Dossiê
A ditadura fala? reflexões sobre os testemunhos orais através de entrevistas concedidas por Ernesto Geisel e Jorge Oscar de Mello Flôres [1]
A ditadura fala? reflexões sobre os testemunhos orais através de entrevistas concedidas por Ernesto Geisel e Jorge Oscar de Mello Flôres [1]
Revista Tempo e Argumento, vol. 2, núm. 1, pp. 21-51, 2010
Universidade do Estado de Santa Catarina
Recepção: 01 Março 2010
Aprovação: 01 Maio 2010
Resumo: Propomo-nos, com o presente artigo, refletir sobre o uso dos testemunhos orais para conhecer acontecimentos históricos, em especial da ditadura brasileira implantada em 1964. Com esse objetivo, desconstruímos entrevistas que Ernesto Geisel e Jorge Oscar de Mello Flôres concederam a pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), procedimento mediante o qual indagamos sobre as formas como os depoentes interpretam os acontecimentos que vivenciaram, compondo um relato que é produto de múltiplas interações, seja a deles com os entrevistadores e os futuros leitores, seja com as diferentes dimensões temporais - passado, presente e futuro - que ajudam a conformar, de múltiplas formas, as suas lembranças.
Palavras-chave: Testemunhos orais, Ditadura, Brasil, Ernesto Geisel, Jorge Oscar de Mello Flôres.
Abstract: In this paper, we propose to undertake a reflection on the uses of oral testimony to know about historical events, especially the Brazilian dictatorship established in 1964. To this end, this work deconstructed the interviews given by Ernesto Geisel and Jose Oscar Flores to researchers from Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), Fundação Getúlio Vargas (FGV), a procedure by which we inquire into the ways in which interviewees reconstruct the events they experienced, creating a story that is the product of multiple interactions, either theirs with the interviewers and future readers, or with different time dimensions, past, present and future, which help to shape, in many ways, the memories.
Keywords: Oral testimonies, Dictatorship, Brazil, Ernesto Geisel, José Oscar de Mello Flôres.
Os livros Ernesto Geisel e Na periferia da História contêm depoimentos do general-presidente e de Jorge Oscar de Mello Flôres concedidos a pesquisadores do Centro de Pesquisa e Documentação (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Visamos, ao vasculhar tais documentos, refletir particularmente sobre a atuação dos entrevistados na desestabilização do governo de João Goulart, no golpe de Estado de 1964 e durante o regime que se estendeu desde essa data até 1985. Trata-se de fatos ainda hoje espinhosos e, como os protagonistas lhes sobreviveram por um período de tempo suficientemente extenso, puderam refletir profundamente sobre eles, o que torna interessante analisar a forma como decantaram suas posições a respeito deles.
É importante destacar que, para levar adiante o trabalho, suas declarações foram submetidas a uma intensa crítica heurística. Esse método nos levou a confrontá-las com outras fontes, com outros testemunhos e com as diversas fases do próprio discurso. Tais procedimentos nos permitiram indagar sobre o dito e o não dito, ou o dito de outra forma, os significados-chave do relato que o entrevistado realiza e a forma como foram organizados, interpretados e relacionados os temas que surgem na reconstrução de suas participações nos acontecimentos narrados (JOUTARD, 1983 e 1984).
Não pretendemos, com isso, deslegitimar os testemunhos orais como fontes documentais, para privilegiar os documentos escritos, pois estes também devem ser submetidos a procedimentos similares, já que podem, igualmente, conter dados errôneos e, inclusive, omitir ou propositadamente inventar informações, como demonstramos em outros trabalhos e mais adiante exemplificaremos com alguns casos.
Para finalizar este apartado, embora dispensável para o público brasileiro, não é demasiado falar, ainda que seja de uma parte, da intensa vida política do general sul-rio-grandense Ernesto Geisel, que desempenhou, entre outros, os cargos de chefe da Casa Militar entre 1964 e 1967, de membro do Supremo Tribunal Militar entre 1967 e 1969, de presidente da Petrobrás entre 1969 e 1973, para, posteriormente, se tornar presidente da República, entre 1974 e 1979.
Já o carioca José Oscar de Mello Flôres formou-se engenheiro na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, atuando imediatamente na área de hidráulica como funcionário estatal e professor da universidade federal local. Na iniciativa privada, atuou como diretor do grupo Sul América, posição que lhe permitiu tomou parte de várias corporações empresariais. Seus momentos políticos mais importantes foram os de integrante do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IPÊS)[2], como secretário e chefe do Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP), e, na Fundação Getúlio Vargas, a que estava ligado desde sua criação, em diferentes funções, chegando a presidi-la entre 1999 e 2001.
Passando às reflexões propriamente ditas sobre as entrevistas, é importante destacar que, no momento de enfrentar o desafio de contrastar os testemunhos dos entrevistados, estivemos atentos tanto ao que o entrevistado dizia, quanto a como o dizia e ao significado do que dizia. Dessa forma, questionamos seu discurso, explorando as contradições inerentes, descobrindo suas raízes sociais. Em síntese, o desmitificamos, tarefa que na situação de entrevista é colocada de forma descarnada, à flor da pele, já que sua condição existencial é a relação intersubjetiva que ela põe em jogo. Não obstante, a incorporação do “subjetivo” como objeto de estudo não significa que devamos abandonar as regras da abordagem científica, a confrontação das fontes e a análise crítica.
Como em quase todos os relatos autobiográficos, os membros da elite constrõem uma imagem pública de si mesmos para ser apresentada diante dos outros e com ela se colocam como protagonistas do relato, narrando e impondo seus pontos de vista, bem conscientes de que, apesar de falar ao entrevistador, falam em última instância, por seu intermédio, à História, circunstância que pode conter ou, ao contrário, estimular sua verve (ARON-SCHNAPPER e HANET, 1980, 188).
Tal preocupação fica mais do que explícita na fala do próprio Geisel, quando comenta sobre os assédios da imprensa:
Há vários jornalistas que são meus amigos e pediram. Mas, por que eu vou dar entrevista à imprensa nessa altura? Falar mal do governo que está aí? Reavivar problemas do passado? Isso não constrói nada. Penso assim. Se quiserem alguma coisa para a história, terão este depoimento. Vocês me convenceram e por isso estou aqui... (p. 286, reticências da fonte).
Mais adiante, retorna ao tema, falando sobre a insistência dos jornalistas e das suas reiteradas negativas em conceder entrevistas:
Telefonam, são muito insistentes. Agora mesmo telefonaram vários, insistindo para que eu escrevesse um artigo, desse uma entrevista ou respondesse a um questionário sobre a Revolução de 64, que está fazendo 30 anos. Não vou dizer nada. Está tudo escrito nos livros. Por que eu vou dar entrevistas? (p. 428).
Ele é ciente de que está falando para a História e distingue claramente o potencial de uma matéria jornalística, fadada a passar e ser esquecida com o dia, das palavras que ficam impressas em registros mais duradouros ou com chancela acadêmica. Esta é a dimensão que lhe interessa.
Não obstante, isto não lhe é privativo. Até pode acontecer com qualquer indivíduo; no entanto, trabalhar com os de seu tipo, principalmente com políticos, nos apresenta um problema adicional, pelo qual temos sido precavidos. Por estarem acostumados a dialogar e a se expor ao julgamento público, estão em melhores condições para desenvolver uma reflexão articulada sobre suas próprias vidas e experiências, fazendo com que as contradições sejam menos evidentes. Geralmente, os membros das elites sabem inibir sua livre expressão, convertendo suas declarações e discursos num instrumento ideológico e de poder na arena política. Nesses casos, a discrição e até o silêncio são a regra. Quanto mais destacados e politicamente ativos forem os atores, mais conscientes serão também do risco de conceder informações sobre seu próprio desempenho ou de seus pares (CAMARGO, 1984: 14). Esta preocupação é particularmente perceptível nas exigências impostas por Geisel para que a entrevista em questão fosse difundida apenas após sua morte.
Também devemos considerar que, apesar da importância do papel do entrevistado, as fontes orais, como tantas outras fontes, estão longe de ser um produto elaborado apenas por um único ator. Elas são o resultado de uma atividade conjunta, entre entrevistado e entrevistador, organizadas a partir da inter-relação das partes envolvidas, que travam os diálogos desde suas próprias perspectivas históricas e formas de construir as narrações.
Esta, como toda relação social, é uma relação entre desiguais, entre dois indivíduos socialmente definidos (ARON-SCHNAPPER e HANET, 1980), que, ademais, também operam teleologias diferentes. Enquanto o entrevistador/historiador procura responder aos problemas da História com a rigorosidade do método, o entrevistado procura fazer seu relato, contar sua própria história, sem demasiada atenção para esta preocupação. Portanto, a fluidez das lembranças, os silêncios e os desvios serão produtos dessa interação, sendo possível afirmar que, como co-partícipes, elaboraram um produto perpassado por suas próprias subjetividades.
A entrevista, dessa forma, é uma situação em que se produz uma espécie de tensão entre o entrevistado e o entrevistador, pela interação que se estabelece entre ambos, o que resulta na construção de um relato, no qual cada parte implicada expõe uma determinada maneira de ver o mundo, privilegiando determinados interesses sobre outros. Assim, a entrevista de história oral se define como uma circunstância de conflito potencial, no qual ambas as partes, por meio de diferentes estratégias, cooperam para uma situação de controvérsia (GRELE, 1991).
Podemos afirmar, então, que as narrações estão profundamente enraizadas nas ideologias e, como estas, representam as formas como determinadas classes, facções e interesses enxergam o mundo. Daí poder haver conflitos entre diferentes interpretações, transformando o cenário da entrevista numa arena para o questionamento da interpretação da práxis política da História. Essas visões conflituosas podem ser deduzidas das conversas ocultas travadas na entrevista entre o entrevistador, o entrevistado e o resto do mundo, ou seja, os futuros usuários ou leitores da entrevista.
Desse modo, o risco de vir a ser contradita a forma como o indivíduo enxerga sua vida (ARON-SCHNAPPER e HANET, 1980) pode desatar uma luta pelo controle da entrevista e, por conseguinte, da interpretação, como de fato parece ter acontecido em uma das que estamos analisando.
Por exemplo, Mello Flôres inicia vários trechos com expressões como: “Errado de novo”, “Discordo inteiramente”, “Essa afirmação é totalmente falsa” e “mas essa história do armamento [...] era tudo falso”, que dão conta de que o entrevistado assume ou se coloca numa posição de dominação, embora não hegemônica, na acepção gramsciana do termo, fundamentada numa determinada estrutura de relações sociais de poder (LOBATO, 2001). Seu testemunho aparenta ou pretende ser o revelador da verdade. Ademais de sua elevada posição social, o entrevistado ocupava, naquele momento, a vice-presidência da Fundação Getúlio Vargas, à qual pertenciam os entrevistadores, e uma das empresas que ele comandava patrocinava a edição do livro através no qual a entrevista seria divulgada.
No caso de Geisel, a estratégia era radicalmente diferente. Ele falava do alto de sua condição de ex-presidente e o fato de ser militar o distanciava ainda mais dos entrevistadores. Ele deixava bem claro que respeitava as hierarquias, como com modéstia se expressa nesta frase: “Houve muitas conversas, que se davam nos escalões mais altos que o meu. Eu era apenas um general-de-brigada. Mas conversávamos com o Castelo e ficávamos a par de tudo” (p. 166). Quando a hierarquia era quebrada, manifestava sua contrariedade com afirmações deste tipo: “Jango, em vez de se reunir com os oficiais qualificados e discutir com eles os problemas pertinentes, foi conversar com os sargentos, foi aliciá-los. O presidente da República! (p. 159).
Outro contraste também é rapidamente percebido nas páginas do livro ao relatar a entrevista concedida por Costa e Silva às lideranças estudantis em 1968. Geisel comenta:
Foram conversar com o presidente da República em mangas de camisa, tratando-o por “você. Será que isso é democracia? Líder trabalhista também acha que deve ir em mangas de camisa conversar com o presidente da República. Há certas coisas que envolvem certa mística, exigindo respeito e acatamento (p. 207).
Já, na foto da contracapa do referido livro, Geisel está na cabeceira de uma enorme mesa, vestindo terno e gravata. À sua direita, Maria Celina D´Araújo e, à sua esquerda, Celso Castro, seus entrevistadores. Ela aparece em mangas de camisa arregaçadas; ele, de camisa de mangas curtas.
Geisel não precisa se impor, apelando para o confronto direto; apenas dosa sua fala de forma sutil e, em poucos momentos, alça o tom. Percebe-se, na entrevista, que em sua maior parte transcorre placidamente, com respostas que se debulham até em minúcias, mas nas perguntas mais comprometedoras mostra-se visivelmente parco e evasivo, passando rapidamente a outros assuntos aos quais com maior tranquilidade responde com profusão de detalhes, sem temor de ser contrariado.
Constatemos isso em números. Apesar de ter sido muito generoso na maior parte das suas respostas, em duas das quais chega a discorrer por até cinco e seis páginas (p. 25-29 e 246-251) num livro que possui 464 páginas, sem contar os apêndices, dedica apenas cinco linhas para falar do IPÊS e mais outras cinco linhas para se referir ao Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que tiveram atuações polêmicas e decisivas na desestabilização e derrubada de Goulart (p. 150-151). Assim se refere aos institutos:
Não com o Ipês, mas com o Golbery. Não conheço o Ipês. Sei que, congregando o interesse da classe empresarial, difundia a idéia de um movimento contra o Jango. O Ipês era um meio de comunicação, de difusão. Tinha adeptos em São Paulo, no Rio, em Minas, no Paraná, em toda parte (p. 150-15).
O Ibad era uma organização política, uma articulação que pretendia a predominância no Congresso. Meus contatos naquela época eram exclusivamente na área militar. Um dos nossos problemas era escolher o chefe da revolução. E o homem mais indicado, pelo nome, pelas qualidades pessoais, era o Castelo (p. 151).
Embora negue relações com o IPÊS, ele admite que as mantinha com o general Golbery do Couto e Silva, que integrava suas fileiras como chefe do Grupo de Levantamento da Conjuntura (GLC), e faz uma descrição, ainda que ampla, dos institutos. Mais adiante também falará das relações que mantinha com outros dois integrantes do IPÊS: o general e futuro presidente da República, João Batista de Oliveira Figueiredo, naquele momento ainda coronel, que foi ministro em seu governo, e o capitão Heitor Aquino Herrera, seu secretário pessoal quando presidente. Ambos integraram o mesmo grupo dentro do IPÊS até o golpe de 1964. Sobre ambos faz rasgados elogios, exceto sobre a atuação do primeiro como presidente (p. 272 e p. 260, respectivamente). Seguramente, pela confiança mútua e por comungarem de idéias próximas, devem ter mantido contatos mais profundos. Disso, porém, Geisel não quis falar. Sobre esses detalhes retornaremos mais adiante.
Também sabemos que, desde janeiro de 1962, Geisel foi designado para chefiar a Artilharia Divisionária da 5ª Divisão de Infantaria do III Exército, sediada em Curitiba, onde também exerceu, em caráter interino, seu comando, até novembro de 1963, quando se tornou segundo subchefe do Departamento de Provisão Geral do Exército.
Durante sua chefia, o estado passou, entre agosto e setembro de 1962, por um intenso período de agitação, impulsionado pela Mobilização Agrária do Paraná. Iniciado o movimento em Curitiba no dia 14 de agosto daquele ano, desencadeou-se uma onda que se espraiou por Londrina, Pato Branco e Jacarezinho (DREIFUSS, 1981).
Ainda que sempre por trás bastidores, o IPÊS teve participação importante nesse movimento, mediante o aporte de munição ideológica por meio de seu Grupo de Estudos, cuja colaboração era insistentemente solicitada pelas lideranças, e por uma viagem realizada por Golbery a Curitiba e a Pato Branco, onde participou de reuniões e de uma entrevista televisiva no dia 17 de setembro daquele ano (DREIFUSS, 1981). Essas circunstâncias dificilmente escapariam ao seu conhecimento e sobre as quais, por envolver um general reformado de grande visibilidade e pelas repercussões que provocaram, deve ter tido, ou pelo menos procurado ter, algum tipo de ingerência, sendo alguém muito zeloso de suas incumbências.
No caso de Mello Flôres, como não há como negar suas conexões com o IPÊS, ele faz um esforço, não muito bem-sucedido (diga-se de passagem), para esconder ou, pelo menos, atenuar suas relações com o IBAD. Vejamos:
O Ibad era uma associação de empresários só com fins ideológicos refletindo-se eleitoralmente, isto é, o financiamento de campanhas das que possuíam idéias anti-socialistas. Era meio ditatorial, comandado pelo Ivan Hasslocher. Nunca participei dele, até porque nunca fui convidado, embora conhecesse muito o Ivan – era meu companheiro no Conclap. Todavia, ele me deu uma autorização por escrito para que eu, enquanto estivesse em Brasília, comandasse o Ibad de lá – eu estava no Ipês, na época. [...] (p. 149).
As suas negativas continuam mais adiante. Quando inquirido sobre a coordenação entre os dois institutos, responde: “Só lá em Brasília; no Rio e em São Paulo era tudo independente” (p. 153) e nega ter participado da Associação Democrática Popular (ADP): “Não, nem mesmo daquela Promotion, agência de propaganda subsidiária do Ibad, como andaram espalhando” (p. 153).
Embora a relação mantida entre o IPÊS e o IBAD permaneça, em sua maior parte, praticamente ainda uma incógnita para a História, a colaboração entre os dois institutos é sustentada por fontes escritas que relatam ações nas quais o próprio Mello Flôres participava, estava presente ou conhecia fartamente. Elas demonstram diferentes atividades que denotavam certo trabalho em conjunto dessas entidades; entre elas, projetos de leis sobre remessa de lucros, reforma agrária e casas populares, diversas publicações e o envolvimento nas eleições de 1962, assim como na circulação de um grupo de membros dos institutos, destacando-se José Arthur Rios e Dênio Chagas Nogueira.
Numa dessas fontes, por exemplo, José Garrido Torres, chefe do Grupo de Estudo e Doutrina, assim se expressava:
É nossa intenção proceder do mesmo modo em relação à reforma agrária e ao problema da casa popular. Esses dois projetos estão sendo financiados pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática e, graças ao “modus vivendi” combinado, serão discutidos por equipes de empresários e técnicos no IPÊS[3].
Dois meses após, Mello Flôres comentava, numa reunião que ficou registrada em atas, que o “IPÊS havia meramente se aglutinado ao IBAD” e tornava explícita a interconexão entre os dois com a ADP no Congresso em uma carta na que assinalava as diversas vantagens que adviriam dessa “táctica”, pela qual “os projetos técnicos” seriam contrapostos aos projetos “demagógicos” dos “agitadores”[4].
Por isso, não é estranho que no próprio depoimento, dez páginas à frente, ele admita as conexões com a ADP:
[...] Quando eu chegava em Brasília, na minha função do Ipes, antes de conversar com o Herbert Levy, presidente da UDN, e com o Amaral Peixoto, presidente do PSD, eu falava com o João Mendes, presidente da Ação Democrática Parlamentar, que tinha mais força que os outros [...]
[...]
Acho que o parlamentarismo dá mais defesas ao país. Mas no caso do Jango, quando vi que ele ficaria sempre responsabilizando o primeiro-ministro, eu dizia: “Vamos logo para o presidencialismo para poder furar o tumor”. Foi o único ponto em que nós, do Ipes, divergimos do Ibad. O Ibad, pela oposição sistemática ao governo, era contra o presidencialismo, que o Jango queria. Mas nós do Ipes achamos que, estrategicamente, era muito melhor o retorno ao presidencialismo. Era mais fácil derrubar o Jango nesse regime (p. 162-163).
Portanto, as diferenças assinaladas por Mello Flôres entre o IPÊS e o IBAD parecem não ter sido tão profundas:
O Ibad era muito mais radical que o IPES, embora as preocupações fossem semelhantes. Mas o Ibad era mais violento nas atitudes, mais ousado. No governo do Jango houve uma comissão parlamentar de inquérito sobre as atividades do Ibad, e o instituto foi fechado. O Ibad tinha muitos recursos e ficou com receio de que o Jango quisesse violar o sigilo bancário; assim, passou os recursos todos para o meu banco, o Chase, e eu não permiti que ninguém examinasse as contas do Ibad. Eu nunca soube direito qual era a origem do dinheiro [...] (p. 149).
Nesta passagem, além de demonstrar cumplicidade para com as atividades do IBAD, inclusive para acobertar atividades ilegais de grandes implicações, tanto para ele quanto para o instituto e o banco que comandava, no caso de serem descobertas, revela que a prática parece ter sido mais extensa e não apenas restrita a esse episódio. Mas adiante, fala novamente do assunto:
[...] o Elói Dutra afirmou que era através da Promotion que o Ibad captava os recursos para financiar as campanhas. Mas eu duvido que isso acontecesse. Tenho praticamente certeza de que ele recebia dinheiro de fora, mas não através da Promotion; esse dinheiro devia vir diretamente[5] (p. 153).
Ele tinha certeza porque conhecia muito mais do que admite acerca das finanças do IBAD, como fica evidente ao falar das atividades desse instituto nas eleições de 1962 em Pernambuco:
[...] E um dia me telefona um indivíduo dizendo que poderia arranjar dinheiro para financiar a campanha do Cleofas. [...] O indivíduo chegou, falou, sabia de toda a nossa vida. E o Gallotti e o Polland: “Mas o senhor sabe de toda a nossa vida! Nós não sabemos quem é o senhor; como é que podemos confiar?” [...].
[...] Eu nunca soube quem ele era de verdade, apenas consegui apurar que era advogado de uma empresa italiana de seguros. Ficamos em contato. Eu telefonava pedindo recursos, ele mandava, e eu enviava para Pernambuco [...] em nome de uma pessoa que não existia. Tudo se passava no banco que eu presidia, de modo que ninguém ia verificar se essa pessoa que remetia dinheiro para Pernambuco existia ou não [...]. (p. 154-155).
Inquirido novamente acerca da identidade desse advogado misterioso, mais uma vez desconversa:
Não sei, mas muito tempo depois, conversando com o Francisco Lampreia, ele ficou indignadíssimo quando contei a história: “Eles não podiam mandar para ninguém de fora” Ele fez uma revelação assim, como se houvesse um compromisso de exclusividade com o Ibad e o sujeito tivesse feito um curto-circuito no esquema dele, dando dinheiro para outro grupo também. Essa atuação em Pernambuco não foi propriamente do Ipes, porque essas operações nem passavam pelo Ipes. Éramos apenas um grupo paralelo à organização: Harold Polland, Antônio Gallotti e eu (p. 155-156).
Levando em consideração a preocupação que vários membros do IPÊS tiveram em obter dados sobre um amplo conjunto de pessoas, torna-se difícil crer nesse relato. Golbery do Couto e Silva, que chefiava o GLC, reuniu, junto com uma grande equipe, aproximadamente 400.000 dossiês, os quais, posteriormente, dariam origem ao Serviço Nacional de Informações (SNI). Nossa desconfiança também se justifica pela participação de outros membros do instituto na chamada comunidade de informações e na criação daquele serviço, com livre trânsito pelos mesmos meandros da inteligência militar[6].
Passando para outro assunto, também contatamos que, não obstante a entrevista trate do passado, ela transcorre no presente. Dessa forma, a colocação do indivíduo como protagonista do relato é uma construção a posteriori, retrospectiva (THOMPSON, 1982 e THOMSON, 1997: 57). Um recurso pelo qual ele poderá operar sobre sua identidade de forma ativa, inclusive ocultando e camuflando seus pontos obscuros. Nesse discurso autobiográfico, é o narrador quem nomeia, adjetiva, interpreta e explica, movimentando-se com discrição no tempo e no espaço de sua vida, dando-lhe sentido e coerência, construindo e justificando uma identidade de si mesmo, limitado apenas pela autocensura.
Vejamos como isso se dá em outro caso. Inquirido acerca das razões por que não se pensou, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, em fazer uma transição para um governo civil, Ernesto Geisel explica:
O Sr. Huntington, cientista político americano, em visita ao Brasil, conversou com o Leitão de Abreu sobre as possibilidades de normalização do país, sem que obtivesse resultado prático. Depois, quando eu já era presidente, ele esteve uma ou duas vezes com o Golbery também para tratar do mesmo problema. Também não deu em nada. [...] (p. 233).
Samuel P. Huntington é apresentado como cientista político, o que de fato não está errado, mas Geisel escolhe esse adjetivo neutro para esconder a verdadeira dimensão de sua vinda. Mesmo que ainda seja uma nebulosa historiográfica, sua passagem pelo Brasil não se deveu apenas aos seus dotes acadêmicos; ele vinha como representante, embora não formal, dos Estados Unidos, que já se mostravam visivelmente preocupados com as conseqüências da excessiva prolongação do regime autoritário.
A partir dessa lógica, é possível compreender os esquecimentos, as lacunas, as resistências, as ambiguidades, as divergências, as contradições e as obsessões, num processo no qual se conjugam memória privada e memória pública (MEIHY, 1988: 7-9; PIÑA, 1990-91: 50, 51 e 59; e SERVETTO, 2005: 5). Neste sentido, talvez, os problemas mais traumáticos abordados na entrevista de Geisel tenham sido os de morte e tortura, já que os assassinados do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manuel Fiel Filho não apenas macularam a administração de seu governo, tida por moderada, mas também causaram preocupações internas e externas.
A primeira das posturas adotadas será a de minimizá-la, como nestas duas passagens: “Acusam muito o governo pela tortura. Não sei se houve, mas é provável que tenha existido, principalmente em São Paulo. É muito difícil para alguém como eu, que não participou nem viveu diretamente essas ações, fazer um julgamento do que foi realizado” (p. 223) e “Eu acho que houve. Não todo o tempo” (p. 224).
Uma vez aceita como possível, ensaiará diversas estratégias para construir sua tentativa de justificação, como no seguinte exemplo:
[...] Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. Já contei que no tempo do governo Juscelino alguns oficiais, inclusive o Humberto de Melo, que mais tarde comandou o Exército de São Paulo, foram mandados à Inglaterra para conhecer as técnicas do serviço de informação e contra-informação inglês. Entre o que aprenderam havia vários procedimentos sobre tortura. O inglês, no seu serviço secreto, realiza com discrição. E o nosso pessoal, inexperiente e extrovertido, faz abertamente. Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior! (p. 225).
Desse modo, ela é admitida em casos excepcionais, justificativa que vem associada à democracia, como no governo de Juscelino Kubistchek, que tinha se convertido num ícone sagrado, e a um país como a Inglaterra, berço do liberalismo. No entanto, como isso ainda era insuficiente, teve que reforçar sua argumentação apelando para uma exclamação final.
Uma justificativa semelhante será empregada quando questionado sobre o papel de Anistia Internacional:
[...] O que a Anistia Internacional tem a ver com o Brasil? Por que não vão cuidar dos seus problemas? Por que a Inglaterra vem querer resolver o problema do Brasil e não vai resolver o seu problema com a Irlanda? Por que o americano não resolve adequadamente o problema dos negros, dos porto-riquenhos e de outros grupos étnicos que vivem nos Estados Unidos? Para mim a Anistia Internacional é constituída por um grupo que se formou em torno da tese do pleno respeito aos direitos humanos e acha que um belo campo para atuar é o Brasil ou outros países da América do Sul. Mas lá, onde está o problema, dentro dos seus próprios países, eles na atuam. Em vez de agir contra os novos nazistas da Alemanha, que estão incendiando e matando gente, de resolver os problemas da Iugoslávia, vêm se meter aqui. Não estou dizendo que não tenham certa razão, mas o nosso problema, cabe a nós resolvê-lo, e não à Anistia Internacional (p. 352-353).
O entrevistado escolhe, mais uma vez, para seu propósito, três democracias ocidentais: Inglaterra, Estados Unidos e Alemanha. Apesar de respeitadas e sólidas, ainda enfrentam severos problemas internos, entre os quais o respeito aos direitos humanos também pode ser uma questão candente. Antes, referindo-se a Maio de 1968, dizia: “Na França, De Gaulle resolveu o problema. A polícia entrou, houve muita cacetada, muita violência” (p. 207).
Outra das justificativas que utilizará será a da necessidade política, como é suficientemente claro neste trecho da entrevista: “A subversão estava crescendo e, evidentemente, tinha que ser enfrentada. Não sei se as medidas ou os processos que foram adotados para enfrentá-la estavam certos, se eram os mais adequados, mas ela tinha que ser enfrentada” (p. 216).
Admitida como necessidade política e justificada como prática habitual de forças de segurança de outros países, inclusive a mando de governos democráticos de longa tradição, sua argumentação aborda o problema da autonomia e das características nacionais, como já se preanunciava na primeira citação que fizemos respeito deste tema. Inquirido sobre a existência de um plano de combate à subversão no governo do general Médici, responde: “Creio que não houve uma centralização” (p. 232).
Perguntado se essa autonomia dos órgãos repressivos se devia à falta de planejamento, à falta de autoridade ou à própria dinâmica do combate à luta armada, emite uma longa resposta:
Em parte, a luta em si foi um dos fatores. Uma operação que fosse desencadeada em função de uma informação colhida não deveria ser retardada. O estabelecimento de todas as vinculações, com os diferentes comandos, levaria a uma perda de tempo, e muitas vezes a operação podia ser frustrada porque deixava de ser oportuna. Essa foi uma das razões. Outra foi o personalismo. Outra – isso é uma coisa lamentável, mas é preciso dizer – foi que havia chefias omissas, ou comodistas, que, para não se incomodarem com uma série de problemas, descentralizavam. Saber até que grau se deve exercer a centralização ou a descentralização é um problema que depende de cada um, mas que também depende da formação profissional, da maneira como se exerce a chefia. Há os que centralizam demais, há outros que por omissão descentralizam completamente. Encontrar um meio-termo, saber dar um balanço nessa questão, é um dos atributos de um bom chefe. Há chefes que se omitem muito. Há os que, ao contrário, centralizam tudo, entopem a máquina, e ela não funciona. Saber quando se precisa centralizar, quando se pode ou se deve descentralizar. Isso é, como já disse, um atributo do chefe [...] (p. 228-229).
Assim, os excessos cometidos na luta antissubversiva não representam uma política de Estado; são reduzidos a uma questão pessoal, das chefias diretas. No caso concreto das mortes de Wladimir Herzog e Manuel Fiel Filho, que o tocam diretamente, isso fica explícito, com nome e sobrenome:
[...] Uma das coisas que contavam do Frota era que ele, quando comandou o Exército no Rio, impediu a tortura. Ia lá, visitava a área onde estavam os presos e impedia a tortura. Acredito. Mas outros... Por exemplo, um caso que aconteceu no meu governo – mais tarde vamos voltar a isso – foi o problema de São Paulo, do jornalista Herzog e do operário Manuel Fiel Filho. Houve ali a omissão do comandante, do general Ednardo. O que acontecia? Ele ia passear no fim de semana, fazendo vida social, e os subordinados dele, majores, faziam o que bem queriam. Quer dizer ele não torturava, mas, por omissão, dava margem à tortura. Várias vezes eu tinha advertido o Ednardo, de maneira que, quando ocorreu o segundo enforcamento, não tive dúvidas e o demiti. Ele não estava comandando! (p. 224-225. Reticências da fonte).
Novamente Geisel exalta-se na resposta, a julgar pela exclamação final, mas, como não é convincente o suficiente, outros fatores entrarão em jogo. Um deles é a existência de um conjunto mais amplo de forças que operaram na repressão, não apenas de militares, mas também de forças policiais e de civis, que não estavam preparadas adequadamente para esse fim, como fica claro no exemplo seguinte:
Por outro lado, parece-me que, quando se está envolvido diretamente no problema da subversão, em plena luta, não se consegue, na generalidade dos casos, limitar a própria ação. Houve aí muita cooperação do empresariado e dos governos estaduais. A organização que funcionou em São Paulo, a Oban, foi obra dos empresários paulistas. As polícias estaduais também participaram da repressão. O problema da subversão tinha caráter nacional, e seu combate, principalmente por isso, devia ser feito pelas Forças Armadas. A polícia, em geral, não tinha organização para essa luta. Contudo, a de São Paulo muito atuou. A do Rio também participou. Na realidade, a polícia não foi preparada para esse tipo de luta (p. 223).
Também a luta entre diferentes facções é, em vários momentos, manipulada como possível justificativa, como quando Geisel é confrontado com as possibilidades de que tais eventos tenham sido um “acidente de trabalho” (p. 377, entre aspas por parte dos entrevistadores) da repressão ou uma provocação intencional de grupos interessados em desestabilizar o processo de abertura:
Não sei. Pode-se fazer todas as conjecturas. Mas a tendência é ficar com a pior hipótese. Inclusive porque, admitindo que o primeiro enforcamento tivesse sido voluntário, que o Herzog tivesse se enforcado, o que o chefe, o responsável, tinha que fazer daí por diante? Tinha que tomar todos os cuidados, todas as precauções, e observar todas as normas de controle, de fiscalização, para evitar que um fato desses pudesse se reproduzir (p. 377).
Inquirido novamente, esta vez de forma mais específica acerca da confrontação de setores militares contra seu projeto de abertura, explica:
Havia gente no Exército, nas Forças Armadas de um modo geral, que vivia com essa obsessão da conspiração, das coisas comunistas, da esquerda. E a situação se tornava mais complexa porque a oposição, sobretudo no Legislativo, em vez de compreender o caminho que eu estava seguindo, de progressivamente resolver esse problema, de vez em quando provocava e hostilizava. Toda vez que a oposição, nos seus discursos, nos seus pronunciamentos, fazia declarações ou reivindicava posições extremadas e investia contras as Forças Armadas, evidentemente vinha a reação do outro lado, e assim se criavam para mim grandes dificuldades. (p.377).
Geisel ainda fará uma consideração similar, salvando as circunstâncias, ao tratar do atentado do Riocentro, no governo Figueiredo, que será objeto de comentários um pouco mais adiante.
A memória, como produtora de representações, revela mentalidades, valores, idéias e prejuízos que são produto do contexto em que age o ator. Desse modo, antes de ser um depósito passivo de fatos, é um processo ativo de criação de significados (GARAY, 2003 e SERVETTO, 2005: 8). Não obstante seja, em rigor, uma reflexão sobre a atualidade, ela é composta por uma seleção de fatos do passado que se tornam significativos no presente e, por isso, sempre é uma obra em processo, de tal forma que esse exercício vai mudando. Age desde o presente e se ordena retrospectivamente, ainda que nem sempre de forma cronológica, podendo freqüentemente aplicar-se a um número restrito de acontecimentos ou errar no ordenamento dos fatos (POLLACK, 1989 e THOMPSON, 1992). Isto acontece, por exemplo, com a lembrança sobre a criação do IPÊS, o que se pode conferir na entrevista de Mello Flôres.
Assim ele comenta a criação do instituto:
Logo após a posse do Jango, em setembro de 61, houve uma primeira reunião em casa do Antônio Galloti [...] Daí partimos para reuniões maiores [...] Depois ampliamos mais as reuniões e passamos a nos reunir na Associação Comercial, que nos foi oferecida pelo presidente, Rui Gomes de Almeida. Até que numa reunião ficou tudo aprovado e, já de madrugada, resolveu-se eleger o presidente, e eu fui eleito. Aí o Gilberto Huber ponderou: “Se os cariocas fazem uma organização no Rio, com presidente do Rio, os paulistas não aderem, e vamos precisar muito de São Paulo”. Eu, então, agradeci ao grupo e disse que achava melhor ficar como vice-presidente e oferecer a presidência aos paulistas. Fomos cinco empresários a São Paulo, e aí saiu presidente o João Batista Leopoldo de Figueiredo, um ótimo elemento (p. 165-166).
Diversas fontes discordam a respeito da data precisa da fundação do IPÊS. Segundo Dreifuss (1981), o instituto teria sido criado dia 29 de novembro de 1961. No entanto, encontramos informações registradas em cartório de que o IPÊS/SP foi fundado um dia depois, em 30 de novembro de 1961. Além dessas, existem outras duas fontes que indicam o dia 2 de fevereiro de 1962 para esse evento[7]. A diferença de um dia entre as duas primeiras datas é irrelevante numa análise aprofundada, enquanto que a outra faz alusão à fundação da seção carioca, ou IPÊS/Rio.
Dessa forma, a entrevista é uma situação extraordinária que concede ao informante a oportunidade de desenvolver seus próprios pensamentos e idéias, não obstante o obrigue a fazer uma narrativa ordenada para dotá-la de sentido e compreensão. Essa ocasião lhe permite revisar a história a partir de um determinado momento e num determinado contexto. Temos sondado seus sentidos, significados e representações para interpretar esse discurso individual conjuntamente com o discurso social que subjaz, que adquire significado em relação à totalidade da qual faze parte (BERG, 1990 apud SERVETTO, 2005, p. 10).
Como foi dito, a memória não é um simples relato linear. Ela se estrutura, com hierarquias e classificações, que lhe imprimem certa coerência ou enquadramento, estabelecendo laços lógicos entre acontecimentos-chave. A história de vida ordena acontecimentos que balizaram uma existência mediante um processo de seleção, no qual algumas narrativas são descartadas e outras sintetizadas, reestruturadas e estereotipadas (POLLACK, 1989 e THOMPSON, 1992, p. 189).
Voltando às lacunas relativas às datas de criação do IPÊS, consideramos que elas escondem um problema mais profundo, como as rixas entre cariocas e paulistas pelo controle da entidade, que, em última instância, também são reveladoras de caracteres distintivos que os colocavam em confronto.
Questionado acerca de se João Batista Leopoldo de Figueiredo era o presidente do IPÊS/SP, manifesta novamente sua contrariedade deste modo:
Errado de novo. Nunca houve isso de Ipes de São Paulo e Ipes do Rio. O Ipes era um só; o presidente era de São Paulo e o vice, do Rio. Nós nos reuníamos, alternadamente, no Rio e em São Paulo. Isso é positivo, pode ter certeza (p. 166)
Sua resposta, categórica, novamente não condiz com as evidências. O IPÊS/SP tinha sido fundado em São Paulo no final de novembro de 1961 e o IPÊS/Rio, pouco depois, no início de fevereiro do ano seguinte. A união seria consumada posteriormente, em 12 de outubro de 1962, depois de haver sido eliminado o artigo 17 dos estatutos, que reservava os cargos diretivos para os primeiros doze sócios fundadores, todos paulistas, até a assembléia geral ordinária, de 1964, na qual foram eleitas autoridades habilmente negociadas de forma igualitária, estrutura que é lembrada por Mello Flôres, mas sem fazer menção ao processo pelo qual se chegou a ela.
Até o golpe, as atividades dos dois institutos prosseguiram unidas. Essas visíveis diferenças, porém, levaram à separação definitiva das duas seccionais no dia 27 de maio de 1964, criando-se o IPÊS da Guanabara (IPÊS/GB), que ganhou vida própria, continuando separadamente até 1971, quando foi desmobilizado. Já, o IPÊS/SP teria encerrado suas atividades numa data não precisada de 1969.
Convidado pelos entrevistadores a concordar com a afirmação de Dênio Chagas Nogueira, de que o IPÊS/SP financiava tudo, Mello Flôres retrucava deste modo:
Discordo inteiramente. O Dênio era nosso técnico, não estava por dentro dessa parte de dinheiro. [...] As empresas paulistas, mais numerosas, naturalmente, em seu conjunto, doavam mais para o Ipes que as do Rio. Mas a cúpula era muito uniforme, muito homogênea (p. 167-168).
Diante da ponderação por parte dos entrevistadores de que o grupo carioca do instituto era mais moderado e intelectualmente preparado do que o paulista, que seria mais agressivo na conspiração contra Goulart, Mello Flôres responde:
Essa afirmação é totalmente falsa. A turma do Rio, nesse aspecto de tirar o Jango, era muito mais ativa do que a de São Paulo. Os paulistas tinham uma visão, digamos, mais empresarial. [...] Eles trabalhavam mais em áreas estudantis, em áreas de trabalhadores, donas-de-casa, e nós aqui no Rio trabalhávamos mais nas áreas militares, mas acho que nós éramos mais atuantes que eles. Realmente, nós aqui nos preocupávamos mais com o estudo das reformas de base do que os paulistas, mas era porque era interessante tirar essas bandeiras do Jango. Nós queríamos derrubar o Jango. Éramos muito mais ativos, com o Golbery dentro do grupo. Afinal, por que eu praticamente me transferi para Brasília? De São Paulo não havia ninguém, era eu sozinho a comandar as ações em Brasília. Essa é mais uma prova de que a turma do Rio era mais agressiva nesse ponto (p. 170-171).
Vemos, desse modo, que as diferenças entre as duas seções eram mais profundas do que Mello Flôres admite. Garrido Torres defendia o entrosamento com a seção paulista, tanto na representação de seus empresários em grupos de estudos, quanto na participação de seus técnicos e justificava sua posição dizendo: “Nossa orientação não é a do Grupo de Doutrina de São Paulo. Lá não dão mínima bola para empresários”[8].
Já Antônio Gallotti, membro do Comitê Diretivo, referindo-se à participação do grupo do Rio de Janeiro na assembléia que se aproximava, expressava: “Nós com grande capacidade de compreensão, mínimo de atritos”. Rui Gomes de Almeida, debutando como presidente do IPÊS/Rio, queria: “Diretores representando as várias correntes, não ficando corrente alguma de fora”. Gallotti, mais adiante, continuava sua queixa de que era “difícil a articulação com S. Paulo” e sentenciava que “ou S. Paulo toma conta ou não se integra [...]”. Imediatamente, Almeida opinava: “Claro que os homens do R. de Janeiro têm mais visão que os de S. Paulo que raciocinam sempre em termos regionais”[9].
Em outro documento, o general Heitor Almeida Herrera também considerava o fato de que “os homens do Rio de Janeiro tinham mais visão que os de São Paulo” e Antônio Carlos do Amaral Osório, membro do Comitê Diretivo, reconhecia que o de São Paulo estava crivado de “quistos [...] em um momento em que se necessitava de união”[10].
Assim, no posicionamento interno do IPÊS, Mello Flôres mantém uma visão estereotipada sobre as das diferenças entre empresários paulistas e cariocas, mas trata de realçar a importância dessas lideranças durante sua criação e na visão política da entidade, colocando-se, inclusive, na vanguarda de seus conterrâneos.
Essa história pessoal está entrelaçada num contexto histórico específico, de mutação social, econômica, política e cultural, que tampouco é linear e que, igualmente, poderá apresentar-se como contraditório, obrigando o sujeito a sucessivas adaptações, que lhe demandarão, talvez, diferentes formas de articular sua memória, colorindo e até mudando os relatos públicos sobre o passado (RAPHAËL, 1980 e THOMSON, 1997).
Por exemplo, questionado sobre ter tido algum problema de consciência, algum conflito interno, por ter ajudado a quebrar a legalidade do País, Geisel responde: “Não, porque não havia mais legalidade. O governo o Jango, para mim, pelo que fazia, era ilegal” (p. 163). Assim, mudando uma das premissas do silogismo, a outra também se inverte.
Esse processo requererá do narrador um esforço para buscar sentido ao passado e dar forma à sua vida, colocando a entrevista e a narração no seu contexto pessoal e histórico de um modo que possam conviver. Por isso, a memória não depende apenas da capacidade de compreensão do indivíduo, senão também de seu interesse e necessidade social nesse momento (THOMPSON, 1992; PORTELLI, 1997; e THOMSON, 1997).
No caso das duas entrevistas, elas se realizam num presente democrático no qual Mello Flôres se insere como uma autoridade da FGV, instituição de grande credibilidade, enquanto que Geisel tenta preservar sua reputação como o presidente que comandou a distensão, embora lenta e gradual, do regime.
Não obstante, suas evocações são para falar do passado, associado ao autoritarismo, a quebra institucional, que os entrevistados operaram para justificar o golpe de Estado de 1964 como figuras-chave na sustentação do regime. Dessa interpretação resulta uma convivência temporal contraditória e traumática, que interfere constantemente no relato.
Isto é visível nas condenações, expressas pelos dois entrevistados, das metodologias empregadas por certos indivíduos em determinados fatos históricos, embora as justifiquem quando por eles praticadas, por sua condição de indivíduos diretamente afetados pelas situações ou, de certa forma, por elas envolvidos.
A desmoralização do governo Goulart justificava-se, não pelo regime autoritário, como claramente Geisel explicitava:
[...] Castelo não gostaria de fechar o Congresso, mas decidiu fazê-lo porque não era admissível. O Congresso se rebelando contra o governo, um governo revolucionário? Ele fez a intervenção a contragosto (p. 189).
Para Geisel, o presidente general Artur Humberto da Costa e Silva errou ao aceitar inquéritos militares viciados, assim como o também presidente João Batista de Figueiredo, no episódio do atentado Riocentro, em 1981. Ele, porém, diz ter agido corretamente ao aceitar sem questionar o inquérito da morte de Vladimir Herzog.
Referindo-se a este último, Geisel fala que “É possível que aquilo tivesse sido feito para encobrir a verdade. Mas o inquérito tem seus trâmites normais, suas normas de ação, e eu não ia interferir no resultado” (p. 371).
Já sobre o episódio posterior expressa:
[...] O problema não foi apurado como devia ser. Passaram a mão pela cabeça dos culpados. Hoje em dia poucos são os que têm dúvidas. Golbery achava que nós estávamos suficientemente adiantados nessa questão da abertura, na tendência à normalização da vida do país, para podermos apurar direito. Achava que tínhamos que apurar e tomar medidas para evitar, inclusive, a reprodução futura de fatos semelhantes [...]” (p. 437).
Para sustentar sua posição, também apela para a opinião de Golbery, eminência parda do regime, que deixou o governo por causa desse problema:
Nesse episódio [Riocentro], as Forças Armadas perderam a grande oportunidade histórica de dar uma demonstração ao país de um compromisso com a ordem...
É, acho que foi. São as tais coisas! É o espírito de classe, que tem seu lado bom, mas tem também seu reverso. Golbery era quem estava certo. Eu tenho a cópia da carta que ele entregou ao Figueiredo e que o Figueiredo diz que não recebeu. Ele recebeu e devolveu (p. 437).
Voltando ao caso de Mello Flôres, observamos uma diferente percepção na clareza dos procedimentos do IBAD e do IPÊS, condenando o primeiro e salvando, seguramente em causa própria, o instituto ao qual tinha pertencido, exercício de justificação moral que fica ainda mais patente ao comentar os dotes de seu presidente, João Batista Leopoldo de Figueiredo, deste modo: “Aliás, era uma pessoa corretíssima, que sempre agiu direito. Quando fizeram o inquérito contra o Ipês no Congresso, só ele foi inquirido, e foi ótimo: duro e firme. Até hoje considero que foi uma ótima escolha” (p. 162).
Dessa forma, ele justifica o fato de mentir, inclusive sob juramento, em prol da sua causa, como igualmente se manifestam as fontes escritas. Nelas encontramos que João Batista Leopoldo de Figueiredo teve papel importante no depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do IBAD, à qual declarou: “não há ligação entre o IPÊS e o IBAD”[11]. Também negou aportes de empresas estrangeiras, valendo-se da declaração de incompetência do Conselho Orientador para responder aos pedidos formulados, por “desconhecer” a origem do capital das empresas associadas[12]. Por tal razão, simplesmente não foram remetidos os documentos solicitados e, no final, o IPÊS foi absolvido com base no fato de que não havia realizado nenhuma atividade incomum que infringisse os objetivos publicamente declarados na sua Carta.
Da mesma forma, para dar solução a esse tipo de conflito, os entrevistados podem apelar para lapsos de memória ou esquecimentos como condição necessária, presumida ou real, para manter a comunicação com o meio ambiente. Pensamos o que éramos no passado, pensamos quem somos no presente e o que gostaríamos de ter sido e de ser. Do mesmo modo, o indivíduo cria uma autoimagem coerente ou um autodesenvolvimento lógico, uma carapaça protetora, na qual os eventos são preservados ou esquecidos, procedendo à sua reordenação segundo o papel que desempenham na criação desse autorretrato mental (POLLACK, 1989; THOMPSON, 1992, e THOMSON, 1997).
Mello Flôres, questionado acerca dos contatos do II Exército através do coronel (na realidade tenente-coronel na época) Rubens Restel, que ele não nega conhecer, desconversa sobre o assunto: “Esse nome não me é estranho, não [...]” e rapidamente joga o problema para outro membro do IPÊS:
Quem é capaz de dar muita informação sobre São Paulo é o Gilberto Huber. Nós usávamos São Paulo porque lá é que havia os especialistas nesse contato com estudantes, com sindicatos. Assim como aqui no Rio se faziam os estudos sobres as reformas, porque tínhamos gente mais bem preparada para esse fim. E o Gilberto Huber tinha muito contato com essa gente de São Paulo [...] (p. 172).
Apesar do esforço de distração, torna-se difícil para Mello Flôres ocultar a relação do IPÊS com o tenente-coronel Rubens Restel, que integrou seu GLC, chefiado por Golbery, e como um dos articuladores da conspiração militar, tendo como suas principais funções as de assistir o general Agostinho Cortes, que comandava um grupo golpista, neutralizar financeiramente o general Olympio Mourão Filho, que havia se convertido em importante empecilho para os conspiradores ligados ao IPÊS, e servir de elo entre os militares de São Paulo e Rio de Janeiro, quando foi transferido para atuar no gabinete do Estado-Maior das Forças Armadas[13].
Sobre as vinculações de outras figuras problemáticas, aplica estratégia semelhante. Questionado sobre o Grupo de Ação Patriótica (GAP) e seu líder Aristóteles Drummond, Mello Flôres responde: “Eu conheço o Aristóteles Drummond, mas não me lembro dele nessa época [...] Eu o encontrava sempre na casa do Roberto Campos” (p. 172). Diante da insistência de que existem registros da sua atuação vinculada inclusive a armamentos, emenda:
É possível que tenha tido atuação, mas essa história do armamento é uma das muitas lendas inventadas depois. Diziam que o tal armamento entrava no Brasil transportado pelos navios da L. Figueiredo, a empresa de transportes do João Batista Leopoldo de Figueiredo, mas era tudo falso (p. 172).
As negativas orais de Mello Flôres não resistem novamente às evidências empíricas. Desde 1962, o IPÊS dava apoio ao GAP, que atuava no Rio de Janeiro, em São Paulo e Minas Gerais, sob a liderança de Drummond. O contato efetuou-se sob intermediação da Central de Inteligência Americana (CIA) semanas depois que esse líder concedera uma entrevista radial. Posteriormente, membros do IPÊS descarregaram uma massa apreciável de livros e panfletos no seu apartamento e o convidaram a participar da “Rede da Democracia”, opositora à “Cadeia da Legalidade”, liderada por Brizola.
A Leopoldo Figueiredo Navegação, companhia de transportes marítimos do presidente do IPÊS, sediada em New York, teria transportado armas e equipamentos para os conspiradores. Outros armamentos foram obtidos por Alberto Byngton, enviado a Washington com retorno para o dia 31 de março de 1964, dentro do plano da “Operation Brother Sam”, quem também compraria dois carregamentos de combustível para abastecer os veículos dos conspiradores, sem que se saiba qual é a fonte do dinheiro[14].
Esses apetrechos não eram apenas para uso dos militares. Os empresários do Rio de Janeiro também se armaram nas “unidades de controle de bairros”, com grupos treinados para uso de pequenas armas de fogo e bombas de plástico. Jorge Behring de Mattos, presidente de várias entidades coorporativas, como o Conselho das Classes Produtoras (CONCLAP) e o Centro Industrial do Rio de Janeiro, e membro do instituto, exortava aos setores opositores: “Armai-vos uns aos outros, porque nós já estamos armados”. Rafael Noschese, presidente da Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e também membro do instituto, teria disponibilizado uma fazenda de sua propriedade, onde os conspiradores teriam montado depósitos para guarda de munição, uniformes e alimentos.
Henning Albert Boilesen, empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, membro do IPÊS, foi responsável por um esquema de apoio financeiro ao aparelho repressivo da Polícia e das Forças Armadas. Por sugestão do ministro Antônio Delfim Netto, reuniu um grupo de empresários que contribuiu financeiramente e com equipamentos para a Operação Bandeirantes (OBAN). Gastão Eduardo Bueno Vidigal, também membro do instituto, era um dos mais importantes colaboradores desse esquema, assim como as empresas Ford e Volkswagem, que forneceriam carros; a Ultragás emprestaria caminhões e a Supergel abasteceria a carceragem com refeições congeladas.
As contribuições de Boilesen iriam além de angariar recursos entre seus pares. Praticaria até mesmo atos de tortura. Havia, inclusive, um instrumento para tal fim apelidado, em sua homenagem, de pianola “Boilesen”. Em represália, ele seria assassinado no dia 15 de abril de 1971 em uma emboscada montada por integrantes do Movimento Revolucionário Tiradentes e da Vanguarda Popular Revolucionária.
Geisel refere-se sumariamente a este evento, sem mencionar seu nome, deste modo: “Houve a morte de um líder da Oban, um empresário que dirigia uma companhia de distribuição de gás que foi assassinado. Era um radical, contra os comunistas” (p. 215).
Hoje sabemos que outros líderes exportariam para países vizinhos a perícia adquirida no Brasil em ações que fariam parte da Operação Condor. Depois da derrubada de Salvador Allende, Glycon de Paiva afirmou: “A receita existe, e o bolo pode ser assado a qualquer hora. Vimos como ele funcionou no Brasil, e agora novamente no Chile”[15].
De todas as formas, embora essas relações se tenham tornado públicas na época, Geisel as minimiza quando é novamente inquirido:
Creio que não. Houve, desde o governo Médici, entendimentos com a Argentina e o Uruguai para o intercâmbio de informações. Na minha época houve uma tentativa de fazer uma espécie de união do Brasil com o Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia para o combate das ações subversivas, mas eu fui contra, seja porque essas ações já eram muito reduzidas entre nós, seja porque essa união não me merecia muita confiança e envolvia relações que considerei indesejáveis. Recordo que recebi um oficial boliviano que veio a mim, em caráter oficial, propor a união das áreas militares dos nossos países numa ação comum e eu me opus, dizendo que cada um devia resolver o seu problema. Sempre me opus a isso, admitindo apenas a troca de informações (p. 349).
Também temos conhecimento de que, mesmo não tendo assinado o documento de criação da Operação Condor em 28 de novembro de 1975, o Brasil esteve presente como observador e nela ingressou em 1976 (DINGES, 2004). Também são notórios os sequestros efetuados no Uruguai, por exemplo, de Universindo Rodríguez Díaz e Lilián Celiberti, dos dois filhos desta, em 1978, com ampla repercussão até na imprensa local (REIS, 2009). Isso tudo aconteceu dentro do período em que Geisel exerceu seu governo.
Vemos, assim, como certas passagens da sua vida, por demais íntimas, contraditórias, desabonadoras ou perigosas para serem reveladas, são, consciente ou inconscientemente, esquecidas, enterradas. Algumas outras facetas, também negadas, dependendo do estado de espírito, podem ser contadas aos mais próximos ou aos mais queridos. Outros aspectos podem ser de domínio público e lembrados com maior facilidade, articulados para proporcionar uma memória crível que lhes dê um sentido de identidade assegurado (VANSINA, 1985: 8; POLLACK, 1989 e THOMPSON, 1992).
Dessa forma, Mello Flôres recria uma imagem mais aceitável do IPÊS. Procura diferenciá-lo do IBAD, que arca com todos os ônus, empenhando-se em que não se percebam os nexos e as semelhanças entre os dois; tampouco se lembra de acontecimentos ou figuras comprometedoras, como Drummond e o tenente-coronel Restel. Minimiza, igualmente, as articulações entre diferentes forças que levariam ao golpe de 1964, entre elas o papel desempenhado pela ADP e pela Igreja católica.
A respeito desta a última, ele nega preocupações em se aliar:
Não, porque a Igreja já estava sob grande suspeição, os confiáveis eram exceção. Já estava começando a comunização da Igreja. O arcebispo daqui do Rio, d. Jaime Câmara, dava apoio, mas já estava muito idoso e não teve uma participação muito ativa.
Lembro de uma [...] entre alguns membros da diretoria do Ipes e vários bispos, entre os quais d. Hélder Câmara, que já começou fingindo [...] Finalmente, chegou-se a um acordo: eles fariam determinadas ações, financiados por nós. Depois o negócio foi delegado a alguém e nem sei como é que prosseguiu. Mas o único contato de que lembro com a Igreja foi esse (p. 169-170).
Inquirido especificamente sobre a Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade, mantém a mesma postura, inclusive usando diminutivos, talvez com o intuito de dar maior ênfase:
Ah, sim, mas aquilo já foi bem no finalzinho e a Igreja não teve nada a ver com ela. Em São Paulo aconteceu em 19 de março, e no Rio só veio a acontecer no dia 2 de abril, com a Revolução já vitoriosa. Eu me lembro de que, quando estávamos organizando a marcha do Rio, reunimo-nos na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. [...] Foi bem no finalzinho de tudo. [...] (p. 170).
A despeito da reiterada negação, os nexos existiam e eram profundos. Para Dario de Almeida Magalhães, “a tática é fazer a ação extremista, mas com uma porção de biombos” [16]. Na estratégia do IPÊS, a Igreja Católica era um deles e, para colocá-la em prática, diferentes membros mantiveram manifestos contatos com o mundo religioso, declarando-se o instituto um conspícuo defensor das normas da civilização ocidental cristã.
Essa sintonia plasmava-se em diversos convênios de cooperação, assinados com várias entidades católicas, a tal ponto de que a rubrica de Doações e Contribuições do IPÊS/Rio de 1962 e 1963 estivesse destinada integralmente a elas, em particular para organizações sindicais, educativas, culturais e recreativas. Além de repassar somas de dinheiro consideráveis, tais acordos estabeleciam uma ingerência direta no comando dessas entidades, criando-se conselhos nos quais os membros do instituto tinham voz e voto[17].
Por exemplo, a fluidez da relação do instituto com as universidades católicas tinha chegado ao ponto, para enfrentar o grave problema experimentado pelas empresas estrangeiras para efetuar contribuições, de o Comitê Diretivo anunciar a possibilidade de que pudessem contribuir por intermédio da Pontifícia Universidade Católica (PUC), alternativa que aparentemente não vingou[18].
Frutos dessa relação, virão à luz inúmeros congressos, sendo especialmente importante o Fórum da Educação, fundamental para definir os destinos da educação superior brasileira, após 1968, e publicações nas quais se destacava a impressão, distribuição e divulgação comemorativa da encíclica Mater et Magistra, que contou com a edição de um milhão de exemplares.
Juntamente às vinculações institucionais com a Igreja Católica, as relações de caráter pessoal foram vitais. O IPÊS realizou atividades com frei Celso, os padres Pedro Velloso, Domingos Crippa, Ponciano Dutra, Paulo Crespo e Antônio Melo, com o padre jesuíta Fernando Bastos D’Avila, outro religioso trazido especialmente da Itália e a Irmã Cristina Folegatti[19].
Na estratégia de penetração nas consciências mais jovens, reforçaram-se as relações com a União dos Escoteiros do Brasil, dirigida por frei Daniel, que recebeu ajuda regular do IPÊS/Rio desde dezembro de 1962 até 1968, e a Associação Cristã de Moços (ACM)[20].
Este relacionamento chegava a níveis profundos, participando o instituto nas divisões internas da Igreja, ligadas à direita católica, especialmente à Opus Dei, através do IPÊS/SP. Paiva chegou a ser convidado para ir ao Vaticano e Paulo Ayres Filho a Roma para debater sobre a explosão demográfica e a encíclica Populorum Progressio, respectivamente[21].
Já Dom Helder Câmara aparecia ligado a estudos sobre legislação, como professor e palestrante em vários cursos e ainda integrava uma lista de personalidades a serem convocadas para defender na rádio e na televisão posições similares às do instituto, denominada “reserva de oradores”[22]. Comentando a posição de Câmara, Magalhães afirmava: “O Cardeal está firme”[23].
No entanto, a preocupação com a Igreja Católica se aguçou a partir de 1967, em especial com a derrota na disputa pela direção da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, do cardeal conservador, Dom Vicente Scherer, para Dom Aloísio Lorscheider, que presidiu essa entidade até 1979. As críticas foram dirigidas também contra Dom Helder deste modo:
No nordeste, as atividades de Dom Helder Câmara têm sido antes negativas do que positivas. Um pastor de tanto prestígio, como o arcebispo de Olinda e Recife, exerce sobre os espíritos menos fortes de seu rebanho influência que os predispõem contra os interêsses [sic] nacionais[24].
No entanto, exigido a refletir sobre o principal trabalho do IPÊS, Mello Flôres comenta:
O de centro de orientação da opinião pública, indiscutivelmente. Orientação no sentido de apoiar a derrubada do governo João Goulart. O fracasso de 61 ajudou muito. Ali percebemos a importância de trabalhar a opinião pública. Por exemplo, a Camde, Campanha da Mulher pela Democracia, sabem como surgiu? Ester Lago tinha sido embaixatriz em Caracas e aqui no Rio morava, por coincidência, no mesmo prédio que o Eugênio Gudin, em Copacabana. Veio um padre da Venezuela e procurou-a com a idéia da criação da Camde. Por ela pegou o padre e levou-o ao Gudin, que disse: “Isso é coisa para o Flôres”. [...] Na segunda-feira seguinte levei o padre ao Ipes. Como eu estava indo muito a Brasília, o assunto foi entregue ao Glycon de Paiva; foi ele o responsável final pela criação da Camde (p. 172-173).
Esta articulação teria sido obra do planejamento, e não mero acaso. O potencial das mulheres de classe média no ataque a Goulart foi rapidamente percebido por Paiva, que a considerava o exemplo perfeito de uma “Idéia-Força”, contando com organização, dinheiro e slogans adequados. As organizações femininas e católicas proporcionaram a mais visível ação cívica, assegurando apoio significativo à Caixa de Ressonância do IPÊS (uma máquina poderosa de comunicação de grande alcance) e às marchas organizadas nas principais cidades brasileiras.
O instituto custeava, organizava e orientava politicamente as três organizações femininas mais importantes do País, assim como outros grupos conservadores católicos femininos e de caráter familiar. Por exemplo, a questão de providenciar lideranças para a Campanha da Mulher Brasileira foi discutida no Comitê Executivo do IPÊS/Rio em 17 de julho de 1962. Uma semana depois, Paiva levou dois cheques, de 45.000 e 100.000 cruzeiros, para a Campanha da Mulher pela Democracia[25]. A Marcha do Terço foi organizada em fevereiro de 1963 por entidades femininas patrocinadas pelo IPÊS, no prédio da Sociedade Rural Brasileira (SRB), sob a supervisão de membros do instituto[26].
Passando ao caso de Geisel, observa-se também uma clara estratégia de simplificar os acontecimentos que levaram ao golpe. Ele sustenta a tese de um levante mais ou menos espontâneo e sem uma forte articulação, contra a posição de uma ação planejada por elementos pertencentes a grupos da elite, seja empresarial, militar ou burocrática, fortemente apoiados pelos Estados Unidos, coincidindo, dessa forma, em parte com Mello Flôres.
Durante vários trechos, Geisel emprega o argumento de um levante relativamente espontâneo, como na seguinte seqüência:
Conversávamos no próprio Ministério do Exército, nas salas em que trabalhávamos. Os companheiros vinham, trocavam-se informações, mas, como já disse, não havia uma preparação direta do movimento. Achávamos que ia haver um levante geral, como aconteceu. É claro que, tendo sido desencadeado o movimento em Minas, embora precipitadamente, tínhamos que dar imediata continuidade [...] (p. 149).
Mais adiante retoma o raciocínio: “Não estou de acordo quando se considera essa revolução um golpe militar. Realmente foi um movimento político, militar e popular. Foi um movimento quase que espontâneo” (p. 150). Por fim, remata:
[...] Mas não havia um plano militar. Achávamos que ia haver um levante geral que dispensaria um planejamento sobre as operações. Não sabíamos quais as resistências que poderíamos encontrar, mas tínhamos a convicção de que seriam muito poucas e sem consistência, como realmente aconteceu (p. 155).
No entanto, ele não questionou as sete perguntas que se lhe fizeram contendo a palavra conspiração, que compõem o capítulo 9, casualmente intitulado “A conspiração contra João Goulart“, onde tal termo é recorrente desde a renúncia de Jânio Quadros (p. 147-164).
Sobre como funcionava a conspiração no meio militar, responde:
Tínhamos diversos companheiros e conversávamos muito: meu irmão, meus colegas, Muricy, Ulhoa Cintra, Cordeiro, Sizeno e muitos mais aqui no Rio. E nos estados também havia muitos contatos. Tínhamos uma idéia comum, mas não creio que houvesse uma atuação planejada. Mamede, no comando da Escola de Estado-Maior, estava envolvido. Golbery atuava num quadro maior, junto ao empresariado. Lacerda, no meio civil, também estava engajado. O movimento estava mais concentrado na área do Rio de Janeiro, com ramificações em Minas, São Paulo, Rio Grande e Paraná (p. 149).
Mais adiante, prossegue a sua longa descrição, embora se repita:
Na preparação da revolução, Golbery teve uma ação importante. Já estava na reserva, e os empresários de São Paulo e do Rio criaram uma organização que se chamava Ipes, da qual ele se tornou executivo. A classe empresarial começou a se envolver no problema. Alguns governadores também começaram a participar da conspiração, como Magalhães Pinto, Ademar de Barros, Lacerda, Meneghetti. O movimento cresceu muito, inclusive porque houve mobilização das mulheres e do clero. Realizou-se a célebre marcha da Igreja pela família, que foi um movimento grande em São Paulo e no Rio [Marcha da Família com Deus pela Liberdade antes do golpe em São Paulo e Marcha da Família depois do golpe no Rio]. [...] (p. 150).
Falando da articulação nas próprias Forças Armadas, diz: “Meu grupo atuava basicamente dentro do Exército. Na Marinha tínhamos amigos, como Faria Lima. Na Aeronáutica também havia oficiais com os quais conversávamos, particularmente Délio Jardim de Matos” (p. 150). Com isso, pode-se evidenciar o grande alcance da conspiração.
Por outro lado, embora seja um fato que os atores incorrem em erros e omissões ou ainda possam mentir ao longo da reflexão ou na reconstituição de eventos, é também verdade que dificilmente eles são capazes de recriar a realidade com um discurso insistentemente falso e sem brechas, já que as histórias de vida raramente conseguem proporcionar um domínio completo e satisfatório das ameaçadoras experiências do passado, estabelecendo um equilíbrio precário, com um sem-número de contradições e tensões. Assim, o sucesso na tentativa de compor um passado harmônico não é inteiro e nunca será plenamente alcançado, sendo o resultado final fragmentado e contraditório (CAMARGO, 1984; POLLACK, 1989 e THOMSON, 1997).
Como amostra disso, o discurso de Mello Flôres contém inúmeras incongruências. Inquirido acerca das restrições que tinha acerca do IBAD, diz:
Restrições não, os procedimentos é que eram diferentes. Começa que nós tínhamos tudo às claras. Já o Hasslocher sempre se recusou a explicar de onde é que vinha o seu dinheiro; ele teve a coragem de entrar num negócio em que eu nunca entraria. Agora, ele tinha muito mais dinheiro que o Ipes, nem se compara. E ainda, o Ipes era inteiramente independente do exterior; e o Ibad, talvez porque recebesse dinheiro de fora, tinha que ocultar seu patrimônio e seus recursos. [...] (p. 154).
Lá em Pernambuco, os cheques eram assinados conjuntamente pelo Renato Bezerra de Melo e o Miguel Vita. Isso acontecia com todo o dinheiro que arranjávamos, não só com esse [...] (p.155).
E havia sócios?
Claro, e cobrávamos mensalidade. Agora, as doações extras aconteciam mais quando havia eleição e passavam inteiramente por fora do Ipes [...] (171).
Relativamente às evidencias empíricas, achamos que a condução das finanças do IPÊS tampouco era tão clara quanto sugerem a troca de nome de diversas rubricas nos orçamentos, a orientação aos contadores de preparar uma “prestação de contas-padrão”[27], afora as recomendações de emitir recibos no lugar do instituto por parte de associações subsidiadas pelo IPÊS/Rio[28].
Apesar das afirmações de Mello Flôres, o instituto teve colaboração do exterior e de empresas transnacionais radicadas no País. No final de 1962, registram-se aportes de duzentas e sete corporações americanas e um número significativo de companhias inglesas e alemãs, ao mesmo tempo em que foram procuradas insistentemente colaborações de empresas de outras origens, em especial suecas e belgas[29].
A criação de pequenas filiais, batizadas como “Ipesinhos”, favorecia a canalização de contribuições de origem não muito clara; outras eram efetuadas como pagamento pelos “seminários” realizados e havia ainda a idéia de se montar escritórios de consultoria com esse fim.
Também se recebiam colaborações individuais, em especial de esposas de membros do instituto e de outras senhoras da sociedade. Outro mecanismo ágil, encontrado para esse propósito, foi o de arrecadar fundos através de projetos especiais, com fins e prazos determinados, como o Projeto Gammon, relacionado às eleições legislativas de 1962.
Além das contribuições em dinheiro, o IPÊS beneficiava-se de um vasto apoio logístico e material, incluindo a disponibilidade de transporte gratuito proporcionado pelas diferentes linhas aéreas nacionais e algumas internacionais que operavam no Brasil, empresas de ônibus e de outros recursos para equipar e pagar despesas de seus escritórios, aí incluídos alguns salários e pró-labore do pessoal técnico, que dificilmente eram contabilizados[30].
Em síntese, segundo Mello Flôres, o IPÊS tinha tudo às claras: as doações extras corriam por fora e seu presidente atuou corretamente ao esconder dados exigidos pela CPI. Ainda que negue a ingerência estrangeira, ela é admitida no relato de um caso. Não obstante proclame a total homogeneidade da sua cúpula, as diferenças entre os relatos são gritantes. Por fim, é pouco convincente quando explica que não tinha relações com o IBAD, cujo presidente, em suas ausências, lhe passava não só a direção como alguns recursos monetários.
As contradições de Geisel são menos evidentes. São mais de ordem moral ou filosófica do que estritamente factuais, inclusive pelo fato de ele ter tido a oportunidade de revisar o manuscrito. Aos exemplos anteriormente mencionados, podemos acrescentar a justificativa de muitos dos métodos de ação política e de governo, inclusive o da tortura, apesar de os criticar com veemência quando são praticados pelos inimigos. Nesse acréscimo cabem também os métodos circunstanciais e a prática de minimizar um evento de primeira magnitude como a Operação Condor, reduzida a um mero contacto com um representante boliviano.
Assim, como conclusão, pode-se afirmar que os dois testemunhos confirmam a hipótese de que a História contada pelos indivíduos tem mais a ver como eles lidam com o próprio passado ou como desejam que seja interpretado do que propriamente para conhecer fatos dos quais se dispõe de abundantes evidências.
O exercício que aqui nos propusemos, analisando as memórias de dois personagens de nossa história recente, tornam evidente a necessidade de sempre se fazer uma clara distinção entre o “recordado” e o “vivido”. A memória, pode-se afirmar, não é neutra, mas uma poderosa produtora de significados que tinge ou descolora, transforma, deforma ou informa e, às vezes, também oculta e esquece.
A aplicação da crítica heurística às entrevistas fornece um poderoso instrumento para interpretar as representações que os personagens tecem sobre seus passados. É interessante constatar como nesse retrospecto dão outra dimensão ao contexto que integraram, assim como vertem luz sobre outras fontes, recurso metodológico que irremediavelmente se perderia se o pesquisador se ativesse apenas a documentos escritos.
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Notas