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O passado encravado no presente: turismo histórico e passado-espetáculo nas Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul

Paulo Rogério Melo de Oliveira
Universidade do Vale do Itajaí., Brasil

O passado encravado no presente: turismo histórico e passado-espetáculo nas Missões Jesuíticas do Rio Grande do Sul

Revista Tempo e Argumento, vol. 1, núm. 1, pp. 155-171, 2009

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepção: 01 Outubro 2008

Aprovação: 01 Dezembro 2008

Resumo: O artigo aborda o turismo histórico e os usos do passado na região das missões do Rio Grande do Sul como forças propulsoras para o desenvolvimento regional. O passado missioneiro e as ruínas das reduções são utilizados pelos agentes do turismo para atrair visitantes do Brasil e do exterior. Diversos sites e folhetos turísticos divulgam a região e prometem aos turistas a oportunidade de um deslocamento no tempo e de um contato com a história, que se encontra preservada nos monumentos e nos costumes dos habitantes. Explorando as diferentes modalidades de turismo - ecoturismo, turismo rural e turismo religioso - os agentes e instituições envolvidas com a promoção da região reinventam o passado de acordo com demandas do presente.

Palavras-chave: Turismo histórico, Missões jesuíticas, Passado-espetáculo, Tempo presente.

Abstract: The article approaches the historical tourism and the uses of the past in the area of the missions of Rio Grande do Sul as propulsion force for the regional development. The past missionary and the ruins of the reductions are used by the agents of the tourism to attract visitors from Brazil and of the exterior. Several sites and tourist pamphlets publish the area and they promise to the tourists the opportunity of a displacement in the time and of a contact with the history, that one find preserved in the monuments and in the inhabitants' habits. Exploring the different modalities of tourism – ecological tourism, rural tourism and religious tourism - the agents and institutions involved with the promotion of the area they reinvent the past in agreement with demands of the present.

Keywords: Historical tourism, Jesuit missions, Past-show, Present time.

Nas missões existe uma atmosfera singular que, para ser efetivamente vivenciado, merece um olhar, ao mesmo tempo, simples e intenso. Para isso, além do turismo rural, caminhadas e cavalgadas são fundamentais. E você tem muitas opções, entre elas: Caminho das Missões, Trilha dos Santos Mártires, Cavalgada Rolador e Cavalgada Guaranítica.

Folheto turístico Rota das Missões

Visitar as Missões é mergulhar na Cultura, onde além de ver, você sentirá o espírito presente.

Site Missões Turismo

A indústria do turismo desenvolveu nas últimas décadas sofisticadas estratégias para atrair visitantes às cidades cujos atrativos remetem a um passado memorável, que foi preservado nos monumentos de pedra e nos costumes dos habitantes. Na região das missões do Rio Grande do Sul o turismo histórico explora o passado jesuítico e oferece aos turistas uma oportunidade única de “viajar no tempo” e conhecer “o paraíso na terra”. Toda uma rede de comércio, hotéis, festas, agências de viagens e visitações guiadas aos “monumentos históricos” é mobilizada na região. O presente artigo propõe alguns questionamentos sobre os usos do passado pela indústria do turismo na região missioneira no noroeste do Rio Grande do Sul. A região abriga as ruínas dos sete povos das missões e sedia vários municípios que reivindicam o passado missioneiro como marco fundante da história e da identidade local.

Nos sites da internet e em diversas agências de turismo espalhadas pelo Brasil encontramos pacotes de viagens destinados às Missões jesuíticas com direito a guias turísticos e roteiros de visitações agendados pelas próprias empresas. Na gramática do turismo estas viagens recebem hoje o nome de turismo histórico. Essa modalidade de turismo, conforme é oferecida nos folhetos e sites especializados reúnem lazer, conhecimento histórico e oferece a oportunidade de “volver en el tiempo y presenciar el corage de los Jesuitas y Guaranís que, en nombre de la fé, fueron capaces de levantar, en plena selva, el primer Estado industrial, militar y cultural de América Latina.”[1] O turismo histórico - resultado da associação do turismo, como atividade de lazer, e da história, vista como um determinado legado do passado preservado no presente[2] - coloca-nos diante do desafio de pensar as implicações metodológicas das relações entre turismo e história. Sem querer adentrar mais do que o necessário nesse tema, encaro esta relação como uma grande oportunidade para o historiador tratar de temas cada vez mais centrais em nossas sociedades: o lazer, as viagens, a busca pelos lugares históricos, a preservação dos patrimônios e a comercialização desses lugares pela maquinaria do turismo. Além disso, o tema abre novas formas de questionamentos do passado e de como ele é agenciado em nosso tempo. Temos que estar atentos para os usos que os profissionais do turismo fazem do passado e, neste caso, da experiência dos jesuítas e dos guaranis nas reduções. Ler os folhetos turísticos, abrir os sites promocionais ou ouvir as narrativas de entretenimento e orientação para os turistas nas Missões, e verificar a maneira como o passado é apresentado, vendido e consumido, faz-nos repensar nosso próprio ofício. Os agentes do turismo e os defensores do patrimônio estão abocanhando o objeto de estudo do historiador e o recriando de um jeito rentável, espetacular e, ao que tudo indica, interessante para os consumidores dos produtos turísticos.[3] Na forma como (re)apresentam o passado, estão, quase sempre, em desacordo e em concorrência com os historiadores. O passado-show e a história-espetáculo, encenados e oferecidos aos consumidores, parecem mais sedutores que o produto oferecido pelos historiadores. O historiador e o turismólogo constroem o passado cada um à sua maneira. Os historiadores se voltam ao passado movidos por questões sociais, políticas e culturais do presente. Reconstroem experiências e processos históricos obedecendo a um conjunto de métodos e regras da pesquisa e da escrita da história. O turismólogo, por sua vez, busca um produto atraente para o mercado turístico. O passado que obedece a estes interesses é um simulacro, espécie de hiper-passado construído segundo expectativas de um segmento de mercado. Esta concorrência pode ser vista como positiva na medida em que nos desacomoda da confortável condição de voz autorizada sobre o passado e nos exige respostas mais ágeis e criativas.

As relações entre turismo e história, voltadas para o turismo histórico, caracterizam uma forma muito particular de história do presente, pois os objetos de estudo, o turismo e o histórico, estão simultaneamente no presente e no passado. O turismo, como fenômeno das sociedades contemporâneas, nos coloca diante da história imediata, no sentido de proximidade, da qual somos participantes e testemunhas. Isso quando não somos os próprios turistas. Temos aqui, quem sabe, a vantagem de não sermos estrangeiros ao nosso objeto de estudo. Falamos a mesma linguagem das fontes e dos “atores históricos”, o que nos alivia de um difícil trabalho de decifração e tradução do outro desconhecido do passado. Esta proximidade com os temas de estudo tem como corolário a superação do drama epistemológico do historiador: a distância insuperável que nos separa do nosso objeto de investigação. Já os usos que a indústria do turismo faz do passado e da história nos colocam diante de uma dimensão mnemônica do tempo. Determinados pontos do passado são acionados e rememorados em função de uma demanda do presente. O turismo é um negócio do presente que se alimenta dos artefatos e das memórias do passado. O “passado encravado no presente” – como as ruínas fincadas no chão - é a expressão que encontrei para traduzir esta simultaneidade ou conexão entre os tempos. As ruínas das reduções, vedetes do turismo histórico, são este passado residual que tem uma existência paradoxal no presente. Elas pertencem a um mundo que não existe mais. São vestígios do passado que invadem intempestivamente o presente e se projetam num tempo que lhes é estranho. A ruína da igreja de São Miguel das Missões, observada à maneira de Heidegger, é um gigante solitário e melancólico preso a um lugar que não é mais o seu. Silenciosas e majestosas, elas carregam as marcas de um tempo que já não é. São fragmentos do passado que alcançaram o presente. Como relíquias intratemporais que escaparam à fúria devoradora de Crono, situam-se numa região intersticial do tempo. São elos entre o que foi e o que é. Por isso são mediadoras da historicidade, nossas pontes de acesso a um mundo que não é mais.[4]

Estas relíquias intratemporais são os monumentos em torno dos quais se articula o turismo histórico. Elas também são, na recriação dos agentes do turismo, os caminhos de acesso ao passado. Visitar as ruínas e os monumentos antigos é fazer uma verdadeira viagem no tempo, ir ao encontro do passado e viver a história. O turismo histórico promete este deslocamento no tempo, sem tirar os pés do presente. É este tipo de relação que o turismo estabelece entre passado e presente que o torna particularmente interessante para o historiador. É um objeto de estudo do presente que se constrói na interface dos tempos, com uma face voltada para o passado. Procuro explorar esta ambivalência da relação entre turismo e história.

Nos diversos folhetos e catálogos promocionais distribuídos aos visitantes que percorrem as ruínas, os sítios arqueológicos e as pousadas da região das missões, encontramos algumas definições curiosas do significado de turismo histórico. Um folheto do complexo turístico denominado Rota Missões se - abre com a seguinte frase: “Um pedacinho no céu na terra.” A apresentação dos atrativos que aguardam os visitantes informa que a obra dos jesuítas junto aos guaranis foi “reconhecida por Voltaire e Montesquieu, filósofos do Iluminismo, como a realização da utopia do Cristianismo: A Terra sem Males.” Dado o aval dos “filósofos do Iluminismo”, o texto de apresentação prossegue: “As Missões são um lugar de visita fundamental a quem pretende entender as raízes do sul do país e da América Latina e apresenta aos seus visitantes, diversos patrimônios culturais da humanidade e descortina o cenário de 160 anos de história onde Jesuítas e Guaranis realizaram os idéias do Cristianismo na prática.”[5] Num outro folheto, encontramos o seguinte apelo: “Abra seu coração e deixe o espírito missioneiro tomar conta de você.” [6] A tônica desses apelos promocionais recai sobre a excepcionalidade da região. A grandiosidade da experiência histórica, cultural e espiritual do passado, da qual as ruínas são eloqüente e monumental testemunho, emprestaram à região uma “atmosfera singular.”[7] Esta atmosfera pode ser sentida no espírito “contagiante” do lugar, no contato com as pessoas, especialmente os guaranis que vivem em aldeias da região, na exuberante paisagem que nos tempos gloriosos foi percorrida pelos missionários e serviu de cenário para a história e, é claro, no magnífico “Patrimônio Histórico” composto pelas ruínas das reduções, tombado em 1983. O presente guardou e preservou como herança este legado cultural e espiritual, e oferece aos visitantes a oportunidade única de contemplar a história e “sentir lo que fue la grandiosidad del conjunto de hechos históricos que ocurrieron en aquellos paisajes.”[8] Esse contato com a história, anuncia um folheto, “é uma verdadeira viagem no tempo. Andar por aqui faz reviver a saga dos jesuítas.”[9] Logo, ao conhecer as missões, o visitante não estará realizando apenas um deslocamento no espaço, mas um deslocamento no tempo, pois a história se encontra preservada na região. Ao viajar para as Missões o turista estará adquirindo um passaporte para o passado. A fórmula chega a sua perfeição no site Missões Turismo: “Conhecer a região das Missões é descortinar um cenário de 400 anos de História. A volta no tempo nos faz reviver a fantástica obra evangelizadora dos Padres da Companhia de Jesus e sua determinação em converter à Fé Cristã os indígenas que habitavam esta região da América.”[10] Raoul Girardet viu nas fórmulas mais usuais dos folhetos turísticos franceses um “convite à regressão no tempo” em busca de um passado no qual se encontrará “intocado o cenário dos séculos desaparecidos.” O contato com esse “passado eterno” permite ao viajante escapar à “vida apressada dos homens de hoje”.[11] Os folhetos das missões trazem semelhante apelo de retorno a um passado intacto, que está a espera do visitante que deseja descobrir “o paraíso na terra”. [12]Como um refúgio espiritual erguido em torno das ruínas, e do passado que as envolve, a região missioneira é apresentada como um lugar místico, onde o turista “vai sentir como se experimentasse um milagre a cada dia.”[13] .

O catálogo denominado Caminho das Missões, explorando uma outra modalidade de turismo, oferece uma caminhada mágica pelas antigas trilhas dos missionários e guaranis que ligavam os sete povos. Mas não se trata de um simples passeio, conforme promete o folheto, é uma viagem de descobertas históricas e pessoais, que culmina na auto-realização:

Muito mais que um passeio turístico, o Caminho das Missões é um roteiro interativo, onde a superação dos desafios pessoais proporcionam uma experiência inigualável de liberdade e auto-conhecimento, abrindo nova dimensão na busca do crescimento interior, na realização profissional, do conhecimento histórico, da interação com o meio e com o outro. [14]

A “interação” com o “outro”, presumo, diz respeito à convivência de alguns dias dos visitantes com os índios guaranis da etnia M’byá que desempenham o papel de guias históricos. No portal turístico na internet do Caminho das Missões e no folheto Trilha Convivência Guarani, se encontram os detalhes das trilhas que ligam São Miguel ao Santuário de Caaró. O turista é informado de que o percurso integral tem aproximadamente 17Km e o reduzido 5,6Km, e é realizado “com acompanhamento de Guaranis, que fazem do passado momentos presentes através da interpretação do ambiente.” Um pouco mais longa é a Trilha dos Santos Mártires de Caaró, que se estende por 170 Km e passa pelo Passo do Padre, em São Nicolau, Roque González, São Luiz Gonzaga, Caibaté, “finalizando no Santuário de Caaró.”[15] A trilha refaz os supostos caminhos percorridos pelos missionários Roque González, Afonso Rodrigues e Juan de Castilhos, mortos na redução de Caaró e Assunção do Ijuí, a mando do pajé e cacique Nheçu, em novembro de 1628.

Seguindo o exemplo do que ocorreu no Peru, com os antigos caminhos dos incas, os agentes do turismo[16] converteram as antigas missões num lugar de peregrinação laica, de encontro espiritual e descobertas místicas. Os caminhos espinhosos e as picadas abertas pelos missionários nas matas foram transformados em trilhas burguesas destinadas ao lazer, à contemplação das paisagens e à interação com a natureza. Este tipo de apropriação do passado pelos agentes do turismo reúne num único pacote três imãs de atração de turistas: a contemplação dos vestígios do passado, caminhadas bucólicas e ilustradas e a busca pelo auto-conhecimento. Lazer, conhecimento e crescimento interior: são as novas demandas do presente reinventando o passado. De olho no perfil e nas exigências dos visitantes que procuram pelos lugares históricos, os profissionais do turismo agregam valores completamente estranhos ao patrimônio, mas sintonizados com os desejos dos visitantes. É assim que as Missões se transmutam num lugar de “superação de desafios”, onde o visitante vai desfrutar de uma “experiência inigualável de liberdade”. Para completar o pacote e torná-lo ainda mais atraente, se promete “auto-conhecimento”, “crescimento interior” e a tão desejada “realização profissional.” A herança do passado, transformada em Patrimônio, é moldada de acordo com as demandas da “sociedade de lazer”. Creio que este seja o ponto em que ocorre a tal “metamorfose” do valor de uso em valor econômico do patrimônio histórico, que Françoise Choay associou a “indústria cultural”. Isso,

ocorre graças a uma engenharia cultural, vasto empreendimento público e privado, a serviço do qual trabalham grande número de animadores culturais, profissionais da comunicação, agentes de desenvolvimento, engenheiros, mediadores culturais. Sua tarefa consiste em explorar os monumentos por todos os meios, a fim de multiplicar indefinidamente o número de visitantes.[17]

O passado, assim reinventado, torna-se uma força propulsora para o desenvolvimento regional. Explorando estas novas dimensões do turismo, denominadas ecoturismo, turismo rural e turismo religioso, a indústria do turismo, agenciada pelas secretarias de cultura e empresas afins, dinamiza comércios e serviços da região em torno de alguns pontos e personagens selecionados do passado. Não se trata de um interesse pelo passado voltado para o conhecimento, mas de um interesse guiado pela exploração econômica. O passado virou um excelente negócio em tempos de lazer cultural e de culto à memória.

Mas vamos seguir viagem, seguindo o roteiro sedutor dos catálogos de turismo. No município de Roque González a criatividade na exploração turística do passado promoveu um reencontro harmônico e místico entre o feiticeiro e o santo.[18] Na cidade dedicada ao santo, a atração é o feiticeiro. Personagens que no passado travaram batalha mortal em torno do poder espiritual são reunidos no presente para promover a economia local. A nova atração turística da cidade é o Cerro de Inhacurutu. O Cerro é o pico mais elevado da região. Lá do alto, no “mirante do Inheçu”, “grande xamã missioneiro”, informa-nos o site promocional, o visitante pode contemplar a visão que Nheçu tinha de seus domínios.[19] O mirante era, no tempo das reduções, um local de observação, de onde o “bombeador de Nheçu” “vigiava a tribo”.[20] De presumível posto de observação indígena, o Inhacurutu virou ponto de atração turística. O plano plurianual de metas para 2002 – 2005 do município de Roque González previu um investimento em “infra-estrutura de pontos turísticos, visando a atração do turista, como condições de escalar o cerro de Inhacurutum.”[21] Depois desta “verdadeira viagem no tempo”, depois de sentir o espírito do passado, o turista retorna ao presente à mesa de um delicioso café colonial, saboreando pratos típicos da região missioneira.[22]

Mas a grande atração da região são as ruínas das antigas reduções. Os vestígios pétreos do passado, encravados no presente, tornam-se um poderoso atrativo para os turistas que buscam algo mais do que um simples passeio.[23] Percorrendo a região, e mantendo uma boa distância dos interpretes anedóticos, deparamo-nos com as marcas do passado jesuítico.[24] As ruínas das construções impressionam pelo corte que impõem à paisagem. Impossível não ser tocado pela beleza hipnótica, pelas dimensões monumentais e a solidez das construções de pedras justapostas. Como gigantes deslocados no tempo, enroscados à vegetação nativa, despertam profunda admiração, acompanhada de um silêncio contemplativo.[25] A imponência e estabilidade das construções em pedra e o traço preciso das linhas evidenciam o ambicioso projeto jesuítico de remodelamento cultural dos povos infiéis que habitavam as selvas do Paraguai. Ali, junto aos guaranis, a Companhia de Jesus desenvolveu entre os séculos XVI e XVIII um dos mais importantes trabalhos missionários da sua história. Um trabalho que deixou marcas profundas na composição étnico-cultural da região, conhecida como missioneira. Parte desta região vive hoje da preservação do passado jesuítico que alimenta a memória local. Toda uma rede de restaurantes, pousadas, pacotes e eventos turísticos foi organizada em torno do que restou das missões. As imponentes ruínas e um recorte seletivo do passado, de contornos épicos e repletos de lances de heroísmo, fornecem um fértil manancial à fixação de identidades. O passado missioneiro confere uma certa identidade regional que parece, em alguns momentos, ir além das fronteiras nacionais, estabelecidas ao longo do século XIX. Uma identidade que deita raízes no tempo dos padres jesuítas e se desdobra ininterrupta e linearmente na história. A continuidade dos valores, dos costumes e dos hábitos cultivados imemorialmente pelo “autêntico gaúcho missioneiro”, constrói uma visão do espaço cheia de lugares comuns e clichês regionalistas que criam uma imagem estática da região.[26] Uma região estática habitada por uma figura típica – o gaúcho missioneiro – atavicamente ligada a uma ancestralidade mítica. A “bravura, o pioneirismo, o amor pela terra e pelo cavalo, são sentimentos que permanecem claramente na região das Missões.”[27] A idealização do espaço e do tipo característico que o habita, a celebração de um conjunto de valores e de uma história em comum, e o patrimônio histórico que remete a um passado proclamado como grandioso, são os pilares da identidade regional. Uma identidade que se expressa por alguns símbolos, dos quais se destacam a fachada da igreja de São Miguel e a cruz missioneira. A cruz, com dois braços horizontais, quase 4 metros de altura e trabalhada em pedra grés, erguida na praça fronteira a ruína de São Miguel, consagrou-se como uma logomarca da região. Está presente em toda parte: nos trevos de acesso às cidades, nas placas de orientação ao longo da Rota Missões, nas praças municipais, nos anúncios turísticos e nas repartições públicas. A despeito dos significados originais da cruz e de sua origem, a visão popular a entronizou com o sentido de fé em dobro.[28] Além de representar a espiritualidade local, a descoberta da região pelo turismo transformou a cruz em souvenir, comercializado na forma de artesanato, estampa de camisetas, chaveiros, colares, etc. Como símbolo do passado jesuítico a cruz missioneira confere uma identidade visual à região, o que em termos de promoção do turismo é uma verdadeira relíquia.

Este passado eterno, do tempo que parou nos monumentos de pedra, é freqüentemente lembrado e citado para conferir legitimidade histórica a algum projeto de integração regional. As campanhas em prol da construção da ponte internacional ligando São Xavier no Rio Grande do Sul e San Javier na Argentina é um bom exemplo. Na página da internet, dedicada à promoção da ponte, a defesa e a legitimidade da sua construção naquela localidade é elaborada com base no passado histórico em comum que liga os dois lados do rio Uruguai:

Há cerca de 30 anos a Região Noroeste do Rio Grande do Sul vem trabalhando para a construção da Ponte Internacional ligando Porto Xavier (Brasil) a San Javier (Argentina). As duas regiões limítrofes caracterizam-se por terem uma História com muitos pontos em comum. Já os Guaranis tinham-nas como uma só terra, ao habitá-la há mais de 2.000 anos e mesmo com o descobrimento da América - e seus posteriores desdobramentos - resultou em os Padres Jesuítas fazerem dessas regiões uma só terra e darem-lhe uma só bandeira e uma fé comum, até que, em 1801, quando o Brasil definiu a fronteira com a Argentina, o Rio Uruguai passou a significar a divisão política e geográfica das terras irmãs.[29]

As “práticas culturas” do dia a dia e a fluidez das relações entre os dois povos “exigem que a ligação de sangue existente a tantos séculos seja revivificada e se consolide, através do erguimento de uma ponte que possa, definitivamente, ligar os interesses sociais, culturais e econômicos que vicejam de um e de outro lado do rio.” Além dessa “ligação espiritual” e histórica, “restou uma obra extraordinária que o mundo todo já considerou como Patrimônio da Humanidade. São as Ruínas Jesuíticas existentes na Argentina, no Brasil, no Uruguai e no Paraguai, e que agora reaparecem como principal produto turístico de integração do MERCOSUL (...) que traduzem a vontade do planeta e que vislumbram o poder gerador de renda e de emprego representado pelos sítios históricos.”

Esta defesa entusiástica da Ponte Internacional provém da Comissão Pró-Ponte, entidade criada para promover Porto Xavier como o lugar mais vantajoso para a construção da ponte, seja pelo fluxo de pessoas, automóveis e caminhões, seja por ser o porto o principal local de passagem entre o Rio Grande do Sul e a Argentina. A autoridade do passado jesuítico, anterior a fixação das fronteiras nacionais, é a fiadora do audacioso projeto. A ponte viria restaurar uma integração natural e espiritual, evocada pela Comissão, interrompida pelo advento dos estados nacionais. O que se percebe, de maneira geral, nessas vozes oficiais que se erguem em nome da integração regional, é aquela mesma “evocação nostálgica de uma espécie de felicidade desaparecida”, que Raoul Girardet captou nos discursos míticos sobre uma “idade de ouro” no “interior das sociedades ocidentais” atuais. A evocação de um passado, de um paraíso perdido, vem acompanhada da “expectativa do seu retorno”. Não um retorno do passado em si, evidentemente, mas o de um certo espírito do passado, embelezado e revivido como herança, resgatado em essência pela maquinaria do turismo histórico e pelos discursos oficiais da integração. Afinal, “existem bem poucas representações do passado que não desembocam em uma certa visão do futuro, como também, paralelamente, há bem poucas visões do futuro que não se apóiem em certas referências ao passado.”[30] O apelo às origens e as referências a um passado comum, amarrado às aspirações do futuro com vistas à incrementação do turismo e a promoção da integração regional, conclui que:

Com um legado tão forte, chegou-se ao recém-criado Circuito Internacional das Missões Jesuíticas Guaranis, que vem sendo visitado por milhares de turistas de todo mundo, constituindo-se em roteiro turístico que une os Patrimônios dos trinta Povos e suas estâncias, e que, chegada a hora de sua implantação definitiva, passa, conforme relatório da Comissão Gerenciadora do Mercosul, pela construção da Ponte Internacional Porto Xavier-San Javier, como prioridade número um.

No mesmo espírito de convergência da integração regional e da exploração do turismo, tendo como suporte o tal legado missioneiro, foi criado, em 2007, o Instituto Iguassu-Misiones, com sede em Santo Ângelo. A entidade é responsável pela gestão do turismo no Mercosul e apresenta-se com “a missão de articular e implantar iniciativas comuns, que visam o crescimento da atividade turística no Brasil, Argentina e Paraguai.” Segundo Geovane Gisler, presidente do Instituto: “O nosso objetivo é gerar um sistema produtivo sustentável entre as regiões participantes do Iguassu Misiones. Por isso, o apoio de novos parceiros, que tenham a mesma idéia de crescimento comum, está sendo muito importante.”[31] Essa gestão do legado do passado, orientado para a potencialização da economia dos municípios da região, tem atraído entidades e empresas que vislumbram, nesse segmento de mercado, o turismo histórico, grandes oportunidades de negócios. O roteiro Iguassu-Misiones foi apresentado no 3 Salão Brasileiro de Turismo, realizado em São Paulo em junho de 2008, com participação marcante de empresários da região. Scheila Rigotti, técnica do Sebrae/RS e gestora do Iguassu-Misiones, observou que a participação do Salão é uma excelente oportunidade de ampliar mercados, e que “há uma expectativa muito grande, porque vamos não apenas atingir agências de turismo nacionais e internacionais, mas também o consumidor final”. O plano turístico Iguassu-Missões tem o apoio da Fundação dos Municípios das Missões, entidade originada em julho de 2001, para gerenciar o patrimônio das Missões.[32] Criada para acelerar a exploração do turismo em toda a região e auto-declarada sem fins lucrativos, a Fundação é integrada por 27 municípios que compõem a chamada Rota Turística das Missões. Cada um dos municípios, informa-nos o site da Agência Sebrae de Notícias, foi “desafiado a criar um produto turístico”. Pedro Birk, prefeito de São Pedro do Butiá, explica com entusiasmo que a sua cidade vai erguer um enorme museu a céu aberto para contar a saga dos povos missioneiros e, ainda, a história dos imigrantes alemães que chegaram no começo do século XX. “Com os vizinhos, diz o prefeito, a natureza foi gentil, por isso decidimos criar os nossos próprios ícones para mostrar aos visitantes.”[33] São Pedro do Butiá não conta com os atrativos das ruínas mas, para integrar-se à Rota Missões, está construindo um Centro Germânico Missioneiro. O município está fabricando um passado e vencendo o desafio de criar um “produto turístico”. A solução parece simples para o prefeito: se a cidade não tem um patrimônio histórico, constrói-se um. Afinal, a cidade se localiza numa região onde os padres jesuítas fundaram as Missões. São Pedro do Butiá reivindica este passado, apropria-se de alguns clichês turísticos e se ajusta as exigências da Fundação Missões.[34] Convenientemente, o município situa-se no ponto de encontro de duas “sagas”: a jesuítica e a imigrante.

As solicitações do mercado, numa época sedenta por raízes e obcecada pela idéia de conservação do patrimônio, inspiraram um uso empresarial da história. Devidamente depurado, o passado é embalado e vendido num pacote turístico como espetáculo. A “sociedade de consumo”, enfim, alcançou o passado.[35] O rol de empresas e órgãos públicos associados aos projetos do Instituto é revelador, respectivamente, da expectativa de ótimos negócios e da dinamização regional que o turismo histórico promove.[36] O passado, assim embalado, tanto do lado dos agentes como dos turistas, não é o passado dos historiadores.[37] É um passado que resulta de uma estilização folclórica. Esvaziado de suas forças vitais e embalsamado para o consumo turístico, o passado, folclorizado, morre como experiência e renasce como espetáculo, como produto pasteurizado de uma “sociedade do lazer”, que para reencontrar algum laço perdido com o passado precisa matá-lo. Este ritual de conservação e visitação alimenta ainda uma certa sacralização do passado, transformando ruínas em templos de adoração, em altares pagãos, aos pés dos quais os peregrinos laicos depositam homenagens e olhares nostálgicos. Diria mesmo que nas Missões foi o passado que virou patrimônio.

François Hartog, ao refletir sobre as mudanças na ordem do tempo, sobretudo a partir do fim da década de 1980, e o seu viés mais acentuado, a hipertrofia do presente, deparou-se com este “olhar museológico” sobre o mundo e suas estreitas ligações com a “indústria do turismo”. A ascensão do patrimônio, como “categoria dominante” e “devorante” das políticas culturais e públicas, se insere nos “ritmos e temporalidades rápidas da economia de mercado de hoje”. A valorização do presente gerou a sua face perversa e o seu próprio desconforto. Em meados da década de 1970, as sociedades ocidentais se voltaram para o passado numa busca obsessiva por identidades, por raízes e toda sorte de celebrações. A febre preservacionista em relação aos ditos monumentos e lugares históricos aumentou, desde então, de maneira preocupante. A busca pelo passado, sob os mais diferentes pretextos, parece ser um de seus traços mais visíveis em nosso tempo. O século XX glorificou o futuro e o invocou como nunca antes, mas, também, nas últimas três décadas, ampliou as dimensões do presente e o levou ao paroxismo: o onipresente. Esse presente “que não tem outro horizonte além dele mesmo” fabrica o seu próprio passado e o “futuro do qual tem necessidade”.[38] Nesse cenário museográfico, em que a história é encenada como espetáculo de um parque temático para divertir turistas, o que nós historiadores temos a dizer e a oferecer? Confrontar os usos e abusos que o turismo histórico faz do passado e os excessos da preservação patrimonial me parece uma entrada decisiva dos historiadores no debate contemporâneo.[39]

Mas continuemos a viagem, o passado-espetáculo encenado com efeitos tecnológicos nos reserva ainda algumas surpresas. O passeio ilustrado e místico ganha contornos épico-pirotécnicos nas noites de São Miguel, com o Espetáculo de som e luzes, diante das ruínas da igreja. O espetáculo recria num tom épico, enriquecido pelas vozes conhecidas da teledramaturgia brasileira, a dita “saga missioneira”, isto é, a guerra guaranítica, como ficou conhecida na historiografia. Um folheto distribuído pela Secretaria de Turismo e Desenvolvimento de São Miguel, que traz uma bela montagem que sobrepõe uma peça da escultura missioneira com as ruínas da igreja de São Miguel, convida os visitantes para um espetáculo “IMPERDÍVEL. Este espetáculo conta a saga dos Padres jesuítas e índios Guarani, habitantes da Região Missioneira nos século XVII e XVIII. Com duração de 48 minutos, o público pode, diariamente, entender o nascimento, o desenvolvimento e a destruição de um povo, mais que isso, de um sonho.”[40] Sentados numa pequena arquibancada de pedra, de frente para a majestosa ruína da igreja de São Miguel, os visitantes ouvem uma narrativa dramática. Deslocada no tempo, melancólica, a ruína da antiga igreja ganha vida e relembra tempos de glória e tempos de guerra. Pela voz de Fernanda Montenegro, a igreja fala emocionada aos visitantes. Num diálogo dramático entre a terra, que canta inconformada os horrores da conquista, e a ruína, que narra melancolicamente os áureos tempos, apresenta-se aos visitantes uma visão jesuítica e anti-colonialista dos sete povos. A narrativa é acompanhada de poderosos efeitos de som e luz que explodem ao redor da igreja.

Seguindo a mesma tendência dos Espetáculos de som e luz de transformar o monumento em espetáculo, as ruínas da igreja ganharam iluminação noturna que destaca, a distância, os contornos da fachada. O efeito, sobre o monumento e sobre o espectador, é impressionante. A “iluminação ritual” empresta ares de divindade ao monumento, que emerge transcendente do fundo escuro da noite.[41]

É claro que toda esta engenharia empregada para transformar as ruínas, e a região, num produto atraente para o consumo turístico acaba por dificultar um contato mais direto do visitante com os monumentos. Toda a estrutura de luzes, som, discursos, folhetos, guias e objetos à venda funcionam como mediadores do olhar. Diante da “agenda cerimonial” colocada a sua disposição, que define o que deve ser visto e, muitas vezes, na ordem em que deve visto, o turista se comporta como um “peregrino moderno, que carrega os guias de turismo como se fossem textos devocionais.”[42] A “agenda cerimonial”, organizada por um conjunto de profissionais, direciona o olhar do visitante, predispondo-o nos seus gestos, sentimentos e emoções em relação aos monumentos, à paisagem e às pessoas do lugar.[43]

Nas proximidades das ruínas de São Miguel duas ou três famílias indígenas, mulheres e crianças, vendem artesanatos com objetos decorativos e temas mitológicos: cestas, arcos e flechas, tigres, cobras, jacarés, corujas. Silenciosos e com aspecto soturno, parecem alheios àquilo tudo e desinteressados do passado, que deslumbra os visitantes. Os índios também fazem parte do espetáculo. São figurantes silenciosos, implantados no cenário histórico. Sobrevivem do artesanato que vendem aos visitantes que adentram o sítio arqueológico. Os folhetos turísticos recomendam um maior contato com os “Guaraní”: “para conocer verdaderamente las Misiones es necesario tener un contato directo con el pueblo Guaraní.” A sugestão é conhecer a aldeia Tekoa Kóéju, próxima das ruínas de São Miguel. Lá, o turista pode observar a musicalidade, o artesanato, e vivenciar esta cultura nas apresentações do grupo. Espetáculo “exótico” para câmeras fotográficas nervosas. Os índios, vestidos para encher os olhos dos visitantes, conservam a essência incorruptível da região. Como as ruínas, carregam através dos tempos os segredos de uma época. Por isso, “conhecer as Missões sem ter contato direto com os índios guarani é perder grande parte desta história”[44] O índio dos catálogos turísticos, o índio para turista ver, é um ser etéreo, um elo perdido de uma idade de ouro. O guarani folclorizado das Missões, que representa a si próprio para os visitantes, é o equivalente contemporâneo daqueles “bravos tupinambás”, levados por comerciantes franceses à Rouen em 1550, para representar uma peça teatral em homenagem a Henrique II. A cidade montou uma pomposa cerimônia para receber o casal real. A Entrada Real de Henrique II e Catariana de Médici em Rouem foi promovida para celebrar a recente vitória do rei sobre os ingleses. A Entrada era ilustrada por livretos comemorativos, que explicavam ao público os espetáculos que desfilavam diante dos seus olhos. Estas celebrações eram verdadeiras festas populares, dirigidas aos súditos e a convidados estrangeiros. O toque exótico em Rouen ficou por conta dos índios brasileiros, vindos diretamente de suas aldeias, que simularam jogos guerreiros diante dos olhares curiosos e estupefatos da corte, e representaram cenas cotidianas da vida selvagem. O espetáculo tupinambá exposto à curiosidade do público francês não era motivado por um desejo de conhecimento das culturas indígenas. Por trás da encenação estava o interesse dos comerciantes em demonstrar ao rei as boas relações mantidas com selvagens brasileiros e convencê-lo a participar do lucrativo comércio de pau-brasil, em alta no mercado têxtil europeu. Para além das relações amistosas franco-tupi no litoral brasileiro, a ida dos tupinambás à Europa visava estimular um grande negócio. As diferenças entre os interesses dos traficantes franceses e os da indústria do turismo, evidente, são enormes, como são enormes as diferenças entre os guaranis de São Miguel e os tupinambás do século XVI. Chamo a atenção apenas para o uso do índio como atração ou recurso propagandístico - o guarani para entreter turistas e o tupinambá para francês ver - para promover um negócio ou uma região.[45] Impossível não traçar ligeiro paralelo entre os livretos quinhentistas que explicavam aos súditos os espetáculos que acompanhavam as Entradas do reis e os folhetos turísticos que explicam aos visitantes as atrações das Missões.[46]

Não, não vou cair na tentação de dizer que os “bravos tupinambás” foram fazer turismo na Europa.

Notas

[1 Folheto turístico Brasil - Rio Grande do Sul, do projeto Rota Missões. Rota Missões é um projeto criado em 2002, com o apoio da Fundação Missões, entidade que orienta a atividade turística na região.
[2] Esta definição de turismo como lazer e de história como o passado preservado, encontra-se na maioria dos folhetos e demais meios de divulgação do turismo histórico. Para um conceito do turismo como objeto de estudo, e não apenas como atividade de lazer, recomendo: URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel: SESC, 1996. Para o autor, “turismo é uma atividade de lazer, que pressupõe o seu oposto, isto é, um trabalho regulamentado e organizado.” p. 17. Nesta perspectiva, o turismo como objeto de estudo deve ser observado não apenas do ponto de vista do viajante, mas de toda uma estrutura montada para atraí-lo, recebê-lo e direcionar o seu olhar. Implica, portanto, em considerar o turista como uma categoria específica de viajante, seu lugar de origem e os seus interesses, e o lado profissional e empresarial do turismo, com os seus múltiplos agentes.
[3] Não estou questionando a legitimidade do uso do passado e da história como negócio pelas empresas ligadas ao turismo. A exploração do passado, tanto no sentido de percorrer e descobrir como no de tirar proveito, não é, e não pode ser, uma exclusividade dos historiadores. O turismo, o cinema, a literatura, o fazem com interesses distintos, e todos tem a sua legitimidade. O passado não tem dono nem porta-vozes oficiais. Meu interesse, como historiador, é analisar os usos que os agentes do turismo fazem do passado e do conhecimento histórico.
[4] HEIDEGGER, Martin. O ser e o tempo. Parte II. Parte II. Petrópolis: Vozes, 2004.
[5] Folheto turístico Rota Missões. Também disponível em: <www.turismo.gov.br> e <www.rotamissoes.com.br>. Acesso em: 20 jan. 2008.
[6] Folheto turístico denominado Rota Missões.
[7] Em quase todos os folhetos encontramos enunciados como este: “Usted ahora se va a convertir en un admirador de la grandiosidad de las realizaciones de los hombres que hicieron las Misiones.” Folheto turístico Brasil-Rio Grande do Sul, do Rota Missões.
[8] Idem.
[9] Um Pedacinho do Céu na Terra. Catálogo turístico Rota Missões.
[10] Missões: uma viagem pelas raízes da América. Disponível em www.missoesturismo.com.br/ - 7k. Acesso em: 30 de set. 2008. O site é apoiado pela Prefeitura de São Miguel, pelo IPHAN e pelo SEBREA.
[11] GIRARDET, Raoul. Mitos e mitologias políticas. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, pp. 97-139.
[12] Um pedacinho do céu da terra. Folheto turístico Rota Missões.
[13] Idem.
[14] Folheto turístico Caminho das Missões. Também disponível em WWW.caminhodasmissoes.com.br
[15] Idem.
[16] Considero como agentes do turismo os sujeitos e instituições envolvidos com a promoção turística de determinadas áreas de preservação histórica, sítios arqueológicos, etc. O que significa dizer: historiadores, guias, pesquisadores, empresários e instituições públicas e privadas ligadas à produção de material promocional, divulgação, recepção e trabalho direto junto aos turistas.
[17] CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006, p. 211.
[18] Roque González foi morto em 15 de novembro de 1628, na redução de Caaró, a mando do cacique/pajé Ñezú, que vivia na região conhecida como Pirapó, banhada pelo rio Ijuí. Em 16 de maio de 1988 padre Roque foi santificado por João Paulo II.
[19] Disponível em www.rotamissoes.com.br/ - 28k. Acesso em: 30 set. 2008.
[20] Ver HOFFMANN, Nelson. Terra de Nheçu. Santo Ângelo: Ediuri, 2006, pp. 95-99.
[21] Ver LEI N.º 1491 – de 30.08.2001. Dispõe sobre o Plano Plurianual do Município de Roque González para o período de 2002 a 2005. Disponível em: . Acesso em: 01 out. 2008.
[22] Disponível em www.rotamissoes.com.br/ - 28k. Acesso em: 30 set. 2008.
[23] O conjunto arquitetônico e os sítios arqueológicos das antigas missões estão hoje sob proteção do Instituto Nacional do Patrimônio (IPHN). Em 1983, as ruínas remanescentes das Missões foram declaradas Patrimônio Histórico da Humanidade, pela Unesco, formando hoje a base do chamado Circuito Internacional das Missões.
[24] Os grupos de turistas que chegam diariamente nas ruínas são conduzidos para o interior das edificações por guias especializados que orientam o olhar com informações sobre a construção da igreja, divertem os visitantes com algumas lendas, como a M’boi Guaçu, e demais curiosidades sobre as missões.
[25] Vale lembrar as impressões que as ruínas despertaram em conhecidos viajantes europeus do século XIX que visitaram a região. O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire em viagem pelo Rio Grande do Sul em 1820 assim registrou seu contato com as ruínas: “Ao cair da tarde entrei na igreja e a grandiosidade dessa construção meio destruída me fez experimentar um profundo sentimento de surpresa e respeito”. Em 1858 foi o médico alemão Robert Avé-Lallemant deixar sua impressão: “Depois de ter examinado outra ruína, sobreveio-me profunda melancolia.” Ver respectivamente: SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1987, p. 271. e AVÉ-LALLEMANT, Robert. Viagem pelo sul do Brasil no ano de 1858. Rio de Janeiro: PUCRJ, 1953, p. 222. Sobre o olhar dos viajantes remeto aos trabalhos de ROSSATO, Luciana. A lupa e o diário: história natural, viagens científicas e Ralatos sobre a Capitania de Santa Catarina (1763-1822). Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2007. e OLIVEIRA, Paulo Rogério Melo de. O naturalista e os selvagens: a visão de Saint-Hilaire sobre os índios Guarani do Rio Grande do Sul. 1996. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.
[26] O “autêntico gaúcho missioneiro” é a expressão empregada pelo projeto Rota Missões para identificar o povo típico da região. Conhecer o autêntico gaúcho das missões é um dos Dez pontos considerados como “imperdíveis”, sendo o Rota Missões, para o turista que visita a região. Disponível em ibest.feriadao.com.br/ibest/especial.php3?cod=718 - 87k -. Acesso em: 01 out. de 2008.
[27] Idem.
[28] Ver ALVES, Carlos Augusto Silveira. O Caminho das Missões e seus Peregrinos: nova modalidade de produto turístico na região das Missões. 2007. Dissertação (Mestrado em História) – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre. p. 29-31.
[29] Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2008.
[30] GIRARDET, Raoul. Op. Cit. p. 103.
[31] O Instituto administra um complexo turístico que abrange o Parque Nacional do Iguaçu (Paraná) e Sítio Arqueológico São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul), no Brasil; Parque Nacional do Iguazú, Reduções Jesuíticas de São Inácio Mini, Reduções Jesuíticas de Santa Ana, Reduções de Santa Maria da Mayor e Reduções Jesuíticas de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina; Reduções da Santíssima Trindade do Paraná e Reduções Jesus de Tavarangue, no Paraguai. O roteiro abrange o Parque Nacional do Iguaçu (Paraná) e Sítio Arqueológico São Miguel das Missões (Rio Grande do Sul), no Brasil; Parque Nacional do Iguazú, Reduções Jesuíticas de São Inácio Mini, Reduções Jesuíticas de Santa Ana, Reduções de Santa Maria da Mayor e Reduções Jesuíticas de Nossa Senhora de Loreto, na Argentina; Reduções da Santíssima Trindade do Paraná e Reduções Jesus de Tavarangue, no Paraguai. Ver Agência Sebrae de notícias. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2008.
[32] Disponível em: - 28k. Acesso em: 30 de set. 2008 A diretoria da Fundação é composta fundamentalmente por prefeitos das cidades que integram a Fundação. O Presidente da instituição é Eduardi Debacco Loureiro, prefeito de Santo Ângelo; o Diretor do Departamento de Turismo é Pedro Raimundo Birk, prefeito de São Pedro do Butiá, etc. Com sede em Cerro Largo, o objetivo da Fundação é “estimular e promover o desenvolvimento econômico, social e cultural das localidades envolvidas, elaborando e executando projetos de interesse de todos, setor público, privado e comunidades.” O projeto Rota Missões, criado em 2002, também contou com o apoio da Fundação.
[33] Ver Agência Sebrae de Notícias. Site anteriormente citado.
[34] Ver São Pedro do Butiá: 100 anos. 1907-2007. Construindo sua História. Disponível em: - 10k. Acesso em: 30 de set. 2008.
[35] A expressão “sociedade de consumo” é de François Hartog. Op. Cit.
[36] Além da parceria com o Banco Regional do Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) e o Fórum da Mesorregião Grande Fronteira do MERCOSUL, o Instituto conta com a participação de empresas de micro e pequeno porte e empreendedores vinculados a meios de hospedagens, agências de turismo, artesanato, atrativos turísticos e gastronomia dos 25 municípios que integram a Fundação dos Municípios das Missões, com maior ênfase nas cidades de Caibaté, Entre-Ijuís, Porto Xavier, Roque Gonzales, Santo Ângelo, São Borja, São Luiz Gonzaga, São Miguel das Missões e São Nicolau. As parcerias com entidades governamentais envolve instituições como: Fundação dos Municípios das Missões (Funmissões), Sebrae, Câmara de Turismo de Misiones, Secretaria de Turismo de Foz do Iguaçu, Secretaria de Turismo do Estado do Rio Grande do Sul, Conselho Municipal de Turismo de Santo Ângelo (Comtur), Secretaria Nacional de Turismo do Paraguai (Senatur), e Associação Cidade das Tortas. Disponível em: - 15k -. Acesso em 27 set. 2008. Ver também Agência Sebrae de notícias, disponível em - 26k -. Acesso em: 27 set. 2008.
[37] Enquanto o passado dos historiadores é um espaço de problematização, de reconstrução das experiências e da dinâmica da existência, o passado recriado pelo turismo é um passado congelado, morto, recriado como espetáculo, com o qual o público consumidor mantém uma relação de adoração e de proteção, de admiração e de conservação. É um passado meramente ilustrativo, a serviço da indústria do lazer.
[38] HARTOG, François. Op. Cit. p. 206. Hartog se pergunta, e nos pergunta: “um novo regime de historicidade, centrado sobre o presente, estaria se formulando?”
[39] Em entrevista ao Zero Hora, em agosto de 2007, o sociólogo francês Henri-Pierre Jeudy desferiu criticas contundentes contra as políticas de preservação do patrimônio, ou melhor, contra o “espírito de patrimonialização” visto como a única forma possível de preservação. A patrimonialização, para Jeudy, significa a morte das culturas. O patrimônio é um modo de gerir a memória, mas quem vai definir que memória vai ser preservada? O outro lado da preservação é o esquecimento. Da maneira como vem sendo gerida a memória, alerta Jeudy, corremos o risco de uma história com sentido único, definido pelos gestores do passado. Hoje, há um excesso da conservação patrimonial, tudo é patrimônio. Nestes termos, “preservar memória é uma aberração”. JEUDY, Henri-Pierre. Preservar memória é uma aberração. Entrevista ao Zero Hora. N 15337 (18/08/2007), Segundo Caderno, Cultura.
[40] Folheto turístico Espetáculo Som e Luz. Disponível também em: <http://www.saomiguel-rs.com.br>. Acesso em: 21 jan. 2008.
[41] Sobre a iluminação ritual dos monumentos ver CHOAY, Françoise. Op. Cit. p. 215.
[42] Ver URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel; SESC, 1996, p. 174. Ver também CHOAY, Françoise. Op. Cit. p. 216. Para Choay, o excesso de comentários audiovisuais torna cada vez mais difícil para o visitante poder dialogar, sem intérpretes, com os monumentos. “O comentário e a ilustração anedóticos ou, mais exatamente, a tagarelice sobre as obras, alimentam a passividade do público, dissuadindo-o de olhar ou de decifrar com os próprios olhos, deixando escapar o sentido no filtro de palavras ocas.”
[43] O turista não é um sujeito único, uniforme, com comportamentos regulares e previsíveis em toda parte. John Urry já demonstrou de maneira competente que o olhar e o comportamento do turista “varia de acordo com a sociedade, o grupo social e o período histórico.” Op. Cit. p. 16. Eu acrescentaria que o grau de informações que ele carrega, e a qualidade destas informações, também são decisivos para o olhar. Um historiador ou um leitor mais cuidadoso do passado histórico da região das missões, que eventualmente se encontra na condição de turista, não se deixa levar facilmente pela estrutura de condicionamento do olhar montada para o visitante.
[44] www.rotamissoes.com.br/ - 28k. Um dos dez pontos considerados imperdíveis pelo Rota Missões é conhecer e conversar com os guaranis. Disponível em: . Acesso em: 08 out. 2008.
[45] Sobre a presença dos tupinambás nas comemorações em Rouem ver a recente publicação bilíngüe de um importante documento do século XIX, baseado em documentos do século XVI, de Ferdinand Denis. DENIS, Ferdinand. Festa brasileira celebrada em Rouen em 1550. Usina de Idéias. Remeto também a dois comentários esclarecedores sobre a obra de Ferdinand Denis: DEHER, Andréa. E agora, os Tupinamboultx. Revista de historia da Biblioteca Nacional. 01/06/2007 e SCHWARCZ, Lilia Motitz. Ferozes e dignos, índios para francês ver. O Estado de São Paulo, 03/02/2007.
[46] Durante as celebrações em homenagem aos reis, os organizadores distribuíam livretos aos expectadores para que pudessem compreender melhor o espetáculo que desfilava diante dos seus olhos. DAHER, Andréa. Op. Cit.
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