Resumo: A questão a ser analisada neste texto – a da multiculturalidade, como questão, acabava apontada para a República tal qual se conhecia na Bolívia – articulará o ponto culminante da crise política desta primeira década do século XXI, considerando o papel das etnicidades neste contexto de desmantelamento, do global para o local, e a rigidez destas estruturas no caso boliviano. Em , o que era colocado em questão era a sobrevivência do Estado boliviano tal qual existira desde 1825 e se desenvolvera historicamente, e como as plurinacionalidades – um reflexo contemporâneo das tendências multiculturais do século XXI – incidiram sobre tal fenômeno de desmontagem das relações de poder cristalizadas em tal país. Em corte histórico, os desdobramentos desta crise de modelos representativos, éticos e estruturais, se refletiriam por toda a região sul-americana e amazônica, com o posterior surgimento de novas dinâmicas sociais reformadoras.
Palavras-chave: Política e Governo Política e Governo, Multiculturalismo Multiculturalismo, História História.
Abstract: The question addressed in this text - if multiculturalism as the Republic señalava question, what if he knew in Bolivia - articulate the maximum point of the political crisis of the first decade of the century, considering the role of ethnicity in the context of the dismantling of the global to the local, and stiffness of these structures in the Bolivian case. In short, the issue was placed on the survival of the Bolivian state as it existed since 1825 and had developed historically, and how plurinationality - um on the deployment of multicultural contemporary trends of the XXI century - whether related com the dismantling of the power relations crystallized there. In historic court, the implications of this crisis of representation, ethics and estrutural, would develop throughout South America and the Amazon, with the consequent emergence of new dynamics of social reform.
Keywords: Government & Politics, Multiculturalism, Bolivia.
Artigos
A crise de fim de século na Bolívia. A ascensão contemporânea da plurinacionalidade no contexto andino ‐ amazônico
Recepção: 04 Novembro 2014
Aprovação: 16 Dezembro 2014
A questão do desenvolvimento na Bolívia, país andino-amazônico, esteve permeada, no século XX, pela variável social, em especial pela busca ora doequilíbrio entre as forças produtivas e políticas regionais – o então propalado e buscado ‘capitalismo andino-amazônico’ de Garcia Linera (2006) –, ora dointeresse em reequilibrar as dramáticas assimetrias sociais existentes. Em ambas as possibilidades de compreensãoda realidade boliviana, o debate esteve entremeado, e muitas vezes verdadeiramente movido, pelo interesse crítico nas dinâmicas, estruturas e padrões de representação política, concebidos pela maioria dos grupos políticos como arcaicos, ou correspondentes a uma realidade distante da sua. Neste sentido, é preciso situar o efeito de um contexto inteiramente novo e voraz sobre a Bolívia, de forma compreensiva e em corte histórico. Por argumento místico – o júbilo dos 500 anos de conquista espanhola – ou por argumento político – a insustentabilidade da ordem mundial imperialista –, surgiram críticas que, somadasàconjuntura local, impulsionaram efetiva mudança na política do país.
A chegada do século XXI na Bolívia foi antecipada por grandes mudanças mundiais que incidiram sobre a realidade nacional, alterando decisivamente o seu permeável futuro imediato. Um franco processo de erosão das prerrogativas centralizadoras sobre o Estado começou a surgir, coadunando-se àdura crítica ao paradigma de Estado-Nação no fim do século XX. Este era o debate imediato sobre aglobalização: discutiu-se o sentido, então possível, de um novo mundo, no qual esse Estado moderno - referencial central para a compreensão e regulação das relações sociais, políticas e culturais dos últimos dois séculos - chegaria a um nível de enfraquecimento tal, mantendo-se apenas em uma esfera de competências que agiria em modesta complementaridade à preponderância das novas instâncias, então livres do seu jugo: o Estado-mínimo, nas linhas cotidianasgerais.
É preciso aqui grifar o empenho em comparar de forma adjacente as noções de política e etnicidade inerentes à formação destas identidades, próprias do momento, processo em questão, e por sua vez envolvidas na concorrência entre projetos nacionais antagônicos no contexto evidente na primeira década deste século XXI. Esta competição e tais modelos inserem-se, para além das fronteiras bolivianas, em um caleidoscópio de representações políticas particularíssimas, envolvidas no ressurgimento dos hodiernos nacionalismos sul-americanos como resposta à crise contemporânea do Estado-Nação. A hodierna afirmação de autonomia individual contra o capital e o Estado, características da segunda metade do século XX, deram nova ênfase e papel à política da identidade. Essas ideias prepararam caminho para a construção de comunas culturais na década de 90 do século XX, acirrada pelo fim da Guerra Fria (1948-1991), quando a crise de legitimidade representativa das instituições liberais contemporâneas obscurecia o significado de política democrática. Neste sentido, cabe frisar que a existência inequívoca de um Estado liberal na década de 90 do século XX cumpriu papel determinante para pavimentar tais crises e, subsequentemente, os ímpetos de mudança estrutural ora em narração. É preciso frisar, neste sentido, a verificação da validade heurística do conceito de nação, discutir de forma cabal a refutabilidade destas definições e padrões, construídos em contextos de exceção, como ditaduras ou períodos coloniais, nos quais a moldura das relações de poder eram bastante específicas e, quiçá, forçadas. Desta forma, o grifo da refundação merece ser discutido como processo próprio de desconstrução imediata dos escombros do arquétipo liberal de nação ora existente. Estas perspectivas devem ser igualmente problematizadas sobre a tênue linha da mudança como processo reformulador da razão de Estado, ora revolucionário, ora romântico.
Uma das preocupações gerais que orienta a reflexão deste texto perpassa os debates sobre nação e Estado, vistos sob a ressignificação contemporânea das noções de democracia e etnicidade e, em especial nesta segunda, sobre a sua importância na redefinição das relações que se desenvolvem entre o Estado e a sua identidade. Neste contexto, o questionamento das estruturas centralizadas do poder territorial – e esperado como soberano – do Estado foi uma consequência das transformações contemporâneas, visando àderrubada dos mecanismos formais de manutenção de um stablishment etnocêntrico no Estado, o qual, mesmo em condições variadas e diferentes sujeições, não tenha alcançado a plena soberania que alguns argumentos apontariam em um dos mais complexos debates do século passado. O etnocentrismo ora existente, nesta narrativa ou na sua contra-narrativa, ainda que recobertos por uma pátina de relativização para além da questão racial e avançando em vias civilizacionais, pode ser manifesto em visões exóticas e estereotipadas que rejeitam qualquer sofisticação e singularidade da dinâmica política boliviana, sob o pretexto de o autoctonismo pré-moderno fadar o país ao retrocesso. As consequências daí resultantes jamais poderem constituir um sistema inovador e contemporâneo. As discussões contemporâneas do então chamado ‘neopopulismo’ despontam como parte deste problema epistêmico, com o franco uso de categorias que não necessariamente correspondem ao contexto contemporâneo. Parte significativa dessas percepções se constitui e apresenta, de forma simplificadora, em uma recusa de ordem profundamente ideológica; por um lado, relacionadas ao interesse exploratório ou cooperativo em âmbito econômico – “vamos explorar as potencialidades econômicas” -; por outro, ao exotismo de um latino-americanismo pulsante e guerreiro, mas ambas descrentes quanto a uma contemporaneidade possível e diferente para o país que busca desprender-se do histórico retrocesso econômico – ‘a Bolívia que pulsa e é guerreira!’.
É preciso que se diga, no entanto, que essa transformação possui mais do que apenas aspectos estruturais ou simbólicos, sendo necessário que acompanhemos a influência e a incidência mútua dos fatores para entendercomo a Bolívia foi tocada, desestabilizada e reorientada após essa crise política. O conceito moderno de representação, examinado primeiramente de modo consideravelmente formalista por Thomas Hobbes em “Leviatã” (1561), vem sendo amplamente debatido em um contexto relativamente recente em trabalhos fundantes, como o de Hanna Pitkin, por exemplo, cujo debate repercutiu na América do Sul em uma avaliação dura por parte da sociedade civil organizada para o seu relacionamento com as instituições políticas do Estado. O cansaço generalizado foi um dado notável nas sociedades civis com relação aos dilemas representativos. A assertiva da variabilidade do conceito e do seu uso em diversos sensos e em diferentes conexões é colocada frontalmente como uma explicação possível para os contrastes entre as formas de democracia moderna no Ocidente, cujas derivações estão expressamente relacionadas aos anacronismos históricos dos sistemas políticos na América do Sul e aos conflitos políticos ocorridos ao longo da década de 2000. Sendo uma ideia humana, a representação pode ser aceita por alguns e questionada por vários outros (PITKIN, 1967, p.10). Uma abordagem justa deve se destinar às questões públicas colocadas (o que faz os homens se sentirem representados, quando devem eles se sentir representados, e quando é correto dizer que eles são representados, por exemplo); fazem parte fundamental desse conjunto de fatores da crise de representação que atingiu o Estado boliviano e todo o conjunto instituições que orbitavam em torno desse Estado. O fenômeno da crise de representação ocorre imediatamente após uma crise nas crenças gerais sobre a política. Neste caso, enfatizaa desconfiança da sociedade sobre os partidos políticos e sobre os governos ineficazes, decorrendo em arremetidas ou até mesmo em desprezo da população a respeito da vida política nacional. Em uma perspectiva inclusiva, Miguel aponta que “Na medida em que os grupos subalternos obtêm êxito na busca ou inclusão política ou, ao menos, demonstram uma consciência mais aguda do problema, as tensões presentes no campo político se ampliam” (MIGUEL, 2003, p.10). É possível que se diga, a partir do exemplo boliviano, que sequer o modelo democrático chegou a um estágio concreto, vista a inépcia dos governantes para com o uso dos mandatos de confiança da população; ou, ainda mais grave, se levarmos em consideração os aparatos constitucionais outrora vigentes, que asseguravam arranjos e acordos de governabilidade cuja lógica processual deslocava os representados e seus interesses dos representantes e seus interesses. As críticas cotidianas à ‘classe política’, já opaca e distanciada das demandas sociais existentes, se tornaram um sintoma dessa crise; ou, no caso boliviano, atingiram ápices de conflitividade social e política. Segundo Daniel García, as principais causas da crise seriam a corrupção da classe política, a influência corporativa dos meios de comunicação em massa sobre os discursos de legitimação, a difícil gestão da complexidade e pluralidade de demandas e as sucessivas inadimplências dos governos junto aos seus programas acordados nos pleitos (GARCIA DELGADO, 1998, p.128-137). Como veremos a seguir, as demandas, dilemas e questões das novas formas de participação e deliberação orientadas por redes horizontais, na Bolívia, suplantaram a preeminência das estruturais verticais burocráticas.
Essas redes, arregimentadas por sujeitos políticos surgidos da sociedade civil organizada, não necessariamente estão orientadas pela relação direcional com as instituições do Estado; não necessariamente precisam do Estado para constituir seus programas e projetos de poder, ainda que se tenha clareza sobre a sua importância para estabelecer governo como prerrogativa (TREJO, 2000). Para isso, uma análise empírica dos processos sociais e políticos no país podem fornecermaior clareza; com a ajuda da narrativa sobre a história nacional, podemos ter o suporte necessário para a análise. No início da década de 2000, quando o General Hugo Banzer Suárez realizara seu desejo de se tornar presidente da república através do voto constitucional direto – seu segundo mandato perdurara de 1997 a 2001, e não fora através de um regime de facto -, a Bolívia adentrava o século XXI com uma configuração partidária já plural e pulsante. Antes, presidente entre agosto de 1971 e julho de 1978, Hugo Banzer Suárez havia sido presidente em um período ditatorial, marcado por crimes políticos e pela cooperação intensa com a Operação Condor, na América do Sul. Mais de 3.000 pessoas, em sua maioria líderes políticos, foram perseguidas politicamente durante o ‘banzerato’(com torturas, assassinatos e exílios forçados) caracterizando um período de intensa pressão política. Até hoje, por ausência de investigações abertas e julgamentos para revisar os porões da ditadura banzerista, não há um número exato (ou próximo disso) que enumere os desaparecidos[1]. Predominou, neste momento, o ápice do antissindicalismo na Bolívia contemporânea.
Retornando ao ponto da questão agrária, a sua permanência era visível, junto a estruturas de poder complexas e continuistas. O retorno do crucenho Banzer Suárez ao poder, já em ambiente liberalizado e com votação direta para presidência, fora marcado pela tentativa de reinserção da Bolívia no ambiente internacional, com base no reposicionamento da imagem nacional, em larga medida remontada pela tentativa de erradicação da indústria ilegal da coca (e, consequentemente, da cocaína), o chamado "Plan Dignidad". O conceito em torno do Plan Dignidad seria o da inserção - voluntária ou compulsória - dos agricultores, independentemente do seu porte, em cadeias produtivas legais, por meio de programas de desenvolvimento financiados por bancos e programas multilaterais[2]. Esta política gerou diversas manifestações populares, dentre as quais, as lideradas pelos sindicatos produtores de Coca, liderados,àépoca, pelo então chefe sindical Evo Morales.
Os cocaleiros eram, naquele contexto, um movimento social camponês interessado na defesa dos produtores, de pequeno e médio porte, da Coca, sofrendo o impacto quase pleno das contradições do sistema social e produtivo ao qual vai de encontro. Ao mesmo tempo em que a sua base social é ampla e plural, já que agrega uma combinação sem igual das diversas etnicidades existentes em território boliviano, tem a sua base histórica no nacionalismo popular da década de 50, organizando uma amálgama entre nacionalismo de esquerda, de cunho classista, e, por outro lado, de luta contra a assimilação produtiva e cultural por parte do Estado nacional. O acento classista ganha tons mais elevados a partir da década de 90, quando as reformas neoliberais provocamimpacto sensível sobre asclasses médias e o proletariado urbano, que se aglutina em torno das lutas camponesas de vanguarda. A consequência deste processo é a formação do MAS-IPSP (Movimiento al Socialismo – Instrumento Político Para la Soberania de Los Pueblos), como instrumento político de arregimentação e orientação destas questões multiclassistas e pluralistas.
É preciso discutir, atentamente, a própria estrutura do Instrumento Político, como o MAS-IPSP era então conhecido e doravante será tratado. Constatamos como algo inerente às entranhas da estrutura do próprio MAS-IPSP a dificuldade em definir seus limites de atuação, o que impunha o iminente e forçoso desafio do escopo a uma organização intensamente plural, e, por vezes, aparentemente contraditória e confusa nas suas decisões. Nesta via decisiva, havia dois objetivos primordiais: primeiro, o livre trânsito e acesso a posições de poder dentro do "instrumento" para seus membros, e, segundo, a assertiva de que as suas reivindicações serão levadas em conta na plataforma política do "instrumento”. Os militantes teriam de ter, assim, uma cadeia de mandatos internos e organizativos constantemente ativados na sua organização social, com a perspectiva de representar o "instrumento" – desta forma, o ‘controle social’ faria com que estes militantes fossem permanentemente responsáveis pelo seu mandato, podendo até mesmo ser expurgados para renovar a sua representação no instrumento político (PANNAIN, 2014, p.4).
Outro limite se expressava, na ontogênese do MAS-IPSP como Instrumento, na própria Asemblea para la Soberania de los Pueblos (ASP), que também se torna um panorama em que se expressam rivalidades cada vez mais fortes entre dirigentes de organizações sociais. Apesar destas divisões, que a tese do instrumento de política visa precisamente a evitar, o MAS-IPSP obtém seu primeiro sucesso eleitoral nas eleições municipais de 1999, alcançando vencer nove alcaidias. Esta vitória expressiva consolida suas bases eleitorais no campo, principalmente pelo efeito do aumento da repressão dos plantadores de coca no governo do presidente Hugo Banzer Suárez (1997-2001).
Banzer Suárez encontrara uma Bolívia relativamente estável no campo político institucional, após o primeiro governo de Gonzalo Sanchez de Lozada (1993-1997), do partido Movimiento Revolucionario Nacionalista (MNR), já que a reabertura política da década de 80 havia sido até então mantenedora do invólucro de alternância de mandatos no ambiente democrático formal. Do ponto de vista étnico, é notável característica a presença de Victor Hugo Cárdenas, vice-presidente,de origem indígena do (mais novo) dissidente Movimiento Revolucionario Tupac Katari de Liberación (MRTKL), em uma coalizão centrista que promoveu reformas econômicas e políticas de grande impacto. O reconhecimento constitucional da multiculturalidade boliviana, bem como a criação da figura do defensor público, teve impacto de caráter prático, somando-se a importantes reformas eleitorais. É preciso frisar, ainda, neste mesmo momento, que a chamada “Ley Inra”, de 1996, teve caráter determinante para a afirmação destas identidades, na medida em que reconhecera as chamadas “Tierras Comunitarias de Origen” (TCOs). É possível contextualizar tal legislação no momento de boom da especulação sobre a terra, em função de um ciclo avançado de expansão do agronegócio, como apontam Kay e Urioste:
La rapida expansión de los cultivos industriales en las tierras del Oriente condujo a la especulación sobre el valor de la tierra y, simultaneamente, al despertar de los indigenas con una gran 'marcha por la tierra y dignidad' (su lema principal) en 1990 (KAY; URIOSTE, 2014, p.45)[3].
A Lei 1.715, de outubro deste ano, no seu terceiro artigo ("Garantias Constitucionales"), inciso III, afirma:
Se garantizan los derechos de los pueblos y comunidades indígenas y originarias sobre sus tierras comunitarias de origen, tomando en cuenta sus implicaciones económicas, sociales y culturales, y el uso y aprovechamiento sostenible de los recursos naturales renovables[4].
No entanto, com as contradições possíveis a um deslocamento político de magnitude como fora o do MNR, o governo Sanchez de Lozada não deixaria de representar a consolidação de práticas macroecnômicas privatizantes, relacionadas ao doutrinário neoliberal emergente no pós-Guerra Fria. Neste mesmo momento, asprivatizações de 50% das empresas férreas (Empressa Ferrocarril Nacional de Bolivia - ENFE), de telecomunicações (Empresa Nacional de Telecomunicaciones Bolivia - ENTEL), de eletricidade (Empresa Nacional de Electricidad - ENDE), de aerotransporte (Lloyd Aereo Boliviano - LAB) e do petróleo (Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia - YPFB) foram especialmente polêmicas; em resumo, ocasionou-se a expansão do processo de privatização em joint-ventures. Além disso, avançou em importantes pontos, como a Lei de Participação Popular, marco fundante da descentralização no país. A Lei de Participação Popular (Ley 1551), promulgada em 1994, após a reforma constitucional deste mesmo ano, mudava profundamente a governança das microrregiões bolivianas, conferindo autonomia às novas estruturas administrativas (as municipalidades). Com isso, as tarefas e decisões dos departamentos eram repartidas em311 municipalidades, comfunções normativas, executivas e administrativas eram inteiramente novas. Nesse sentido,eram asseguradas eleições livres tanto ao governo central quantoao Conselho Municipal e seu alcaide (STRÖBELE-GREGOR, 1999, p.133-146).
A Lei de Participação Popular é alvo, ainda hoje, de um longo debate entre as forças políticas e a própria sociedade boliviana, onde se discute o legado da Lei 1.551 para o futuro do país. Entre seus defensores, destaca-se o papel positivo na então pioneira descentralização administrativa junto ao Estado, dando início às até então impensáveis mudanças na República da Bolívia, que caminharam na direção da refundação nacional; por outro lado, muitos apontam os aspectos negativos: novas dificuldades surgiam para novas fronteiras. Conforme explica Juliana Ströbele-Gregor, as críticas sindicais e indígenas se voltaram basicamente para: a) os novos limites municipais, que não necessariamente respeitavam as territorialidades autóctones comunitárias, cuja permanência intocada dentro dos departamentos fazia parte de uma estratégia de sobrevivência; b) o poder dos partidos, pois a sua forma de organização avançava de modo invasivo sobre os povos originários, desmantelando as suas redes de sociabilidade política e as espacialidades de poder autóctone-comunitário; e, por fim, c) as novas competências repassadas, que deixavam para o Estado central o poder de realizar arrecadações de capital de porte, enquanto relegava às comunidades apenas a autonomia para gerir a sua própria pobreza.
Assim, o ocidentalizado “Plan de Todos” – composto pela junção da Lei de Participação Popular, mais a Lei de Descentralização Administrativa, entre 1994 e 1995 -, de Sanchez de Lozada, teve relativo sucesso no aprimoramento institucional do país, descentralizando os municípios e retirando o país de uma situação de calamidade institucional. Essa conjuntura - promovendo reformas que ora eram aprovadas, ora eram reprovadas – o fez gozar de popularidade suficiente para lograr uma segunda candidatura em 2001. Com a redução do gasto público e a reorientação do Estado em setores estratégicos, forjavam-se os alicerces para o investimento internacional direto no país, com o novo papel do governo voltado a atrair e gerenciar esse capital (CHAVES, ARAUJO e SÁ, 2009, p.16-17), acirrando,por um lado, as desigualdades sociais mas, por outro,equilibrandoa situação política. Neste sentido, a nova lei viabilizava estratégias de empoderamento político, ação através da qual um determinado grupo social obtém a garantia dos direitos humanos, sociais e políticos através de uma mudança dos padrões de poder e controle administrativo. Com isso, rompe-se a passividade da unidade empoderada, que passa a assumir a autoridade necessária para resolver problemas, tomar decisões e realizar trocas, bem como cooperar com outras regiões empoderadas e até mesmo visar àconstrução de um movimento para a tomada do poder em níveis mais altos da sociedade, como, por exemplo, assembleias ou executivos nacionais. Esse processo de empoderamento se acirrou de forma dramática após a reabertura democrática no país, após uma série de golpes e contragolpes que sucederam ao fim dos longos e sombrios anos sob a batuta de Banzer Suarez. O Movimiento Nacionalista Revolucionario, então artífice, em 1952, e movimento político-partidário fundador da contemporaneidade política nacional, havia mudado consideravelmente as suas orientações ideológicas e contribuído, de forma incidental, para o fim de uma época de protagonismo e centralização nas mãos do Estado. Sustentada ora por necessidades contingenciais da conjuntura nacional e global, ora por razões político-partidárias bastante expressivas, na Bolívia da década de 1980 e 1990 subsistiu a crença de que o país necessitava da adoção de medidas liberalizantes emergenciais para superar o atraso de décadas - a rigor, superar o atraso do nacionalismo efetivado no poder em 1952, na Revolução (ANDRADE, 2007 e ROCHA, 2006) e assim estabilizar-se institucionalmente (SACHS, 2005).
Esta mudança, no entanto, não era fator causado pelo acaso ou por uma escolha randômica que visasse àmanutenção do poder. Em 1985, no paradoxo do retorno pós-ditaduras de Victor Paz Estenssoro (MNR) ao governo, a Bolívia embarcara no seu mais concreto esforço de liberalização econômica. O país passava, então, por um surto de hiperinflação e era incapaz de pagar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Paz Estenssoro entregara o Ministério das Finanças ao então acadêmico Gonzalo Sanchez de Lozada, e assim se entregou, ora por força da conjuntura, ora de preferências igualmente imensuráveis, a gestão das políticas macroeconômicas do Estado às escolhas de uma nova liberalização. Com o esfacelamento generalizado da base sindical da COB e a esquerda organizada em trágicas condições de recomposição no crepúsculo das ditaduras, a chamada ala ‘centrista’ do MNR avançara em um plano econômico que se tornaria famoso pela sua “terapia de choque”, com trágicas consequências nacionais. Ainda em um esforço de composição de gabinete, Paz Estenssoro, o mesmo presidente que forjara o nacionalismo estatista boliviano, convidara o jovem professor de Harvard, Jeffrey Sachs, conselheiro econômico do governo boliviano na época, para elaborar um extenso plano para reduzir drasticamente a inflação através da liberalização do mercado boliviano, com o fim dos subsídios do governo, eliminação das quotas de importação e, por fim, o atrelamento da economia boliviana ao dólar dos EUA.
Talvez possa dizer que este ato em opereta representa uma paradoxal - e quase esquizofrênica - mudança em ruptura dos limites da identidade político-partidária no país. O panorama de uma hiperinflação gigantesca e a voga do Consenso de Washington, que abalizava o início desta nova etapa, transformaram o partido outrora nacionalista de Estado em um adepto patente do doutrinário liberal e de toda a reversão da construção de sociedade equitativa do mesmo Estado que fundara.
Este programa de ajustes liberais aplicados na Bolívia a partir de 1985 foi, ainda, uma reação aos efeitos da crise da dívida que a essa época assolava o país e foi determinante para a gestação de um surto inflacionário da ordem de 22.000% entre 1984 e 1985 no país (SABINO, 2014). Após a implementação do plano de Sachs, resultados surgiram imediatamente: a inflação caiu de 11.750% para 15% ao ano no período 1985-1987, ainda que em longo prazo devamos discutir tais repercussões. A relevância de tais questões é ainda mais notável para reforçar a tese de que as tensões sociais latino-americanas se tornaram visíveis de forma nítida na Bolívia. Trata-se, neste caso, da “Terapia de Choque” da primeira aplicação sistemática doutrinária de medidas de um então novo liberalismo para a superação dos efeitos da Crise da Dívida Latino-Americana, contexto especialmente traumático na América Latina, de forma mais ou menos decisiva a respeito das futuras políticas econômicas de austeridade para a última década de século neste continente. A Bolívia fora, assim, pioneira no ‘teste’, ou instalação, de tais práticas em um sistema político já redemocratizado do ponto de vista formal/liberal. As condições dadas por esse contexto apontam para o início da década de 1980 – um contexto reconhecidamente caracterizadopela tendência neoliberal em escala global –, no qual começa o retorno dos regimes democráticos à voga na América Latina, inicialmente na Argentina, Brasil, Chile e Peru, após pressões crescentes na sociedade civil dos países, além da conjuntura presente no sistema internacional daquele contexto. Nos derradeiros momentos da détente, as tensões já eram consideravelmente diminuídas entre os países no Sul do Sistema Internacional, desanimando as rivalidades regionais, ateadas pelo conflito entre as grandes potências. A crise da dívida externa no fim dos anos 1970, aumentada pela alta das taxas de juros internacionais, empurrara os países para a estagnação econômica e odesemprego em massa, a inflação e a redução de importações, resultando em um efeito-cascata de convulsões econômicas que condicionaram os regimes militares a um esgotamento sistêmico, que gerou o que consideramos como perda de controle do Estado sobre a condução do debate político na sociedade.
Com este esgotamento sistêmico, o último governo de Victor Paz Estenssoro se configurou como um ponto de inflexão, tanto para a política quanto para a economia boliviana, como já apontamos, na medida em que foi o responsável pela reestruturação do sistema econômico, entendido como a liberalização do mercado e a prevalência do setor privado na economia, e do sistema político do país, o qual foi descentralizado, conferindo maiores competências e destinando maiores verbas ao erário público do âmbito provincial e departamental. A reestruturação econômica era um imperativo e o neoliberalismo ganhou terreno em meio ao vácuo de alternativas existentes então; de fato, num primeiro momento, as medidas neoliberais se mostraram muito eficazes para tal fim, pois, em poucos meses, a inflação reduziu-se de 22.000% para 9% ao ano, ainda que os impactos futuros fossem tragicamente duros para o país. Isto se traduziu no corte de gastos governamentais e ainda na privatização das empresas estatais. Num primeiro momento foram privatizadas somente as empresas públicas de pequeno porte, como companhias de leite e hotéis; em seguida, foram privatizadas as companhias estatais de recursos minerais e energéticos, além das empresas de distribuição de água.
Em vista das dificuldades econômicas pelas quais passava o Estado boliviano (o qual se mostrava incapaz de fechar as suas contas sem recorrer a empréstimos internacionais), a estatal energética, a YPFB, acabou arcando com os prejuízos gerados por esse programa de ajustes estruturais. Por determinação governamental, estabeleceu-se que a YPFB cobrisse compulsoriamente os rombos do orçamento boliviano, o que a tornou responsável por 65% da renda do Tesouro Geral da Nação entre 1985 e 1996 e ainda acarretou na transferência de cerca de 3,8 bilhões de dólares da estatal para os cofres do Tesouro. Assim, é possível que se diga que a transferência de montantes tão significativos da empresa estatal para o Tesouro boliviano inviabilizou o desenvolvimento do pleno potencial da YPFB, reduzindo seu investimento em tecnologia, qualificação de funcionários, em pesquisa e também emprodução. Durante a primeira gestão de Sanchez de Lozada (1993-97), porém, na qual foram privatizadas as empresas estatais de aviação, água, eletricidade, telecomunicações e hidrocarbonetos, a YPFB foi liquidada sob o pretexto de que se tratava de uma empresa ineficiente, que somente alcançaria melhores resultados econômic através da gestão privada dos seus ativos. Com isso, oficializava-se o afogamento orçamentário das principais empresas estatais, cuja importância em funções estratégicas nacionais é notável nos exemplos históricos de países em desenvolvimento[5].
Em sua concepção, a “capitalização” da YPFB promoveria o desenvolvimento do setor boliviano de hidrocarbonetos – então central, por se tratar de uma riqueza importante para o desenvolvimento do projeto integracionista em voga na América Latina -, a partir do aporte de capitais e tecnologias estrangeiros, fundamentando a formação de uma economia primário-exportadora. Além disso, acreditava-se que a elevação da produção advinda da “capitalização” aumentaria a arrecadação de impostos e royalties, mitigando os efeitos negativos para o Estado da venda da YPFB e beneficiando a população por intermédio de ações governamentais emsaúde, educação e habitação. Na prática, a privatização da YPFB ocorreu de modo a beneficiar somente as empresas privadas envolvidas no negócio, em detrimento do Estado boliviano, o que se observa pelo fato de que, apesar de a privatização ter envolvido a venda de 50% mais 1 do total das ações da YPFB para o setor privado, mantendo a propriedade do restante das ações da empresa nas mãos do governo, este não detinha qualquer controle sobre a direção dela. Os lucros destinados ao Estado boliviano deveriam ser depositados em um fundo de capitalização com a finalidade de garantir o pagamento de aposentadorias; os lucros obtidos, porém, eram contabilizados pelas próprias empresas privadas, sem qualquer fiscalização governamental. Além disso, a Lei de Investimentos, promulgada em 1994, acabava com os limites para a remessa de lucros ao exterior, acabando também com as metas de reinvestimento nacional do produto da exploração das empresas privatizadas, o que permitiu que bilhões de dólares fossem enviados para o exterior, enquanto somente alguns milhões de dólares eram retidos na Bolívia. Completando o quadro negativo da “capitalização”, a Lei de Hidrocarbonetos, de 1996, estipulou que, como o Estado não tinha mais o monopólio da produção e distribuição dos hidrocarbonetos do país, as empresas privadas, sócias da YPFB, estavam livres para estipular os preços de venda dos energéticos de acordo com os preços internacionais do petróleo. Esta medida provocoumaiores gastos públicos, pois o governo precisou subsidiar a compra de gasolina, dado que a população não conseguia mais arcar com as flutuações ascendentes do preço.
Igualmente, com o intuito de atrair maior atenção do capital internacional ao país e decidido a estimular a descoberta de novas áreas de produção de petróleo e gás natural, o governo definiu que cobraria uma taxa de royalties menor sobre a produção oriunda dos novos poços. Com isso, a taxa de royalties incidente sobre a produção dos poços já existentes se manteria em 50%, enquanto a que incidiria sobre a produção dos novos poços seria de 18%. No entanto, foi determinado se considerassem poços novos todos os que não apresentassem produção quando da publicação da lei. Valendo-se dessa determinação, as empresas privadas se beneficiaram ainda mais, posto que era possível que arrendassem campos nos quais as pesquisas em exploração e os trabalhos de desenvolvimento já haviam sido iniciados pela YPFB antes de sua privatização. Com efeito, mais da metade dos campos de petróleo e gás foram entregues à iniciativa privada como novos, embora suas reservas houvessem sido descobertas anteriormente. Seu potencial energético apenas não havia sido explorado antes da privatização, pelo fato de se tratar de reservatórios de gás, os quais, ante a falta de mercados, se mantiveram em reserva. Assim, prorrogava-se uma questão histórica no país: a extração primária dos recursos naturais.
A reestruturação,na década de 1980, trouxe uma parada à hiperinflação,masmergulhando o país na recessão. As minas de estanho foram privatizadas. Milhares de mineiros foram demitidos e, posteriormente, deslocados de suas casas, levando à dispersão o proletariado indiscutivelmente mais combativo da América Latina. Os desempregadosse mudaram ou para as cidades de El Alto e Cochabamba, juntando-se a um afluxo de migrantes camponeses que fugiam da deterioração das condições no campo, ou então se estabeleciam no vale agrícola e em regiões de planície de La Paz, Chapare e Santa Cruz, trazendo com eles as tradições do sindicalismo radical, forjada ao longo do meio século anterior. Muitos dos que migraram para as planícies orientais para o cultivo dacoca abasteciam tanto a demanda indígena internada folha, quanto o seu mercado internacional crescente. Na década de 1980, a pasta de coca e cocaína tornou-se o produto de exportação mais rentável da Bolívia. A resistência mais vigorosa à ofensiva neoliberal veio do movimento dos plantadores de coca, liderados por Evo Morales. Inicialmente organizado por federações sindicais locais e regionais, assim como porrudimentares milícias de autodefesa, o movimento respondeu à "guerra às drogas", sublinhando o lugar da coca nasandinas tradições culturais, e negando a responsabilidade pelo tráfico da droga. No início da década de 1990, tal coalizão se encontrava massificada e se tornava uma força para enfrentar os governos nacionais erradicadores, impedindo que os governos de Jaime Paz Zamora (1989-1993) e, em seguida, o de Gonzalo Sánchez de Lozada (em seu primeiro mandato, 1993-1997), implementassem na íntegra a agenda da erradicaçãode coca elaborada em Washington.
A erradicação da coca era uma questão particular, não apenas para a compreensão de uma específica composição de vanguarda proletária camponesa, mas também para o entendimento dos fatores culturais etnicizados, que compunham uma importante variável na engrenagem da era de manifestações populares que se aproximaria. Ao final da década de 1990, o panorama econômico tinha se tornado hostil, e não apenas para os produtores de coca, mas para a população como em geral, galvanizando as condições para tal resistência contra medidas de austeridade macroeconômicas. O setor de hidrocarbonetos acompanhava as maiores perdas de todos os setores produtivos nacionais. De acordo com a legislação de Sánchez de Lozada, em 1996, a empresa estatal de petróleo YPFB foi cindida e leiloada, e os royalties, a serem pagos pelas empresas multinacionais em novos contratos, foram reduzidos.Como resultado,as receitas do governo caíram, com o déficit atingindo US$ 430 milhões em 1997. Na esteira da crise financeira asiática, os fluxos financeiros internacionais secaram em toda a região, e as remessas de dinheiro de bolivianos trabalhadores migrantes na Argentina reduziram-se a um gotejamento. Nesta situação, o Banco Mundial, uma das mais potentes instituições creditícias mundiais, facilitara recursos para projetos de infraestrutura em países pobres, condicionados a uma lista de exigências. Um destes investimentos, em Cochabamba, era parte de uma estratégia de solução para o acesso à água, um projeto chamado privatização, que pretendia negociar com tais economias a cessão por tempo determinado (e renovável) de suas empresas públicas a corporações privadas, sob o argumento do aumento da eficiência e a impreterível austeridade (SHULTZ, 2008:22). Foi neste contexto que, em setembro de 1999, o governo Banzer, de acordo com as ponderações do Banco Mundial, foi aconselhado a agir através da privatização do Departamento de Abastecimento de Água de Cochabamba. O projeto consistia em um arrendamento, por 40 anos, à única licitante, um consórcio transnacional chamado Aguas del Tunari, subscrito por Bechtel e Edison (Itália), duas das empresas protagonistas do processo de privatizações na América Latina de então. Em janeiro de 2000, subida maciça das taxas foi anunciada, passando em muitas vezes o dobro dos custos de água, que agora era responsável por um quarto do orçamento familiar de pessoas que ganhavam o salário mínimo de US$ 60.
As mobilizações populares que então irromperam, culminando na Guerra da Água de Abril de 2000, foram conduzidas pela Coligação para a Defesa da Água e da Vida, conhecida como a Coordinadora. As mobilizações reuniram operários, agricultores, produtores de coca e ativistas ecológicos que se opunham à privatização. Liderada por Oscar Olivera, a Coordinadora respondeu às subidas das taxas de janeiro de 2000, conclamando uma greve geral, paralisando a cidade de Cochabamba e cortando o contato com o resto do país. Diante de protesto em massa, o governo Banzer concordou em rever as taxas; quando deixou de produzir novas propostas, a Coordinadora convocou outra greve para fevereiro. Desta vez, o governo enviou 1.200 soldados e policiais para tomar o controle da cidade. Mais de 175 pessoas ficaram feridas, mas a greve foi de fato realizada, e o governo anunciou uma redução temporária das taxas. Como seria o caso em outubro de 2003, no qual as demandas populares se radicalizaram em resposta àrepressão do Estado, passando de uma proposta de reduçãonas taxas de rejeição do controle multinacional para um inequívoco projeto de controle popular sobre a água e os recursos naturais. Assim, quando a Coordinadora convocou a população para uma "batalha final" para o início de abril, o governo respondeu preventivamente, prendendo seus líderes e impondo alei marcial. No momento em que um atirador de elite do governo disparou contra uma multidão, matando um garoto de 17 anos de idade com um tiro na cabeça, a cidade entrou em protestos generalizados, erguendo barricadas populares.
A esta altura, a Coordinadora tinha conseguido reunir uma gama impressionante de grupos: pequenos distribuidores de água, camponeses das terras altas, plantadores de coca, sindicatos, operários, estudantes, intelectuais progressistas, organizações cívicas, associações de bairro, muitas vezes liderada por deslocados mineiros, bem como camponeses aimarás, crianças de rua e algumas das classes médias. Em 4 de abril, os grevistas romperam o cordão militar ao redor da praça central da cidade, e entre 50.000 e 100.000 pessoas participaram de uma assembléia ao ar livre. Como resultado direto da pressão popular, a Aguas del Tunari foi expulsa da Bolívia em 8 de abril. A venda, distribuição e consumo de água foi entregue a um empreendimento coletivo autogestionário. Mesmo após a vitória, a Coordinadora foi incapaz de manter as mobilizações em números tão significativos. Mas Cochabamba, em 2000, era oprelúdio de eventos posteriores em dois aspectos fundamentais.
Em primeiro lugar, as chamadas anteriores para uma Assembléia Constituinte ganharam força política defintiva, a partir da noção de que o controle popular sobre as decisões públicas deveria ser o pilar desta nova governança boliviana. Em segundo lugar, por faltarem à Coordinadora estruturas hierárquicas de liderança e por ser relativamente isenta das práticas históricas de clientelismo e caudilhismo, o movimento acabou se transfroamandonum ensaio geral emnível municipal do drama nacional de outubro de 2003, bem como um modelo político de inspiração para os ativistas metropolitanos antiglobalização. Não menos importante, o mês de abril de 2000 também viu cocaleros e colonizadores camponeses se mobilizando contra a ameaça de erradicação de coca nas Yungas e nos planaltos do norte, disseminando a mensagem de Cochabamba. A CSUTCB se engajou no processo e estabeleceu uma série de bloqueios de estradas. Um papel principal foi desempenhado pelas comunidades aimarás de Omasuyos, a noroeste de La Paz, e, em particular, por Felipe Quispe, secretário executivo da CSUTCB. As comunidades quíchua-aimarás em Sucre, Oruro e Potosí seguiram o exemplo, assim como os produtores de coca do Chapare. O assassinato de dois aimarás em Achacachi, em 9 de abril, provocou revolta popular, levando o governo a enviar 1.000 soldados e aviões para a área. Os insurgentes se recusaram a pagar por água ou terra, ou para reduzir a produção ou o consumo de coca. Entre setembro e outubro de 2000, os bloqueios de estradas organizados pela CSUTCB e suas chamadas para uma marcha sobre a capital levantou o espectro revolucionário. A escassez de alimentos começou a afetar La Paz.
As mobilizações em Cochabamba, os Yungas (vales e planícies altas), embora regional e setorialmentelimitados, conseguiram extrair concessões sobre a erradicação de Banzer, uma das figuras políticas mais autoritárias na Bolívia contemporânea. Banzer, a princípio, mostrou-se incapaz de conter os movimentos sociais insurgentes em ambos os planaltos e planícies, apesar de ter sido ‘salvo’ pelo fracasso da aliança estratégica e tática entre Quispe, Morales e os remanescentes da Coordinadora. Olivera foi incapaz fornecer infantaria para os bloqueios de setembro a outubro de 2000; a rivalidade entre Quispe e Morales afligiria os movimentos sociais até outubro de 2003 – uma concorrência histórica entre aimarás e quéchuas. Mas, como tem sido frequentemente notado nos estudos de caso durante os anos 2000 na Bolívia, as mobilizações populares ultrapassaram a sua liderança e impuseram a vanguarda. Um nacionalismo aimará, radicalizado por sua pauperização, ganhou coerência e se tornou acima de tudo antiglobalizante, embora se tenha mantido geográfica e setorialmente isolado. Em junho de 2001, o bloqueio da CSUTCB em La Paz levou à formação do Quartel General de Qalachaqa, matriz de lutas revolucionárias posteriores.
Assim, é possível dizerque a primeira crise resultante do revés das políticas de ajuste liberal na Bolívia foi a Guerra da Água, em 2000, 15 anos após as primeiras medidas de 1985. As consequências objetivas do conflito foram a repressão policial generalizada, com uma batalha entre a sociedade civil organizada e o governo nacional, com feridos, detidos, estado de sítio e a tomada de Cochabamba por mais de 50.000 manifestantes em abril de 2000. Com a vitória da sociedade civil organizada nos vales bolivianos, sem golpes àmão armada ou acordos com os partidos políticos, orientavam-se para as questões políticas do cotidiano, com vistas aos recursos naturais e àmudança da percepção sobre as necessidades da melhor opção para a vida da nação. Era possível ali um mundo diferente para o século XXI: forjava-se a coragem para um novo projeto de país que desabocharia em breve.
Como resultado efetivo para a política nacional, o perfil político de engajamento crescente das comunidades indígenas e camponesas foi claramente revelado nas eleições de 2002. Na disputa presidencial, Morales, com 20,9%, foi derrotado por Sánchez de Lozada, por estreita vantagem, com 22,5%. Nenhum partido de esquerda na Bolívia já tinha assegurado mais de 5% dos votos nacionais por conta própria. Este sucesso alimentou as esperanças de uma transição gradual "de cima", como forma de sair da crise em longo prazo. Os resultados das eleições foram um sinal claro de que os movimentos sociais, de várzea e produtores de coca, as federações sindicais do leste e nordeste, as comunidades quíchua-aimará de todo o país e o movimento antiprivatização em Cochabambaagora comporiam os arranjos e o (des)equilíbrio das forças políticas.
Sánchez de Lozada voltou, assim, ao poder com pouco apoio público e um claro projeto liberalizante, de uma coalizão de governo fraco com o MIR (Movimiento da Isquierda Revolucionaria). Mas, depois de mais de uma década, o programa neoliberal foi cada vez mais visto como mera pilhagem pela população. A renda per capita não tinha subido desde 1986, e na Bolívia teve o segundo maior percentual de distribuição desigual de renda no continente (somente o Brasil foi pior). O top 20% da população urbana possuía 30 vezes mais do que os 20% de baixo; 60% viviam na pobreza; nas áreas rurais, o número chegou a 90%. A taxa oficial de desemprego triplicou, para 13,9 %, enquanto a proporção de pessoas que trabalham no "setor informal" subiu entre 58% e 68% em 15 anos. A mortalidade infantil foi de 60 em cada 1.000 nascimentos, e a expectativa de vida foi de 63 anos - em comparação com as médias em todo o continente, de 28 por 1.000 e 70 anos, respectivamente. A infraestrutura permaneceu precária em grande parte do país: mais de 70% das estradas eram de terra batida; nas áreas rurais, apenas um quarto dos domicílios tinha eletricidade. A miséria talvez tenha sido mais concentrada em El Alto, cuja população mais que duplicara entre 1988 e 2002, como resultado do crítico êxodo rural pós-privatizações dos anos 1980. As chegadas eram compostas quase sempre demigrantes das províncias, que se juntavam a uma economia que girava quase inteiramente em torno do informal, do artesanal, do comercial e de atividades de serviços, com alguma produção em pequena escala. Contudo, o emprego assalariado formal eralimitado, gerando condições para a formação de uma massa desprovida de força social, tal qual o conceito de ‘precariado’, com “uma fundamental insegurança no que toca a direitos” (STANDING, 2014, p.13). No entanto, na contramão das manifestações, o novo governo Sánchez de Lozada (2002-2003) dedicou-se a manter o rumo neoliberal durante sua curta duração, até mesmo aprofundando as características de sua primeira passagem pelo poder (1993-1997). Assim, como resultado, incendiárias mobilizações populares foram deflagradas no início de 2003, em resposta a duas medidas decretadas na esteira da cooperação entre Washington e La Paz. A outra ponta de uma corrente de colapsos políticos dos governos conservadores e da política econômica pro-privatização, vinda desde os anos 1980, ocorreria neste momento, com consequências decisivaspara a configuração de frentes políticas e do futuro do Estado.
A Guerra do Gás foraum conflito entre os movimentos sociais e partidos políticos nacionalistas de oposição contra as forças policiais e militares do Estado, ocorrido no ano de 2003. Este conflito foi provocadopor um conjunto de fatores que geraram repulsa popular contra o governo de Sanchez de Lozada (impopularidade política, inépcia administrativa sobre a política tributária sobre os salários e repressão militarizada contra movimentos sociais e a própria polícia, entre outros) e foi catalisado pela proposta de exportação do gás do país para os EUA através do Chile, país cuja vitória sobre o Peru e a Bolívia na Guerra do Salitre (ou Guerra do Pacífico, 1879-1883) derivou na perda do litoral boliviano do Pacífico, gerando, assim, um sentimento nacionalista e rivalista na Bolívia. O saldo físico do conflito: 315 feridos e 65 mortos.
Os agora notáveis ‘movimentos sociais’, um novo ator político para o país e para a América do Sul, romperam a relação linear do processo derivado da dinâmica participativo-representativa, colocada em xeque ao longo dos anos 1990 e finalmentedeposta na Guerra do Gás, em 2003. O experimento político boliviano era, neste momento, contribuição de vanguarda na dimensão do desenvolvimento das lutas indígenas na América Latina e, por que não dizer, no novo momento político global que se anunciava. Apoiados na sua fundação política pelas condições agrárias de luta pela terra e pelasrelações de subalternidade socioculturais – resquícios pós-coloniais -, estes movimentos agregaram um projeto abstrato de autodeterminação e vontade estatal, superando a crítica da luta apenas pela subsistência e pela condição de classe (URQUIDI, 2009:10). Como observam Kay e Urioste sobre a predominância da questão étnica sobre as condições objetivas, a terra ocupava papel central como fator para compreender as migrações, a exploração e a acumulação na Bolívia (KAY; URIOSTE, 2014, p.46).
A superação desta condição crítica residia precisamente no projeto de conquista democrática do Estado e sua subsequente reconstrução, sob uma nova vanguarda/elite indígena, coordenando-se com outros setores da esquerda local e internacional para a subsunção dos modos e instâncias produtivos do território soberano. A via possível – leia-se sustentável - para tal mudança, na hegemonia dos valores liberais per se no pós-Guerra Fria, seria inevitavelmente adas eleições democráticas. Nesse sentido, a ideia de demos,como massa participante e força política, da forma com a qual se relacionava ao sistema democrático então vigente,se redimensionava para uma compreensão mais abrangente e protagonista no indivíduo cidadão e na sua ação representativa, voltada para a dimensão efetivamente participante e coletiva, não necessariamente submissaaos sistemas de participação e representação organizada em torno do voto e da pressão política institucionalizada pelos modelos vigentes. Enfatiza-se, nesse momento, a ação da massa participante, que, reconhecida na espacialidade coletiva, estava condicionando de forma sistemática a reconstituição da mecânica das relações entre o governo e o poder político, propondo a refundação nacional no seu sentido mais objetivo e amplo. Na Guerra do Gás, ficou claro que se mantinha, desde a Guerra da Água, a crítica ao ordenamento que arrolava somente a possibilidade democrática - e as suas tensões adjacentes - ao conjunto então estabelecido de instituições formais, ou, ainda, de frentes partidárias institucionalizadas, cuja intransferível efetividade seria primordial para a representação popular. A saber, seriam recomendados funcionários eleitos, eleições livres, justas e frequentes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificadas, autonomia para as associações, cidadania inclusiva, como uma democracia de‘bons modos’ e, assim, aparentemente satisfatória. Nas palavras do jurista Juan Carlos Urenda Diaz, importante advogado das autonomias departamentais:
Ese déficit de Estado de Derecho y ese déficit de conciencia ética y moral más o menos generalizado del pueblo boliviano con relación al cumplimiento de la norma y los contratos, constituyen una de las más importantes causas de nuestro subdesarrollo (...) ‘el subdesarrollo está fundamentalmente en la mente” (URENDA DIAZ, 2006, p. 120)[6].
Este sistema, estabelecido constitucionalmente na Bolívia desde a reabertura democrática dos anos 1980, foi pressionado a superar anoção de que a institucionalidade das vontades políticas se manteria concentrada apenas nas espacialidades formalmente sugeridas ou na via de uma representação baseada na confiança de que os eleitos seriam zelosos quanto ao bem comum - como se o respeito ao mandato fosse apenas uma formalidade. O conteúdo e a prerrogativa liberal dos regimes democráticos estaria, na Bolívia, perdendo a sua positividade para reordenar um regime liberal sob a lógica negativa com relação às liberdades. As várias convalescenças políticas dos últimos 20 anos no continente sul-americano sugerem, de modo inclusivo, que as tensões e os rearranjos nas instituiçõespolíticas estarão cada vez menos sujeitos a quaisquer movimentos coreográficos protocolados, típicos de uma ordem negativa. Nessa direção, é possível dizer que essa massa participante da Guerra do Gás estava amadurecida e redimensionada de modo determinante para esta transição política, confirmando a perda de confiança e consequente reorganização dos instrumentos político-partidários e organizativos. A questão da nacionalização dos recursos naturais do país evidenciou-se de forma inédita neste conflito, constituindoo elemento central da mobilização popular contra o presidente deposto e servindo como rastilho de pólvora para a explosão política. Para os insurgentes, a solução não era exportação, mas industrialização e redistribuição dos recursos, um problema histórico.
Isso se tornouvisível em 2003, quando Sanchez de Lozada determinou a exportação do gás natural boliviano para os Estados Unidos (EUA) através de um porto no Chile. O projeto de exportação do gás boliviano se inseria, de forma harmoniosa, no conjunto das políticas econômicas neoliberais dos governos democraticamente eleitos depois de 1985, mas acentuava uma discrepância fundamental: a Bolívia tinha (e tem) enormes reservas de gás natural - que viabilizavam até mesmo a sua exportação -, enquanto a maior parte da população seguia utilizando lenha para cozinhar e passava frio sem calefação. Somou-se a isso o fato de a ideia de exportar gás por um porto chileno ter reacendido a latente rivalidade entre os países, decorrente da perda boliviana,na Guerra do Pacífico no final do século XIX,da saída para o mar para o Chile. Esse projeto de exportação trouxe à tona a “Síndrome de Potosí”, elemento chave do que ficou conhecido como a Guerra do Gás. Assim, em outubro - o “Octubre Negro”-, a já caduca estrutura política, econômica e social sobre a qual se assentavam as bases do regime boliviano sofreu um golpe final, que evidenciou a crise do Estado boliviano (GARCIA LINERA, 2008, p. 331-412).Em janeiro, depois de Otto Reich, enviado diplomático dos EUA, ameaçar cortar a ajuda bilateral se a erradicação da coca não fosse retomada, 30.000 cocaleiros de Chuquisaca marcharam em Sucre, e bloqueios foram feitosem Potosí, no Chapare e nos Yungas. Em fevereiro, a implementação de um aumento de impostos ditada pelo FMI trouxe multidões para as ruas de La Paz.
É possível que entendamos, assim, o conflito que se manifestou na Bolívia como parte de uma crise global de recursos naturais, incidindo dramaticamente sobre um país paupérrimo e já historicamente devassado por políticas ultraliberais de exportação primária. Seja sobre a água, a terra, ou alimentos, as guerras por recursos têm crescido nos últimos anos. As demandas de diversos grupos sociais ali reunidos, e unificados em torno da causa da nacionalização do gás, provocaramuma mobilização popular para a mudança. Na Guerra do Gás, os manifestantes exigiram a estatização do gás e da indústria do petróleo, trazendo de volta para dentro das fronteiras bolivianas toda esta cadeia produtiva, com a clara finalidade de beneficiar a população. Isto significaria não só um melhor acesso ao gás, mas mais receita para programas sociais. Os movimentos pela estatização do gás da Bolívia, bem como as jornadas de Cochabamba pela Água, expressaram a necessidade de recuperar o acesso aos recursos e serviços básicos de forma digna e autônoma. O acordo de compromisso sobre a "Guerra do Gás" não era uma expropriação da indústria, mas maior o poder ao Estado – e a população - sobre o negócio de gás e petróleo (DANGL, 2007, p. 129).
Deoutro ponto de vista de interesse temático mais relevante para este trabalho, a crise política do Estado se relacionava, no seu aspecto imediato, ao fracasso do neoliberalismo como força motriz da modernização e dinamização da economia e também da política do país. O neoliberalismo na Bolívia gerou ilhas de prosperidade e produtividade que abarcavam, geralmente, os setores econômicos com maiores vantagens comparativas.Essas ilhas estavam inseridas num quadro geral paupérrimo, caracterizado pelo mercado informal e por tecnologias artesanais. O papel de tal deslocamento nos anos 1980, e subsequente mutação, foi a insolvência da economia mineira, promovendo um fluxo de trabalhadores desempregados que retornavam para o campo – em especial para as plantações do cultivo tradicional de coca – ou buscavam melhores oportunidades nas cidades em prosperidade em torno das capitais departamentais, mesmo que em situações absolutamente precárias, mesmo para o padrão boliviano, formando cidadelas favelizadas como El Alto (em La Paz) ou o Plan 3000 (em Santa Cruz). Tais contextos sociais – o campo tradicional e os subúrbios favelizados – seriam férteis para as mobilizações políticas que sacudiriam o país a partir da segunda metade dos anos 1990, e explodiriam (literalmente) nos anos ‘2000.
Em outubro de 2003, a Guerra do Gás alcançava o seu ápice: uma multidão cercava o Palacio Quemado, sede do governo da República da Bolívia, em La Paz, e pedia a saída do presidente Sanchez de Lozada. Em poucos dias, as marchas nacionais – caminhadas multitudinárias organizadas pelos movimentos sociais – cresciam e se uniam, pouco a pouco, ora em paz, ora em enfrentamento. Com as primeiras mortes, resultado dos confrontos entre os movimentos sociais e o Exército, se reuniam milhares de mineiros ligados àCOB, quéchuas, aimarás, guaranis, ayoreos, camponeses ligados ao MAS-IPSP e gente comum que vivia nos arredores de El Alto. A primeira das revoluções democráticas de rua do Século XXI se deflagava com a queda de Sanchez de Lozada, que renunciaria em 17 de outubro.
A partir deste momento, um importante precedente se estabelecia: o da possibilidade de novas agendas, com novas ferramentas e novas éticas, consagrarem um processo de mudança política na América do Sul. A representação tal como aconhecíamos - não apenas de um ponto de vista ético, mas também estrutural - fazia-nos assistir ao seu nada suave crepúsculo. Do ponto mais alto da política sul-americana para as suas planícies, florestas e selvas, irradiaria-se mais um precedente perigoso para a confiança na quietude dos povos, o primeiro de um novo século.