Resenhas
Resenha "Suábios do Danúbio: lembrar, escrever, esquecer" de Stein, Marcos Nestor
Recepção: 11 Março 2012
Aprovação: 02 Abril 2012
“Lembrar, escrever, esquecer” são as palavras com as quais Waldemar Feller, doutor em filosofia e um dos “[...] trezentos e poucos dos denominados pioneiros, ainda vivos, da Colônia Entre Rios[1] [...],” (STEIN, 2011, p.15) termina o prefácio do livro de Marcos Nestor Stein. Feller apresenta suas memórias sobre a trajetória vivida por ele e seus familiares ao final da Segunda Guerra Mundial, desde Zemlin, Iugoslávia, passando pelos campos de refugiados, situados na Áustria, até chegar ao Brasil. É possível perceber, em sua narrativa, um questionamento acerca da identidade desse grupo de refugiados – os Suábios do Danúbio.
Marcos Nestor Stein[2], partindo de sua trajetória de pesquisa acerca da identidade étnica alemã, escolheu, para sua tese de doutorado[3], refletir sobre a identidade do grupo suábios do Danúbio. Nas palavras do autor, a obra tem como tema principal:
[...] perceber como a identificação “suábios do Danúbio” é elaborada, imaginada e, por meio de quais marcos cristalizados nos discursos sobre a história do grupo é fomentado o sentimento de pertencimento, de (re)criação de um "eu" coletivo na colônia Entre Rios”.(STEIN, 2011, p.31)
Stein fez uso de fontes escritas e imagéticas. Analisou jornais, livros, relatórios, atas, entrevistas. Pesquisou os arquivos do Museu (Heimatmuseum) da colônia de Entre Rios, da Biblioteca Pública do Paraná, Instituto Martius–Staden (SP) e órgãos de preservação da memória suábia, também na Alemanha[4].
Na introdução, o autor apresenta, de forma detalhada, o referencial teórico e metodológico que fundamenta sua pesquisa. Discute, com precisão, questões como identidade, memória coletiva e sentidos identitários, a partir de autores como Le Goff, Pollak, Hall, Portelli, Rüsen, Todorov.
A obra está disposta em quatro capítulos, cada um deles trata de forma articulada as fontes analisadas, quais discursos sobre a identificação dos suábios elas revelam e em que momento foram criadas.
O primeiro capítulo é nomeado “Apátridas em busca de uma nova pátria”: deslocamentos, adaptações e encontros. Como o próprio nome sugere, trata-se dos refugiados, procedentes de diversas partes da Europa. Uma parte desses contingentes era composta pelo grupo Suábios do Danúbio, descendentes de alemães, à espera de uma “nova pátria”, mediante ajuda humanitária. A denominação do termo suábios do Danúbio, “Donauschwaben[5], decorre do desmembramento do Império Austro-Húngaro e as divisões onde povoavam os suábios entre Hungria, Iugoslávia e Romênia, no contexto da pós-Primeira Guerra. Porém, com a chegada da Segunda Guerra Mundial intensificaram-se os conflitos interétnicos. Segundo o autor, “[...] os partisans, apoiados pelo exército russo, acabaram por vencer as tropas alemãs, as quais também eram apoiadas [...], [pelos] suábios do Danúbio”. (STEIN, 2011, p.51). Com a derrota da Alemanha, restou uma multidão de “deslocados de guerra”, dentre eles encontravam-se os suábios do Danúbio.
Segundo Stein (2011), a “Ajuda Suíça à Europa” responsabilizou-se pela execução do projeto da imigração, de parte dos refugiados para o Brasil, mediante contato com governos, somando-se 500 famílias, em torno de 2.500 pessoas, as quais, na sua maioria, eram descritas como “apátridas”. A escolha pelo Paraná, e especificamente Guarapuava, não se deu de forma aleatória. Foram realizadas análises minuciosas em torno da topografia do solo, pH, clima, tamanho do terreno e outros.
Os jornais, analisados pelo autor, tiveram papel preponderante na divulgação da chegada dos imigrantes e na formulação da identificação destes, a partir de 1951. As matérias divulgadas, por um lado, reforçavam aos imigrantes a importância do capital humano que representavam para o Brasil, por outro, tranquilizavam os brasileiros, afirmando que não se tratava de “nazistas”, e sim, pessoas especializadas na triticultura.
Os dois relatórios analisados pelo autor sobre a situação dos primeiros anos da Colônia revelam questões importantíssimas. O primeiro, intitulado Bericht über die Siedlungs-Aktion Brasilien (Relatório sobre a Ação da Colônia no Brasil), pautou a avaliação sobre questões geográficas, climáticas e econômicas. Porém, “os colonos” não foram mencionados neste. O segundo relatório, elaborado em 1951, por Walter Gossner à “Ajuda Suíça à Europa”, trouxe à tona a realidade e os problemas vividos no dia a dia da Colônia.
O segundo capítulo é nomeado “Aculturação e Identidade Étnica”. Stein pontua, a partir dos discursos do Governador Bento Munhoz da Rocha Neto, na ocasião das comemorações centenárias de emancipação política do Estado do Paraná, a necessidade de consolidar a identidade do povo paranaense, tendo em vista que, para o governador, o Estado ainda não a possuía. A ocupação do território exigia, além de alemães, agricultores ou operários que tivessem uma predisposição para a “aculturação”.
Neste cenário comemorativo de 1953, os imigrantes germânicos publicaram um “Memorial Histórico", o qual resultou na publicação do livro “O Paraná e os Alemães”. Um fragmento da obra é dedicado aos suábios do Danúbio. Nele, o autor identifica um “discurso exemplificador” sobre o grupo, onde reforça sua imagem, sua importância no desenvolvimento do Estado e o esforço em “aculturar-se”, ao aprender a língua portuguesa. A Colônia Entre Rios é colocada como um exemplo a ser seguido pelos suábios.
Outro “discurso exemplificador” aparece na peça de teatro intitulada “O Oitavo Dia – Der Morgen des Achten Tages”, publicada por Helmut Abeck,[6] em 1964. A peça, baseada em fatos históricos ocorridos nos dez primeiros anos da Colônia, apresenta uma fonte riquíssima de elementos, falas, posturas, sobre como interpretar a “aculturação” pelos suábios. Ao contrário da fala do Governador, a peça revela as dificuldades dos suábios em aceitar “o outro”, em “aculturar-se”, tendo em vista as denominações atribuídas a este “outro”, os brasileiros aqui estabelecidos: o caboclo, o inferior, o nativo, o preguiçoso o não autônomo, pois necessitava dos suábios, de sua sabedoria e conhecimento, para transformar aquela paisagem que estava ainda “adormecida” em um imenso celeiro agrícola.
Dentro da mesma linha de análise, o autor apresenta reflexões sobre o relatório de Arpad Szilvassy[7], intitulado Aspectos Gerais da Colonização Comunitária Europeia no Paraná. Nele, mostra que os suábios não se adaptaram ao ambiente como se esperava e propagavam os jornais, tampouco com as pessoas com as quais passaram a conviver: os brasileiros. Diferente da peça de teatro e do próprio discurso do Governo, onde a “aculturação proporcionaria benefícios para ambos, houve o inverso, o medo da mistura étnica”. Ou, como sabiamente apontou o autor, “é o acaboclar, a versão negativa do aculturamento”. (STEIN, 2011, p.155).
No terceiro capítulo, nomeado “Memória de Júbilo: elaboração de sentidos identitários em publicações comemorativas (1971 e 1976), o autor analisa duas produções, as quais visavam à construção identitária coletiva dos suábios. Em 1971, no vigésimo aniversário de Entre Rios, foi publicação o livro de Albert Elfes “Suábios no Paraná” e em 1976, nos 25 anos, o livro Entre Rios: documentário ilustrado da colonização suábio danubiana. A primeira traz mensagens de “pessoas importantes” congratulando a colônia pelo seu aniversário, seguidas de fotografias, acompanhadas de texto explicativo, reforçando a identificação suábia. A segunda é composta por fotografias que retratam a trajetória percorrida pelos antepassados desde a Europa até a chegada ao Brasil. Diante disso, o autor chama atenção quanto às duas obras, tendo em vista que se tratam de narrativas que visam construir uma identificação coletiva dos suábios.
No último capítulo, nomeado “Guardiões da Memória-Identidade” o autor analisa um lugar de memória, o Museu Histórico de Entre Rios - Heimatmuseum, criado em 1971, onde as mulheres, as “guardiãs da memória”, tiveram papel preponderante na montagem do Museu e na coleta dos materiais trazidos e conservados pelos suábios da Alemanha, com significações para o grupo. O autor, por imagens cuidadosamente selecionadas do interior do Museu, leva o leitor a uma viagem ao passado do grupo e a maneira que fragmentos desse passado são interpretados e preservados por eles, ainda hoje.
Outra fonte de análise são matérias do Jornal de Entre Rios, especialmente a série de entrevista intitulada “Um Povo Luta Pelo Seu Futuro” (Ein Volk Kämpft Um Seine Zukunft), publicada em 1994. Com relação à série, o autor apresenta o objetivo de sua publicação, a homogeneização de um discurso sobre a identificação suábia, tendo em vista que os relatos usados foram previamente escolhidos, recortados e as falas empregadas foram interpretadas de forma conclusiva. A história individual torna-se coletiva e os membros se identificam com este coletivo.
O autor, no decorrer da Obra, revela a habilidade de análise das fontes e a articulação destas, permeando toda a problemática não perdendo o foco da pesquisa, e, ainda, permite ao leitor, seus próprios posicionamentos e indagações.
De modo conclusivo, a leitura da Obra instiga novos olhares sobre a produção de sentidos identitários sobre os mais diversos grupos de imigrantes e migrantes presentes dentro e fora do País, prática que se faz urgente e necessária.