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O retorno motivado pela crise na economia norte americana
Sueli Siqueira
Sueli Siqueira
O retorno motivado pela crise na economia norte americana
Revista Tempo e Argumento, vol. 1, núm. 2, pp. 64-79, 2009
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Resumo: Nos anos 1960, teve início a formação da rede de emigração da região de Governador Valadares (MG) para os Estados Unidos. Nos anos de 1980, essa rede estava consolidada. Durante esse período, muitos retornaram, outros fixaram residência no destino e outros tornaram-se transmigrantes. Em 2007, teve início um retorno diferenciado, dos atingidos pela crise da economia americana. Este artigo tem como tema central esse retorno. Foram realizadas 398 entrevistas com emigrantes retornados no período de junho de 2007 a dezembro de 2008. Os dados demonstram que a maioria deles são indocumentados, que ficaram nos Estados Unidos por um período de três a cinco anos e retornaram porque os ganhos já não compensavam os riscos. Em torno de 18% já fizeram investimentos no Brasil que garantem sua sobrevivência, 51% têm capital para investir e 21% não sabem como vão sobreviver no Brasil. Destaca-se que 28% pretendem emigrar para Europa.

Palavras-chave:Crise EconômicaCrise Econômica, Migração Migração, Retorno Retorno.

Abstract: The formation of a Brazilian migration network from the Governador Valadares region in Brazil to the United States began in the 1960s, and, by the 1980s, it was consolidated. During that period many Brazilian immigrants returned to Brazil, others continued to reside in the United States, while some became transmigrants. In 2007 a different move began. The immigrants, affected by the crisis of the U.S. economy, start to return – and this is the focus of this article. I conducted 398 interviews with Brazilian migrants who returned to Brazil from June, 2007 to December, 2008. Research results show that the majority of Brazilian immigrants were undocumented, lived in the United States between three to five years, and returned because their financial profits did not compensate the risks anymore. About 18% had recently made investments in Brazil that would guarantee their survival; 51% had capital to invest; and 21% did not know how to survive in Brazil, while 28% intended to migrate to Europe.

Keywords: Economic Crisis, Migration, Return.

Carátula del artículo

Dossiê

O retorno motivado pela crise na economia norte americana

Sueli Siqueira
Universidade Vale do Rio Doce, Brasil
Revista Tempo e Argumento, vol. 1, núm. 2, pp. 64-79, 2009
Universidade do Estado de Santa Catarina
Introdução

A emigração dos moradores da microrregião de Governador Valadares para os EUA iniciou na década de 1960 na cidade de Governador Valadares e, já nos anos 1970, várias cidades da região tinham emigrantes entre os seus habitantes. Ao longo dos anos, foram se formando e fortalecendo as redes sociais que possibilitaram, em meados dos anos 1980, o crescimento do fluxo migratório e a formação de uma comunidade brasileira na região da Nova Inglaterra, nos EUA (SIQUEIRA, 2008).

Esses quase 50 anos do início da emigração marcaram a história das cidades e de seus habitantes. A cultura da emigração passou a fazer parte do cotidiano da região. Emigrar, ganhar dinheiro e retornar passou a ser um projeto de vida acessível e desejado por muitos.

O projeto de emigrar assenta-se em quatro pontos: ir, ganhar dinheiro, retornar, investir. Durante o percurso, dadas as condições sociais, econômicas e culturais, esse projeto migratório é reelaborado, e o retorno apresenta diferentes nuances. Siqueira (2006) destaca quatro tipos de retorno.

No retorno temporário, o emigrante define os EUA como seu local de moradia. Lá tem sua família, seu trabalho e seus investimentos. Vem ao Brasil de férias ou para festas familiares. Recebe os jornais locais nos EUA ou os acessa através da internet. Manda dinheiro para ajudar a família e ajuda entidades de caridade locais. Nos EUA, muda seu padrão de vida e consumo, pois já não tem a preocupação de fazer poupança para voltar e investir no Brasil.

Outro tipo de retornado é o emigrante que retorna à cidade de origem, investe e acaba perdendo seu investimento, ou não consegue se readaptar à vida no Brasil. Reemigra, mas continua mantendo o projeto de voltar – esse é denominado de retorno continuado. Alguns fazem esse caminho várias vezes. Restringem seu padrão de vida e consumo nos EUA, objetivando fazer uma poupança para tornar a investir em sua cidade de origem.[2]

Permanente é aquele tipo de retorno em que o emigrante consegue estabelecer-se na sua cidade ou país de origem e não pretende emigrar novamente. No estudo de Siqueira (2006), esses são os que se tornaram empreendedores na microrregião de Governador Valadares. Eles creditam sua condição de empreendedores bem-sucedidos aos seus projetos migratórios.

O transmigrante é aquele que vive nos dois lugares. É documentado, tem vida estabilizada nos EUA e no Brasil. Possui casa, faz investimentos e trabalha nos dois lugares. Passa parte do ano no Brasil e parte nos EUA. Participa ativamente da vida social das duas sociedades, transita, tem visibilidade e é ator social nos dois lugares. Alguns são membros de associações nos EUA (Câmara de Comércio, grupo de escoteiros, brigada de incêndio) e no Brasil (associações de classe, até mesmo câmara de vereadores).

O boom do fluxo emigratório da microrregião de Governador Valadares aconteceu na segunda metade dos anos 1980, exatamente quando se intensificava a crise econômica brasileira. Os habitantes dessa região, devido às redes sociais estabelecidas nas duas décadas anteriores, viam como possibilidade de fugir da crise a emigração para os EUA. Ao longo dos anos seguintes, muitos emigraram e retornaram, segundo os diferentes tipos de retorno citados acima. Contudo, em meados de 2006, passou-se a observar um retorno mais acentuado. Eram os fugitivos da crise econômica dos EUA.

Neste artigo, vamos descrever brevemente essa crise e demonstrar como ela atingiu os emigrantes brasileiros, bem como sua repercussão no projeto de retorno à terra natal.

A Crise na Economia Americana

Segundo os keynesianos, a crise na economia capitalista é cíclica e resultado da fragilidade financeira. Consideram que a postura especulativa dos agentes capitalistas, que praticam empréstimos de alto risco, gera, inevitavelmente, a crise econômica. Segundo Ferrari Filho e De Paula (2008), o aumento dessa fragilidade é resultado de “um lento e não percebido processo de erosão das margens de segurança de firmas e bancos, em um contexto no qual o crescimento de lucros e rendas valida o aumento do endividamento”, e, consequentemente, do risco.

A crise dos EUA começou no setor imobiliário, atingindo diretamente grande parte dos emigrantes que trabalham na construção civil e também aqueles que, encantados pelo crédito fácil, resolveram investir suas economias na aquisição de imóveis nos EUA.

Segundo Carvalho (2008), a economia americana no final do século XX apresentava duas tendências marcantes: uma inflação doméstica baixa, que manteve os preços dos bens de consumo sem grandes alterações, em função do que foi possível manter a taxa de juros básica baixa ao longo dos anos de 1990 – permitindo, assim, que os ganhos nas aplicações tradicionais do setor financeiro (bancos e financeiras) se mantivessem, de modo geral, baixos; ea competição entre bancos e instituições financeiras, em um quadro de desregulamentação financeira. Com a competição acirrada no setor, os bancos e as financeiras foram levados a buscar mercados que possibilitassem maiores lucros (BRUSSEE, 2005).

Um mercado atraente era o setor imobiliário americano. Contudo, era preciso inovar, pois era um mercado de crescimento lento, uma vez que estava diretamente relacionado ao baixo crescimento vegetativo da população americana.

Iniciou-se, então, um tipo de financiamento no qual o imóvel financiado era hipotecado como garantia. O comprador recebia a escritura definitiva, ou seja, tornava-se proprietário do imóvel, depois de quitar sua dívida. Caso o comprador não efetuasse o pagamento, a agência financiadora retomava o imóvel e podia revendê-lo. Não ficava com o prejuízo total, mas isso não era interessante, pois perderia a receita dos juros sobre o empréstimo e teria todos os gastos da revenda (CARVALHO, 2008).

O cliente preferencial para esse tipo de empréstimo era aquele cujo perfil garantia o pagamento, ou seja, que tinha crédito positivo na praça, reduzindo, assim, o risco de calote. Esses eram denominados de clientes prime - aqueles cujo perfil tinha certa garantia de que iriam honrar os pagamentos.

Fora dessa classificação ficava uma parte significativa dos possíveis compradores, os denominados subprime - pessoas com perfil que não garantia crédito nas instituições financeiras, isso é, sem renda comprovada, sem emprego fixo, sem histórico positivo de crédito. Esse contingente do mercado consumidor tornou-se atrativo porque, pelos riscos do financiamento, eles teriam que pagar taxas maiores e, portanto dariam lucratividade maior.

Carvalho (2008, p.18) demonstra que, com o objetivo de alcançar esse mercado, outra forma de calcular o risco foi inaugurada no setor financeiro americano, baseada numa análise do desempenho da economia e não, especificamente, no crédito pessoal.

Esses modelos são alimentados com informações quantitativas (séries temporais, como são chamadas) e permitem calcular a probabilidade de sucesso de um empréstimo, se tudo continuar como no presente. A cláusula é importante, porque se o mundo mudar, os cálculos baseados no passado pouco servirão para projetar o futuro.

Sendo assim, a expectativa de que a economia continuaria bem e de que os tomadores de empréstimos desse grupo de risco manteriam suas rendas e pagariam em dia seus financiamentos fez com que se efetivasse uma ciranda de empréstimos de altíssimo risco. Ainda segundo Carvalho (2008, p.19), os bancos e financeiras disfarçaram esses riscos através do processo denominado “secularização”, explicado por Carvalho (2008, p.19) da seguinte forma:

Toma-se certo número de contratos de hipotecas, que prometem pagar uma determinada taxa de juros, para usar como base, ou lastro, de um título financeiro (cuja remuneração é baseada nos juros pagos pelo tomador da hipoteca). Esse título é, então, vendido para fundos de investimento, famílias ricas, empresas com dinheiro para aplicar, bancos etc. Uma das vantagens desse processo é que o comprador desse papel em geral não tem muita noção do risco que está comprando, porque ele não vê as hipotecas que lhe servem de lastro.

Brussee (2005) considera que a crise em questão teve início nos anos 1990, provocada exatamente pela loucura do mercado financeiro, que atraiu investidores com a promessa de ganhar dinheiro fácil. Esses investidores compraram títulos sem a percepção do grande risco que corriam.

Para ampliar a demanda por esse tipo de empréstimo, cobravam-se, inicialmente, juros baixos, prática possível devido aos baixos níveis da taxa básica interbancária. Com o tempo, esses juros aumentaram vertiginosamente. Na época, a abundância de crédito barato elevou a demanda básica da economia, e isso provocou o início de um processo de inflação estrutural de demanda, obrigando o banco central americano (FED) a usar a ferramenta clássica para esse tipo de inflação: elevações acentuadas da taxa básica de juros. Essa elevação da taxa básica forçou as financeiras a aumentarem os juros das hipotecas imobiliárias já contratadas. Antes disso, uma família fazia os cálculos e verificava que, com sua renda, era possível pagar o financiamento da casa, mas com o passar do tempo os juros aumentaram e tornou-se impossível quitar as prestações mensais.

Ao perceberem a inadimplência, os investidores que compraram os títulos baseados nesse mercado começaram a vendê-los e não encontraram compradores. Então, perceberam que seus títulos não tinham a liquidez desejada. Essa situação criou pânico no mercado e, no final de 2006, a denominada “bolha imobiliária” explodiu, instalando-se a crise.

A crise, que até então estava localizada no setor imobiliário, agravou-se quando a falta de confiança nos papéis financeiros atingiu o mercado de capitais como um todo. A maioria das instituições financeiras que adquiriu hipotecas subprime, nesse momento da crise, entrou em insolvência ou falência, o que atingiu todos os setores da economia americana.

Pomar (2008, p.2) considera que a crise foi resultado da busca do lucro imediato, que cegou as instituições financeiras em relação às conseqüências do crédito de alto risco: “O crédito fornecido pelo sistema financeiro tornou-se o instrumento principal dessa exuberância fictícia”.

A busca sem limites pelo lucro e a ganância das instituições financeiras criaram uma idéia de uma economia exuberante e inatingível e geraram uma crise que atingiu o setor imobiliário, o crédito pessoal e as instituições financeiras e se alastrou para a economia de modo geral, não só americana, mas global. Essa crise atingiu os emigrantes brasileiros nos Estados Unidos e redefiniu seus projetos de retorno à terra natal.

Como a Crise Afeta os Emigrantes Brasileiros[3]

A compra da casa própria e a melhoria das condições econômicas são o sonho que move grande parte dos emigrantes a empreender a aventurara de emigrar. Muitos vivem por três ou quatro anos nos EUA, fazem suas economias com o projeto de retornar e mudar sua condição social, realizando o sonho inicial do projeto migratório. Outros vão adiando o retorno e adquirem bens como a casa própria nos EUA.

A aquisição de imóveis nos EUA tornou-se extremamente fácil, a partir do início do ano 2000. Os jornais brasileiros circulavam com ofertas tentadoras de venda de casas com muitas facilidades e, o mais importante, que não exigiam que o comprador fosse documentado, uma condição para a maioria dos emigrantes. “Casa de dois pavimentos com três quartos” - essas manchetes estavam sempre acompanhadas de fotos dos imóveis à venda.

Animados pelo crédito fácil, muitos emigrantes, inclusive os brasileiros da microrregião de Governador Valadares, compraram casas, considerando estar fazendo um excelente negócio, pois a prestação da casa financiada era pouco mais do que o que pagavam de aluguel. Além disso, podiam dividir a casa em duas ou três moradias, morar com a família em uma e alugar as outras, e, assim, pagar o financiamento sem muito aperto. Essa foi a trajetória da família de Ana e Camilo. Estavam nos EUA havia mais de quatro anos e pretendiam retornar para o Brasil, pois já tinham construído uma boa casa (um prédio com dois apartamentos) e estavam juntando dinheiro para montar uma loja de revenda de pneus. Camilo entrou nos EUA pela fronteira do México; Ana e os dois filhos, seis meses depois, viajaram numa excursão para a Disney. Fizeram o passeio e não retornaram com o grupo para o Brasil. Camilo os encontrou em Orlando e foram para a cidade de Framingham, onde Camilo vivia.

Camilo trabalhava na construção civil, e Ana, na faxina. Camilo tinha um bom emprego, onde trabalhava oito horas por dia e, nas horas de folga, fazia serviços de carpintaria por conta própria, o que aumentava bastante sua renda mensal. Ana tinha um schedule de 30 casas semanais.

Comprei a primeira casa em 2002, tinha um amigo que comprou e me mostrou no jornal várias casas e os preços. Nós estávamos ilegais, mas ele me explicou que eu tinha crédito e podia comprar. Tinha cartão de crédito e pagava minhas contas em dia [...]. Comprei uma casa por US$220 mil. Pagava U$$1.500 por mês. Aluguei o basement por US$500. Ficava fácil pagar. [...] Eu e Ana ganhávamos mais de seis mil dólares por mês. [...] achamos que era melhor não voltar, ficar lá por mais um tempo. Passamos a ter uma vida melhor, sair com a família, comprar coisas melhores para nós e nossos filhos, paramos com aquela coisa louca de só guardar dinheiro e comprar coisas no tag sale.

Quando mudam o projeto e adiam ou desistem do retorno para a cidade de origem, mudam também os hábitos de consumo dos emigrantes. A poupança para investir na cidade de origem não é mais uma meta. Passam a consumir bens que antes não consumiam, gastam mais com lazer e deixam de usar produtos comprados em promoção, como descrito no relato acima. Ao ampliar seu consumo, também acabam por se endividar, mesmo mantendo e, até mesmo, aumentando sua renda (e, consequentemente, suas horas de trabalho). Acabam utilizando o cartão de crédito além das suas possibilidades.

[...] em 2005 estávamos com problemas para pagar o cartão de crédito, e com dificuldades para pagar todas as contas, inclusive a prestação da casa, então o banco ofereceu um refinanciamento da nossa casa. [...] ficamos com 50 mil dólares que deu para pagar as dívidas e ainda sobrou.

Camilo tinha um perfil de crédito classificado como subprime, ou seja, de alto risco. Devido a isso, os juros aplicados no refinanciamento ficaram em torno de 12% ao ano. Essa foi uma armadilha que ele só percebeu quando as prestações começaram a subir - tudo previsto no contrato; contudo, eles não se preocuparam em verificar os detalhes do contrato.

Em 2007, a prestação passou de US$1.500 para US$2.600 por mês. Ao mesmo tempo, o trabalho na construção civil diminuiu e a empresa reduziu as horas de trabalho de Camilo. O trabalho de Ana também diminuiu: “Meu schedule caiu de 30 para 19 casas,” Com isso, a renda mensal da família caiu, o que comprometeu o pagamento do financiamento da casa.

Ao atrasar por quatro meses a prestação e não conseguir pagar o cartão de crédito, vendo a renda mensal despencar a cada mês, Ana e Camilo tomaram a decisão de vender a casa. A grande surpresa foi detectar que não conseguiam o preço que haviam pago, com o refinanciamento. Além disso, os possíveis compradores estavam na mesma situação que eles, ou seja, sofriam redução da renda mensal.

Refinanciar pela terceira vez a casa e, assim, conseguir um dinheiro extra para pagar as dívidas estava fora de cogitação, pois o preço da prestação tornaria ainda mais inviável seu pagamento. Outra dificuldade era que o crédito já não estava tão acessível, pois o que tornou o subprime atrativo para o mercado, ou seja, a perspectiva de um desempenho positivo da economia e a possibilidade de os consumidores situados nessa categoria pagarem suas dívidas, deixara de existir.

A casa representava a ideia de que haviam “conquistado a América” e melhorado a qualidade da vida da família. Lembrando que o projeto inicial era conseguir isso na sua cidade de origem, eles conseguiram muito mais, pois conquistaram a casa própria na “América” e tinham um padrão de consumo com que nunca haviam sonhado - viviam o sonho do American Way of Life.

O dia que mudamos, foi uma tristeza só, todo mundo chorava [...] fomos para um basement com um quarto. [...] estava ficando difícil até pra comprar o mais necessário [...] o melhor era voltar [...] no Brasil tinha a nossa casa para morar e a nossa família.[...] tinha também o stress da Imigração, todo dia era notícia de gente sendo deportada, mesmo tendo a carteira para dirigir a gente dirigia com medo o tempo todo, era só ouvir uma sirene que o coração disparava [...].

Depois de ter ampliado seus hábitos de consumo, retornar para a condição inicial de imigrante tornou-se insuportável para a família. Ana adoeceu e foi diagnosticada com depressão. Sem a renda de Ana e com seu salário reduzido, Camilo decidiu voltar.

“não compensava mais ficar, já não estava conseguindo pagar o aluguel e ter alimentação decente para minha família, o melhor era aproveitar que ainda tinha condição de comprar a passagem [...] tem muito brasileiro querendo voltar e não tem nem o dinheiro da passagem”.

Os resultados parciais do estudo sobre os emigrantes que retornaram devido à crise demonstram, como pode ser observado no gráfico 1, que os principais motivos do retorno alegados pelos entrevistados são exatamente os apresentados por Camilo e Ana: a redução dos ganhos (43%) e o medo que passou a rondar mais efetivamente os emigrantes indocumentados (37%). A deportação sempre fez parte do universo dos emigrantes. Contudo, a notícia de deportação de amigos e colegas de trabalho passou a ser cotidiana, e isso acentuou o medo e a insegurança.

A percepção de que estava no país mais rico do mundo e que uma crise podia abalar a economia era inacreditável para o emigrante brasileiro. Ouvia e lia as notícias, mas recusava-se a acreditar.

Nunca pensei que um país como aquele podia acontecer isso, achava que era só no Brasil. [...] Quando falavam de crise eu dizia que era coisa de jornal, de gente que queria ver o circo pegar fogo [...]só acreditei quando doeu no meu bolso e eu não conseguia pagar minhas contas [...].

É interessante destacar que a crise econômica afetou tanto os documentados como os indocumentados, indistintamente, pois 39% dos entrevistados são documentados e retornaram devido às dificuldades econômicas.


1
Gráfico 1
pesquisa de campo

As condições de retorno para a cidade de origem são diferenciadas entre os entrevistados. No gráfico 2, podemos observar que 18% afirmaram que possuíam renda no Brasil que garantiria sua sobrevivência, ou seja, fizeram investimentos como: casas de aluguel, comércio, propriedade rural etc. Outros 51% retornavam com capital para investir e, assim, auferir renda para sua manutenção, e 21% não possuíam nenhum investimento no Brasil e retornavam sem capital. Pretendiam entrar no mercado de trabalho.

Grande parte dos investimentos realizados por emigrantes na microrregião de Governador Valadares não são bem–sucedidos, conforme demonstrado na pesquisa de Siqueira (2006), principalmente por falta de conhecimento do mercado em que investem e de experiência como empresário. Por essa razão, podemos considerar que esses emigrantes que retornaram por causa da crise correm o mesmo risco de não serem bem-sucedidos em seus investimentos.

Os emigrantes que retornam com a intenção de conseguir se inserir no mercado de trabalho também correm o risco de não obterem sucesso, pois estiveram afastados por três ou quatro anos e, durante o tempo de emigração, não agregaram nenhuma característica nova ao seu perfil profissional. Além disso, a economia da região já era frágil e, com a crise da economia internacional, novos investimentos locais foram adiados. Com isso, a criação de novos empregos foi reduzida. O depoimento de Pedro, de 41 anos, destaca bem essa situação: “Vim sabendo que é difícil arranjar emprego aqui. A gente só consegue emprego merreca [...] fico mais um mês para matar a saudades e vou para Portugal [...] tenho amigos lá”.

É interessante destacar que, quando inquiridos sobre a intenção de emigrar novamente, 49% afirmam que não têm essa intenção, 23% não têm nenhuma posição definida sobre a questão e 28% afirmam, como Pedro, que têm a intenção de, nos próximos meses, emigrar para a Europa, demonstrando, com isso, desconhecimento de que a crise é internacional e também atingiu seriamente a economia europeia. Dentre esses entrevistados, 62% têm parentes ou amigos em cidades de Portugal, Espanha e Itália, países para os quais pretendem emigrar.


2
Grafico 2
pesquisa de campo

Vou ficar por um tempo aqui, mas daqui uns seis ou sete meses vou para Portugal [...] meu primo tem trabalho garantido pra mim lá. (Carlos, 42 anos)

Como Carlos, outros emigrantes que retornam tendo em vista que o custo-benefício da emigração para os EUA já não é mais positivo pretendem emigrar para a Europa. Isso demonstra que o fluxo migratório para a Europa está se intensificando e que as redes sociais estão possibilitando esse redimensionamento do fluxo migratório da região de Governador Valadares.

O emigrante que decide retornar considerando que alcançou seu objetivo, que era ganhar dinheiro e melhorar seu padrão de vida no Brasil, retorna com a sensação de sucesso, pois conseguiu “fazer a América”. Mesmo assim, enfrenta dificuldades de readaptação. Durante o tempo de afastamento, reconstruiu as imagens, os sentimentos e as sensações de modo idealizado, marcado pela saudade. Como analisa Sayad (2000), ao reencontrar esses espaços e pessoas, eles sentem um estranhamento, um sentimento de não pertencimento. Com o passar do tempo, alguns conseguem superar essa sensação e readaptar-se.

Para o emigrante que não programou retornar, ou porque ainda não conseguiu alcançar seus objetivos, ou porque decidiu viver nos EUA, adquiriu sua casa e mudou seu padrão de vida, retornar devido à crise econômica nos EUA é uma experiência marcada pelo desapontamento e pela ideia de insucesso. Com isso, o estranhamento é acentuado por um retorno não desejado, pela frustração de seus sonhos.

Nos relatos dos emigrantes que retornam, está presente o lamento e a amargura por ter deixado para trás todos os sonhos, principalmente a compra da casa. Dentre os entrevistados, 80% afirmam que o sentimento de desesperança e insegurança em relação ao futuro está presente.

Nunca podia imaginar que isso ia acontecer num país como aquele [...]. Eu apostei tudo lá vendi o pouco que tinha aqui para ter uma vida melhor lá [...] não era ilegal [...] mas não tinha como continuar [...] agora não sei como vai ser... não sei não [...]. Tem brasileiro lá sem dinheiro para voltar [...] se um dia melhorar eu volto, tenho meus papéis [...]. (Alberto, 53 anos).

Para os emigrantes que tinham definido os EUA como seu local de moradia por um longo tempo, o retorno significa o desmoronamento desse sonho, construído com longas horas de trabalho, muita saudade e a certeza de que viviam no país mais rico do mundo, onde a segurança e a confiança nas instituições financeiras eram inquestionáveis.

O retorno é marcado pela incerteza, mesmo entre os que têm investimentos que possibilitam uma renda razoável no Brasil, pois afirmam que nunca poderão ter, aqui, o que tinham lá. Contudo, estão confiantes que a economia brasileira passará bem pela crise.

É interessante destacar que a maioria não tinha uma “vida de americano”, como afirmam, pois trabalhavam de 12 a 18 horas por dia, estavam sempre pagando com aperto as contas do cartão de crédito e da casa. Uma prova disso é que muitos dividiam suas casas, alugando o basement ou o segundo andar para ajudar no orçamento doméstico.

Márcia retornou com sua família em setembro de 2007. Nos EUA, trabalhava como faxineira e, nos dias de folga, atendia brasileiras no pequeno salão que tinha em sua casa. Depois de quatro anos, ela e o esposo tinham construído uma casa no Brasil e estavam pensando em retornar. Contudo, pelas facilidades de crédito nos EUA, compraram uma casa em 2005 e resolveram permanecer. Márcia, o marido e os dois filhos viviam na casa e alugavam o basement. Trabalhavam mais de 12 horas por dia. Retornaram com pouco dinheiro, pois, como afirmam, “viviam a vida de americano”. O marido de Márcia está procurando emprego e ela montou um salão de beleza na sua casa. Antes de emigrar, trabalhava em um salão no seu bairro.

Sei que aqui vai ser difícil, lá a gente tinha “vida de americano”, comprava tudo que queria [...] como vou controlar isso agora com as crianças? [...] aqui vai ser tudo regrado, sem a gastança que a gente estava acostumada (Márcia, 38 anos).

Os que retornam sem conseguir adquirir bens vivem um sentimento ambíguo. A frustração é marcada pelo constrangimento perante a família e a sociedade, por não terem conseguido “fazer a América” e pela falta de perspectiva de conseguirem melhorar sua condição social no Brasil. Contudo, quando lembram as dificuldades passadas nos últimos meses de vida nos EUA, demonstram alívio por terem retornado.

[...] fiquei três anos, consegui pagar a passagem [dívida de nove mil dólares pela travessia pela fronteira do México] quando estava começando a fazer as coisas no Brasil fiquei desempregado e sem dinheiro até para voltar [...] o que adiantou tudo? [...] volto do mesmo jeito que fui [...] acho que pior[...] (José Carlos, 39 anos).

Carlos conseguiu trabalho numa empresa de vigilância. Recebe pouco mais de um salário mínimo por mês, a casa que começou a construir não está pronta e não tem nenhuma perspectiva de continuar sua construção, pois o salário é suficiente apenas para os gastos da família. Demonstra alívio por ter retornado, mas frustração e vergonha por não ter conseguido melhorar a vida da família e por ainda morar de aluguel.

A situação de Carlos é melhor do que a de Eduardo, que retornou em maio de 2008. Ele permaneceu nos EUA por quatro anos e comprou uma casa na sua cidade de origem. No final de 2007, perdeu o emprego e começou a trabalhar por conta própria. Sua renda caiu de 1.100 dólares por semana para 300 em 2008. Os parentes no Brasil emprestaram dinheiro para a passagem de volta. Não conseguiu nenhum trabalho desde que voltou, vive do trabalho da esposa e ainda tem a dívida da passagem de volta para pagar. Eduardo voltou com problemas de saúde e foi diagnosticado, segundo sua esposa, com depressão.

“[...] ele não consegue parar em nenhum trabalho, está sempre reclamando, tem dia que não consegue nem levantar da cama [...] tudo aqui para ele é ruim [...] (Ester, esposa de Eduardo, 37 anos).

Estudiosos da emigração internacional (SAYAD, 2000; ASSIS, 2005; SIQUEIRA, 2006) têm salientado o antagonismo do retorno. Se, por um lado, é marcado pela alegria de rever sua terra natal, é também um momento marcado pelas dificuldades de readaptação, pela incerteza quanto ao sucesso dos projetos de trabalho e renda. O emigrante que retorna devido à crise da economia americana, independentemente de sua condição econômica, além de todas as dificuldades inerentes ao retorno, apresenta um profundo sentimento de desesperança e frustração.

Considerações finais

A crise econômica americana atingiu diretamente os emigrantes brasileiros, e muitos optaram por retornar, diante da inviabilidade de continuar vivendo nos EUA. Todos viram seus sonhos serem frustrados, alguns conseguiram retornar e ter uma renda nas cidades de origem, mas a grande maioria afirma que o retorno não desejado torna ainda mais difícil a readaptação, principalmente porque experimentaram a vida num país que acreditavam que era o país das oportunidades.

A crise atingiu tanto os emigrantes documentados como os não documentados. Contudo, os não documentados vivem, além da queda da renda, a situação de insegurança e o medo da deportação. Os emigrantes que possuem green card ou cidadania americana têm a esperança de que a crise vai passar e, então, poderão retornar. Enquanto isso, vivem “temporariamente” no Brasil.

Os efeitos desse retorno para a microrregião de Governador Valadares são sentidos principalmente com a redução das remessas enviadas para investimento ou para a manutenção dos familiares, o que atinge diretamente o comércio e o setor imobiliário. Segundo Jardim[4], no final dos anos 1990, de cada 10 imóveis vendidos na cidade de Governador Valadares, quatro eram para emigrantes. Em 2008, essa proporção caiu para apenas um. No último lançamento de apartamentos, dos 44, apenas um foi vendido para emigrantes nos EUA. Além das dificuldades econômicas, esses emigrantes que retornam devido à crise americana trazem consigo as frustrações, a percepção de que não valeu a pena e a esperança de reconquistar seu espaço e retomar sua vida no Brasil.

Estudos anteriores (SIQUEIRA, 2006; ASSIS, 1995; SOARES, 1995) demonstraram que a fragilidade da economia da região e as grandes possibilidades de melhorar a situação econômica, além das redes sociais, foram aspectos que impulsionaram a emigração. Passadas cinco décadas desde o início da emigração em massa, as condições econômicas das cidades da microrregião não melhoraram. A oferta de emprego é insuficiente para a demanda. Além disso, os emigrantes não se qualificaram durante o período de emigração, o que torna ainda mais difícil sua inserção no mercado de trabalho.

Aqueles que retornam com algum capital e a intenção de montar seu próprio negócio correm o risco de fazer investimentos inadequados, pois, como demonstrado nos estudos de Siqueira (2008), eles não fazem pesquisa de mercado, não têm experiência como empresários e não buscam orientações nos órgãos que disponibilizam dados sobre a economia da região.

Os programas e as orientações disponibilizados pelo SEBRAE, pela Associação Comercial e por outros órgãos e instituições não são acessados pelos emigrantes, que os consideram inúteis, pois lhes falta uma visão empresarial. Além disso, a pressa em fazer os investimentos e a necessidade de autoafirmação do sucesso da sua jornada migratória os impedem de recorrer a esses órgãos, que poderiam orientá-los. Destaca-se também que esses órgãos não oferecem programas que atendam especificamente ao emigrante, ou seja, que compreendam os processos psicossociais que envolvem o retorno.

É interessante destacar que 28% desses emigrantes pretendem emigrar para a Europa, na esperança de conseguir, lá, o que não conseguiram nos EUA. Contudo, a crise é mundial, e eles terão poucas chances de conseguir trabalho em qualquer outro país.

A emigração trouxe, para alguns, a melhoria de suas condições de vida; para outros, a frustração de anos perdidos num trabalho duro e fatigante, em busca do sonho de “fazer a América” ou de desfrutar do American Way of Life. O sonho acabou, e restaram, para muitos, as frustrações, a saúde debilitada e a incerteza do futuro.

Como afirma Sayad (1998), a migração denuncia uma relação de forças sempre vantajosa para o mais forte, para o país que recebe a mão de obra barata. Hoje a microrregião de Governador Valadares recebe de volta pessoas frustradas, com problemas de saúde e sem perspectivas positivas para o futuro, com uma percepção do seu local de origem extremamente negativa. Esse é um alto preço a se pagar pelas remessas de dólares enviadas à região, que, com certeza, não enriqueceram os emigrantes trabalhadores.

Material suplementar
Referências
ASSIS, Gláucia de Oliveira. Estar aqui, Estar lá... uma cartografia da vida em dois lugares. Florianópolis, 1995. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Universidade Federal de Santa Catarina.
BRUSSEE, Warren. The second great depression. Starting 2007 ending 2020. EUA: Booklcker, 2005.
CARVALHO, Fernando Cardim de. Entendendo a recente crise econômica global. In: Dossiê da crise. Rio de Janeiro: Associação Brasileira Keynesiana, 2008. Disponível em: . Acesso em...
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Notas
Notas
[4] Presidente da FIENG.
[1] Artigo originalmente apresentado no congresso da LASA 2009 (Latin American Studies Association), realizado na cidade do Rio de Janeiro, entre 11 e 14 de junho de 2009.
[2] Margolis (1994) denomina isso de “migração iôiô”
[3] Os dados apresentados neste item são resultados parciais da pesquisa “Novos contornos da emigração de brasileiros para os EUA: crise econômica e o retorno para as cidades de origem”, coordenada pela autora. O estudo iniciou-se em 2007 e está em andamento. Os sujeitos são brasileiros da microrregião de Governador Valadares que emigraram para os EUA e retornaram para suas cidades de origem no período de setembro de 2007 a janeiro de 2009.

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