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“Os Animais que Confessam”: Contribuição para uma História de Longa Duração da Entrevista de História Oral[1]
Alexander Freund; Evandro Lisboa Freire
Alexander Freund; Evandro Lisboa Freire
“Os Animais que Confessam”: Contribuição para uma História de Longa Duração da Entrevista de História Oral[1]
Revista Tempo e Argumento, vol. 6, núm. 13, pp. 203-239, 2014
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Resumo: Os historiadores orais se concentram há muito tempo na entrevista como principal método de pesquisa e defendem antecedentes que remontam à antiguidade, porém, eles não têm estudado a história de longa duração da entrevista. Este artigo é uma exploração preliminar do modo como os historiadores orais podem começar a escrever uma história da entrevista que enfatize as semelhanças estruturais entre práticas tão distintas como as confissões religiosas e jurídicas, as anamneses médicas e a psicanálise, a Inquisição e os interrogatórios policiais, a entrevista jornalística e a história oral. Examina-se a história da confissão na igreja, a difusão da psicanálise no século XIX, o surgimento de uma “sociedade da entrevista” após a Segunda Guerra Mundial e o fenômeno, do final do século XX, de uma cultura de massa da confissão. Com base em Michel Foucault, este artigo revela que as entrevistas face a face, com questões acerca da vida dos indivíduos, são uma tecnologia do self que constitui o “sujeito moderno”. As entrevistas pessoais, mais do que revelar algo sobre um “verdadeiro” eu interior ou uma experiência autêntica, ensinam tanto aos entrevistadores como aos entrevistados o modo “correto” de ser. Essa interpretação da entrevista põe em xeque a hipótese de que a entrevista de história oral é uma ferramenta de pesquisa neutra que pode ser empregada para revelar algo sobre o passado, empoderar indivíduos e compartilhar autoridade.

Palavras-chave: Confissão Confissão, Ética Ética, Entrevista Entrevista, Cultura de massa Cultura de massa, Michel Foucault Michel Foucault, Teoria da história oral Teoria da história oral.

Abstract: Oral historians have long focused on the interview as a central research method and claimed antecedents stretching back to antiquity, but they have not studied the longue durée history of the interview. This article is a preliminary exploration of how oral historians might begin to write a history of the interview that emphasizes structural similarities among such diverse practices as religious and legal confessions, medical anamneses and psychoanalysis, the Inquisition and police interrogations, journalistic interviewing and oral history. It surveys the history of church confession, the spread of psychoanalysisin the nineteenth century, the emergence of an “interview society” afterWorld War II, and the late twentieth-century phenomenon of a mass cultureof confession. Following Michel Foucault, this article argues that one-on-oneinterviews that ask about people’s lives are a technology of the self that constitutethe “modern subject.” Personal interviews, rather than finding out abouta “true” inner self or authentic experience, teach both interviewers and interviewees the “right” way to be. This interpretation of the interview calls intoquestion the assumption that the oral history interview is a neutral researchtool that can be employed for finding out about the past, empowering people,and sharing authority.

Keywords: Confession, Ethics, The Interview, Mass Culture, Michel Foucault, Oral History Theory.

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Traduções

“Os Animais que Confessam”: Contribuição para uma História de Longa Duração da Entrevista de História Oral[1]

Alexander Freund
Universidade de Winnipeg, Manitoba, Canadá., Canadá
Evandro Lisboa Freire
PUC-SP, Brasil
Revista Tempo e Argumento, vol. 6, núm. 13, pp. 203-239, 2014
Universidade do Estado de Santa Catarina

“O homem ocidental tornou-se um animal que confessa.”[2]

Como historiadores orais, somos fascinados e obcecados pela entrevista como nossa principal ferramenta de pesquisa há muito tempo. Nos últimos 60 anos, desenvolvemos diretrizes sobre os melhores formatos de entrevista, escrevemos artigos sobre táticas de entrevista eficazes e realizamos oficinas dedicadas ao treinamento do entrevistar. Ficamos inquietos em relação ao nosso equipamento, preocupados em fazer com que as pessoas falem (e falem acerca das coisas “corretas”) e teorizamos acerca de quanto controle devemos compartilhar ou conceder durante a entrevista. Além de documentar vidas - o objetivo inicial da história oral - temos, ao longo das últimas décadas, acrescentado diversos outros propósitos que almejamos alcançar com nossas entrevistas. Ao proporcionar um fórum para as “vozes” de nossos narradores, esperamos “empoderar” nossos entrevistados e “democratizar” a história. Em nosso trabalho com sobreviventes de algo traumático, esperamos que o testemunho proporcione alívio aos nossos entrevistados (apesar de temermos “traumatizá-los novamente”). Como uma troca dinâmica entre entrevistador e entrevistado, a entrevista, acreditamos, tem o poder de mudar tanto o historiador como o narrador, dirigir-se a seres humanos mais completos e criar empatia.[3] Após décadas refinando metodologicamente a entrevista, tornando-a mais colaborativa e levando-a à “virada cultural”, para passar de um método positivista de extração de informações a um gênero textual de conhecimento narrativo construído em conjunto e a uma poderosa ferramenta de advocacy e empoderamento, hoje, a entrevista ocupa posição central nas discussões metodológicas, éticas e interpretativas da história oral.[4]

No entanto, ao escrever essa história progressiva da entrevista de história oral, falhamos em situá-la em um contexto histórico mais amplo de práticas de entrevista. Às vezes, os historiadores orais fizeram reivindicações radicais, como a de que “a história oral é tão antiga quanto a própria história. Ela foi o primeiro tipo de história”, mas eles o fizeram às custas do colapso da tradição oral, da memória pessoal e da história oral.[5] As evidências apresentadas são escassas. Fazer referência a historiadores anteriores que coletaram relatos de testemunhas oculares - dos “escribas da dinastia Zhou na China” e de Tucídides à coleta de histórias de vida na Polônia dos anos 1920 e nos Estados Unidos dos anos 1930 - destina-se a proporcionar credibilidade à nossa prática, mas isso não tem sido algo explorado em detalhe.[6] O relato de Paul Thompson é, talvez, o mais extenso a examinar a tradição oral em diversas culturas e o uso de evidências orais por escribas da Antiguidade e da Idade Média, bem como por historiadores europeus (principalmente britânicos) dos séculos XVIII e XIX. Thompson revela que os historiadores sempre confiaram em evidências orais e que essa prática da utilização de fontes orais caiu em descrédito somente após o surgimento da história baseada em arquivos de Ranke, no século XIX.[7] A maioria dos outros guias da história oral, quando levam em consideração a história da história oral de alguma forma, oferecem apenas panoramas superficiais que levam ao “nascimento” da história oral (pelo menos como a conhecemos) na Universidade de Columbia, em 1948.[8] No geral, entretanto, os autores concentram-se na oralidade das fontes em vez dos métodos pelos quais essas distintas formas de relatos orais foram obtidas, construídas ou registradas. Assim, há pequena quantidade de pesquisa histórica sólida que documente os vínculos entre a história oral e as práticas anteriores. Devido a essa resumida história da história oral, criamos um mito acerca de seu principal método, ou seja, de que a entrevista de história oral é um método de pesquisa neutro cujas raízes remontam apenas ao trabalho de Allan Nevins na Universidade de Columbia no final dos anos 1940.

Contudo, essa visão pode ser míope. A entrevista de história oral, como ferramenta de pesquisa, não nasceu do vácuo. E não foi meramente trabalhada por jornalistas americanos que se tornaram historiadores, como Nevins ou seu colega Louis Starr. Em vez disso, como quero propor aqui, ela surgiu em sua forma atual no Ocidente, no pós-Segunda Guerra Mundial, mas se baseou em uma história muito mais longa da entrevista realizada por padres, juízes, médicos e reformadores sociais. A entrevista de história oral pode ser proveitosamente situada em uma longa linha do entrevistar que remonta, no mínimo, à invasiva instituição da Igreja Católica medieval denominada confissão (uma forma de autoinquérito), mas que também encontra raízes nos primórdios dos interrogatórios policiais e judiciais modernos, nos censos do governo do Estado, nas anamneses médicas do século XIX, na psicanálise e no jornalismo dos reformadores sociais; ela foi modificada após a Segunda Guerra Mundial, no contexto da moderna “sociedade da entrevista”, que assistiu ao surgimento de enquetes e pesquisas das ciências sociais quantitativas e de grupos focais e entrevistas em profundidade das ciências humanas e das ciências sociais qualitativas; e, atualmente, ela está situada em um contexto social de cultura de massa da confissão, cujo escopo vai do The Oprah Winfrey Show ao Facebook. Neste artigo, exploro o modo como se pode escrever essa história de longa duração da entrevista de história oral. Especificamente, questiono como a prática da história oral pode encaixar-se em um contexto cultural e social mais amplo e na história do perguntar aos indivíduos acerca deles mesmos e de suas vidas, existente há séculos.

Historicizar a entrevista possibilita que rejeitemos uma visão a-histórica da entrevista como uma ferramenta atemporal, neutra, para obter ou solicitar informações; em vez disso, podemos explorar os vínculos estruturais inerentes, mas, com frequência, ocultos entre as diversas formas de entrevistar ao longo do tempo. Este é um relato preliminar de uma pesquisa maior, ainda não se trata de uma história das práticas específicas, concretas, de entrevista religiosa, jurídica, médica etc.; essa pesquisa permanece a ser realizada. Em vez disso, esta é uma exploração teórica e uma argumentação especulativa que se concentra na obra de teóricos, filósofos e críticos culturais pós-estruturalistas, sendo Michel Foucault o principal entre eles. Como tal, trata-se de uma exploração do modo como a história da entrevista pode vir a ser escrita e como isso pode afetar o modo como pensamos a entrevista de história oral.

Com base no breve tratado de Foucault sobre as práticas confessionais em sua História da sexualidade, sugiro que as raízes da entrevista de história oral podem remontar, pelo menos, à instituição da confissão.[9] Enquanto a confissão e a penitência tenham sido ritos públicos na antiga Igreja cristã, a partir do século VI, a confissão particular, secreta, a um padre tornou-se mais comum.[10] Essa forma de confissão tornou-se, então, obrigatória de acordo com o Concílio de Latrão de 1215. No capítulo intitulado “Scientia sexualis”, no primeiro volume da História da sexualidade, Foucault revela que a prática confessional religiosa - e suas manifestações posteriores no direito e na medicina - era uma nova tecnologia do self que criou o sujeito moderno.[11] Ao longo de vários séculos, a confissão tornou-se uma prática do self que criou - em vez de descobrir - a verdade sobre o self.[12] Foucault foi um filósofo, não um historiador, e, decerto, ele não era especialista na história da confissão. E eu também não sou. Entretanto, lanço mão dos insights de Foucault para pensar mais cuidadosamente acerca das atuais práticas de história oral. Suas ideias servem simplesmente como ponto de partida para refletir sobre a utilidade de historicizar a entrevista. Com base em Foucault, sugiro que historicizar a entrevista pode ajudar-nos a desnudar algumas das características confessionais e coercitivas da entrevista; ademais, isso nos coloca diante da questão sobre o modo como a entrevista enquanto uma instituição e uma prática constitui um self - o eu do entrevistado e do entrevistador.

Levar a entrevista de história oral tão longe na retrospectiva história e vinculá-la à confissão e mesmo a instituições tão opressivas como a Inquisição (uma forma extrema de entrevista para arrancar uma confissão) pode parecer algo rebuscado ou fora de propósito para os historiadores orais, que se veem como pesquisadores objetivos (ou pelo menos neutros), alguns até como defensores políticos.[13] De fato, os historiadores orais têm-se mostrado um tanto relutantes em investigar a história de seu mais importante (ou pelo menos mais falado) instrumento, em explorar as ligações entre suas práticas de entrevista e aquelas empregadas por indivíduos e instituições com técnicas mais invasivas ou motivações mais sinistras ou em questionar o entrelaçamento da história oral com a cultura confessional.[14] Talvez isso não seja surpreendente. Os historiadores orais veem sua prática como uma forma de entrevistar que busca emancipar e libertar seus sujeitos, e não como algo que os oprima e torture. Sem dúvida, não somos a Inquisição; não somos interrogadores policiais; não somos sequer psicanalistas. No entanto, nesta exploração preliminar, estou enfatizando as semelhanças em vez das diferenças entre as diversas formas de entrevistar, uma vez que utilizamos a mesma ferramenta: a entrevista - e essa ferramenta tem uma história.[15]

A entrevista, como revelo, pode ser vista proveitosamente como um espaço onde a confissão é enunciada e uma ferramenta com a qual confissões são arrancadas. Da Inquisição do século XIII ao afogamento simulado do século XXI, a entrevista tem inspirado medo entre os indivíduos e atraído autoridades como uma poderosa ferramenta de disciplinamento. Grande parte do entrevistar é acompanhada por formas menos rigorosas de coerção, porém, a manipulação psicológica - deliberada ou não - frequentemente faz parte da entrevista e, como veremos adiante, alguns pesquisadores afirmam que a confissão jamais pode ser totalmente voluntária (mesmo que pareça ser assim aos confessandos e confessores). Vivemos em um mundo no qual somos constantemente questionados e, segundo Foucault, fomos treinados para nos questionar constantemente sobre tudo.[16] Na verdade, internalizamos a coerção medieval para confessar ao outro - com frequência, uma figura de autoridade - de tal forma que, hoje, muitas vezes, a confissão é vivenciada como um prazer que desejamos.[17] Se, de fato, podemos indicar que as raízes da entrevista de história oral remontam à prática medieval da confissão (ou outros antecedentes históricos), e se acompanhamos o argumento de Foucault de que essa prática constituiu o sujeito moderno, então, teríamos de reavaliar a entrevista de história oral como um método de desvendar a verdade. Isso consistiria em confrontar os historiadores orais com estruturas coercitivas de uma prática que eles presumiram ser uma ferramenta neutra que pode ser empregada a serviço da advocacy e do empoderamento.

A seguir, primeiro, delineio a história da confissão na Europa medieval e sua extensão às práticas médicas dos primórdios da era moderna e da era moderna. Na sequência, abordarei a natureza da confissão como uma construção dialógica da verdade sobre o self. Então, observarei o desenvolvimento da “sociedade da entrevista” depois de 1945 e o surgimento mais recente de uma cultura de massa da confissão. Em uma seção conclusiva, destaco algumas características confessionais da entrevista de história oral e sugiro alguns dos desafios metodológicos, éticos e interpretativos que minha argumentação traz a lume. Como este projeto se encontra em seu estágio inicial, a intenção é estimular a discussão, em vez de proporcionar respostas definitivas.

“Adentrar as Consciências”: Uma História da Confissão desde 1215

Confessar, segundo a filósofa canadense Chloë Taylor, tem sido frequentemente descrito como “uma necessidade humana trans-histórica ou uma compulsão psicológica”.[18] Contudo, o ato de confessar não é um impulso inato de dizer a verdade sobre nosso próprio eu interior. A confissão tem uma história.[19] Embora o “sacramento da penitência” tenha sido controversamente discutido na antiga Igreja cristã e a prática de confissões particulares, secretas, a sacerdotes tenha sido disseminada do País de Gales e da Irlanda para o continente após o século VI, Foucault delineia o desenvolvimento da confissão como uma nova prática no Ocidente no início do século XIII.[20] No IV Concílio de Latrão, em 1215, a Igreja Católica Romana ordenou a seus fiéis, sob ameaça de excomunhão, que se confessassem ao menos uma vez por ano.[21] Ela também instituiu a Inquisição - que é, em si, uma forma de entrevista entre o confessor e o confessando. Além disso, o IV Concílio de Latrão decretou a confissão da fé católica, isto é, a Igreja instruiu seu rebanho acerca do modo de expressar sua crença.[22] Por fim, segundo Taylor, o IV Concílio de Latrão aboliu “provações” como colocar a mão no fogo para provar a culpa ou inocência de alguém. Como resultado, e com base no Direito Romano, tribunais leigos adotaram a confissão, após o depoimento de testemunha ocular, como o principal meio de prova em direito. “A confissão no direito e na religião”, escreve Taylor, “provêm da mesma época e não foram separadas desde então”.[23]

Essa virada para a confissão constituiu uma mudança notável na forma como os indivíduos passaram a pensar sobre si e os outros. Os laços de sangue, que garantem a identidade e o status de uma pessoa, foram substituídos por um foco no indivíduo, suas ações e seus pensamentos, e, na confissão, em seu reconhecimento dessas ações e pensamentos. Cada vez mais, um indivíduo tornou-se “autenticado pelo discurso da verdade que ele foi capaz ou obrigado a pronunciar a respeito de si próprio”.[24] Foucault denomina esse novo foco no indivíduo um processo de “individualização”, e a confissão era uma ferramenta central nesse processo.[25] A confissão, Foucault revela, não era simplesmente uma nova prática ou um novo ritual, mas, sim, uma nova técnica de discurso que mudou fundamentalmente o modo como as pessoas se entendiam e como viam suas relações com a sociedade e o cosmos. Nas relações de poder que das quais participavam em instituições como a confissão, os indivíduos se tornaram sujeitos de discursos acerca do modo correto de ser. Isso é o que Foucault denomina processo de “subjetivação”. O poder não era uma força superior (o sacerdote, o juiz), mas, sim, algo produzido em ações discursivas como a confissão, e subjetivava todos os envolvidos. Assim, o poder nem sempre foi vivenciado como algo negativo (como vigilância ou opressão), mas, também, como algo positivo (como cura ou libertação).[26] Segundo o crítico literário norte-americano Peter Brooks, a confissão de fé, a confissão de pecados e a Inquisição (todas decretadas pelo IV Concílio de Latrão) operavam juntas, “tanto para consolar como para policiar”.[27] Depois de revelar os pensamentos, as crenças e as ações que permaneciam em segredo, alguém pode, em seguida, ser punido, absolvido, reabilitado e reintegrado.[28]

No entanto, apesar dos regulamentos e dos manuais confessionais que surgiram depois de 1215, as populações camponesas da Europa opuseram-se à confissão (regular) durante vários séculos.[29] Apesar da pressão dos reformadores, ainda assim, Igreja se manteve firme quanto a isso e, no Concílio de Trento (1551), até ampliou o papel da confissão como uma prática que era “necessário à salvação espiritual de um indivíduo”.[30] No entanto, a resistência continuou. Como escreve o historiador Jacques Le Goff, “o hábito da confissão não foi adquirido facilmente, seja pelos leigos ou clérigos”.[31] Os confessandos demandavam bastante instrução acerca de quando, onde, o que e como confessar, enquanto os confessores tiveram de aprender a ouvir a confissão, interrogar o confessando e impor a penitência. Embora a Igreja tenha exigido confissões com maior frequência e em linguagem confessional “neutralizada”, especialmente em matéria de sexualidade, ela, no entanto, levou séculos para estabelecer a confissão como uma instituição dominante.[32] Como o historiador David W. Myers demonstrou em relação à Baviera dos séculos XVI e XVII, foram necessárias mudanças significativas na prática da confissão para convertê-la “de um evento sazonal empregado pela maioria dos cristãos para se preparar para a comunhão pascal em uma prática regular, até rotineira, na vida espiritual dos devotos e, afinal, todos os leigos”.[33] A introdução do confessionário, depois de 1600, que possibilitou o anonimato do confessando, pode ter ajudado.[34]

Lentamente, as pessoas passaram a aceitar a prática da confissão. Como Taylor escreve, “se os confessandos foram vitimizados ou aliviados pelas pessoas que ouviam suas confissões, a confissão obrigatória, que em suas formas extremas envolvia informar os penitentes acerca de inúmeras formas possíveis de pecar, implementou o desejo, a culpa e um hábito de introspecção ansiosa e sempre inconsequente entre determinados sujeitos na baixa idade medieval e no início da era moderna”.[35] Por exemplo, Martin Luther, de acordo com um de seus biógrafos, “confessou-se com frequência, muitas vezes diariamente, e por até seis horas em uma única ocasião. Todo o pecado, a fim de ser absolvido, precisava ser confessado. Portanto, a alma deve ser buscada, a memória revistar e os motivos examinados”.[36] Para alguns, tais práticas se tornaram uma espiral interminável: a confissão criava sentimentos de culpa que poderiam ser aliviados por meio da confissão, que, no entanto, nunca era suficiente, mas sempre temporária e, continuamente esquiva, de modo que outras confissões sempre eram necessárias. Essas “entrevistas” dinâmicas poderiam sair do controle e, por fim, a Igreja precisava instruir os sacerdotes sobre como lidar com confessandos exagerados.[37]

Em seu estudo sobre a Milão da Contrarreforma, o historiador Wietse de Boer demonstrou como a confissão decolou no início da era moderna. Motivados pela necessidade de “reestabelecer a lealdade e a ordem em uma sociedade despedaçada por conflitos religiosos”, os arcebispos da Milão do início da era moderna usaram a confissão de pecados como um meio de “transformar a ordem social, ao adentrar as consciências de seus sujeitos”. Ao longo de um século, a sociedade foi profundamente alterada, “inclusive com novos códigos de conduta e de fala, uma segregação drástica dos sexos e novas barreiras entre o sagrado e o leigo”.[38] Embora admitisse, como Taylor, maior ação por parte dos indivíduos para resistir à investigação da Igreja para desvendar os pecados, de Boer concorda com Foucault acerca do amplo e duradouro legado da confissão: “Inegável, porém, é a dominante influência que os métodos disciplinares passaram a exercer sobre a conduta, o discurso e, portanto, a própria consciência”.[39] Myers chegou a uma conclusão semelhante sobre a Alemanha da Contrarreforma, onde a maior frequência da confissão e a maior ênfase em pecados cotidianos resultaram em um autocontrole e uma autodisciplina muito maiores por parte dos indivíduos: “O exame de consciência possibilitou que os católicos leigos regulassem constantemente seu pensamento e comportamento, de modo que o menor desvio ou tentação seria instantaneamente compreendido, o menor pecado tornar-se-ia claro imediatamente”.[40]

A confissão permaneceu ligada à igreja e ao direito até o Iluminismo, quando, Foucault revela, a prática de interrogatório interno e externo do self foi expandida à literatura, às novas ciências, e às práticas administrativas do crescente Estado. Como a igreja e religião estavam perdendo terreno, a confissão disseminou-se na sociedade por meio da pedagogia do século XVIII e da medicina do século XIX.[41] Todas essas práticas, escreveu Foucault, constituíram discursos do self, e esses discursos enfocavam o comportamento sexual. Com o surgimento das ciências no período do Iluminismo, diversas práticas sexuais, até então confessadas em particular e mantidas em segredo, passaram a ser investigadas via interrogatórios e consultas, com a ajuda de narrativas autobiográficas e cartas; elas eram registradas, transcritas e descritas em detalhe nas fichas dos indivíduos, classificadas em tabelas e publicadas nas obras de reformadores educacionais e médicos. Educadores como os alemães Joachim Heinrich Campe e Christian Gotthilf Salzmann, inspirados por pensadores iluministas franceses, ingleses e alemães, estabeleceram novas escolas que se concentravam nas ciências modernas, na atividade física e em um vínculo com a natureza, porém, eles também escreveram extensivamente sobre as práticas sexuais entre os jovens e vincularam a masturbação ao transtorno mental. No século XIX, psiquiatras como Richard von Krafft-Ebing, cientistas forenses como Auguste Ambroise Tardieu e médicos como Havelock Ellis catalogaram e descreveram diversas práticas sexuais, inclusive qualquer tipo de prática sexual recreativa, abuso sexual de crianças e homossexualidade. Nessas entrevistas sobre sexo, não era importante apenas descrever o ato sexual, mas, também, reconstruir o que havia “no e em relação ao ato, o pensamento que o resumia, as obsessões que o acompanhavam, as imagens, os desejos, as modulações e a qualidade do prazer que o inspirou”.[42] Assim, por meio da entrevista científica, o comportamento sexual e outros tipos de comportamento foram registrados em detalhe, arquivados e interpretados. Muitos comportamentos foram classificados como “anormais” e relacionados por um nexo de causalidade a uma grande variedade de doenças individuais e males sociais.[43]

A nova autoridade que surgia na ciência representou um papel fundamental na garantia de que o povo iria submeter-se a essas formas de confissão que existiam fora da igreja. Essa transição da confissão das áreas religiosa e jurídica para a ciência moderna ocorreu, em parte, ao “combinar a confissão com o exame”. Utilizando “o interrogatório, o questionário rigoroso e a hipnose, com a recordação de memórias e a livre associação”, os médicos “especialistas” prometiam decifrar o histórico de seus pacientes, a fim de curar seu corpo e sua mente.[44] Um indivíduo confessava-se ao sacerdote para ser absolvido; outro indivíduo confessava-se ao médico para ser curado.[45] Por volta do século XIX, a confissão “já não tendia mais a se preocupar apenas com o que o sujeito desejava esconder, mas com o que estava escondido dele próprio, algo incapaz de vir a lume, exceto gradualmente e por meio de um trabalho de confissão no qual tanto o autor das perguntas como aquele que as responde tinha um papel a representar”.[46] Mais uma vez, houve relutância no início, e os médicos e psiquiatras precisavam estimular seus pacientes, especialmente quando se tratava de falar sobre sexo. A linguagem do sexo tornou-se codificada e o sexo passou a ser visto como uma possível causa de qualquer doença que se possa imaginar, por conta disso, falar sobre a sexualidade (sem denominá-la assim) desenvolveu-se.[47] A psicologia, a psiquiatria e, em especial, a psicanálise foram cruciais para a disseminação da fala confessional e da crença popular de que simplesmente falar sobre si e, principalmente, sobre sua sexualidade curaria alguém de todos os padecimentos mentais e corporais.[48]

Cada vez mais, a confissão não só se tornou internalizada, porém, foi vivenciada como um prazer. O prazer não se encontrava tanto em falar sobre sexo, mas em desvendar a verdade. Segundo Foucault, o século XIX assistiu a uma “multiplicação e intensificação dos prazeres ligados à produção da verdade sobre o sexo. Os livros estudados, lidos e escritos; as consultas e os exames; a angústia de responder perguntas e as delícias de ver suas palavras interpretadas; todas as histórias contadas para si próprio e para os outros, tanta curiosidade, tantas confidências oferecidas diante do escândalo, sustentadas - mas não sem um pouco de hesitação - pela obrigação de verdade”.[49] Como a confissão em nome da ciência se tornou prazerosa, surgiram meios cada vez mais convenientes e confortáveis de confessar. Para afirmá-lo de modo mais ousado, as se mudar da câmara de tortura para o divã, a confissão transformou-se de “um calvário para poucos” em “um hábito desejado por todos”.[50] Isso explica, em parte, a proliferação da confissão na sociedade ocidental moderna: “O modelo confessional é tão poderoso na cultura ocidental”, indica Brooks, “que mesmo aqueles cuja religião ou falta de religião não proporciona espaço para a prática da confissão da Igreja católica são, no entanto, profundamente influenciados por esse modelo”.[51]

“Aquele que ouvia era... o Mestre da Verdade”: A Natureza da Confissão

A fala confessional, seja no confessionário, no consultório médico ou no divã do terapeuta, não era - e esse é o principal ponto defendido por Foucault – um exercício de revelação de si próprio; em vez disso, tratava-se de uma forma de poder que constituiu o sujeito moderno. No ritual da confissão, “o sujeito que fala também é o sujeito da declaração”. Essa fala sobre o self muda o falante; ela “produz modificações inerentes ao indivíduo que a articula: ela o exonera, redime e purifica; ela o alivia de seus erros, o liberta e promete ser a sua salvação”.[52] Essa construção da verdade acerca do self não é, no entanto, um monólogo, “pois ninguém confessa sem a presença (ou a virtual presença) de um interlocutor”.[53] A relação entre o confessor e o confessando, o médico e o paciente, o interrogador e o suspeito, o perito e o delinquente, o pai e o filho ou o educador e o educando é o cerne do funcionamento da confissão. A confissão é um processo interativo, dialógico: “A verdade não reside unicamente no sujeito que, ao confessar, revelaria uma verdade completamente formada”. Em vez disso, a verdade acerca do self do confessando “só poderia chegar a termo em quem a assimilou e registrou”.[54] Isso se mostrou particularmente verdadeiro em relação à ciência do século XIX: a experiência vivida pelo paciente precisava ser interpretada e, assim, “validada cientificamente” pelo especialista.[55]

Há muitas coisas, aqui, com as quais os historiadores orais estão familiarizados: a entrevista como uma narrativa conversacional, como uma forma interativa de comunicação e como uma cocriação da identidade narrativa.[56] Ao longo das últimas quatro décadas, os historiadores orais têm explorado a complexa relação entrevistador/entrevistado e perguntado acerca da implicação do entrevistador na construção de um self narrado. Eles também sabem que a relação entrevistador/entrevistado não é igualitária; ela é uma questão de poder.

E assim é com a confissão, mas de um modo diferente. Geralmente, os historiadores orais têm considerado que o poder deve ser distribuído de forma desigual entre entrevistador e entrevistado, e não como uma força que constitui a identidade de ambas as partes. Situar a entrevista de história oral no contexto histórico mais amplo da confissão permite que consideremos o poder na entrevista de história oral de modo diferente. Podemos dizer que na história oral, como na confissão, o ouvinte não é um “interlocutor, mas a autoridade que requer a confissão, prescrevendo-a e apreciando-a, e que intervém a fim de julgar, punir, perdoar, consolar e conciliar”.[57] O confessando submete-se ao perito autorizado, que utiliza a religião ou a ciência para dizer ao sujeito quem ele realmente é. “Aquele que ouvia era... o mestre da verdade”, como Foucault tão incisivamente apontou.[58]

Essa relação, Taylor discute, não é tão unilateral como Foucault faz com que pareça ser. Enquanto Foucault revela que o “homem” moderno é um “animal que confessa”, Taylor aponta os dois lados desse animal: “Não queremos apenas confessar, também queremos ouvir confissões”.[59] Com esse intenso desejo de tanto confessar como ouvir confissões, nós “tornamo-nos uma sociedade que se confessa de modo singular”.[60] Desde suas origens nos primórdios dos ritos medievais de penitência, a confissão tornou-se profundamente enraizada em todos os cantos e recantos da sociedade ocidental, ela infiltrou-se em seus relacionamentos mais íntimos e ocupou os meios pelos quais nós nos constituímos e conhecemos a nós mesmos e aos outros: “A confissão tornou-se uma das técnicas mais valorizadas do Ocidente devido à produção da verdade”, escreve Foucault. “Fala-se em contar, com a maior precisão, tudo o que é mais difícil contar... o indivíduo admite para si próprio, na alegria e na tristeza, coisas que seria impossível dizer para quem quer que fosse, coisas acerca das quais as pessoas escrevem livros”.[61] Ora, não é necessário fazer muito esforço neste momento para ver que nós, historiadores orais, pertencemos àquele grupo de pessoas que escrevem livros sobre as coisas “impossíveis” que nossos narradores contam.

Podemos fingir que não vemos os lados obscuros de nosso negócio, no entanto, como a confissão ancorou-se de modo tão seguro dentro de nós, já não a percebemos como uma forma de opressão, mas, sim, como um poderoso meio de libertação. A maneira como estamos no mundo agora é baseada em nossa crença de que há uma essência em nós, um verdadeiro eu interior, que podemos conhecer por meio de práticas confessionais para desenterrar e revelar, com a ajuda de especialistas. Após séculos de coerção e tortura, agora exigimos nos confessar (e exigimos que os outros sigam o exemplo) para nos libertar do poder que nos silencia. Assim, a verdade que surge a partir confissão é vista como resultado da liberdade, não do poder.

Contudo, a ideia de que se confessar - de tornar públicos os pensamentos, os sentimentos e as ações de alguém - liberta-nos e emancipa-nos e, portanto, também funciona com os outros, que quebrar o silêncio e falar é um ato contra o “poder”, é, Foucault revela, um mito: “O indivíduo precisa ser completamente tomado por esse truque interior da confissão, a fim de atribuir um papel crucial à censura, aos tabus relativos a falar e pensar; deve-se ter uma imagem invertida do poder, para acreditar que todas essas vozes que se manifestaram por tanto tempo em nossa civilização - repetindo a formidável injunção de dizer o que alguém é e o que essa pessoa faz, o que alguém lembrou e o que essa pessoa esqueceu, o que alguém está pensando e o que essa pessoa acredita que não está pensando - estão falando a respeito da liberdade conosco”.[62] A questão para os historiadores orais é se nós - se acompanharmos Foucault - fomos “arrebatados por esse truque interior” de que falar é algo que liberta.

O “truque” é poderoso. Acreditamos que falar cura. Em seus trabalhos iniciais, Taylor explica, Sigmund Freud e Joseph Breuer escreveram sobre o “a cura pela palavra”, revelando que simplesmente deixar seus pacientes falarem e, em seguida, interpretar de modo eficaz essas histórias acerca de experiências vivenciadas curaria seus padecimentos mentais e corporais. Logo depois, Taylor prossegue, Freud “rejeitou a noção de confissão médica como catarse ou ab-reação”. Em vez disso, ele passou a pensar que “falar poderia reproduzir o trauma, em vez de curá-lo”. No entanto, muitos psicanalistas têm “defendido e, de fato, beneficiando-se da crença dominante na hipótese repressiva”, vendo-se “como indivíduos que libertam da repressão sexual por meio da fala confessional”.[63] Além disso, e mais importante, a ideia da “cura pela palavra”, Taylor indica, “manteve-se influente até hoje na cultura popular e na psicologia pop: acreditamos que falar é algo catártico ou que isso ajuda ‘a retirar as coisas de nosso peito’, que a confissão é ‘boa para a alma’”.[64] Assim, agora temos “um entendimento popular da psicanálise [que] incentiva um hábito da confissão entre os indivíduos ao convencê-los de que a confissão opera como uma terapia, catarse e cura, quando, na verdade, pelo contrário, ela estabelece discursivamente as identidades”.[65] O psicólogo Jerome Bruner demonstrou como as explicações psicológicas, mesmo sendo rejeitadas por seus criadores durante um longo período, inserem-se na cultura popular. Explicações como a “cura pela fala” tornam-se parte da “psicologia cotidiana” - explicações baseadas no senso comum dos indivíduos acerca do modo como as pessoas “animam-se”.[66] Essa psicologia cotidiana tornou-se um recurso importante por meio do qual, no Ocidente, os indivíduos interpretam seus próprios comportamentos e os dos outros na vida cotidiana e, nas palavras de Taylor, ela “é infinitamente utilizada como justificativa para a publicação de memórias confessionais, depoimentos públicos acerca de diversas formas de trauma e talk shows confessionais” e que é “compartilhada pelos proponentes da arte terapia e da teoria do trauma”.[67] Nesse contexto, acreditamos, de fato, que os historiadores orais têm permanecido imunes a essa crença popular no poder da “cura pela fala”?

Mais do que uma ferramenta de libertação, a confissão, ligada aos “métodos de escuta clínica”, tornou-se, Foucault revela, um aparato ou dispositivo que produz conhecimento acerca do que é normal e do que é pervertido; tais discursos de verdade prescrevem identidades normativas que interessam ao poder.[68] Na confissão, os confessandos não revelam quem realmente são; ao contrário, eles, junto com o confessor, aprendem como monitorar e controlar a si próprios; eles aprendem o que é certo e errado fazer. O confessor e o confessando criam juntos uma narrativa da “verdade” sobre o confessando que constitui sua identidade. Na entrevista confessional, o self não é revelado, mas, sim, produzido.

“A Democratização da Opinião”: Do Surgimento da Sociedade da Entrevista no Século XX à Cultura de Massa da Confissão no Século XXI

Há uma cabine na Grand Central Station na qual você pode entrar e gravar sua vida. Você fala. Ela grava em áudio. Trata-se do confessionário moderno - nenhum sacerdote, apenas sua voz e o silêncio. O que você foi, salvo digitalmente para o futuro. Quarenta minutos só para você.[69]

Entrevistar tornou-se um modo comum e aceito de interação social no período pós-Segunda Guerra Mundial. Foi o resultado, segundo os sociólogos Jaber F. Gubrium e James A. Holstein, da “índole moderna” que equipou os indivíduos com os meios e a motivação para falar sobre suas vidas e que tornou “razoável e aceitável” perguntar aos indivíduos para entender a “organização social da experiência”.[70] Porém, perguntar aos cidadãos comuns acerca de tudo era, acreditavam eles, uma faca de dois gumes que não só aumentaria a democratização, mas, também, o controle social: “A consequência de pesquisar a subsequente democratização da opinião fazia parte de uma tendência de aumento da vigilância da vida cotidiana. O crescente discurso da individualidade combinado a um aparato cada vez mais difundido e eficiente para o processamento de informações”.[71] A tecnologia da informática, agora, ampliou a coleta, classificação e interpretação de dados coletados em instituições como clínicas médicas, prisões e escolas. Esse “aparato para o processamento de informações” tinha suas raízes naquilo que Foucault descreveu como as “tecnologias do self”, entre as quais se encontra a confissão.

Como vimos, a compreensão (pós-moderna) de Foucault do self era fundamentalmente diferente da compreensão moderna do self. Gubrium e Holstein expressam isso por meio do conceito de subjetividade: “No que diz respeito à entrevista, estamos nos referindo ao agente putativo que se encontra por trás das ‘fachadas’ dos participantes da entrevista, em outras palavras, o agente que se responsabiliza prática e moralmente ​​pelas palavras e ações dos participantes. A maioria de nós está tão familiarizada com a imagem ocidental contemporânea do self individualizado como esse agente que temos dificuldade para compreender subjetividades alternativas”. Tanto a pesquisa histórica como a antropológica demonstraram, no entanto, que o conceito de indivíduo não era universal, mas específico em termos de tempo e espaço, em outras palavras, no Ocidente moderno: “Em outras sociedades e períodos históricos, a ação e responsabilidade foram articuladas em relação a uma variedade de outras estruturas sociais, como a tribo, o clã, a linhagem, a família, a comunidade e o monarca. A noção de self comprometido, único, mais ou menos integrado como centro da consciência, da emoção, do julgamento e da ação, é uma versão muito recente do sujeito”.[72] Seguindo Foucault, eles revelam que, historicamente, as instituições nos ensinaram que possuímos “um self comum - a ideia é que é aceitável que cada um reflita sobre sua experiência individual, descrevendo-a de modo pessoal e expressando opiniões sobre ela o mundo ao seu redor em suas próprias palavras”.[73] Gubrium e Holstein contestam esse entendimento moderno do self como um indivíduo com livre-arbítrio e autodeterminado que vivencia e conhece o mundo de um modo único e verdadeiro. Em vez disso, o self é o efeito de inúmeras entrevistas: “Podemos facilmente ver a entrevista individual como parte da mentalidade governamental moderna, estampada em nós por uma miríade de averiguações acerca de nossas vidas. Com efeito, a entrevista pode ser vista como uma das mais distintivas tecnologias do self do século XX. Em especial, ele confere um matiz “objetivo”, “científico” à noção do self individual”.[74] Da mesma forma, a experiência não é autêntica, mas uma construção discursiva produzida, em parte, por meio da entrevista: “A própria entrevista criou, bem como decifrou, o vasto mundo da experiência individual que, agora, constitui a substância da vida cotidiana”.[75]

Além disso, para Gubrium e Holstein, a entrevista que se encontrava no coração da sociedade da entrevista do pós-guerra estava enraizada na confissão descrita por Foucault. A entrevista do século XX apresenta “propriedades confessionais” que “constroem a subjetividade individual” e “aprofundam e ampliam as verdades experienciais dos sujeitos”. Para descobrir o verdadeiro conhecimento, não olhamos para as estrelas, os deuses ou outras forças externas; “em vez disso, geralmente buscamos autenticidade por meio da entrevista em profundidade”.[76] Assim, a entrevista não é apenas um método de pesquisa. Trata-se de um mecanismo que produz o indivíduo e a sociedade: “A entrevista é uma parte integrante de nossa sociedade e cultura... agora, é uma característica, constitutiva, essencial de nossas vidas cotidianas”.[77]

Na segunda metade do século XX, um hábito confessional disseminou-se não só por meio da entrevista. A literatura confessional moderna de Sylvia Plath e outros autores encontra suas origens, segundo o crítico literário britânico Jo Gill, por exemplo, no período pós-guerra.[78] Na década de 1970, o crescimento da psicanálise e a revolução sexual - uma democratização da noção de confissão como libertação sexual - gerou uma “inundação discursiva” de tal magnitude que “agora, há mais bocas para falar do que ouvidos dispostos a escutar”.[79]

O final da década de 1970 também marcou o início, segundo o pesquisador do Holocausto Henry Greenspan, da ascensão de um tipo específico de narração e narrador de histórias que permanece dominando grande parte do discurso nos dias de hoje: o gênero da narrativa de sobrevivência, contada por um “sobrevivente”. Vinculado a um repentino aumento do interesse popular nos sobreviventes do Holocausto e inserido “na preocupação muito mais ampla com a calamidade pública e privada, a destruição e a vitimização, a sobrevivência e o sobrevivencialismo, que se tornou dominante nos EUA na década de 1970”, Greenspan, acompanhando a obra de Christopher Lasch, revela que “ser um sobrevivente – e, mais especificamente, ser conhecido como ‘um sobrevivente’ - tornou-se uma moda”.[80] A sobrevivência foi “alardeada e romanceada”, ao transformar os sobreviventes em heróis, convertendo a sobrevivência em vitória e celebrando “a alegria de sobrevivência”. Esse discurso cerimonial, comemorativo, foi sincronizado a “um discurso de saúde mental cada vez mais popularizado acerca dos sobreviventes” que estabeleceu, de certo modo inversamente, “representações de sobreviventes como culpados, desesperados, despedaçados ou mortos”.[81] Na entrevista, o ouvinte faz com que o falante torne-se um sobrevivente genérico que proporciona um depoimento genérico. Assim, nós nos aproximamos e afastamos da entrevista com noções do que significa ser um sobrevivente que oferece seu testemunho e isso resulta em um discurso sobre os sobreviventes. Greenspan vê isso como uma “‘divisão de trabalho’ no âmbito do processo de relatar algo acerca de si próprio”. O trabalho dos sobreviventes é testemunhar, oferecer um testemunho ou transmitir legados. O trabalho dos ouvintes “é falar sobre os sobreviventes - seja como indivíduos heroicos... ou como vítimas assombradas”.[82]

No momento em que Foucault havia concluído o primeiro volume de sua História da sexualidade, e mesmo na época de sua morte, em 1984, a infiltração da confissão em cada minuto de nossas vidas ainda não estava nem perto de atingir seu âmbito e sua extensão de três décadas depois. As tecnologias de imagem, disponíveis sob a forma de fotografia por mais de um século e utilizada desde o final do século XIX tanto como vigilância disciplinar do Estado e técnicas em massa de (auto)documentação visual, tornaram-se onipresentes por meio da televisão e dos vídeos caseiros.[83] O que costumavam ser álbuns de família e fotografias pessoais passaram a ser compartilhadas com terceiros, inclusive historiadores orais, que expõem esse conteúdo ao mundo.[84]

No último terço do século XX, a entrevista também passou a ser utilizada em ritmo bastante acelerado com a ajuda desses novos veículos de comunicação de massa. A partir dos anos 1970, as transmissões via cabo e satélite aumentaram o número de canais, bem como sua distribuição geográfica, e a nova programação proporcionou novos fóruns e novos expectadores para as confissões públicas. O Phil Donahue Show (1967-1996) abriu caminho para os talk shows diurnos, entre os quais o The Oprah Winfrey Show (1986-2011) foi o mais bem-sucedido. A avaliação do crítico literário australiano Arian Jones de que “Oprah popularizou a revelação pessoal” é correta em relação a um dispositivo multimídia muito maior de confissão pública, inclusive as novas mídias sociais, como Facebook e Twitter, que se disseminaram por meio das novas tecnologias digitais da comunicação de massa (computadores pessoais, telefones celulares, smartphones e tablets, bem como a internet e um número cada vez maior de plataformas de redes sociais e aplicativos).[85] Os seguidores do movimento quantified-self (“datassexuais”) utilizam essas novas tecnologias digitais para monitorar e disciplinar seus corpos e suas mentes.[86] Permanente autoexame, autodocumentação, autoexplicação, e confissão tornaram-se uma autoinvasão 24 horas por dia e 7 dias por semana, se você assim desejar, e passaram a fazer parte do hábito pós-moderno.[87]

A ascensão da “narração de histórias” como um novo fenômeno cultural ilumina o crescimento dessa cultura de massa da confissão no início do século XXI. Apesar dos seres humanos sempre terem contado histórias, nunca as pessoas contaram tantas histórias sobre si próprias.[88] Joe Lambert, um dos pioneiros da “narração de histórias digitais”, em consonância com o “consultor de narração de histórias” Richard Stone, denomina esse fenômeno “re-historificação de nossa cultura”.[89] Junto com o marketing da narração de histórias e a narração de histórias como uma estratégia de gestão de negócios, há organizações não governamentais de narração de histórias, arquivos on-line, aplicativos de narração de histórias e uma grande indústria de narração de histórias que nós sequer começamos a investigar como espaços de confissão em massa e como um fenômeno social mais amplo do início do século XXI, as sociedades ocidentais.[90] Embora as pessoas gostem das histórias de ficção, a demanda por histórias “verdadeiras” aumentou drasticamente. Há, agora, um “memoir biz”, como afirma Taylor, que é impulsionado por um número cada vez maior de autores que escrevem autobiografias e um público leitor que deseja lê-las em ascensão.[91] Da mesma forma, a natureza confessional da música popular proporciona modelos de autoexame e autorrevelação que atingem ainda mais pessoas, principalmente as mais jovens, que a literatura confessional.

A cultura de massa da confissão, agora, estende-se à pedagogia e à academia. “Recentemente, ao que parece, passamos a acreditar cada vez mais nos contos”, escreve a crítica literária americana Suzanne Diamond. “A revelação pessoal - a declaração e a confissão da individualidade -, tornou-se não apenas uma valorizada estratégia pedagógica, mas, também, um modo geralmente aceito na escrita acadêmica”.[92] A confissão tornou-se um novo gênero de escrita acadêmica, como a crítica literária americana Rita Felski indica, seja sob a forma de “uma vinheta concisa para prefaciar um escrito acadêmico convencional [ou] um striptease completo de um astro acadêmico”. “Trata-se de um fato marcante na vida acadêmica”, escreve Felski, “que falar sobre si próprio tenha se tornado uma virtude. A cultura da confissão, antes limitada a manuais de autoajuda, grupos de terapia, e talk shows, penetrou gradualmente nas paredes da academia”.[93] Ao mesmo tempo, a revelação pessoal de “relações interpessoais”, “do estilo de alguém ao se vestir, comer e viajar, de suas próprias aspirações, fantasias, valores e planos”, tornou-se uma estratégia de ensino generalizada nos cursos de redação ministrados nas faculdades americanas.[94] O Teatro do Oprimido, o Playback Theatre e outras pedagogias libertadoras apresentam exercícios de interpretação que se assemelham à representação de confissões em ambientes em grupo supostamente voluntários e “seguros”.[95]

Hoje, “confessamos a respeito de tudo o que tem a ver com o ‘self’, e não apenas com nossos pecados e nossa vida sexual. Confessamos sobre nossa infância, por exemplo, e a dinâmica de poder em nossas famílias de modos que não teriam interessado aos sacerdotes da Renascença”.[96] Apesar dos meios de comunicação e do alcance serem novos, o poder subjacente da confissão não é. A descrição de Foucault do discurso confessional como algo proveniente de baixo, “como um ato obrigatório de fala que, sob alguma compulsão imperiosa, rompe os laços de discrição e esquecimento”, é tão verdadeiro em relação ao sofá de Oprah como das cabines de gravação de StoryCorps ou do confessionário do sacerdote.[97]

Essa obsessão do século XXI com o “acolhimento incondicional da revelação” e a confiança cega na “autenticidade” da “experiência” têm sido criticadas por teóricos pós-modernos da pedagogia. “O que é a ‘expressão pessoal’ e por que se deve acreditar no narrador – e, ainda mais, no conto? Se cada self é moldado - pode-se ir mais longe a ponto de dizer proposto, em primeiro lugar - pelo discurso, isso não bate de frente com a fundamentação das pedagogias baseadas no relato da ‘experiência’? Até que ponto são válidas todas as tentativas de distinguir revelações produtivas das meramente confessionais?”, questiona Diamond.[98] Em especial, ela aponta a pressão dos pares que força a confissão: “Uma confissão serve para gerar outra”, ela afirma. Além disso, a confissão está longe de ser “não competitiva” e “um compartilhamento”. “O próprio ato de ‘jogar limpo’ propõe e procura impor uma economia altamente competitiva entre aquele que revela e seu público. Mesmo quando apresentada como uma postura de compartilhamento - de ‘dizer a vocês quem sou eu’ - a revelação apresenta um modo de aumentar a aposta, de prescrever, se não exigir, a resposta confessional... [que] corresponde a um arranjo mais coercitivo: ‘Aqui está quem sou eu; você pode superar isso?’”.[99] Nessa “economia confessional”, a resposta esperada, que é inerente à confissão, é uma “coerção ainda mais diabólica por dissimular ser uma emancipação”.[100] Diamond vê as confissões de Agostinho e Rousseau não tanto como revelações sobre si próprios, mas modelos para as confissões de seus leitores. Tais análises põem em xeque o entusiasmo dos “historiadores orais” em “compartilhar autoridade” e colaboração.

Outros teóricos argumentaram que, mesmo que a confissão seja uma técnica para produzir a “verdade” sobre o assunto, às vezes os confessandos mentem. Taylor revela que as confissões, exatamente por ser agradáveis, coercitivas, desonrosas e desculpáveis, “tendem à inverdade”. As confissões falsas, escreve ela, não são atípicas, mas mostram-se perigosas para o falante, porque “produzem um sujeito autodestrutivo” e podem prejudicar o sujeito que fala se a falsa confissão ocorrer em um contexto jurídico no qual isso possa acarretar encarceramento, estigmatização e até a morte.[101] Taylor indica que a confissão cria sentimentos de culpa e vergonha e a necessidade de exposição e punição: “A confissão pode, de fato, produzir o masoquismo”.[102] Em alguns casos, esse “desejo confessional masoquista produz a necessidade de mentiras, justamente porque a verdade proposicional ou a falsidade do que é dito é menos importante que expressar e proporcionar uma saída para uma agradável vergonha e culpa do confessando. A verdade pode ser um impedimento para que o confessando satisfaça seu desejo e motive-se para a confissão e, assim, não faz parte do mecanismo confessional”.[103] Tais considerações também têm implicações para nossa compreensão e prática da história oral.

A História Oral na Era da Confissão

Será que a história oral participa da cultura da confissão? A entrevista de história oral é uma forma de confissão? De modo mais amplo, as dinâmicas estruturais da entrevista de história oral são semelhantes às de outras entrevistas confessionais? Se, como os pós-estruturalistas discutem, é impossível “para ‘mim’ dizer quem eu sou”, e que, em vez disso, “'Eu' [sou] inevitavelmente moldado pela linguagem que uso para fazer isso”, e se essa língua é proporcionada, ao menos em parte, pelo especialista que escuta durante a entrevista, então, quais são as implicações para a história oral?[104] Em outras palavras, os historiadores orais “constituem o sujeito?” Eles são os “senhores da verdade”, situados como tais por meio da prática da entrevista, mesmo se almejam que isso não seja assim?

Poderíamos afirmar que a entrevista de história oral é bastante diferente de uma confissão religiosa ou jurídica, da psicanálise, e mesmo da entrevista jornalística que não temos com o que nos preocupar. De fato, a literatura sobre a confissão não facilita uma identificação clara da história oral como uma entrevista confessional. As definições de confissão variam amplamente, tanto entre os autores como em seus próprios textos. Às vezes, Foucault, Brooks, Taylor e Diamond implicam que toda a conversa acerca do self é uma forma de confissão. “As motivações e os efeitos que se espera [que a confissão] produza tem variado”, escreve Foucault, “assim como as formas que [a confissão] assumiu: interrogatórios, consultas, narrativas autobiográficas, cartas; elas foram gravadas, transcritas, montadas em forma de dossiê, publicadas e comentadas”.[105] Nesse caso, é fácil apontar a história oral como um modo de confissão. Da mesma forma, esses autores, com frequência, parecem incluir toda a conversa sobre o self - seja ela sobre as ações, os pensamentos ou os sentimentos de alguém - em sua compreensão de confissão. Em outras ocasiões, no entanto, eles são mais específicos. A confissão significa falar sobre o eu interior, e não acerca das experiências de alguém, define Taylor (pelo menos às vezes), que faz uma distinção entre a confissão e o testemunho. A confissão, escreve Taylor, é uma forma de produção da verdade, não apenas em relação ao sexo, mas à “subjetividade humana” como um todo.[106] As confissões, escreve ela, “são casos particularmente autênticos de dizer a verdade”, e são considerados, ainda, “contratos quase legais”.[107] Essa ampla gama de definições permite-nos afirmar que, uma vez que quase toda conversa sobre o self pode ser incluída na confissão, há pouco valor analítico na compreensão da história oral como uma forma de confissão.

Talvez, então, as afirmações dos teóricos acerca da existência de uma cultura de massa da confissão sejam exageradas. Apesar do aumento significativo da cultura confessional pública e semipública, em especial nos EUA, a sociedade americana, afirmam alguns sociólogos, tem se tornado mais reservada. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos membros de sociedades expressamente secretas, mas, também, àqueles que estão no topo e na base da escala social. Os executivos das empresas e os sem-teto, por exemplo, constituem grupos de difícil acesso para os pesquisadores. Da mesma forma, alguns tópicos permanecem sendo tabus, como a renda, o sexo e a doença. Diversos outros grupos sociais, no entanto, mostram-se acessíveis e dispostos a ser entrevistados.[108]

No entanto, entendo que os historiadores orais não devem simplesmente excluir a confissão religiosa, a psicanálise, Oprah e a StoryCorps, classificando-as como “algo que não é história oral”. Sem dúvida, não são história oral, mas a história oral é historicamente moldada por elas. Ao menos à primeira vista, há grandes áreas de sobreposição que devem ser abordadas. Em primeiro lugar, as pessoas que entrevistamos (pelo menos na sociedade ocidental) cresceram em uma sociedade da entrevista e em uma cultura de massa da confissão. Elas aprenderam a falar sobre si próprias tanto por meio dos meios de comunicação de massa, dos livros de autoajuda, dos talk shows e das redes sociais como a partir de práticas religiosas de confissão, do conhecimento da confissão no ordenamento jurídico, das visitas ao consultório médico e dos terapeutas. Em segundo lugar, nós, os historiadores orais, aprendemos a falar acerca do self exatamente da mesma maneira. Trazemos à entrevista de história oral a mesma compreensão e expectativa acerca do que significa falar de si mesmo que nossos entrevistados. Em terceiro lugar, o método da história oral e, em especial, a entrevista tem uma longa história que a entrelaça firmemente com o desenvolvimento da confissão, a sociedade da entrevista e o surgimento de uma cultura de massa da confissão.

O entrelaçamento da história oral com a história e cultura da confissão destaca-se por meio de um ensaio recente, sofisticado, sobre a história oral. Em seu estudo de 2010, Oral History Theory, Lynn Abrams descreve a história oral de um modo que se encaixa em uma definição bastante restrita de confissão como autorrevelação e como uma “conversa difícil” acerca de si próprio. Em uma entrevista de história de vida, escreve Abrams, os narradores “contam uma história que revela seu próprio sentido de self”.[109] No entanto, os historiadores orais também indicam que, em vez de autorrevelação, uma entrevista é o espaço de uma co-construção do self do narrador. Abrams concorda com ambas as posições, oscilando, com efeito, entre compreensões essencialistas e construtivistas do self: “Em uma interação com o entrevistador, a entrevista se torna um processo no qual o entrevistado molda ativamente uma identidade. E mesmo em uma entrevista onde o objetivo declarado é apenas coletar informações, é raro que o entrevistado não revele alguma coisa sobre si próprio”.[110] Para Abrams, a autorrevelação de um self autônomo e de experiências autênticas é claramente o que ocorre em uma entrevista e aquilo que o historiador oral procura: “A revelação do self, entendido como o indivíduo autônomo e autossuficiente, que possui uma rica e complexa vida interior ou consciência, tornou-se um dos principais objetivos dos historiadores orais”.[111] Abrams não deixa dúvidas acerca da natureza confessional da entrevista: “Com efeito, foi dito que as pessoas no mundo desenvolvido ocidental vivem em uma cultura confessional na qual a divulgação pública de aspectos do self até então considerados particulares é normalizados via consumo público de entrevistas de celebridades, relatos pessoais de triunfo e tragédia na imprensa popular e intenso foco da mídia na vida pessoal de qualquer um que atrai interesse do público como um todo”.[112] No entanto, ela não problematiza o papel da história oral no âmbito desse processo de normalização. A história oral é situada como uma ferramenta neutra utilizada para fins emancipatórios que confronta o historiador oral meramente com problemas de interpretação.[113]

Esses são os pontos de vista da pessoa que ouve a confissão: o confessando deve ser auxiliado a revelar um eu interior. Apesar dos historiadores orais desejarem acreditar na autenticidade da experiência e do self, eles também reconhecem de imediato e falam longamente acerca do papel do entrevistador na formação desse self - um self que, se co-construído na situação de entrevista, não pode ser autônomo. Se fosse autônomo, o self seria sempre a mesmo, independentemente da situação de entrevista. Parece que desejamos o melhor de dois mundos: por um lado, a noção emancipatória de um self autônomo e a noção libertadora que ajudamos esse self autônomo a trazer a lume na entrevista do mesmo modo que a psicanálise, e, por outro lado, a noção pós-moderna de que a identidade é um efeito narrativo da entrevista que podemos desconstruir em nossa análise. O resultado é paradoxal.

Além disso, esse argumento paradoxal envolve problemas éticos significativos levantados pelo poder do entrevistador na construção do self do outro. Qual é o papel potencialmente coercitivo do entrevistador na formação das identidades de nosso narrador? Ao privilegiar a interioridade, participamos da individualização dos participantes da entrevista - nossos narradores e nós mesmos. Ao enfocar o eu interior, negligenciamos o estudo da relação de poder que cria esse autocontrole e essa autodisciplina do self em primeiro lugar. Se nos concentrarmos no eu interior de nosso entrevistado, não seremos, em essência diferentes dos psicanalistas. Deixamos de nos ver como os peritos científicos em cuidados humanísticos que declaramos ser. Ao estabelecer um relacionamento com nossos entrevistados, criamos e participamos de um relacionamento de poder disciplinar, uma relação que disciplina tanto nossos entrevistados como nós mesmos. O que parece ser uma libertação para ambos pode ser, em vez disso, a construção do self por meio de autorrevelação coagida.

Essa crítica fundamental da entrevista não invalida necessariamente a história oral. Em vez disso, o conhecimento de algumas das dinâmicas inerentes à entrevista é necessário para que os historiadores orais reflitam em maior profundidade acerca das implicações metodológicas, éticas e interpretativas de nossa prática, a fim de “explorar e expor a política de representação”.[114] Ele deve nos ajudar a formular de modo mais claro perguntas sobre as relações de poder e os problemas de representação inerentes ao processo de entrevista. Se a entrevista é uma prática que constitui o self moderno de todas as partes envolvidas, o poder nas entrevistas é muito mais fluido e complexo do que acreditávamos até agora. Essa fluidez e complexidade nos permite considerar o papel da história oral na produção e reprodução do self e as oportunidades que se abrem ao romper os limites dos pressupostos naturalistas sobre o self essencial de cada um e as identidades estabelecidas. Ao refletir sobre o modo como falamos e fazemos o outro falar durante a entrevista de história oral, ao pensar na noção de que como historiadores orais podemos fazer parte de uma longa história de confessores e ao examinar o modo como todos os envolvidos em um projeto de história oral (pelo menos aqueles que vivem em sociedade no Ocidente) foram conduzidos em parte por sua “natureza” confessional, podemos dar mais um passo em direção a ser “cautelosos em relação às nossas práticas”.[115]

À primeira vista, no entanto, o desafio proposto ao relacionar a entrevista de história oral à confissão e sua posterior expansão é assustador. Se os historiadores orais estão implicados na constituição do self e se eles utilizam uma ferramenta coercitiva, há alguma esperança de que a entrevista de história oral seja utilizada como ferramenta de advocacy ou de empoderamento? A posição de Foucault acerca da psicanálise pode proporcionar um ponto de entrada. Foucault não desejava afirmar que a psicanálise estava errada. Como diz Taylor, “ele queria agrupar essa questão em um conjunto para mudar sua perspectiva”. Assim como Foucault, sendo historiadores orais, deveríamos situar a história oral “em uma história das relações de conhecimento e poder”, em vez de preocuparmo-nos se a história oral está certa ou errada.[116] Precisamos historicizá-la como uma prática que surgiu em locais específicos e em pontos específicos no tempo. Acompanhando Foucault, podemos visualizar “o campo todo” da história oral como “acidental”. Como a psicanálise, ela “não se tratava necessariamente de uma evolução do conhecimento”; em vez disso, ela “é normalizadora e constitui um meio de internalizar o poder disciplinar”.[117] Podemos não ter de acompanhá-lo ao concluir “que é melhor ficar sem ela [a psicanálise no caso de Foucault, a história oral em nosso caso], tanto na experiência de vida como na escrita dos textos de cada pessoa”.[118] Entretanto, temos de começar a escrever uma história do modo como falamos na história oral e como fazemos os outros falarem na história oral. Depois, precisamos pensar nas consequências metodológicas, éticas e interpretativas de compreender a entrevista de história oral como um espaço de dominação e uma técnica do self.

Como podemos alcançar essa reconceituação da entrevista da melhor forma? Como Taylor e outros apontaram, Foucault reconheceu no final de sua vida “que havia enfatizado excessivamente a disciplina”. Em vez disso, ele passou a olhar para o modo como “os sujeitos podem governar e moldar a si próprios”.[119] Taylor é mais otimista que Foucault no sentido de que algumas formas de psicoterapia “podem ​​ser apropriadas como uma prática de automodelação, bem como uma forma de cuidar dos outros”.[120] Ela descreve a psicanálise pós-colonial de Franz Fanon, que diagnosticou como portadoras de patologia as sociedades coloniais em vez das pessoas colonizadas, como um modelo. Enquanto a psicanálise freudiana e neofreudiana tentou “normalizar o paciente em uma sociedade sexista, racista e homofóbica, ou em uma nova norma politicamente correta”, Fanon e outros concentrados na “individualidade e singularidade da história do analisando”. Como resultado, “as histórias totalizantes de sexismo, racismo e homofobia são postas em xeque, em vez de perpetuadas por meio de análise”.[121] Embora não possa fugir da disciplina e dominação, essa prática, contudo, concede maior espaço à autonomia do sujeito. Também é explicitamente política. Ao invés de tentar mudar seus pacientes, a fim de curá-los, Fanon defendeu que a única cura é o fim da colonização, e somente se os colonizados proporcionarem isso a si mesmos. Assim, é por meio da ação e não da falar introspectiva que o sujeito pode mudar a si próprio e do mundo ao seu redor. Como Taylor conclui, “fundamentalmente, a causa da enfermidade mental é descrita por Fanon como a política, e a cura é a ação política”. Apesar do foco na ação, a fala continuou a ser vista como algo importante. Tratava-se de uma prática que "é necessária para mudar o self para mudar a sociedade”.[122]

Como essa conversa funciona para mudar o self? “O discurso autorreflexivo é... uma técnica crucial tanto de dominação como de autocuidado, de sofrer a ação de alguém e de atuar em relação a alguém”, escreve Taylor.[123] Em seu estudo sobre a mudança do equilíbrio entre o autocuidado e a disciplina na história da confissão, ela sugere modos “como os indivíduos podem fazer a balança pender para trás em direção ao autocuidado”.[124] A força disciplinadora da longa história da confissão e a relação entre a história oral e essa história é assustadora, mas Taylor aponta uma ética da esperança que está enraizada no poder da conversa para nos reproduzir: “Ao descrever a confissão como formadora do sujeito, Foucault almejava que entendêssemos como nos tornamos o que somos, mas, também, e ainda mais importante, que reconhecêssemos a contingência desse ser e desse modo de formação do sujeito, e da riqueza de alternativas históricas que existem e que podem ser utilizadas, inventadas e reinventadas, de tal forma que, em vez de confessar o que somos, podemos nos tornar algo diferente daquilo que somos”.[125]

A história oral, parece-me, pode representar diversos papéis importantes nesse processo de reproduzir aquilo que somos. Em primeiro lugar, ao proporcionar um fórum público para o self de cada um que, tradicionalmente, tem sido apagado das narrativas históricas, os historiadores orais proporcionam um maior espectro de formas alternativas de estar no mundo. Como Taylor escreve, “parte da tarefa genealógica de Foucault consiste em desenterrar as vozes que já falaram no passado, mas que não foram ouvidas, e que poderiam ter continuado a falar, se a história que veio a ser totalizante não tivesse predominado, e, também, contestar o presente de tal forma que novas vozes possam apresentar-se”.[126] Os historiadores orais têm trabalhado nessa tarefa há muito tempo. Em segundo lugar, a compreensão profunda dos historiadores orais acerca da narrativa e da memória possibilita e atribui a eles a responsabilidade de identificar onde e como as narrativas dominantes impedem que as pessoas se tornem diferentes do que são. Em terceiro lugar, por meio do compartilhamento de autoridade em todos os aspectos de nossos projetos, auxiliamos nossos narradores a refletir sobre quem são eles, e nós nos esforçamos para não colocá-los nos papéis que desenvolvemos por meio da literatura e nos objetivos de nosso projeto.

Essas considerações metodológicas e éticas também podem orientar nossa leitura das entrevistas. Os historiadores orais, com frequência, parecem perplexos em relação ao que fazer com seus “dados”. Às vezes, apresentam transcrições editadas como palavras autênticas dos narradores; em outras ocasiões, transformam-se em uma espécie de psicologização que se baseia principalmente na “psicologia cotidiana” identificada por Bruner. Outros historiadores orais situaram mais proveitosamente a produção do self de cada um em contextos históricos mais amplos ou pesquisaram a construção da narrativa da memória e da identidade no processo da entrevista. Com base em nossa compreensão da entrevista como uma técnica do self, podemos acrescentar a isso uma leitura das entrevistas como evidência de autodisciplinamento e do disciplinamento por meio do entrevistador e do contexto e da situação da entrevista. Isso também pode mudar nossa definição de autenticidade. Não é possível acomodar-se em um eu interior que constitui uma pré-condição para dizer a verdade acerca de si; em vez disso, como o sociólogo canadense Arthur W. Frank defende, cria-se no processo de contar uma história sobre o self.[127]

Esta análise irá se beneficiar de uma história mais extensa da história oral como uma tecnologia do self e como uma prática que está presa aos aparatos de vigilância, controle e regulação do self empregados pela economia estatal e privada. Este artigo, espero, proporciona um ponto de partida para tal história de longa duração da entrevista.

Material suplementar
Notas
Notas
[1] Apresentei versões anteriores desta pesquisa no Centro de História Oral do Endicott College, na Reunião Anual da Associação de História Oral de 2013 e no Centro de História Oral da Universidade de Winnipeg. Agradeço ao público de todos os três eventos, bem como aos revisores anônimos da Oral History Review, por estimular as discussões, os comentários inteligentes e as inúmeras sugestões de uma literatura mais numerosa sobre a história da confissão e da entrevista. Também agradeço à editora da Oral History Review, Kathryn L. Nasstrom, pelo incentivo e pela cuidadosa edição.
[2] Michel Foucault, The History of Sexuality, v. 1, An Introduction, trad. Robert Hurley (New York: Vintage Books, [1978] 1990), 59.
[3] Eva M. McMahan e Kim Lacy Rogers, ed., Interactive Oral History Interviewing (Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, 1994); Ronald J. Grele, Envelopes of Sound: The Art of Oral History, 2. ed. rev. amp. (Chicago, IL: Precedent, 1985); Paul Thompson, The Voice of the Past: Oral History, 3. ed. (Oxford: Oxford University Press, 2000); Michael Frisch, A Shared Authority: Essays on the Craft and Meaning of Oral and Public History (Albany: State University of New York Press, 1990); “Sharing Authority: Community-University Collaboration in Oral History, Digital Storytelling, and Engaged Scholarship”, special issue of Journal of Canadian Studies 43, n. 1 (Winter 2009), guest edited by Steven High, Lisa Ndejuru, and Kristen O’Hare.
[4] Alistair Thomson, “Four Paradigm Transformations in Oral History”, Oral History Review 34, n. 1 (2006): 49-70.
[5] Thompson, Voice of the Past, 25 (grifo do original).
[6] Donald A. Ritchie, Doing Oral History: A Practical Guide, 2. ed. (Oxford: Oxford University Press, 2003), 19-22; Jan Szczepanski, “Die biographische Methode”, in Grundlagen und Methoden der empirischen Sozialforschung, v. 4, Komplexe Forschungsansätze, 3. rev. and exp. ed., ed. Renee König, 226-52 (Stuttgart, Germany: Enke, 1973); Jerrold Hirsch, “Before Columbia: The FWP and American Oral History Research”, Oral History Review 34, n. 2 (2007): 1-16.
[7] Thompson, Voice of the Past, 25-81.
[8] Allan Nevins, “Oral History: How and Why It Was Born”, Wilson Library Bulletin 40 (March 1966): 600-601; Louis Starr, “Oral History”, in Encyclopedia of Library and Information Sciences, ed. Allen Kent, Harold Lancour e Jay E. Daily, 20, 440-63 (New York: Dekker, 1977). Os estudos a seguir constituem pesquisas de duas páginas sobre a história oral desde a Antiguidade até 1948: Rebecca Sharpless, “The History of Oral History”, in Handbook of Oral History, ed. Thomas L. Charlton, Lois E. Myers, and Rebecca Sharpless, 19-42 (19-21) (Lanham, MD: Altamira Press, 2006); Ritchie, Doing Oral History, 18-22; Trevor Lummis, Listening to History: The Authenticity of Oral Evidence (Totowa, NJ: Barnes & Noble Books, 1988), 16-17.
[9] Agradeço a Julie Cruikshank por falar sobre o maravilhoso livro de Luise White Speaking with Vampires: Rumor and History in Colonial Africa (Berkeley: University of California Press, 2000), que me levou de volta à História da sexualidade de Foucault e sua discussão da confissão.
[10] John T. McNeill e Helena M. Gamer, Medieval Handbooks of Penance. A Translation of the Principal Libri Poenitentiales and Selections From Related Documents (New York: Columbia University Press, [1938] 1990), 4-6, 25-28, 46-50.
[11] Outros pesquisadores têm apontado que mesmo os penitenciais (manuais que orientavam os sacerdotes sobre o modo de ouvir a confissão) do século VI baseavam-se nos costumes jurídicos locais para as distintas formas de penitência e viam a penitência, em sentido amplo, como um “remédio para a alma”. McNeill e Gamer, Medieval Handbooks, 35-38, 44-46.
[12] Foucault, History of Sexuality, 58.
[13] Embora a confissão e a Inquisição sejam fenômenos distintos, há semelhanças importantes. Ambas foram institucionalizadas pelo IV Concílio de Latrão (ao menos segundo Foucault) e ambas são formas de entrevista “face a face” que produzem “verdade sobre o self”.
[14] A “Confession” está ausente dos sumários e dos índices dos guias, dos manuais e das coletâneas de ensaios básicos da área. Ver Sherna Berger Gluck e Daphne Patai, ed., Women’s Words: The Feminist Practice of Oral History (New York: Routledge, 1991); Charlton et al., ed., Handbook of Oral History; David K. Dunaway e Willa K. Baum, ed., Oral History: An Interdisciplinary Anthology, 2nd ed. (Walnut Creek, CA: Altamira, 1996); Frisch, A Shared Authority; Grele, Envelopes of Sound; Paula Hamilton e Linda Shopes, ed., Oral History and Public Memories (Philadelphia, PA: Temple University Press, 2008); Lummis, Listening to History; McMahan e Rogers, Interactive Oral History Interviewing; Alessandro Portelli, The Death of Luigi Trastulli and Other Stories: Form and Meaning in Oral History (Albany: State University of New York Press, 1991); Alessandro Portelli, The Battle of Valle Giulia: Oral History and the Art of Dialogue (Madison: Wisconsin University Press, 1997); Ritchie, Doing Oral History; Thompson, Voice of the Past; Alistair Thomson e Robert Perks, The Oral History Reader, 2nd ed. (London: Routledge, 2006); Valerie Raleigh Yow, Recording Oral History: A Practical Guide for Social Sciences (Thousand Oaks, CA: Sage, 1994).
[15] Diversos colegas, especialmente aqueles de outras áreas, comentaram versões anteriores apontando as diferenças entre confissão e a Inquisição, entre anamneses médicas e terapia, entre entrevistas jornalísticas e Oprah e entre todas essas formas de entrevista e história oral. Sem dúvida, ao menos em sua superfície, essas diferenças existem, embora não tenham sido efetivamente estudadas. Neste artigo, no entanto, estou tentando explorar a possibilidade de haver semelhanças estruturais subjacentes que possam ser identificadas na longa história do entrevistar. Além disso, não estou tentando provar que as práticas do passado eram história oral (ou algo parecido com história oral); em vez disso, indico que a ferramenta utilizada pela história oral (a entrevista) pode ter uma história mais longa e que essa história pode dizer algo sobre a entrevista de história oral. Ao final de tal projeto de pesquisa, podemos chegar à conclusão de que as diferenças superam as semelhanças de tal modo que o argumento não se sustenta. Contudo, primeiro, precisamos fazer a pergunta e iniciar a exploração.
[16] Foucault, History of Sexuality, 59.
[17] Chloë Taylor, The Culture of Confession from Augustine to Foucault: A Genealogy of the ‘Confessing Animal’ (New York: Routledge, 2009), 67.
[18] Ibid., 6.
[19] Ibid., 13–65. Taylor provides a historical survey from antiquity to the present.
[20] Edward Hanna, “The Sacrament of Penance”, in The Catholic Encyclopedia, ed. Charles G. Herbermann, v. 11 (New York: Robert Appleton Company, 1911), http://www.newadvent.org/cathen/11618c.htm. Segundo Hanna, a confissão é apenas uma parte do sacramento da penitência, que engloba “as ações do penitente de apresentar-se ao sacerdote e acusar-se de seus pecados, e as ações do sacerdote de pronunciar a absolvição e impor a reparação”. Acerca do surgimento e da disseminação de livros penitenciais a partir do século VI, ver McNeill e Gamer, Medieval Handbooks, 23-28.
[21] Foucault, History of Sexuality, 58.
[22] Peter Brooks, Troubling Confessions: Speaking Guilt in Law and Literature (Chicago, IL: University of

Chicago Press, 2000), 2.

[23] Taylor, Culture of Confession, 56; also Brooks, Troubling Confessions, 3, 15.
[24] Foucault, History of Sexuality, 58.
[25] Ibid., 58–59.
[26] Taylor, Culture of Confession, 140-41.
[27] Brooks, Troubling Confessions, 2.
[28] Ibid.
[29] Taylor, Culture of Confession, 52-55.
[30] Brooks, Troubling Confessions, 18. Ver, também, Hanna, “Sacrament of Penance”. Hanna baseia grande parte de sua explicação sobre o sacramento da penitência no Concílio de Trento.
[31] Jacques Le Goff, The Birth of Purgatory (Chicago: University of Chicago Press, 1984), 216, citado por Taylor, Culture of Confession, 52.
[32] Taylor, Culture of Confession, 58; ver, também, 66-67.
[33] W. David Myers, “Poor, Sinning Folk”: Confession and Conscience in Counter-Reformation Germany (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1996), 193.
[34] Ibid., 3, 193.
[35] Taylor, Culture of Confession, 62.
[36] Roland Herbert Bainton, Here I Stand: A Life of Martin Luther (Peabody, MA: Hendrickson, [1950] 2009), 35.
[37] Taylor, Culture of Confession, 63.
[38] Wietse de Boer, The Conquest of the Soul: Confession, Discipline, and Public Order in Counter-Reformation Milan (Leiden: Brill, 2001), ix.
[39] Ibid., 323. Nem Foucault nem de Boer consideram o papel das confissões em grupo parte dos ritos de entrada de liturgias ou os entendimentos diferentes, em essência, acerca dos pecadores cristãos entre as igrejas católicas e protestantes. Ver Charles D. Hackett, “Entrance Rites, Confessions of Sin, and Identity in the Sixteenth Century”, Anglican and Episcopal History 73, n. 1 (2004): 4-34.
[40] Myers, “Poor, Sinning Folk”, 197.
[41] Foucault, History of Sexuality, 63.
[42] Ibid.
[43] Ibid.
[44] Ibid., 66.
[45] Ibid., 66-67.
[46] Ibid., 66.
[47] Taylor, Culture of Confession, 67-72, 74.
[48] Ibid., cap. 3.
[49] Foucault, History of Sexuality, 71.
[50] Taylor, Culture of Confession, 140.
[51] Brooks, Troubling Confessions, 2.
[52] Foucault, History of Sexuality, 61-62.
[53] Ibid.
[54] Ibid., 66-67.
[55] Ibid., 66.
[56] Grele, Envelopes of Sound; McMahan and Rogers, Interactive Oral History Interviewing; Mary Chamberlain, “Narrative Theory”, in Handbook of Oral History, ed. Charlton et al., 384-407.
[57] Foucault, History of Sexuality, 61-62.
[58] Ibid., 66-67.
[59] Taylor, Culture of Confession, 167, 173.
[60] Foucault, History of Sexuality, 59.
[61] Ibid.
[62] Ibid., 60.
[63] Taylor, Culture of Confession, 157, 159-60.
[64] Ibid., 70-71.
[65] Ibid., 70-71.
[66] Jerome Bruner, Acts of Meaning (Cambridge, MA: Harvard University Press, 1990), 13-15, 33-65.
[67] Taylor, Culture of Confession, 106-8, citações em 107, 112.
[68] Foucault, History of Sexuality, 68; Michel Foucault, Power/Knowledge: Selected Interviews and Other Writings 1972–1977, ed. Colin Gordon, trad. Colin Gordon et al. (New York: Pantheon Books, 1980), 196.

Um aparato é “literalmente qualquer coisa que tenha, de alguma forma, a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar ou garantir gestos, comportamentos, opiniões ou discursos de seres vivos”. O sujeito é resultado da “luta implacável entre seres vivos e aparatos... Nesse sentido, por exemplo, o mesmo indivíduo, a mesma substância, pode ser o local de múltiplos processos de subjetivação: o usuário de telefones celulares, o internauta, o escritor de contos, o amante do tango, o ativista antiglobalização, e assim por diante, sucessivamente. O aumento sem limites dos aparatos nos dias de hoje corresponde à igualmente extrema proliferação dos processos de subjetivação”. E, assim, “hoje não há sequer um único instante em que a vida dos indivíduos não seja modelada, contaminada ou controlada por algum aparato”. Giorgio Agamben, What Is An Apparatus? And Other Essays (Stanford, CA: Stanford University Press, 2009), 14-15, 20.

[69] Jeanette Winterson, Lighthousekeeping (London: HarperPerennial, 2004), 133.
[70] Jaber F. Gubrium e James A. Holstein, “From the Individual Interview to the Interview Society”, in Handbook of Interview Research: Context and Method, ed. Jaber F. Gubrium e James A. Holstein, 5 (Thousand Oaks, CA: Sage, 2002).
[71] Ibid., 6.
[72] Ibid.
[73] Ibid.
[74] Ibid., 8.
[75] Ibid., 9.
[76] Ibid., 11.
[77] Ibid. Sobre o fenômeno das falsas confissões sob coação e coerção, ver G. Daniel Lassiter, ed., Interrogations, Confessions, and Entrapment (New York: Springer, 2004).
[78] Jo Gill, ed., Modern Confessional Writing: New Critical Essays (New York: Routledge, 2006).
[79] Taylor, Culture of Confession, 157.
[80] Henry Greenspan, On Listening to Holocaust Survivors: Beyond Testimony, 2. ed. (St. Paul, MN: Paragon House, 2010), 61-62.
[81] Ibid., 63.
[82] Ibid., 68.
[83] John Tagg, The Burden Of Representation: Essays on Photographies and Histories (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1993); John Tagg, The Disciplinary Frame: Photographic Truths and the Capture of Meaning (Minneapolis: University of Minnesota Press, 2009).
[84] Alexander Freund e Alistair Thomson, ed., Oral History and Photography (New York: Palgrave Macmillan, 2011).
[85] Adrian Jones, “Oprah on the Couch: Franzen, Frey, Foucault, and the Book Club Confessions”, in Compelling Confessions: The Politics of Personal Disclosure, ed. Suzanne Diamond, 94–109 (Madison, NJ:

Fairleigh Dickinson University Press, 2010); Sujata Moorti, “Cathartic Confessions or Emancipatory Texts?

Rape Narratives on The Oprah Winfrey Show”, Social Text 16, n. 4 (Winter 1998): 83-102. A confissão pública pode não ser apenas um fenômeno do Ocidente. Nos últimos cinco anos, um dos programas de televisão no horário nobre mais populares na China é a transmissão de entrevistas com os presos pouco antes de sua execução. James Jones, “China’s Death Row TV Hit: Interviews Before Execution”, BBC News Online, March 12, 2012, http://www.bbc.co.uk/news/magazine-17303746.

[86] Monica Hesse, “Bytes of Life”, The Washington Post Online, September 9, 2008, http://www.wash-ingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2008/09/08/AR2008090802681_pf.html; Emily Singer, “The Measured Life”, Technology Review Online, July/August, 2011, http://www.technologyreview.com/fea-turedstory/424390/the-measured-life/; Nic Fleming, “Know Thyself: The Quantified Self Devotees Who Live By Numbers”, The Guardian Online, December 2, 2011, http://www.theguardian.com/science/2011/dec/02/psychology-human-biology; “Counting Every Moment”, The Economist Online, March 3, 2012, http://www.economist.com/node/21548493; Chris Matyszczyk, “How to Work Out If You Are a Datasexual”, CNET Online, April 18, 2012, http://news.cnet.com/8301-17852_3-57415921-71/how-to-work-out-if-you-are-a-datasexual/; Mike Elgan, “Are You Ready For a ‘Quantified Life’?” PCWorld Online, April 14, 2012, http://www.pcworld.com/article/253803/are_you_ready_for_a_quantified_life.html; Tim Chang, “All the World’s A Game”, TechCrunch Online, March 24, 2012, http://www.techhive.com/article/253803/are_you_ready_for_a_quantified_life_.html; Tim Chang, “The ‘So What’ Of The Quantified Self”, TechCrunch Online, March 31, 2012, http://techcrunch.com/2012/03/31/quantified-self-so-what/; Tim Chang, “We Are Our Scores: The Aspirational Self”, TechCrunch Online, April 14, 2012, http://techcrunch.com/2012/04/14/we-are-our-scores-the-aspirational-self/; April Dembosky, “Invasion of the Body Hackers”, FT Magazine Online, June 10, 2011, http://www.webcitation.org/66TFDLCSY.
[87] Steve Salerno, SHAM: How the Self-Help Movement Made America Helpless (New York: Crown Publishers, 2005); Yasmine Abbas e Fred Dervin, ed., Digital Technologies of the Self (Newcastle upon Tyne, UK: Cambridge Scholars, 2009).
[88] Discutindo sob uma perspectiva darwinista, Brian Boyd afirma que contar histórias faz parte da nossa natureza. Brian Boyd, On the Origin of Stories: Evolution, Cognition, and Fiction (Cambridge, MA: Belknap Press of Harvard University Press, 2010).
[89] Joe Lambert, Digital Storytelling: Capturing Lives, Creating Community (Berkeley, CA: Digital Diner Press, 2002), xviii.
[90] Johanna C. Kuyvenhoven, In the Presence of Each Other: A Pedagogy of Storytelling (Toronto: University of Toronto Press, 2009); Alexander Freund, “Letter to the Editor”, Oral History Association Newsletter 43, n. 1 (Spring 2009): 3, 6.
[91] Taylor, Culture of Confession, 167.
[92] Suzanne Diamond, “Scripted Subjectivity: The Politics of Personal Disclosure”, in Compelling Confessions: The Politics of Personal Disclosure, ed. Suzanne Diamond, 33-34 (Madison, NJ: Fairleigh Dickinson University Press, 2010); ver, também, Deborah H. Holstein, “Foreword: Confession as an Uncontrolled Substance: An Introduction”, in Compelling Confessions, ed. Diamond, 13.
[93] Rita Felski, “Nothing to Declare: Identity, Shame and the Lower Middle Class”, PMLA 115, n. 1 (2000): 33-45, 33.
[94] David Bleich, Know and Tell: A Writing Pedagogy of Disclosure, Genre and Membership (Portsmouth: Boynton-Cook, 1998), 17, citado por Diamond, “Scripted Subjectivity”, 30.
[95] Isso se baseia em minhas observações e experiências pessoais na “Community Building Forum: Winnipeg Youth Share Their Stories about Community Building” e no “Workshop with Amani People’s Theatre: Community Building Using Storytelling and Theatre Techniques”, Sixth Annual Winnipeg International Storytelling Festival, May 14, 2011; e no “Workshop (Parts 1 and 2): Living Histories Playback Theatre”, Beyond Testimony and Trauma: Oral History in the Aftermath of Mass Violence Conference, Montréal, Québec, March 22-25, 2012.
[96] Taylor, Culture of Confession, 78.
[97] Foucault, History of Sexuality, 62.
[98] Diamond, “Scripted Subjectivity”, 35.
[99] Ibid., 32. Um poderoso exemplo dessa pressão é visto no documentário The Storytelling Class, que relata o uso da narração de histórias na sala de aula em um bairro de baixa renda no centro de Winnipeg, onde as tensões entre jovens refugiados africanos, alunos indígenas e outras meninas e meninos que cresceram em meio à pobreza são negociadas ao contar uns aos outros acerca de suas experiências. Isso também expõe a imensa pressão entre os pares, que é ativada por meio de exercícios confessionais em círculos de conversa “voluntária”. Como uma garota disse, ela é silenciada pelas terríveis experiências dos outros. Diversas meninas contam para a classe que gostariam de ser bonitas ou saudáveis ou, ainda, conviver com seu pai. John Paskievich e John Whiteway, The Storytelling Class (Winnipeg: Sedna Pictures, OMNI Television, 2009).
[100] Diamond, “Scripted Subjectivity”, 32-33.
[101] Taylor, Culture of Confession, 82.
[102] Ibid., 92.
[103] Ibid., 87.
[104] Diamond, “Scripted Subjectivity”, 26.
[105] Foucault, History of Sexuality, 63.
[106] Taylor, Culture of Confession, 79.
[107] Ibid., 79, 80.
[108] Patricia A. Adler e Peter Adler, “The Reluctant Respondent”, in Inside Interviewing: New Lenses, New Concerns, ed. James A. Holstein and Jaber F. Gubrium, 153-73, 156-61 (Thousand Oaks, CA: Sage Publications, 2003).
[109] Lynn Abrams, Oral History Theory (London: Routledge, 2010), 33.
[110] Ibid.
[111] Ibid.
[112] Ibid.
[113] Ibid., 34-35.
[114] Wanda S. Pillow, “Confession, Catharsis, or Cure? Rethinking the Uses of Reflexivity As Methodological Power in Qualitative Research”, Qualitative Studies in Education 16, n. 2 (2003): 175-96, citado em 176.
[115] Ibid, 177. Ver, também, Gayatri C. Spivak, “Criticism, Feminism and the Institution”, Thesis Eleven 10, n. 11 (1984-85): 175-89.
[116] Taylor, Culture of Confession, 134.
[117] Ibid., 135.
[118] Ibid., 136.
[119] Ibid. Taylor se refere a Michel Foucault, The History of Sexuality, v. 2: The Use of Pleasure (New York: Vintage Books, 1990).
[120] Ibid., 136-37.
[121] Ibid, 154.
[122] Ibid., 163-65.
[123] Ibid., 8-9.
[124] Ibid., 9.
[125] Ibid.
[126] Ibid., 196.
[127] Arthur W. Frank, “Why Study People’s Stories? The Dialogical Ethics of Narrative Analysis”, International Journal of Qualitative Methods 1, n. 1 (Winter 2002): 1-20.
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