Editorial
Editorial
O segundo exemplar da Revista Tempo e Argumento de 2016, nesta edição de n.18, surge em meio ao contexto de perplexidade com que nos deparamos diante dos recentes acontecimentos políticos no Brasil, especialmente considerando o resultado do processo de impeachment que culminou na deposição da Presidenta eleita. A fragilidade da democracia brasileira tem sido um tema cada vez mais recorrente nas reflexões contemporâneas. Em março deste mesmo ano, antecipando o crescente agravamento da crise, Boaventura de Souza Santos posicionou-se, em texto que circulou por diversas redes sociais e apontou para os perigos da “judicialização da política” ou do “hiper-ativismo judicial’, denunciando excessos na Operação Lava Jato. [1]
O olhar do anjo de Paul Klee[2] também expressa nosso assombro diante do aparente retorno de condições e impasses que acreditávamos superados pelas experiências traumáticas do século XX. Sob este aspecto, historiadores de diferentes perspectivas teóricas e distintos vínculos institucionais, vem posicionando-se no exercício de seu ofício e mediante uso de instrumental de análise específico oferecendo alternativas de compreensão sobre a atual conjuntura, apoiando possibilidades de definição da ação política.
Permanece a indagação sobre como é possível o surgimento de posições tão refratárias ao exercício da liberdade e cidadania como princípio democrático no país, considerando nossa história recente, onde ainda impactam os debates e as produções historiográficas sobre os 50 anos do Golpe Civil-Militar e os ecos da Comissão da Verdade.
Tudo isso em meio a tramitação de projetos de lei por iniciativa do Estado, que interferem diretamente no exercício da história como ensino e campo disciplinar, a exemplo da proposta de Reforma do Ensino Médio e das reincidentes tentativas de ação do movimento Escola sem Partido, atuando nas instâncias parlamentares.
Em 1977, Ingmar Bergman tornou célebre a expressão “o ovo da serpente” ao apresentar no cinema um retrato sobre a cidade de Berlim de 1923[3], prenunciando o nascimento do nazismo a partir da gestação dos elementos que ganharam densidade e forma nas décadas seguintes. A história do tempo presente é signatária direta da emergência do trauma na história, que teve no Holocausto judeu, assim como de outros grupos étnicos e sociais, uma das mais expressivas áreas de abordagem e interesse pela historiografia, diante das contribuições de autores como Andreas Huyssen[4] e Dominick LaCapra.[5] Em tais circunstâncias, outras posições acrescentam-se, apontando para a importância do ensino de história como possibilidade de atualização do conceito de trauma, como sugerem Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schuster, estendido as dinâmicas brasileiras e latino-americanas como fenômenos analisados.[6]
Como não lembrar de Hannah Arendt diante dos acontecimentos mais recentes, sua percepção sobre o papel e o espaço da escola como referência a construção de uma sociedade onde o exercício da liberdade é condição de ação política. Na “banalidade do mal”, conforme sentenciou, o esvaziamento do humano em meio as instituições e práticas que deveriam representar e defender cada indivíduo ou o exercício do posicionamento moral diante das decisões cotidianas.[7]
Dizer ou calar? Pensar ou sentir? Escrever ou viver a história? Como ser historiador hoje? Como ousar o exercício da liberdade, do pensar, que vem da história?
Na defesa do campo disciplinar da história como forma de atuação no presente, em oposição a ameaça de interferência por profissionais de “notório saber” nas instituições escolares, apontamos para nosso direito de ensinar a história e aprender com ela.
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A presente edição da revista Tempo e Argumento (T&A) celebra com os leitores, autores e avaliadores a última estratificação feita pela CAPES em que foi classificada como A2. Essa vitória é fruto de um trabalho intenso dos colegas que assumiram a equipe editorial desde o lançamento da revista no ano de 2009. Destacamos ainda, o apoio PAP-UDESC-FAPESC relacionado a participação dos grupos de pesquisa vinculados ao PPGH/UDESC, entre os quais, o Grupo Memória e Identidade, Relações de Gênero e Família e Ensino de História, Memória e Culturas. Todos foram solidários ao contribuir com o custeio da tradução dos artigos para língua estrangeira, fator obrigatório para a internacionalização da revista.
A T&A tem como foco a História do Tempo Presente. Manter as publicações em sincronia com essa proposta tem sido um desafio, mas também uma grande satisfação, visto que a cada nova edição temos recebido volume expressivo de artigos inéditos, tanto de pesquisadores brasileiros, quando de países estrangeiros, com destaque para as constantes contribuições de colegas da América Latina.
Na primeira edição deste ano publicamos 15 artigos, nesta são 16 e para dezembro já estamos com previsão de número igual ou superior, ou seja, nas três edições de 2016 teremos publicado quase 50 trabalhos inéditos. Isso é fruto de muita labuta da equipe editorial, com destaque para o profissionalismo do secretário Anderson Mendes, bem como dos pareceres efetuados pelos avaliadores externos. À medida que o número de submissões de artigos aumenta, fica o desafio de selecionar, avaliar e publicar no prazo mais curto possível os textos selecionados. Desafio que envolverá, com essa nova estratificação, trabalho redobrado, pois percebemos a tendências de aumento de interesse em publicar na revista.
Uma amostra da diversidade e qualidade dos trabalhos publicados na T&A pode ser vista nesta edição. Abrimos com o dossiê Humor e Política. Ele foi coordenado pelas professoras Mara Burkart da Universidad de Buenos Aires e Conceição Pires da UNIRIO. Elas contribuíram na divulgação da proposta e, sobretudo, na agilidade do processo de avaliação. Movemos um número expressivo de avaliadores ad-hoc e chegamos ao resultado de 11 artigos selecionados somente para a temática proposta. Trata-se de trabalhos que apontam para a diversidade e complexidade teórica e metodológica da interface da histórica com o humor no Brasil e no mundo. O resultado poderá ser apreciado pelos leitores nesta edição que conta também com uma breve apresentação do dossiê e justificativa do ordenamento proposto para os artigos.
Segue-se a publicação de 4 artigos de demanda contínua que apontam para discussões sobre arte, música, direito e religiosidade. Na seção Resenha incluímos 3 trabalhos. Na seção de Entrevistas constam também 3 contribuições, sendo uma em formato de vídeo, dialogando com a resenha apresentada, e duas transcritas, sendo uma especialmente elaborada para a temática do dossiê.
Esperamos que os artigos tragam contribuições para o debate e produção científica na área de história e que possam suscitar reflexões sobre as questões sociais e políticas vivenciadas no mundo contemporâneo.