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Gritam os muros: “anistia ampla, geral e irrestrita”
The walls shout: "unrestricted, general and wide amnesty"
Revista Tempo e Argumento, vol. 8, núm. 17, pp. 350-383, 2016
Universidade do Estado de Santa Catarina

Artigos


Recepção: 14 Agosto 2018

Aprovação: 29 Agosto 2018

DOI: https://doi.org/10.5965/2175180308172016350

Resumo: mulheres, estudantes, militares e trabalhadores. Além disso, os instrumentos de resistências políticas foram significativos e variados, a exemplo de passeatas, comícios, panfletagens e pichações. Diante disso, historicizamos a realização dessa campanha em Recife, tendo em vista a sua relevância política. Neste sentido, dentre as formas de resistência supracitadas, destacamos no trabalho a importância do uso de pichações em prol da anistia. Esses registros cotidianos foram proibidos por leis, vigiados e censurados por órgãos policiais, por serem realizados por diversos segmentos da sociedade considerados “subversivos”. Ademais, o combate às escritas citadinas ocorreu por elas possuírem um cunho político e serem um eficaz instrumento de comunicação que influenciou muitas vezes a opinião dos transeuntes com discursos transgressores. Além de documentos escritos (jornais e fontes policiais), o trabalho teve como base os relatos orais de ex-militantes que resistiram contra a ditadura e foram autores de pichações. Através do cruzamento dessas fontes, foi possível analisar esse período sob diferentes discursos e experiências políticas. Assim, os relatos de orais em sua estrutura narrativa registram experiências históricas resultantes de práticas sociais, potencializando as possibilidades de interpretação do passado.

Palavras-chave: Pichações, Anistia, Ditadura, Relatos Orais.

Abstract: feminist, students, military and urban and rural workers groups. Besides, the instruments of political resistance were meaningful and varied, such as demonstrations, rallies, pamphlets and graffiti. Before this reality, we historicize the realization of this campaign in Recife, considering its political relevance. Among the forms of resistance cited above, we point out the importance of the use of graffiti favoring the amnesty. These daily registers were prohibited by Law, watched and censored by police organs, for being accomplished by several segments of the society considered to be “subversive”. Furthermore, the fight against the urban writings happened because the possessed a political undertone and for being an effective instrument of communication which influenced the opinion of passersby with transgressive speeches. Besides the written documents (newspapers and police sources), the research was based on oral testimonies bye x-militants who resisted the dictatorship and were the authors of the graffiti. By crossing these sources, it was possible to analyze this period under different speeches and political experiences. The oral testimonies, in their narrative structure, register historical experiences resulting from social practices, enhancing the possibilities for interpreting the past.

Keywords: Graffiti, Amnesty, Dictatorship, Oral testimonies.

Introdução

As pichações registram o cotidiano e são um dos instrumentos de comunicação mais eficazes e antigos da humanidade. Na Antiguidade, por exemplo, foram emblemáticas as frases escritas nos muros de Pompéia, cujos temas foram bastante diversificados: de poesias a propagandas políticas. Ao longo do tempo, essa prática foi marcada por permanências, mudanças e especificidades, de acordo com o cenário histórico, social, cultural, econômico e político de cada espaço. Dentre os momentos mais importantes da história das pichações, ressaltamos o da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985).

Durante esse período, em Recife, a pichação frequentemente era vista como algo negativo (subversão, poluição visual, marginalidade e vandalismo) devido ao fato de estar relacionada a uma série de discursos produzidos e difundidos pelo Estado, pela mídia e pela sociedade de um modo geral. Isso porque era uma atividade proibida por leis[1], que ocasionava prejuízos financeiros e estéticos aos patrimônios público e privado, valendo ressaltar que ela também era combatida pelo seu potencial simbólico e comunicativo. Os temas pichados possuíam significativa visibilidade, diante das críticas a problemas político-sociais e do seu poder para influenciar a opinião de inúmeros transeuntes que liam as frases inscritas nos muros da capital pernambucana[2]. (Error 102: La referencia debe estar ligada) (Error 103: El tipo de referencia es un elemento obligatorio) (Error 104: No existe una url relacionada)

Praticamente todos os segmentos da sociedade foram autores de pichações (integrantes de partidos políticos, segmentos de direita, estudantes, sindicalistas, feministas, etc.) e as ações, na maioria das vezes, aconteciam de madrugada, em espaços de grande visibilidade e eram realizadas por grupos armados. Enquanto uma ou duas pessoas pichavam, as demais vigiavam e protegiam o local, diante do perigo de um confronto policial. Ademais, o uso do spray era uma técnica preferencial, pois propiciava maior precisão e rapidez dos traços dos textos, que geralmente eram planejados.

Para uma maior inteligibilidade a respeito do período pesquisado, destacamos que em 1964 houve um golpe de Estado no Brasil resultante de uma coalização civil-militar antirreformista e conservadora, tendo em vista as divisões na sociedade diante de diferentes projetos sobre como deveriam ocorrer a modernização e as reformas sociais no Brasil durante a Guerra Fria (NAPOLITANO, 2014, p. 9-10). Também foram marcantes neste cenário os impactos da Revolução Cubana de 1959 e o combate às ideias e práticas nomeadas de comunistas, sendo relevante destacar que:

[...] a partir de 1964 se desenvolveu, inicialmente, no Cone Sul e posteriormente em boa parte da América Latina, a proliferação de ditaduras que adotaram a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) como referência para a compreensão da realidade com a qual se deparavam. O pioneirismo no estabelecimento dessas ditaduras civil-militares coube ao Brasil, que deu o pontapé inicial do que foi uma verdadeira onda de regimes cerceadores da limitada participação política presente naquele momento. Argentina (1966 e novamente em 1976), Chile (1973), e Uruguai (1976) sucederam o caso brasileiro. Na sequência, a quase totalidade dos países da região foi submetida a regimes autoritários, em maior ou menor grau influenciados pela DSN [...] (MENDES, 2013, p. 13)

Diferentemente de outros países da América do Sul que tiveram os legislativos fechados, partidos políticos proscritos e eleições canceladas durante ditaduras militares, no Brasil os legislativos nacional, estadual e municipal mantiveram-se funcionando, ainda que com poderes limitados (REGO, 2008, p. 12). Assim, a ditadura civil-militar brasileira deve ser vista em sua complexidade, pois não se manteve apenas pela força e pela coerção. Aparentemente paradoxal em algumas de suas políticas, foi um governo que “[...] mobilizou vários tipos e graus de tutela autoritária sobre o corpo político e social, articulando um grande aparato legal-burocrático para institucionalizar-se, aliado à violência policial-militar mais direta” (NAPOLITANO, 2014, p. 11-12).

É nesse cenário que estão inseridas as disputas políticas em torno da campanha nacional pela aprovação da Lei da Anistia e as lutas sociais em prol do retorno da democracia ao país, através de diversos instrumentos de resistências (pichações, passeatas, comícios, panfletagens, entre outros), diante da censura, vigilância e repressão social vigente. Para historicizá-lo, os relatos orais foram relevantes, ao serem concebidos como parte integrante do núcleo da investigação, e não como acessório. Eles foram elucidativos sobre diversas questões, sobretudo, das trajetórias individuais dos entrevistados, das lutas pela anistia e das práticas de pichar durante a ditadura.

Neste sentido, a partir dos relatos orais de memória de militantes que resistiram contra a ditadura civil-militar, pudemos conhecer melhor o seu cotidiano e as suas estratégias de resistência contra o governo. O depoimento de Marcelo Mário de Melo[3] é bastante elucidativo sobre o uso de pichações:

[...] nos períodos de repressão mais intensa, a pichação ficava mais difícil, pois os policiais não davam tréguas, foi quando os grupos de estudantes decidiram usar frases curtas de efeito e iniciar a pichação pelo final da frase para dar tempo das palavras mais fortes serem escritas. Ex.: Abaixo a ditadura! Viva Cuba! Fora milicos! (SILVA, 2007, p. 173)

Com base nessa experiência, verificamos que as escritas da cidade geralmente eram planejadas e construídas nos espaços públicos do Recife. Nessa situação, os discursos das mensagens clamavam pelo retorno da democracia e reverenciavam Cuba, e, por conseguinte, o seu governo comunista, considerado subversivo e repudiado pelo Estado. Vale salientar que, durante o período militar, essas atividades dispunham de algumas características diferentes das atuais, conforme o depoimento concedido por Maria do Amparo Almeida Araújo[4], que, dentre as suas atividades políticas, realizava inscrições nos muros das cidades.

[...] Primeiro teve estudo, né? A gente tinha que entender bem as questões teóricas e práticas daquele momento, então a gente estudava muito a questão da conjuntura e inicialmente eu fazia tarefas muito básicas, feito panfletagens em datas importantes, tipo eleição, 1º de maio, essa coisa toda. Eu também participei é... pichávamos muros, agora que na verdade [as pichações] eram bem diferentes de hoje, porque naquela época o simples fato de você pichar um muro já precisa de uma estrutura militar para dar cobertura, que era feito no caso pelos companheiros mais experientes da organização. [...] Geralmente eram carros, motoristas, mais duas pessoas armadas, geralmente de quatro ou cinco pessoas, tinham as pessoas que iam pra pichar o muro e as outras pagarem segurança (DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento concedido ao autor em 17/05/2008).

A partir dessa memória, verificamos como essas atividades eram perigosas, tendo em vista a censura e a repressão do contexto vigente. Devido ao risco dos autores de pichações serem detidos em suas ações, era comum eles agirem em grupos e armados, durante a madrugada – assim como realizarem atividades correlatas, como a panfletagem, conforme foi possível constatar na análise de outras fontes documentais. Para exercer as atividades de militância, às vezes era importante uma formação de leituras, no caso de Amparo, essas eram pautadas no Marxismo.

Também verificamos na pesquisa que entre as temáticas mais recorrentes nos muros da cidade do Recife durante a ditadura, destacaram-se as denúncias de torturas e a exigência de uma anistia ampla, geral e irrestrita.

No que concerne à campanha nacional pela aprovação da Lei da Anistia, ressaltamos que ela abarcou várias questões, como: os diferentes projetos de lei; a atuação do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA), do Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), de partidos políticos e de inúmeras pessoas para que retornassem ao país os exilados brasileiros e para que muitos presos políticos reconquistassem a liberdade perdida devido à repressão do Estado (GRECO, 2009, p. 193-214).

Logo após o golpe de 1964, já era possível ouvir algumas vozes isoladas clamarem pela anistia, como foi o caso da crônica de Carlos Heitor Cony publicada no jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em 18 de abril daquele ano e da entrevista concedida à revista Manchete pelo general Pery Bevilacqua, em 1966. Todavia, a criação de organizações voltadas especificamente para reivindicar a aprovação de uma lei de anistia política remonta a 1975, com o surgimento do Movimento Feminino pela Anistia (RODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE, 2011, p. 17).

Esse movimento fundado por um grupo de mulheres em São Paulo foi liderado pela advogada e ex-presa política Therezinha Godoy Zerbine, sendo marcante o lançamento e a divulgação do Manifesto da Mulher Brasileira. Um documento que registrou o anseio de uma anistia ampla e geral e a convocação da participação feminina em prol dessa campanha (PORTO, 2002, p. 83).

Salientamos que essa ação ocorreu durante o Ano Internacional da Mulher, proposto pela Organização das Nações Unidas, e contou com a colaboração de Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo que possuiu uma atuação relevante em defesa dos direitos humanos. Logo no início de sua organização, o MFPA buscou articular-se com mulheres de outros estados, com a Igreja Católica, com o Movimento Democrático Brasileiro e com a Ordem dos Advogados do Brasil (RODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE, 2011, p. 29).

Pouco tempo depois, o Movimento Feminino Pela Anistia de São Paulo ganhou mais força, conseguindo contribuir para a formação de núcleos em outras partes do país: Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Sergipe, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (GRECO, 2003, p. 69)[5].

A luta pela anistia ganhou uma grande dimensão com a crescente adesão de muitas pessoas e setores da sociedade a partir da segunda metade da década de 1970. Isso porque, alguns anos antes, a atuação estava circunscrita basicamente aos familiares dos atingidos, principalmente às mulheres, em prol da defesa dos presos políticos e da busca dos desaparecidos (GRECO, 2003, p. 69).

Na segunda metade dos anos 1970, também começaram a ser criadas entidades pró-anistia fora do país, como foi o caso do Comitê Brasil de Anistia pelo Brasil, fundado em Paris, e o Comitê Pró-Anistia Geral no Brasil, com sede em Lisboa. Em julho de 1979, existiam 30 comitês no exterior (ODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE 2011, p. 106). Nos Estados Unidos também houve protestos contra a ditadura brasileira, sendo marcante a atuação de exilados políticos brasileiros, professores de várias universidades estadunidenses, religiosos, jornalistas e universitários norte-americanos (GREEN, 2009).

Entre os dias 28 e 30 de junho de 1979, foi realizada, em Roma, a Conferência Internacional pela Anistia no Brasil, que contou a organização da Liga Internacional para os Direitos e a Libertação dos Povos e com a relevante participação do jurista Louis Joinet. Neste sentido, “o interesse pelo Brasil, mais uma vez, justificava-se por sua posição-chave na instauração de ditaduras e no sistema imperialista na América Latina” (ROLLEMBERG, 1999, p. 248).

Esse evento ocorreu próximo à data da aprovação da Lei da Anistia e conseguiu reunir exilados e comitês de anistia de vários países. Entre os presentes, destacamos: Gregório Bezerra, Francisco Julião, Apolonio de Carvalho, dezessete deputados do MDB, representantes do movimento pela anistia do Brasil e líderes sindicais (ROLLEMBERG, 1999, p. 248-249). A resolução final da conferência foi resultante da síntese dos trabalhos de seis comissões: política, sindical, jurista, agricultura, mulheres e comitê dos desaparecidos. Ela rejeitou a proposta de anistia parcial apresentada pelo governo brasileiro, com os seguintes posicionamentos:

Denunciar o caráter restritivo da proposição de anistia da ditadura e lutar até o fim por uma anistia ampla, geral e sem restrições. [...] lutar pela revogação de toda a legislação repressiva do regime, pela dissolução dos organismos de repressão política, pela apuração dos crimes que cometeram e a punição dos criminosos’. [Também foi declarado] [...] apoio ao movimento popular democrático que luta no Brasil pelo fim do regime ditatorial e pela conquista das mais amplas liberdades, particularmente para os trabalhadores brasileiros que, certamente, afastarão para sempre o arbítrio, a prepotência e a opressão (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 01/07/1979, Capa).

Dessa forma, a luta pela anistia abarcou questões muito mais amplas, que foram além da aprovação da lei. Ela significou também o combate à ditadura militar e todo o seu aparato repressivo, a punição aos torturadores e o apoio a segmentos sociais como os trabalhadores. Exigia-se, assim, uma anistia ampla para todas as ações de oposição à ditadura; geral para todas as pessoas que foram vítimas da repressão e irrestrita, ou seja, sem restrições e discriminação aos atingidos pelo estado de exceção. Essa campanha ganhou mais força em 1978, quando se formaram os primeiros Comitês Brasileiros pela Anistia, nas capitais e outras cidades do Brasil. Nesse momento, diversos setores participaram dessa luta, como: estudantes, artistas, trabalhadores, operários, professores e membros da Igreja Católica.

O CBA-PE e os diferentes projetos de lei

O Comitê Brasileiro de Anistia, núcleo de Pernambuco (CBA-PE), atuou inicialmente de forma não oficial e começou a organizar-se no segundo semestre de 1978, com a realização de espetáculos artísticos e atos públicos, com destaque para a manifestação em prol dos direitos humanos realizada no Morro da Conceição, em Recife. Diante da efervescência das lutas políticas, da intensa participação social, dos debates sobre a aprovação da Lei da Anistia e de uma maior organização e ação dessa instituição, o CBA-PE foi lançado oficialmente às 20 horas, do dia 18/04/1979.

Esse evento ocorreu no auditório da sede do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Pernambuco, localizado na Rua do Hospício, centro do Recife. Foram marcantes a luta pelo respeito aos direitos humanos e a reivindicação de liberdade para os brasileiros que sofreram com as arbitrariedades da ditadura, ao ser defendida uma anistia ampla, geral e irrestrita.

O espaço ficou lotado e contou com a presença de várias pessoas, entre elas: ex-presos políticos, estudantes de diferentes universidades, o presidente regional da Ordem dos Advogados do Brasil Dorany Sampaio, o presidente regional do MDB Jarbas Vasconcelos, líderes religiosos, familiares de presos e desaparecidos políticos, a exemplo de Marcelo de Santa Cruz Oliveira[6], além do primeiro e único presidente do CBA-PE, o deputado do MDB, Eduardo Pandolfi (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio 19/04/1979, Capa; SÁ, 2007, p. 261).

Os periódicos Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio, ao anunciarem a programação desse ato, salientaram a participação de representantes dos jornais da imprensa alternativa Em Tempo, Movimento, Versus e Jornal dos Bairros, do Movimento Feminino Pela Anistia de Pernambuco e de Sergipe, de associações profissionais e de bairros, do CBA de Campina Grande, de diretórios estudantis e outros segmentos sociais (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio 17/04/1979, Caderno I, p. 5. Diario de Pernambuco, 18/04/1979, Capa).

Além disso, constou na programação a realização de uma feira de arte para arrecadar fundos para o Comitê, devido à doação de obras de diversos artistas, como: Bajardo, João Câmara, Delano, Alves Dias, Adolfo Sérgio, Paulinho de Olinda, Montez Magno, Nazareno Petrúcio. Durante a reunião houve espaço para a leitura de um texto escrito por Edval da Silva Nunes Cajá e de cartas elaboradas por outros presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo e da Colônia Penal Feminina Bom Pastor (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio 18/04/1979, Capa).

No que tange à estruturação do CBA-PE, após uma eleição, os membros elegeram a seguinte diretoria provisória: Eduardo Chaves Pandolfi como presidente, Marcelo Cavalcanti como vice-presidente, Luzineide Brandão como primeira secretária, Lia Parente Costa como segunda secretária e Cesário como tesoureiro (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio 17/04/1979, Caderno I, p. 5). Destacamos que outras pessoas possuíram uma participação importante no comitê, a exemplo de Nadja Brayner, que também chegou a exercer a função de vice-presidente.

Segundo Eduardo Pandolfi, essa foi uma instituição civil sem fins lucrativos e com uma estrutura de atuação simples. As reuniões eram semanais para decidir questões políticas, e cada membro possuía uma função sem muitos detalhamentos de atribuições e dava a sua contribuição financeira para a campanha política[7]. Ele também lembrou que cada CBA era independente, existindo uma relação de fraternidade e não de subordinação entre eles. Além disso, ressaltou que foi marcante o incentivo e a ajuda de membros do CBA do Rio de Janeiro para o surgimento do comitê pernambucano.

Marcelo de Santa Cruz Oliveira foi uma das pessoas importantes para essa fundação[8]. Ele participou da formação do Comitê Brasileiro de Anistia no Rio de Janeiro em 01 de fevereiro de 1978, o primeiro do país[9], atuando na Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos, que realizou atividades associadas às Comissões Exilados e Perseguidos e Presos e Torturados. Além disso, foi articulador em nível nacional da formação de vários Comitês, a exemplo de São Paulo.

Em depoimento, Marcelo de Santa Cruz Oliveira narrou que o contato com Pernambuco foi intenso, tendo em vista o fato de alguns membros de família e outros companheiros manterem relações bastante próximas antes da ditadura e posteriormente, ao serem integrantes do CBA-PE. Assim como em outras regiões do Brasil, essa instituição foi composta por familiares de presos, mortos e desaparecidos políticos e por pessoas que possuíam um sentimento de defesa da democracia e da liberdade contra o arbítrio. Além disso, esse advogado lembrou que:

O Comitê de Pernambuco, do Rio [de Janeiro], de São Paulo, todos eles obedeciam mais ou menos o mesmo formato. O Comitê tinha uma comissão de coordenação ou poderíamos chamar de uma comissão executiva, que era formada geralmente por um presidente, por um secretário e por uma pessoa encarregada pela mobilização, outro encarregado pela questão dos levantamentos dos documentos e tinham as comissões. As comissões em relação aos presos políticos que se encontraram em muitas greves de fome que ocorreram e era importante o comitê se mobilizar junto às pessoas e entidades que estavam solidários com aquela luta, para que os companheiros não fossem mortos e conseguissem sobreviver às condições precárias que se encontravam no sistema carcerário [...] e também a questão dos mortos e desaparecidos políticos que era outra comissão do Comitê que tinha um trabalho muito importante, porque na época de 1971 até meados de 1975 ocorreram vários desaparecimentos (DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento concedido ao autor em 15/12/2011.)

Ressaltamos que, apesar de várias pessoas estarem ligadas por meio de uma rede de solidariedade, união e ação política com o objetivo de aprovar uma lei da anistia ampla, geral e irrestrita e de exigir do Estado o respeito aos direitos humanos quanto à questão dos mortos e desaparecidos políticos durante a ditadura militar, havia conflitos entre elas. Isso ocorreu porque não se tratou de um grupo homogêneo e pela existência de embates por poder entre os militantes, ou seja, havia disputas e discordâncias sobre quem deveria estar na vanguarda dessa campanha e como ela deveria ser conduzida. No que concerne a essa questão, Eduardo Pandolfi lembrou:

Nós decidimos, então, como um passo importante, formar o Comitê Brasileiro Pela Anistia dentro da sede do Partido do Movimento Democrático Brasileiro [na época MDB], isso criou um problema muito grande, muita gente ficou irritada, [afirmando] que não podia ser, que a atuação do Comitê tinha que ser fora, não podia ser dentro, principalmente o Partido Comunista Brasileiro não aceitava, mas nós criamos dentro, porque nós não tínhamos facilidade financeira [...]. Além do mais, nós tínhamos a noção que a luta pela anistia era um aspecto restritivo da luta política do povo brasileiro que era representada pelo PMDB, o PMDB era o geral e a Anistia era o particular, era assim que nós víamos basicamente a questão. [...] [Sobre o pouco diálogo entre o MFPA-PE e o CBA-PE] O Movimento Feminino Pela Anistia surgiu antes e queria que os homens exercessem um papel apenas de auxiliares [da luta] pela anistia. E os homens por sua vez queriam exercer uma função de comando, de direção. Daí surgiu [sic] os conflitos (DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento concedido ao autor em 28/01/2012).

Apesar desses conflitos partidários e de gênero, a união entre os segmentos que atuaram em prol da Anistia foi muito grande, possibilitando uma mobilização nacional em defesa das liberdades democráticas. Nesse momento, foram marcantes os diversos encontros que possibilitaram maior organização, articulação e ação política dessa campanha, quando participaram diversos núcleos do MFPA e CBA e vários setores da sociedade, como: Sociedades de Defesa dos Direitos Humanos, partidos políticos, associação de moradores, Movimento Estudantil, sindicatos e movimentos culturais[10].

Diante desse cenário de lutas em que diversos segmentos sociais exigiram uma anistia sem restrições, a proposta do projeto de Lei da Anistia do presidente Figueiredo foi concedê-la às pessoas que tiveram seus direitos políticos negados e que cometeram crimes políticos ou conexos. Também foram incluídos os servidores da administração pública e de fundações vinculadas ao poder público, ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo e os militares punidos com base em atos complementares ou institucionais (ODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE, 2011, p. 190-191).

Esse projeto gerou muitas discussões sociais e embates políticos, principalmente no que tange a dois pontos. Os segmentos de oposição ao governo criticaram a concessão da anistia às pessoas que cometeram crimes conexos, que na interpretação “[...] dada na época, significava que a medida atingiria todos os membros do aparato repressivo que, a serviço da ditadura, torturaram, mataram, sequestraram e fizeram desaparecer centenas de pessoas” (ODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE, 2011, p. 191).

O segundo ponto foi a exclusão das pessoas nomeadas de terroristas, ou seja, aquelas que realizaram crimes de assalto, atentado pessoal e sequestro durante ações que estiveram relacionas à luta pelo fim da ditadura e à sobrevivência diante da atuação do aparato repressivo na sociedade. A fotografia[11] 01 registra como as pichações que não possuem autoria identificada foram utilizadas em um espaço de grande visibilidade e fluxo de transeuntes/leitores para criticar o projeto de Lei da Anistia de Figueiredo, ao defender a ideia de que “TERRORISTA É A DITADURA QUE MATA E TORTURA”.


01
Fotografia 01 Pichação no centro do Rio de Janeiro/RJ, 1979.
http://www.memoriasreveladas.gov.br/ cgi/cgilua.exe/sys/ start.htm?sid=18>. Acesso em: 12/08/2011

Enquanto a fotografia 02 é concernente ao uso de pichações em prol de uma anistia “TOTAL” e “GERAL”, com a assinatura do MDB: partido combativo à ditadura e à proposta de anistia parcial do governo. Salientamos que nessas duas imagens os textos escritos nos muros são inteligíveis, diferentemente de algumas pichações atuais, tendo em vista a relevância de se comunicar em um período de censura e repressão social.


02
Fotografia 02 Pichações em prol da anistia total, sem identificação do local, 1979.
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/memoriasreveladas/4033937145/ in/photostream/>. Acesso em: 27/06/2015

No que tange à atuação do MDB em Pernambuco, o deputado Hugo Martins, por exemplo, criticou o projeto de anistia parcial antes do seu envio ao Congresso Nacional. Ele defendeu que a anistia deveria ser ampla, geral e irrestrita, afirmando que a sociedade brasileira e os setores de oposição ao governo “[...] recebem essa anistia parcial não como uma dádiva, mas sim como fruto das duras lutas que toda a sociedade brasileira travou e trava ao longo desses quinze anos [de ditadura]” (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 10/05/1979, Caderno I, p. 3). Dessa forma, esse político viu a concessão da anistia como resultante de lutas sociais e não como um ato de benevolência do Estado.

Ao analisar o encaminhamento do projeto ao Congresso, o ex-prefeito do Recife, Antônio Farias[12], elogiou a iniciativa do presidente, salientando que “[...] a anistia, além de um gesto político, histórico, faz com que todos os brasileiros conheçam melhor as intenções de um presidente que sempre esteve a sua mão estendida à conciliação” (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 29/06/1979, Política, p. 3). Boa parte dos políticos da ARENA-PE teve um posicionamento semelhante ao de Antônio Farias, tendo em vista serem aliados do presidente Figueiredo.


03
Fotografia 03 Reportagem Anistiar terrorista: sim ou não?
Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Política, p. 6

A fotografia 03 é referente à outra atividade política comum nos muros da cidade do Recife: a colagem de cartazes com fins propagandísticos da anistia com o slogan “NÃO QUEREMOS LIBERDADE PELA METADE”, objetivando mobilizar a população em prol dessa causa. Além disso, o título da reportagem problematiza outra questão dessa arena de disputas sociais: Anistiar ou não os presos nomeados de terroristas durante a ditadura? Esse ponto do projeto de discussão gerou muitos embates não apenas entre políticos do MDB e da ARENA em Pernambuco, mas também entre diversos setores da sociedade antes, durante e após a tramitação do projeto de Lei da Anistia no Congresso Nacional, conforme foi possível verificar nos jornais locais.

Poucos dias antes da aprovação da Lei, o Diario de Pernambuco entrevistou algumas pessoas para saber a opinião delas sobre esse assunto, devido à visibilidade dessa discussão em diversos jornais do país e à atuação dos movimentos que lutaram por uma anistia ampla, geral e irrestrita.

O presidente da OAB, Seção Pernambuco, Dorany Sampaio contestou o uso do termo terrorista, ao argumentar que diante da repressão violenta do Estado, “com prisões, seqüestros [sic], torturas, desaparecimentos e mortes de pessoas [...] houve por parte de muitos, uma resposta violenta. Eu não chamo isso de terrorismos” (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Política, p. 6). Esses foram alguns dos motivos que fizeram com que ele defendesse uma anistia ampla, geral e irrestrita. Salientamos que esse advogado foi um militante atuante na luta pela anistia irrestrita, estando os seus discursos permeados por esse posicionamento político crítico às arbitrariedades da ditadura militar.

Sônia Marques, presidenta do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Seção Pernambuco, também criticou o termo terrorismo para nomear as pessoas que realizaram manifestações de cunho reivindicatório ou contestatório à ditadura, assim como as restrições do projeto da Lei da Anistia. Ela declarou que quem:

[...] fez terrorismo no Brasil, fora[m] os que invadiram as universidades, mataram, feriram, prenderam e torturaram estudantes, professores, profissionais, enfim, todos os setores que se opuseram ao regime injusto e totalitário? O terrorismo partiu dos órgãos oficiais de repressão. Aqueles que responderam a violência com violência, por descrédito em qualquer outra forma de luta – e que foram os que mais bravamente lutaram e sofreram nos tempos difíceis na repressão pós-68, cujo único crime foi defender os interesses do povo brasileiro – não podem ser excluídos da anistia. É bom lembrar o número de mortos que a anistia não devolverá ao nosso convívio. (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Política, p. 6)

Conforme foi possível verificar nos jornais pesquisados, o Instituto dos Arquitetos do Brasil esteve bastante presente na reivindicação de uma anistia sem restrições juntamente com outras instituições, entre elas, a Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Brasileira de Imprensa e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Enquanto Joel Sampaio de Arruda Câmara, advogado, empresário, presidente da Associação de Pequenas Empresas, e ex-advogado e líder das Ligas Camponesas até 16/01/1963, foi contra a proposta de conceder anistia às pessoas nomeadas de terroristas. Ele teria afirmado que:

Anistiar terroristas é escarrar na face das suas vítimas, direta ou indiretamente nas pessoas de seus filhos, órfãos e esposos. É um ultraje à Justiça que mantém encarcerados aqueles que furtaram, roubaram por falta de educação e trabalho e o Estado, a Igreja e a Sociedade lhes negaram. (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Política, p. 6)

Chamou-nos a atenção como Joel Câmara, uma pessoa cujas práticas políticas estiveram vinculadas a lutas por melhorias sociais que se contrapuseram ao Estado, como foi o caso das Ligas Camponesas em Pernambuco, mudou de posicionamento, ao criticar as pessoas que lutaram contra a ditadura arriscando as suas vidas. A luta dos que foram chamados de terroristas foi compreendida por esse entrevistado como ações contra a família, sem problematizar que muitas delas foram torturadas, mortas e desaparecidas, cujos familiares também sofreram com essas arbitrariedades.

A tortura foi um dos discursos bastante recorrentes durante a luta pela anistia. O ex-preso político José Adelino Gomes, após sair da Penitenciária Barreto Campelo, quando cumpriu dez anos e três meses de prisão, denunciou que ele e outros companheiros foram torturados pelo médico do Hospital da Aeronáutica, Dr. Ângelo (não mencionou o sobrenome). Relatou que esse profissional controlou o nível de “tortura dos presos a fim de evitar que morressem [e] executou diversas torturas com choques elétricos, queimaduras de cigarro, pau de arara e as diversas pancadarias que o acompanhavam no interrogatório” (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 18/05/1979, Cidade, p. 9).

José Adelino Gomes denunciou esse médico ao Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, por meio de uma carta assinada por todos os presos que, segundo ele, foram torturados pelo Dr. Ângelo. Diante das denúncias recebidas por presos políticos, esse órgão abriu inquérito para apurar as denúncias (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 19/05/1979, Cidade, p. 5). Conforme veremos a seguir, a Lei da Anistia de 1979 beneficiou os torturadores, diante de interpretações equivocadas sobre ela. A pichação da fotografia 04 foi uma crítica a essa Lei, ao exigir a punição a essas pessoas que cometeram arbitrariedades contra os direitos humanos, após a aprovação dessa lei.


04
Fotografia 04 Pichações reivindicando punição aos torturadores. Recife, 1980
Acervo Iconográfico - Museu da Cidade de Recife. Tombo nº 18. Referência nº 14515.

Os atos públicos e a greve de fome de 1979

Também destacamos que os atos públicos foram um instrumento de resistência na luta pela anistia. No dia 30/04/1979, aproximadamente duas mil pessoas reuniram-se em Olinda, no Largo do Amparo, para exigir uma Lei da anistia que fosse ampla, geral e irrestrita, a convocação de uma Constituinte e o desmantelamento de órgãos de informações como o Serviço Nacional de Informações. Nessa data, várias pessoas discursaram, como foi o caso de Marcílio Domingues, Germano Coelho, Eduardo Pandolfi, Jarbas Vasconcelos, Marcos Freire e Teotônio Vilela. Nesse ato, sete ex-deputados cassados filiaram-se ao MDB (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 01/05/1979, Capa e Caderno I, p. 3).

As manifestações públicas em prol da campanha da anistia sem restrições estiveram sob a lógica da vigilância dos agentes do Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco. Eles coletaram/apreenderam uma propaganda política referente ao ato público realizado na Praça do Diário, centro do Recife, no dia 02/07/1979, um espaço em que ocorreram muitas manifestações contra a ditadura (fotografia 05).


05
Convite para ato público pela anistia na Praça do Diário, Recife,02/07/1979.
Acervo do DOPS-PE - APEJE. Prontuário Funcional nº 29747.

Esse convite registrou quais foram os segmentos sociais que organizaram e convocaram a população para exigir anistia para todos que lutaram contra a ditadura e reivindicaram outras questões, a exemplo de melhores condições de trabalho e vida para os brasileiros. Salientamos que a figura do preso político foi elaborada pelo chargista Clériston, que no jornal de grande circulação Diario de Pernambuco elaborou diversas charges cujos discursos geralmente foram combativos à ditadura e/ou apoiaram as reivindicações sociais.

A fotografia 06 é concernente a esse protesto contra as limitações do projeto de Lei da Anistia de Figueiredo. As faixas expressam a amplitude dessa luta, ao denunciarem o quantitativo de mortos, desaparecidos e exilados durante quinze anos de ditadura militar e divulgarem outro anseio: a libertação dos presos políticos que poderiam ser beneficiados com essa lei. Os bancos da praça tornaram-se um palanque para os militantes discursarem. Se por um lado a estrutura da manifestação foi precária, por outro, ela contribuiu para haver um contato mais próximo com a população presente.


06
Ato público pela aprovação da Lei da anistia ampla, geral e irrestrita.
Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco 02/07/1979, Política, p. 3.

Estiveram presentes nesse dia Dorany Sampaio, presidente da OAB-PE, o presidente regional do MDB, Jarbas Vasconcelos; os deputados federais Marcus Cunha e Roberto Freire, além de deputados estaduais e representantes da União Nacional dos Estudantes. Alzira Medeiros, do DCE-UFPE e integrante da diretoria provisória da UNE leu uma nota de solidariedade que foi enviada pelo Comitê Brasileiro de Anistia de Campina Grande/PB (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 02/07/1979, Política, p. 3).

A campanha pela Anistia também foi ponto de discussão durante o XXXI Congresso da UNE, ocorrido em maio de 1979, em Salvador, tendo em vista que muitos estudantes atuaram nos CBAs e que o debate acerca dessa questão ganhou cada vez mais espaço social (ARAÚJO, 2007). Esse encontro foi fundamental para a reorganização do principal órgão de representação estudantil, que foi posto na ilegalidade em 1964.

Nesse momento também foi lida uma carta em apoio à soltura de Edval da Silva Nunes Cajá, preso político, autor de pichações e estudante de Ciências Sociais da UFPE. Devido a sua atuação política, ele foi sequestrado por agentes da polícia federal de Pernambuco e, posteriormente, preso e torturado em 1978. No que tange às memórias de Edval Cajá sobre as denúncias e lutas contra a sua prisão, foi marcante a relevância do uso de pichações:

[...] Na minha prisão existiu muita pichação. Nas manifestações tinham “greve amanhã”, “passeata amanhã”, “Cajá está preso, você vai a aula?”, [...] pegaram papel de cartolina, emendaram várias cartolinas e picharam “Cajá está preso, você vai a aula?” e colaram na parede. O [jornal] Diario [de Pernambuco] fotografou. [Os estudantes] passaram o dia escrevendo e no dia seguinte saiu na capa do jornal. A partir desse dia suspenderam a tortura e começou a greve [estudantil]. Então foi uma pichação levada para não pichar o prédio, pra não dar confusão [...] colaram lá. [...] Mas eu creio que o tiro saiu pela culatra, o prejuízo saiu muito maior. O movimento que eles [os agentes da polícia federal] queriam frear, ao contrário, cresceu. Foi a primeira greve que aconteceu de 69 para cá, não tinha tido outra. E a greve se espalhou até a [Universidade] Federal do Paraná. Queriam intimidar o trabalho de dom Hélder, da Igreja [Católica], das Comunidades [Eclesiais] de Base e ao contrário, elas se politizaram mais com a minha prisão, passaram a ter uma atuação mais política. O Setor Jovem e o próprio MDB, até o grupo chamado de autêntico, passou a se manifestar com discurso em Brasília e aqui na Assembleia [Legislativa de Pernambuco], então a tática deles foi equivocada (DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento concedido ao autor em 25/01/ 2012).

Com a aproximação da votação do projeto de Lei da Anistia, outra alternativa de resistência contra a proposição de uma anistia restrita foi a realização de greves de fome. As pichações “apoio a greve de fome”, “anistia para todos” (fotografia 07), “abaixo a repressão”, “liberdade para os presos de Itamaracá”, “todo apoio à greve de fome”, “terrorista é a ditadura” e “não à anistia do governo” foram realizadas em bairros periféricos e no centro do Recife com o objetivo de divulgar e buscar apoio social para a greve de fome de nove dos onze presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá/PE, iniciada em 30/07/1979 (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 30/07/1979, Capa; Política, p.11. Jornal do Commercio, 01/08/1979, Polícia, p. 23).


07
Pichações alusivas ao apoio à greve de fome e à luta pela anistia.
Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 01/08/1979, Cidade, p. A3

Os grevistas foram Alberto Vinicius Melo do Nascimento, José Calixtrato Cardoso Filho, José Edmilson Ribeiro, Francisco de Assis Barreto da Rocha Filho, Luciano Almeida, Edilson Freire Maciel, Rholine Sonde Cavalcanti, Valmir Costa e Arlindo Felipe da Silva. Os presos políticos Samuel Firmino de Oliveira e Francisco Ferreira de Lima alegaram não ter participado dessa estratégia de resistência por problemas de saúde (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 01/08/1979, Polícia, p. 23).

Essa não foi a primeira greve de fome dos presos políticos dessa penitenciária, mas a de 1979 teve outro objetivo: repudiar o projeto de anistia parcial e restrita do governo. Assim como em outros estados, essa greve ocorreu após a deflagração da greve de fome dos presos políticos do presídio Frei Caneca, no Rio de Janeiro, iniciada em 22/07/1979[13]. As mães, irmãs e esposas dos presos políticos de Itamaracá buscaram apoio social por meio da crítica ao projeto de anistia parcial e da defesa da realização dessa greve, ao distribuírem uma carta no dia 01/08/1979:

Nós, familiares dos presos políticos recolhidos à Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá – PE, estamos mais uma vez nos dirigindo a todos os interessados na luta pelos direitos humanos e à população em geral, através dessa carta, a fim de demonstrarmos o nosso mais profundo repúdio à anistia parcial que o Governo pretende dar. – Se mais uma vez nossos familiares e seus companheiros de outros Estados estão em greve de fome, não é porque sintam prazer no sofrimento e sim por rejeitá-lo veementemente. E é por rejeitarmos alguns anos de sofrimento que não podemos aceitar um projeto que ousa receber o nome de anistia, pois por anistia entendemos um ato em que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 02/08/1979, Política, p. 3)

No dia 04/08/1979, após a permissão do diretor da Penitenciária Barreto Campelo, alguns familiares e os deputados Roberto Freire (integrante da Comissão Mista do Congresso que examinou o projeto da anistia) e Tarcísio Delgado visitaram os presos grevistas para acompanhar o seu estado de saúde, que segundo esses deputados, era bom (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 05/08/1979, Política, p. 3). A alimentação dos grevistas foi à base de dosagens racionadas de sal, açúcar e água.

Em 07/08/1979, o Comitê Brasileiro pela Anistia de Pernambuco, distribuiu panfletos para exigir a anistia ampla, geral e irrestrita, a libertação imediata de todos presos políticos, a volta dos exilados e a reintegração imediata de todos os servidores públicos civis e militares que perderam seus cargos por razões políticas (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 08/08/1979, Política, p. 4).

No dia 11/08/1979, os presos políticos foram transferidos da Penitenciária para o Hospital da Polícia Militar, após a determinação do Secretário de Justiça, Luiz Gonzaga de Vasconcelos, que atendeu às solicitações dos familiares desses detentos. Um grupo de companheiras dos grevistas alegou que, em Itamaracá, além do isolamento carcerário em si, os detentos só recebiam visitas no sábado. O diretor administrativo desse hospital informou que eles poderiam ser visitados diariamente, entre 14 e 16 horas. Inclusive, receberam, no dia da transferência, a visita de dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife que teve uma participação bastante expressiva durante a ditadura militar (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 12/08/1979, Política, p. 3).

Segundo as declarações prestadas por familiares dos nove grevistas, em 13/08/1979, eles apresentaram um estado de saúde satisfatório e estavam dispostos a continuar a greve de fome até que fosse conquistada a anistia ampla, geral e irrestrita. No dia seguinte, cerca de 700 pessoas participaram de um ato público pela anistia na Praça do Diario que foi promovido pelo CBA-PE, em que novamente apoiaram a luta dos presos políticos da Penitenciária Barreto Campelo.

Participaram desse protesto o presidente do CBA-PE, deputado Eduardo Pandolfi, Fernando Lira, Hugo Martins, Sérgio Longman, o estudante Edval Nunes da Silva Cajá (recém-libertado da prisão) e integrantes da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife, Centro Brasil Democrático, UNE e Diretórios Estudantis da UFRPE, UFPE e UNICAP (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 15/08/1979, Política, p. 2).

Em 18/08/1979, a situação de saúde dos detentos estava pior, pois aumentou para três o número de pessoas que passaram a tomar soro: Arlindo Felipe da Silva, Rholine Cavalcante e Edmilson Freire Maciel. A situação mais grave foi a de Rholine, que reclamou de dores muito fortes (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Capa).

O apoio aos grevistas da Penitenciária de Itamaracá ocorreu também fora de Pernambuco. Em Porto Alegre, três manifestantes gaúchos em solidariedade a eles iniciaram, no dia 16/08/1979, uma greve de fome sob uma dieta diária de um litro de água, três gramas de bicarbonato, três gramas de sal, comprimidos de vitamina C, cálcio e cloreto de potássio (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 19/08/1979, Capa).

Todavia, com a aprovação da Lei da Anistia em 22/08/1979, logo em seguida os presos políticos de Itamaracá e do Rio de Janeiro suspenderam a greve de fome (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 23/08/1979, Capa). Apesar desse movimento grevista não ter obtido uma anistia ampla, os presos políticos conseguiram receber o apoio de diversos segmentos sociais, dar visibilidade aos seus ideais e aos seus manifestos e passaram a ser nomeados de presos políticos e não mais de terroristas (ODEGHERO; DIENSTMANN; TRINDADE 2011, p. 239).

A volta dos exilados e a aprovação da Lei nº 6.883/1979

Outra questão relacionada à luta pela anistia foi a volta dos exilados brasileiros do exterior. Para Denise Rollemberg, o exílio durante a ditadura civil-militar foi uma tentativa do Estado de eliminar e afastar pessoas que questionaram e se contrapuseram à ordem ditatorial. Todavia ela salienta que essa foi:

[...] uma experiência heterogênea, vivida em função de uma série de variáveis [...], inclusive de traços de personalidade de cada um. Assim, houve quem suportasse situações adversas, as mesmas nas quais outras sucumbiram e vice-versa. E mesmo há quem foi capaz de lutar, bravamente, pela vida em momento de perigo e, passada a ameaça, entraram em processo de autodestruição. Ou seja, as trajetórias no exílio variaram não só de pessoa para pessoa, mas também na mesma pessoa, segundo razões explicadas, muitas vezes, pelas circunstâncias históricas, mas que vão muito além destas, dizem respeito a um mundo subjetivo que só a História não dá conta. (ROLLEMBERG, 2004, p. 279-280)

Salientamos que em 1978, durante o final do governo do presidente Ernesto Geisel, foram extintos o coercitivo Ato Constitucional nº 5 (AI-5) e as penas de morte, prisão perpétua e banimento. Diante desse cenário, várias pessoas que foram banidas puderam retornar ao Brasil e foi dado um passo importante na luta pela redemocratização a partir de medidas legais do Estado (FICO, 2001, p. 251).

No dia 30 de maio de 1979, Maria do Socorro dos Santos regressou ao Recife, após cinco anos e meio de exílio na França. Essa historiadora chegou bastante emocionada ao Aeroporto dos Guararapes, quando reencontrou seus familiares e amigos, como: o advogado de presos políticos Pedro Eurico de Barros, que representou a Comissão de Justiça e Paz e Marcelo Mário de Melo e Nadja Brayner do Comitê Brasileiro de Anistia, núcleo de Pernambuco.

Maria do Socorro dos Santos afirmou à Imprensa que a sua saída do país ocorreu devido às perseguições políticas, alegando não estar respondendo nenhum processo policial e nunca ter participado de partido político. Além disso, relatou que a sua pretensão naquele momento foi voltar a trabalhar e reintegrar-se aos costumes brasileiros (Hemeroteca – APEJE. Jornal do Commercio, 31/05/1979, Cidade, p. 6).

Em 04/07/1979, o advogado Marcos José de Castro Guerra conseguiu voltar à capital pernambucana, depois de quatorze anos de exílio em Paris. Ele foi preso em 1964, por ter aplicado o método de alfabetização de Paulo Freire na cidade de Angicos/RN. Após ter passado alguns meses na prisão, conseguiu ser solto por um habeas-corpus e seguiu para a Europa, tendo o seu Inquérito Policial Militar arquivado.

Salientamos que em dezembro de 1977, esse advogado tentou retornar ao Brasil, mas teve o seu passaporte negado pela Embaixada Brasileira em Paris. O documento só foi liberado em setembro de 1978, quando Marcos José entrou com um mandado de segurança contra o Ministério das Relações Exteriores (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 03/07/1979, Política, p. 4). Outros exilados também conseguiram regressar às terras brasileiras.

Com a proximidade do dia da votação da Lei da Anistia, as tensões e as discussões políticas aumentaram, tendo em vista as diferentes propostas de projeto e opiniões da sociedade acerca desse assunto, conforme foi possível verificar nos jornais pesquisados. Uma manifestação bastante marcante ocorreu em 21/08/1979, em Brasília, quando aproximadamente cem pessoas do Comitê Pela Libertação dos Presos Políticos de Itamaracá protestaram contra o projeto de anistia parcial de Figueiredo (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 22/08/1979, Política, p. 2-3).

Muitas delas vieram de caravanas de diferentes partes do país. O ato foi programado para acontecer em frente às Lojas Americanas, onde estiveram presentes cerca de trezentos soldados, que não interferiram na ação. O grupo de manifestantes fez comícios relâmpagos ao lado do Banco Regional de Brasília, estando bem próximos aos militares. Em seguida, ele cantou o hino nacional e seguiu para as galerias do edifício Arnaldo Villares, onde foram feitos discursos contra a ditadura e convocou-se a população a participar da manifestação no final da tarde nas rampas do Congresso Nacional em defesa de uma anistia ampla, geral e irrestrita.

No Congresso a situação foi diferente, pois na chegada das caravanas houve conflitos com os seguranças. Eles apreenderam vários panfletos, cartazes e faixas dos militantes; alguns deles com fotografias e nomes de mortos e desaparecidos políticos. Nesse clima de tensão, algumas pessoas também foram proibidas de entrar nesse prédio e deputados do MDB intervieram em defesa delas (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 22/08/1979, Política, p. 3).

Nesse cenário de intensa disputa política, houve muitos debates entre os deputados no dia 22/08/1979, quando o projeto de Anistia foi votado no Congresso Nacional. A sessão foi tumultuada e acompanhada por membros dos Comitês de Anistia e por recrutas das Forças Armadas (Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 22/08/1979, Capa). Analisemos a imagem a seguir:


08
Charge “Saiu a Anistia!!”.
Hemeroteca – APEJE. Diario de Pernambuco, 23/08/1979, Opinião, p. 11.

As charges possuem um forte poder comunicativo, tendo em vista a capacidade de sintetizar ideias e discussões do cenário político com discursos que geralmente chegam ao público de forma impactante. A criatividade, a comicidade e o humor também são aspectos marcantes nesse tipo de linguagem, pois o riso muitas vezes é utilizado como arma relevante nas lutas políticas, com o objetivo de enfraquecer os adversários, ao tentar construir uma imagem negativa sobre eles.

A charge da fotografia 08 registrou um preso político com um dos pés acorrentados que ficou feliz ao saber que foi aprovada em 22 de agosto de 1979, a Lei nº 6.883, conhecida como Lei da Anistia (promulgada em 28 de agosto). Ao tomar conhecimento de que ela era restrita, ficou bastante triste, porque naquele momento não poderia mais conseguir a sua libertação imediata da prisão.

Essa situação pode ser estendida a muitas pessoas que viveram uma situação semelhante. A Anistia não foi ampla, geral e irrestrita, como boa parte da sociedade brasileira almejou, tendo em vista que ela não contemplou todas as pessoas punidas pela ditadura militar, pois “[...] o retorno ou reversão às antigas atividades e aos postos ocupados pelos afastados ou aposentados pelo regime militar (civis e militares) dependia de aprovação da administração competente pelo respectivo cargo” (PORTO, 2009, p. 66), tendo o anistiado que solicitar oficialmente esse tipo de deferimento.

Além disso, essa Lei excluiu as pessoas condenadas por terem cometido crimes considerados ações de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal e o seu artigo 1º foi indevidamente interpretado, tendo em vista que muitos torturadores foram beneficiados por ele. De acordo com esse artigo, foi concedida anistia a todos aqueles que entre 02/09/1961 e 15/08/1979 cometeram crimes políticos ou conexos com estes, ou seja, com motivação política. Neste sentido, o texto de Fábio Comparato é bastante esclarecedor quanto aos problemas de interpretação da abrangência da Lei da Anistia:

A expressão ‘crimes políticos’, obviamente, designa os crimes contra a segurança nacional, definidos e apenados sucessivamente, durante o período determinado na Lei n. 6.683, pela Lei n. 1.802, de 1953, pelo Decreto-lei n. 314, de 1967, e pelo Decreto-lei n. 898, de 1969. Nenhum desses diplomas legais incluiu, entre os crimes contra a soberania nacional, o homicídio praticado por agentes policiais ou militares, a tortura de presos, ou o desaparecimento forçado de pessoas. Se estes últimos crimes não podem ser considerados ‘políticos’, seriam ao menos conexos com os crimes contra a segurança nacional? A conexão delitiva pode ser considerada sob o aspecto material ou procedimental. No primeiro caso, ela é reconhecida quando existe um liame entre os vários crimes praticados pelo mesmo agente, em concurso material. Esse liame, como foi salientado, pode ser de natureza teleológica, consequencial ou simplesmente ocasional. Mas, obviamente, só se reconhece a conexão material quando o agente ou os agentes criminosos (coautoria) são os mesmos. Não existe concurso algum entre os crimes contra a segurança nacional imputados às vítimas de desaparecimento forçado e prática deste último delito: os agentes são diversos, a motivação é diferente, os objetivos são distintos. (COMPARATO, 2000, p. 53)

Ressaltamos que um exemplo de crime conexo bastante comum foi o de falsidade ideológica, porque muitos militantes precisaram falsificar a sua identidade com o intuito de tentar conseguir desenvolver na clandestinidade as suas atividades políticas devido à intensa perseguição e violência praticada contra os que combatiam a ditadura militar[14]. Ainda hoje, a Lei da Anistia é alvo de muitas discussões e lutas para punir torturadores e militares envolvidos em práticas desrespeitosas aos direitos humanos e exigir justiça e “verdade” sobre as atrocidades cometidas contra a sociedade brasileira durante a ditadura militar.

Considerações finais

Diante disso, conforme pudemos analisar ao longo deste trabalho, a luta pela anistia foi uma campanha que conseguiu mobilizar e unir parte significativa da sociedade. Neste sentido, as pichações registraram fatos cotidianos, tensões, embates e conflitos políticos e tiveram a finalidade de expressar opiniões e mobilizar pessoas a lutar e/ou apoiar a luta pelo retorno da democracia no Brasil, tornando-se um relevante instrumento político de comunicação e denúncia social.

As formas de reivindicação foram múltiplas, sendo marcantes também os atos públicos, comícios e greves de fome. Destacamos que nessa campanha a sociedade não exigiu apenas uma anistia ampla para todas as práticas políticas de oposição à ditadura; geral para todas as pessoas que foram vítimas da repressão e irrestrita, ou seja, sem restrições e discriminação aos atingidos pelo estado de exceção. Foi uma grande mobilização em nível nacional em defesa dos direitos humanos e da democracia, ao clamarem pelo fim da ditadura, por punição aos torturadores, pelo combate ao aparato repressivo do Estado e por justiça às pessoas que sofreram com as arbitrariedades do Estado.

A luta pela aprovação de uma Lei de anistia ampla, geral e irrestrita adquiriu uma grande dimensão no final dos anos 1970, pois a mobilização não ficou mais basicamente circunscrita às mulheres e familiares dos mortos e desaparecidos políticos. Nesse cenário político foram importantes a realização de pichações e a formação e atuação de organizações voltadas especificamente para lutar em prol dessa causa, como foi o caso do MFPA, do CBA e das entidades pró-anistia do exterior. Além da participação de inúmeras pessoas e segmentos sociais em todo o Brasil, com destaque para os partidos políticos, OAB, Igreja Católica, trabalhadores urbanos e rurais, artistas, estudantes, professores e associações de bairros.

Destacamos também que mesmo diante das limitações, a aprovação dessa medida legal foi uma relevante conquista social, ao permitir, também, que muitas pessoas pudessem exercer uma militância partidária e que retornassem ao Brasil exilados como: Márcio Moreira Alves, Leonel Brizola, Luís Carlos Prestes, Francisco Julião, Gregório Bezerra e Miguel Arraes, que almejaram e lutaram por um espaço no cenário político nacional. Com a volta dos exilados e com o fim bipartidarismo em 1979, um novo e acirrado cenário de disputas políticas configurou-se no país.

Referências

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BERNARDES, Denis. Recife: o caranguejo e o viaduto. Recife: Ed. UFPE, 1996.

COMPARATO, Fábio Konder. A responsabilidade do Estado brasileiro na questão dos desaparecidos durante o regime militar. In: TELES, Janaina (Org.) Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2000, p. 47-55.

DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Eduardo Pandolfi, concedido ao autor em 28/01/2012.

DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Edval da Silva Nunes Cajá, concedido ao autor em 25/01/ 2012.

DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Maria do Amparo Almeida Araújo, concedido ao autor em 17/05/2008.

DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Marcelo de Santa Cruz Oliveira, concedido ao autor em 15/12/2011.

FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2001.

GRECO, Heloisa Amélia. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. 2003, 559f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Belo Horizonte, 2003.

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GREEN, James. Apesar de vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

HEMEROTECA – APEJE. Diario de Pernambuco, 18/04/1979, Capa.

HEMEROTECA – APEJE. Diario de Pernambuco, 01/07/1979, Capa.

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HEMEROTECA – APEJE. Diario de Pernambuco, 02/08/1979, Política, p. 3.

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HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 17/04/1979, Caderno I, p. 5.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 18/04/1979, Capa.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 19/04/1979, Capa.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 01/05/1979, Capa e Caderno I, p. 3

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 10/05/1979, Caderno I, p. 3.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 18/05/1979, Cidade, p. 9.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 19/05/1979, Cidade, p. 5.

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HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 29/06/1979, Política, p. 3.

HEMEROTECA – APEJE. Jornal do Commercio, 01/08/1979, Polícia, p. 23.

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Notas

[1] Lei Municipal nº 7.427, de 19 de setembro 1961, do Código de Urbanismo e Obras do Recife e Lei de Segurança Nacional aplicada por meio da Lei nº 6.620, de 17 de dezembro de 1978.
[2] Para um aprofundamento acerca do uso de pichações durante a ditadura, consultar: SOARES, 2015.
[3] Jornalista, ex-militante do Movimento Estudantil, fundador do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), em Pernambuco e ex-preso político. Atualmente, é assessor de comunicação da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e escritor.
[4] Ex-militante do Movimento Estudantil e da Ação Libertadora Nacional (ALN), foi uma das fundadoras e presidente do Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco (MTNM-PE) e engajada na luta da Anistia e dos Presos Políticos. Atualmente, é secretária da Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã da prefeitura de Recife.
[5] Diferentemente do CBA-PE, durante a pesquisa obtivemos poucas informações acerca do Movimento Feminino Pela Anistia de Pernambuco (MFPA-PE). Isso se deveu ao fato de o surgimento e atuação desse Movimento serem anteriores ao período por nós investigado, o que demandaria outra pesquisa. Além disso, geralmente os documentos consultados não se detiveram aprofundadamente sobre a ação desse segmento social, ao não mencionarem, por exemplo, quais eram os seus integrantes. Outra problemática é a escassa historiografia sobre a história política de Pernambuco do final da ditadura militar, principalmente sobre os anos de 1979 a 1985. Acreditamos que o MFPA-PE e o CBA-PE merecem um estudo específico sobre eles, devido à relevância da sua atuação na campanha pela anistia, com destaque para a participação feminina. Destacamos que é importante levar em consideração as relações de gênero entre homens e mulheres e como isso influenciou o cenário sócio-histórico. A elas, por exemplo, houve maior permissividade para expressar, mesmo durante o auge da repressão ditatorial, os seus sentimentos sobre a difícil situação dos mortos, desaparecidos, exilados e presos políticos. Não é por acaso a expressiva e significativa participação feminina na luta em defesa dos mortos e desaparecidos políticos e da aprovação da Lei da Anistia sem restrições, pois muitos dos atingidos pela ditadura foram familiares dessas militantes. Esperamos que futuramente, com novos estudos, esse hiato historiográfico possa ser diminuído.
[6] Irmão do desaparecido político Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira. Fernando nasceu em Recife/PE, em 20 de fevereiro de 1948, estado onde atuou no Movimento Estudantil Secundarista, entre 1964 e 1968. Ele chegou a ser preso em 1966, juntamente com Ramires Maranhão do Vale, devido a uma manifestação de rua contra os acordos MEC/USAID. Em 13 de dezembro de 1968, Fernando mudou-se para o Rio de Janeiro, onde ingressou no curso de Direito da Universidade Federal Fluminense, em 1972. No ano seguinte, mais especificamente em um sábado de carnaval, no dia 23 de fevereiro, foi preso com o pernambucano Eduardo Collier por agentes do DOI-Codi/RJ. Os dois eram militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML) e, atualmente, são alguns dos integrantes da lista de mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar. Destacamos que o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal Fluminense e o Diretório Acadêmico da Universidade Católica de Pernambuco têm o nome de Fernando Santa Cruz (MIRANDA; TIBÚRCIO, 2008, p. 587-588).
[7] DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Eduardo Pandolfi, concedido ao autor em 28/01/2012. Esse advogado elegeu-se deputado estadual pelo MDB no final da década 1970, período em que foi um dos fundadores e o primeiro e único presidente do Comitê Brasileiro de Anistia, núcleo de Pernambuco.
[9] Posteriormente, surgiram os CBAs da Bahia e de Goiás em abril de 1978, os CBAs de São Paulo, Londrina/PR e do Rio Grande do Norte em maio de 1978 e os CBAs de Santos, São Carlos e Brasília em junho de 1978 (GRECO, 2003, p. 88).
[10] Entre esses eventos, destacamos: a 1ª Reunião Conjunta dos Movimentos de Anistia, que aconteceu em Brasília, nos dias 05 e 06 de agosto de 1978; o Encontro Nacional de Movimentos Pela Anistia de Salvador, que ocorreu de 07 a 09 de setembro de 1978; o I Congresso Nacional Pela Anistia, realizado nas dependências da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e do Instituto Sedes Sapientiae, entre 02 e 05 de novembro de 1978; o II Congresso Nacional Pela Anistia, Salvador, de 15 a 18 de novembro de 1979; os III e IV Encontros Nacionais de Movimentos Pela Anistia, realizados respectivamente no Rio de Janeiro (15 a 17 de junho de 1979) e São Paulo (07 e 08/07/1979); e a Conferência Internacional Pela Anistia (Roma, entre 28 e 30 de junho de 1979). Para um aprofundamento acerca dessas manifestações, ver: GRECO, 2003.
[11] A fotografia é o “[...] resultado de um trabalho social de produção de sentido, pautado sobre códigos convencionalizados culturalmente. É uma mensagem que se processa através do tempo” (MAUAD, 1996, p. 79). É um testemunho visual que acompanha a memória da sociedade, tornando-se um relevante documento para o estudo do passado. Ao analisá-lo, torna-se importante identificar questões como: os discursos presentes, quando/como foram produzidos, os personagens e espaços registrados.
[12] Eleito por via indireta, foi prefeito de Recife entre os anos de 1975 e 1979. Para maiores informações acerca da sua gestão, ver: BERNARDES, 1996, p. 95-98.
[13] Houve greve de fome de presos políticos em 1979, também em Fortaleza, Natal, São Paulo e Salvador. Disponível em: . Acesso em: 23/11/2011.
[14] Conforme DVD Entrevistas da pesquisa. Depoimento de Marcelo de Santa Cruz, concedido ao autor em 15/12/2011. Consultar também a documentação do Acervo do DOPS-PE do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano, do Movimento Tortura Nunca Mais de Pernambuco e do Centro de Documentação e Memória - Associação 64-68 Anistia do Ceará.
[8] Marcelo de Santa Cruz Oliveira nasceu em 14 de janeiro de 1944, em Recife/PE. Participou da manifestação de rua de 01 abril de 1964, nessa capital, contra a deposição do governador Miguel Arraes, quando presenciou o assassinato dos estudantes Jonas José de Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar. Enquanto estudante de Direito da UFPE, Marcelo foi atingido pelo Decreto –Lei nº 477/1969, sendo obrigado a exilar-se em vários países da Europa. Em 1971, voltou ao Brasil, residindo no Rio de Janeiro, onde foi um dos fundadores do CBA-RJ. Ele é irmão do desaparecido político Fernando Santa Cruz (caso discutido anteriormente) e voltou a morar em Pernambuco em 1981, após a aprovação Lei da Anistia, ajudando a formar o Movimento Tortura Nunca Mais, desse estado, em 1986. Atualmente, é vereador de Olinda pelo Partido dos Trabalhadores, militante dos Direitos Humanos e coordenador adjunto do Centro dom Hélder Câmara de Estudos e Ação Social. Entrevista realizada em 15/12/2011, pelo autor; (BARROS, 2009, p. 43-44)

Informação adicional

Para citar este artigo: SOARES, Thiago Nunes. Gritam os muros: “anistia ampla, geral e irrestrita”. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 8, n. 17, p. 350 - 383. jan./abr. 2016.



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