10). Sugere-se políticas com uma abordagem multidisciplinar, que sensibilizem as equipes para a identificação de violência contra adolescentes.

A definição de variáveis foi outra limitação do estudo. Por exemplo, a categoria “amigo/conhecido” pode obstaculizar a adoção de medidas preventivas, pela dificuldade de identificação desses indivíduos, que podem ser vizinhos, amigos da família ou colegas da escola. Também o termo “cônjuge” (12), pode gerar confusão, por ser considerado juntamente a parceiro amoroso ou namorado (29). É necessário esclarecer essa informação, para diferenciar cônjuge de namorado ou amigo/conhecido da adolescente. Por fim, destaca-se a dificuldade de comparar os resultados deste estudo com os de outros estudos, em virtude de diferentes delineamentos, fontes de informação, instrumentos de avaliação, métodos de análise e faixas etárias consideradas (11,19,24).

Em conclusão, este estudo mostrou incremento na tendência das notificações de violência contra adolescentes brasileiros entre 2009 e 2016. Predominaram casos de VF independentemente da faixa etária e sexo da vítima. Entretanto, notou- se tendência crescente da VF contra adolescentes do sexo feminino, de 15 a 19 anos, raça parda, na residência da vítima, sendo o principal agressor um amigo/conhecido/namorado. A VP mostrou tendência crescente na faixa de 15 a 19 anos, raça indígena, sendo os principais agressores namorado e cônjuge. Já a VS foi proporcionalmente maior na faixa de 10 a 14 anos, com tendência crescente entre meninas de raça parda, na sua residência. Notou-se aumento das agressões por parte do namorado, cônjuge e mãe, bem como suspeita de uso de álcool pelo agressor. Estudos epidemiológicos, que avaliem outros fatores relacionados ao perfil de vítimas e agressores, são necessários para a implementação de políticas públicas orientadas à prevenção da violência contra adolescentes no país.

Agradecimentos

M. E. Salazar-López foi bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e do Programa de Alianças para a Educação e Capacitação - OEA-GCUB Internacional Peru- Brasil.

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Notas

* Este estudo faz parte da Tese de Doutorado em Ciências da Saúde da primeira autora, orientada pela última autora, sendo derivado do projeto “Consequências da morte materna nos órfãos de até 15 anos de idade na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul – Brasil”.

Notas de autor

a Enfermeira
d Doutora em Ciências da Saúde
aa Enfermeira
e Doutora em Enfermagem
aaa Enfermeira
ee Doutora em Enfermagem
b Médica
c Psicóloga
f Mestre e Doutora em Psicologia do Desenvolvimento
h Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq
bb Médica
g Doutora em Neuropsicofarmacologia
hh Bolsista Produtividade em Pesquisa do CNPq

Correspondência: María Esther Salazar López. Rua Sarmento Leite 245 Sala 604 CEP 90050-170, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Endereço eletrônico: m.esthersalazar@gmail.com /melopez@hcpa.edu.br

Declaración de intereses

* Os autores declaram não haver conflito de interesse.

Información adicional

Contribuições dos autores: MESL: colaborou na: concepção e delineamento do estudo; coleta de dados; análise e interpretação de dados, escrita e revisão crítica do artigo; aprovação da versão do texto final. GFL y AAP: colaborou na: concepção e delineamento do estudo; análise e interpretação de dados; aprovação da versão do texto final. LYVV, DCL y HMTB: colaborou na: análise e interpretação de dados, escrita e revisão crítica do artigo; aprovação da versão do texto final.

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