Servicios
Descargas
Buscar
Idiomas
P. Completa
Sentido público, direções privadas: o processo de formação político-institucional da Fiocruz (1970-1979)
Tiago Siqueira Reis
Tiago Siqueira Reis
Sentido público, direções privadas: o processo de formação político-institucional da Fiocruz (1970-1979)
Public sense, private directions: the political-institutional formation process of the Fiocruz (1970-1979)
Revista Tempo e Argumento, vol. 10, núm. 24, pp. 410-451, 2018
Universidade do Estado de Santa Catarina
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: Este artigo tem por objetivo compreender a trajetória político e organizacional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre os anos de 1970 e 1979, com ênfase na elaboração das estruturas normativas e funcionais, em especial no modelo de gestão empreendido nos primeiros anos da Fiocruz e no chamado processo de “recuperação de Manguinhos” (1975-1979), a partir da análise das fontes oficiais da instituição, sobretudo dos estatutos, dos relatórios de atividades e planos estratégicos. Partimos da hipótese de que se forjou na Fiocruz um projeto político-institucional constituído pela simbiose entre uma lógica funcional privada que se alimenta de sua identidade pública, no qual os interesses de natureza privada se sobrepõem à edificação de uma estrutura pública e estatal. Portanto, almejamos traçar uma análise crítica da trajetória da Fiocruz, compreendendo a formação de suas bases político-organizacional, os conflitos entre a noção de público e privado na instituição, bem como quais projetos foram contemplados.

Palavras-chave:Fundação Oswaldo Cruz – HISTÓRIAFundação Oswaldo Cruz – HISTÓRIA,Fundação Oswaldo Cruz – Aspectos políticosFundação Oswaldo Cruz – Aspectos políticos,Manguinhos (Rio de JaneiroManguinhos (Rio de Janeiro,RJ)RJ).

Abstract: This article seeks to grasp the trajectory organization and politics in the Oswaldo Cruz Foundation (Fiocruz), between the years 1970 and 1979, with an emphasis on the preparation of normative and functional structures, particularly in the management model undertaken in the early years of the Fiocruz and in the so-called ‘Manguinhos recovery’ process (1975-1979), based on the analysis of official sources from the institution, especially the statutes, activity reports, and strategic plans. We start from the hypothesis that a political-institutional project has been designed in the Fiocruz, which consists of a symbiosis between a private functional rationale that feeds on its public identity, where private-sector interests overlap the building of a public and State-based structure. Therefore, we aim at delineating a critical analysis of Fiocruz’s history, including the formation of its political-organizational bases, conflicts between the notion of public and private spheres in the institution, as well as which projects were considered.

Keywords: Oswaldo Cruz Foundation - HISTORY, Oswaldo Cruz Foundation - Political aspects, Manguinhos (Rio de Janeiro, RJ).

Carátula del artículo

Artigos

Sentido público, direções privadas: o processo de formação político-institucional da Fiocruz (1970-1979)

Public sense, private directions: the political-institutional formation process of the Fiocruz (1970-1979)

Tiago Siqueira Reis
Universidade Nova de Lisboa, Brasil
Revista Tempo e Argumento, vol. 10, núm. 24, pp. 410-451, 2018
Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 30 Diciembre 2017

Aprobación: 24 Mayo 2018

Introdução

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) é uma instituição pública e estatal de ciência e tecnologia (C&T), vinculada ao Ministério da Saúde brasileiro, criada em 25 de maio de 1900 a partir do Instituto Soroterápico Federal, com sede na cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Manguinhos. A Fiocruz se destaca como a mais importante do setor na América Latina e um dos mais proeminentes patrimônios científicos e tecnológicos da saúde brasileira, voltado às finalidades de ensino, pesquisa, informação, tecnologia, produção de bens e serviços e apoio estratégico ao Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de contribuir para melhorar a qualidade de vida da população[1].

Investigar a história de uma instituição centenária e de fundamental importância para a saúde pública brasileira é, sem dúvida, um desafio que requer análise detalhada de sua organização interna e de sua política. Assim, o objetivo desta pesquisa foi compreender os aspectos político-institucionais da Fiocruz, a partir da discussão dos ordenamentos políticos, normativo-estruturais, de funcionamento e, sobretudo, do processo de construção de seu modelo de gestão, entre os anos de 1970 e 1979. A escolha da baliza temporal compreende o ano de criação da entidade enquanto fundação pública de direito privado (Fiocruz), abrangendo o período conhecido como “recuperação de Manguinhos” (1975-1979), responsável por estabelecer o estatuto da entidade que perdurou até 2003.

Para dar conta de nossa proposta, analisamos as fontes oficiais produzidas pela Fiocruz entre 1970 e 1979, com destaque para os relatórios de atividades, os planos estratégicos, os boletins e os demais documentos internos. Buscamos perceber o não dito, os discursos legitimadores e o subentendido por meio das fontes oficiais. Não obstante, esta pesquisa não pretende avançar nos conflitos internos que extrapolam a temática do modelo de gestão, como, por exemplo, as lutas dos trabalhadores da Fiocruz por maior autonomia nos campo de pesquisa, ensino e desenvolvimento tecnológico[2].

Nesse sentido, a investigação busca traçar um contraponto à historiografia especializada[3] sobre a entidade, que, em sua grande maioria, enquadra-se em uma perspectiva saudosista e elogiosa, carregando uma visão positiva dos fenômenos internos do ponto de vista das políticas de natureza gerencial atreladas ao dinamismo econômico, organizacional e de expansão institucional. Além disso, a interpretação tradicional defende a ideia de “recuperação” de Manguinhos a partir da gestão de Vinícius da Fonseca à frente da presidência da Fiocruz (1975-1979), na qual se afirma um processo de ganhos institucionais (estrutural, organizacional, econômico e político, dentre outros) para a fundação. Desse modo, almejamos compreender como se organizou e desenvolveu a política interna na Fiocruz, acreditando ser necessário relativizar a ideia de “recuperação” e buscando perceber quais projetos são contemplados na edificação das bases institucionais forjadas nesse período.

Dimensões estruturais da Fiocruz

A década de 1960 revelou as contradições políticas, econômicas e sociais do desenvolvimento capitalista brasileiro, marcado pelo rompimento do pacto populista por meio do golpe civil-militar de 1964[4]. Os anos subsequentes sob domínio do regime ditatorial (1964-1985) preconizaram o papel do Estado brasileiro como agenciador do capital privado, expropriando os trabalhadores, investindo diretamente no setor produtivo mediante um capitalismo monopolista[5] e dependente da economia internacional, que culminou em um processo de intensa acumulação de capital e de concentração de renda (MENDONÇA, 2003).

O regime se instaurou sob uma base totalitária e repressiva, com o objetivo de modernizar o capitalismo nacional de modo a privilegiar e promover a prosperidade da empresa privada, orientada pelo capital estrangeiro, por meio de reformas institucionais, dentre elas a reforma administrativa. Renato Lemos (2014) aponta que os militares se preocuparam em dominar as relações de classe, mediante uma política de “terrorismo de Estado”, suprimindo as reações dos adversários e, fundamentalmente, institucionalizando mecanismos de legitimação e domínio de suas ações, sobretudo com os chamados atos institucionais (AI)[6], e pela promulgação da Constituição Federal de 1967 (BRASIL, 1967a). Nas palavras de Octávio Ianni (1977), verificou-se a “hegemonia do executivo”, com predomínio absoluto do Poder Executivo sobre os demais poderes.

Nessas condições, arquitetou-se um processo de reforma da administração pública, com o propósito de “obter que o setor público possa operar com a eficiência da empresa privada”[7]. A reforma administrativa, como salienta Claudia Guimarães (1990, p. 160), configurou-se na “expressão mais acabada do processo de reordenamento institucional dos aparelhos econômicos estatais que promove o Governo Castelo”. As transformações na administração pública estão relacionadas à política econômica[8] e às premissas políticas do regime civil-militar de legitimação do poder instaurado.

O regime civil-militar promulgou a nova Constituição Federal em 24 de janeiro de 1967 (BRASIL, 1967a), que, de certo modo, favoreceu a aprovação da reforma administrativa um mês depois, em 25 de fevereiro de 1967, por meio do Decreto-Lei n. 200 (BRASIL, 1967b), dispondo sobre a organização da administração federal e estabelecendo as diretrizes para a reforma administrativa. Em síntese, o Decreto-Lei n. 200/1967 concentra seus esforços em regular e delimitar a estrutura, as atribuições, as normas, o funcionamento e o desenvolvimento da administração pública, dividindo-a em administração direta[9] e indireta[10].

A reforma administrativa revelou a descentralização das atividades do poder público federal, isentando as instituições descentralizadas de sanções públicas mediante o não cumprimento dos programas acordados (DIAS, 1969, p. 77). O Decreto-Lei n. 200/1967 também prevê o regime celetista (disposto na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT)[11] para os trabalhadores da administração pública, refletindo especialmente sobre a perda da estabilidade do cargo e a não obrigatoriedade dos concursos públicos. A Lei n. 6.185/1974 (BRASIL, 1974d) estabelece que a administração indireta só admitirá servidores regidos pela legislação trabalhista, sem os direitos de greve e sindicalização[12]. Assim, os funcionários públicos estatutários poderão optar pelo regime celetista de acordo com o art. 4º da referida lei. Como resultado dessas medidas, como indica o estudo de Gileno Marcelino (1989), evidenciou-se uma nítida política de flexibilização e precarização do funcionalismo, ao passo que, em 1988, o percentual total de trabalhadores do serviço público chegou a 6% sob o regime estatuário e 94% assentes no regime celetista.

Nessa direção, Luciano Martins denomina revolução silenciosa[13] o processo descontrolado e desordenado dos governos militares, preconizado pelo desejo de libertar-se da rigidez burocrática e dos baixos salários da administração pública, conduzindo à precariedade das relações de trabalho em direção aos contratos típicos do setor privado e promovendo a expansão das empresas estatais. Desse modo, estimulou-se o crescimento das entidades públicas descentralizadas de caráter eminentemente empresarial, como fica evidente no art. 27 do Decreto-Lei n. 200/1967, que assegura “às empresas públicas e às sociedades de economia mista, condições de funcionamento idênticas às do setor privado”[14]. Portanto, o projeto de descentralização da administração pública promoveu o crescimento em ritmo acelerado das diferentes modalidades jurídicas dispostas pela administração indireta[15].

Na esteira dos grandes projetos de legitimação do regime civil-militar e da expansão das instituições da administração pública, o mineiro de Ouro Preto, Francisco de Paula Rocha Lagoa[16], assumiu em 30 de outubro de 1969 o cargo de Ministro da Saúde do Brasil, posto que ocupou até junho de 1972. Durante sua gestão, elaborou um audacioso projeto de criação de um grande polo em saúde pública brasileira e o epicentro desse novo empreendimento seria representado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A ideia de Lagoa se assentou em aproveitar a possibilidade oferecida pelo regime ditatorial civil-militar de instituir entidades estatais sob a designação fundação de direito privado[17]. Essas fundações estavam na moda na época, em grande medida porque conferiam ao ente público a capacidade de orientar-se por instrumentos legais cabíveis ao direito privado, ou seja, às premissas organizacionais e legais do setor privado (SCHWARTZMAN, 2001).

Desse modo, Rocha Lagoa à frente do Ministério da Saúde, com apoio e participação do Poder Executivo, representado pelo General Emílio Garrastazu Médici, originam na cidade do Rio de Janeiro, aproveitando-se do campus do IOC, no bairro de Manguinhos, o maior centro de pesquisa científica e tecnológica em saúde pública da América Latina. O “novo” empreendimento em saúde ganhou o nome de Fundação Instituto Oswaldo Cruz – podendo ser chamado simplesmente de Fiocruz –, construído a partir da fusão de renomados institutos de pesquisa científica em saúde no Brasil em uma só identidade jurídica e constitutiva, por meio do Decreto n. 66.624, de 22 de maio de 1970 (BRASIL, 1970a), são eles: Instituto Oswaldo Cruz[18], Instituto Fernandes Figueira, do Departamento Nacional da Criança[19], Instituto Nacional de Endemias Rurais, do Departamento Nacional de Endemias Rurais[20], Instituto Evandro Chagas, da Fundação Serviços de Saúde Pública[21] e o Instituto de Leprologia, do Serviço Nacional de Lepra[22].

Em 13 de agosto de 1970, por meio do Decreto n. 67.049, instituiu-se o estatuto da fundação, que contou com a incorporação de mais duas unidades, o Instituto de Produção de Medicamentos e Produtos Profiláticos (Ipromed)[23], derivado da fusão do Serviço de Produtos Profiláticos, até então ligado ao Departamento Nacional de Endemias Rurais, e o Departamento de Soros e Vacinas do Instituto Oswaldo Cruz, e o Instituto Presidente Castello Branco[24], nova denominação da Escola Nacional de Saúde Pública, criada em 1954.

Assim, o novo empreendimento criado pelo regime ditatorial civil-militar adquiriu formato a partir da aprovação do estatuto que formalizou e estabeleceu as diretrizes para a fundação. No aspecto legal, a Fiocruz ganhou personalidade jurídica de direito privado, enquadrada no Código Civil brasileiro como fundação privada, vinculada ao Ministério da Saúde. Do ponto de vista gerencial, o estatuto previa plena autonomia administrativa, financeira, técnica-científica, didática e disciplinar. A natureza jurídica conferida à Fiocruz revela a personificação de um ente público sob uma norma jurídica inteiramente nova, tendo em vista que o modelo de fundação para entidades públicas foi uma novidade no arcabouço jurídico brasileiro nesse período, proporcionada pelo Decreto-Lei n. 200/1967 (BRASIL, 1967b).

A instituição manteve as mesmas finalidades do IOC construídas por seu fundador, Oswaldo Cruz, em ensino, pesquisa e produção. No primeiro recai a responsabilidade de realizar pesquisas científicas no campo da medicina experimental, da biologia e da patologia; no segundo cabe a responsabilidade de formar e aperfeiçoar pesquisadores em ciências biomédicas, sanitárias e demais profissionais da saúde; por fim, em nível da produção, fica incumbida a elaboração e fabricação de produtos biológicos, profiláticos e medicamentosos para as atividades da fundação e do Ministério da Saúde, tendo em vista as necessidades do país e as exigências da Segurança Nacional[25].

Definidos os instrumentos legais desse “novo” empreendimento em saúde pública, os institutos, que em grande medida já vinham contribuindo para o desenvolvimento da ciência em saúde, tiveram pela frente o desafio de compor uma unidade e uma identidade, sob a direção do IOC e sob a designação Fiocruz. Porém, o funcionamento das instituições que compõem o complexo fundacional não sofreu impactos significativos no que diz respeito ao modus operandi anterior à criação da Fiocruz (BENCHIMOL e TEIXEIRA, 1993). A reestruturação planejada e formalizada das funcionalidades ocorreu a partir de 1976, no Governo Geisel. Desse modo, durante longos 15 anos do regime ditatorial, a fundação se viu na tarefa de criar um sentido unitário, um projeto político institucional a fim de dizer a que veio.

“Recuperação de Manguinhos” para quais interesses?

A direção da Fiocruz e o regime civil-militar foram incapazes de construir nos primeiros anos um projeto institucional unificador que promovesse uma identidade para a fundação. Vários fatores contribuíram para seu fracasso, dentre eles o irrisório respaldo político do Ministério da Saúde no quadro governamental, que, de certo modo, contribuiu para aprofundar o descaso acerca dos repasses orçamentários, que não passava de 1% do produto interno bruto (PIB) neste período (BENCHIMOL, 2001). Em segundo lugar, Rocha Lagoa, como o grande formulador desse novo empreendimento, não foi capaz de traçar um planejamento que conferisse sentido à fusão dos institutos, tampouco de convencer os institutos quanto à importância de unir-se em busca de objetivos comuns.

Em terceiro lugar, o processo de decadência do poder simbólico da instituição, que, de acordo com a historiografia, sugere que os primeiros anos da Fiocruz foram marcados, dentre outros aspectos, pela perda do respaldo político do IOC no cenário nacional, pela fragilidade interna decorrente da nova configuração institucional e pelo descaso do regime com a C&T em saúde[26]. Um dos fatores centrais nesse processo se deve aos conflitos existentes entre os projetos de C&T para o país, tendo de um lado pesquisadores que defendiam uma ciência aplicada e de outro os defensores da ciência básica e da ciência como produção[27].

Um segundo conflito se mostrou fundamental para a compreensão do desprestígio do instituto nos primeiros anos pós-golpe – referimo-nos às disputas entre os pesquisadores que defendiam uma ciência dependente, sobretudo a partir da proposta estadunidense de Vannevar Bush para a C&T, que, dentre outros aspectos, propunha a pesquisa aplicada como de interesse da iniciativa privada e a pesquisa básica como meio produtor de saber disponível para a indústria e seus interesses comerciais. Contrapondo a visão de dependência científica, havia um grupo de pesquisadores em nível nacional e também de Manguinhos com a proposta de criar um Ministério da Ciência que fosse capaz de promover um espaço de participação da comunidade científica nas decisões acerca da construção de um projeto científico e tecnológico de base nacional, com políticas autônomas e com liberdade cientifica diante das regras impostas pelos órgãos governamentais (HAMILTON, 1989).

No entanto, após o golpe civil-militar de 1964, o cotidiano social, econômico e político de Manguinhos se altera substancialmente. O quadro de pesquisadores que vislumbravam um ministério das ciências e sua desvinculação do Ministério da Saúde, visando a maior autonomia, passam a ser duramente perseguidos pela ditadura e por opositores internos, como, por exemplo, o ex-presidente do instituto Olympio da Fonseca Filho (1949-1953) e Rocha Lagoa, defensores do projeto estadunidense.

Um quarto aspecto que devemos levar em consideração diz respeito a uma suposta crise financeira e econômica para justificar a chamada “crise” de Manguinhos. Os estudos realizados acerca da C&T em saúde no Brasil apontam um papel de subalternidade diante dos recursos e das políticas governamentais, em especial a trajetória do IOC e os primeiros anos da Fiocruz[28]. O depoimento do pesquisador da Fiocruz Haity Moussatché[29] ajuda a compreender esse fenômeno no interior da entidade, quando sugere que a saúde jamais pertenceu ao grupo de prioridades do Estado para o desenvolvimento da nação – pelo contrário, caracterizou-se pelos baixos investimentos ao longo de todo o século XX, o que por sua vez, contribuiu para o sucateamento da instituição no nível financeiro e político. O investimento na saúde tinha cariz imediatista, especialmente no que se refere ao Instituto de Manguinhos, direcionando-se, principalmente ao combate às enfermidades. Moussatché (1998) argumenta que as gestões de Oswaldo Cruz (1902-1917) e Carlos Chagas (1917-1934), tidas como as mais emblemáticas, souberam, cada uma à sua maneira, aproveitar as circunstâncias políticas de sua época. Portanto, a carência de recursos enfrentada pela Fiocruz nos primeiros anos de sua criação pode ser percebida como uma carência estrutural da C&T em saúde no Brasil, bem como a ausência de políticas voltadas à instituição e a falta de autonomia política e organizacional dos agentes internos sob domínio das instâncias do Poder Executivo federal.

Em quinto lugar, a estrutura jurídica traçada pelo estatuto da Fiocruz, de 1970, mesmo que indicasse autonomia e flexibilidade administrativa e financeira, mantinha certas normas de controle, como por meio do Conselho Administrativo[30] e do repasse das receitas de produção para o governo federal. O status de fundação de direito privado nos moldes corretos de orientação mercadológica, como previsto pelo Decreto-Lei n. 200/1967 (BRASIL, 1967b), ainda não havia sido colocado em prática; assim, seria preciso desatar os nós da estrutura jurídica do estatuto.

O desafio do regime e da direção da Fiocruz para solucionar tais problemas, nos primeiros anos de seu funcionamento, consistiu em buscar alternativas de obtenção de recursos financeiros para além do orçamento do Ministério da Saúde, produzir um projeto institucional que conferisse coerência ao novo empreendimento em saúde, reformular os aspectos legais assentes no estatuto e, sobretudo, forjar uma gestão direta na fundação que estivesse em total harmonia com a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), o Ministério da Saúde e o Presidente da República.

No que diz respeito à institucionalização da fundação nos programas financeiros, coube a responsabilidade aos planos de desenvolvimento relacionados à área da C&T. Esse setor passou a fazer parte das preocupações do desenvolvimento econômico do regime, considerado motor essencial para a modernização do país. Desse modo, sua importância é explicitada a partir da confecção de três planos de desenvolvimento econômico, que contou com a integração de planos específicos para a C&T. Os planos de desenvolvimento são os responsáveis por aglutinar a estrutura estatal para a C&T em documentos formais que serviram de base para ações focalizadas e prioritárias do regime.

Nesse sentido, o arcabouço político delineado pelo regime ditatorial civil-militar para a C&T se constituiu a partir de reformas no campo da educação[31], na reestruturação das agências e nas políticas de fomento[32], nos planos de desenvolvimento econômico do governo e no controle federal por meio dos ministérios e da Seplan. Entretanto, a busca incessante por planos norteadores do planejamento estatal conferiram um caráter limitado às políticas de desenvolvimento, pelo fato do planejamento ser de curto prazo e por não detalhar de modo preciso os seus desdobramentos.

O I Plano Nacional de Desenvolvimento foi publicado em 17 de dezembro de 1971, fazendo referência ao exercício de 1972 a 1974, sendo incluído posteriormente de modo anexo o Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) para 1973-1974 (BRASIL, 1973a, 1973b). Em resumo, o I PND/PBDCT propôs a interação entre pesquisa-universidade-empresa, promovendo a formação de capital humano nas universidades, desenvolvendo pesquisas e fornecendo pessoal de acordo com as necessidades e demandas do mercado privado (LEHER e SILVA, 2014). Além disso, priorizou os investimentos em setores como eletrônica, energia nuclear, pesquisa espacial e indústria pesada[33]. Do ponto de vista da Fiocruz, o I PND/PBDCT não empreendeu mudanças na instituição, em boa medida devido à fraca presença ministerial de Rocha Lagoa à frente do Ministério da Saúde e pelo fato da saúde não ser uma área prioritária, como foi possível confirmar por meio dos escassos recursos transferidos e da ausência de projetos do governo voltados à Fiocruz.

As mudanças na Fiocruz ocorreram após a posse do General Ernesto Geisel, em 3 de agosto de 1974. Nesse ano tiveram início os trabalhos para o II PND/PBDCT, que, em grande medida, preservaram as bases políticas do I PND. No entanto, Geisel inova ao reformular a estrutura administrativa responsável pela elaboração do plano ao extinguir o Ministério de Planejamento e Coordenação Geral e em seu lugar criar a Seplan, em 1º de maio de 1974. A Seplan adquire status de ministério, assumindo um papel de destaque no governo à medida que integra o centro das decisões econômicas do país por estar ligada diretamente à Presidência da República:

Pode-se afirmar que a Seplan era a representação da consolidação do Estado tecnocrático. Era ela o centro do poder e da articulação entre os ministérios, empresas privadas e estatais e a responsável por coordenar e desenvolver, a partir de seus órgãos, acessórios como o Ipea – Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada –, planos de execução orçamentária e projetos, acompanhando-os detalhadamente. Por este quadro e pelo entendimento de que os avanços tecnológicos do país tinham uma relação direta com o crescimento econômico e, principalmente, pelas suas características de centralização, estabeleceu-se uma vinculação entre o CNPq e a Seplan. Além desta mudança, o CD – Conselho Deliberativo do CNPq – foi substituído pelo Conselho Científico e Tecnológico – CCT –, órgão máximo de assessoramento (LEHER e SILVA, 2014, p. 13).

A composição diretiva responsável pelo II PBDCT consistiu, além do Poder Executivo, no Seplan e no CNPq. Este último também passou por uma reestruturação interna, abandonando sua personalidade jurídica de direito público e identidade de autarquia e passando para a qualidade jurídica de fundação de direito privado. Desse modo, em 1974 foi lançado o II PND, correspondente ao exercício de 1975-1979 (BRASIL, 1974a), e em 31 de março de 1976 surgiu o II PBDCT (BRASIL, 1976a). Somado a isso surgiu, em 1975, o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SNDCT), responsável por estruturar a área de C&T em sistemas, determinando que cada ministério com participação no setor se mobilize para construir órgãos setoriais em forma de secretarias. A descentralização das ações em C&T foi incorporada pelo II PBDCT, responsável por organizar, orientar e coordenar as ações selecionadas como prioritárias de cada secretária, com aporte financeiro principal do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)[34].

Nessas condições, o Governo Geisel anunciou para o II PBDCT a quantia de Cr$ 23 bilhões, correspondente ao período 1975-77 (valores de 1975), com média anual prevista de Cr$ 6,8 bilhões. Além disso, os recursos do Plano Nacional de Pós-Graduação também são anunciados para compor o II PBDCT, com previsão para o período 1975-77 de Cr$ 3,7 bilhões (valores de 1975) (SALLES FILHO, 2003, p. 183). Porém, como demonstra o historiador Vicente Contador (2007), durante o Governo Geisel (1975-1979), foram transferidos Cr$ 925 milhões para a C&T, quantia que se mostrou abaixo do previsto no PBDCT. A Tabela 1 indica os valores efetivamente repassados para a C&T ao longo do II PND/PBDCT.

Material suplementario
Referências
BENCHIMOL, Jaime Larry (Coord.). Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz, 1990.
BENCHIMOL, Jaime Larry. Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada. 20. ed. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz/Bio-Manguinhos, 2001.
BENCHIMOL, Jaime Larry; TEIXEIRA, Luiz Antônio. Cobras, lagartos e outros bichos: uma história comparada dos Institutos Oswaldo Cruz e Butantã. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Casa de Oswaldo Cruz, 1993.
BOSCARIOL, Gabriel Amabile. Os planos nacionais de desenvolvimento e a institucionalização da ciência durante a ditadura militar (1964-1985): a defesa de uma ciência nacional pela comunidade científica brasileira. 2013. 156 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis, 2013.
BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1967a.
BRASIL. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 24 fev. 1967b. Seção 1.
BRASIL. Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 dez. 1968. Seção 1.
BRASIL. Decreto-Lei n. 66.624, de 22 de maio de 1970. Dispõe sobre a Fundação Instituto Osvaldo Cruz. Diário Oficial da União, Brasília, 25 maio 1970a. Seção 1.
BRASIL. Decreto-Lei n. 67.049, de 13 de agosto de 1970. Aprova o Estatuto da Fundação Instituto Oswaldo Cruz e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 ago. 1970b. Seção 1.
BRASIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento, 1972-74. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1971.
BRASIL. PBDCT: Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1973-1974. Brasília, DF: Presidência da República, 1973a.
BRASIL. III PBDCT: Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1973-1974. Brasília, DF: Seplan/CNPq, 1973b.
BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento, 1975-79. Brasília, DF: Presidência da República, 1974a.
BRASIL. Decreto-Lei n. 74.878, de 12 de novembro de 1974. Altera a redação do artigo 7º do Decreto n. 67.049, de 13 de agosto de 1970, que aprova o Estatuto da Fundação Instituto Oswaldo Cruz. Diário Oficial da União, Brasília, 14 nov. 1974b. Seção 1.
BRASIL. Decreto-Lei n. 74.891, de 13 de novembro de 1974. Dispõe sobre a Estrutura Básica do Ministério da Saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 14 nov. 1974c. Seção 1.
BRASIL. Lei n. 6.185, de 11 de dezembro de 1974. Dispõe sobre os servidores públicos civis da Administração Federal direta e autárquica, segundo a natureza jurídica do vínculo empregatício, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 13 dez. 1974d. Seção 1.
BRASIL. Decreto-Lei n. 75.225, de 15 de janeiro de 1975. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jan. 1975. Seção 1.
BRASIL. II PBDCT: Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, 1973-1974. Brasília, DF: Presidência da República, 1976a.
BRASIL. Decreto-Lei n. 77.481, de 23 de abril de 1976. Aprova o Estatuto da Fundação Osvaldo Cruz e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 26 abr. 1976b. Seção 1.
BRITTO, Nara. (Coord.). Memória de Manguinhos. Acervo de depoimentos. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz, 1991.
CABRAL. Jacqueline Ribeiro. Prometeu (des)acorrentado: Manguinhos e a (contra-) reforma sanitária brasileira. 2003. 110 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003.
SILVA, Carla Luciana Souza da; BOTH, M. A. (Org.). Ditaduras e democracias: estudos sobre poder, hegemonia e regimes políticos no Brasil (1945-2014). Porto Alegre: FCM, 2014.
CONTADOR. Vicente. Modelo econômico e projeto de nação potência: Brasil 1964-1985. 2007. 409 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
DIAS, José Nazaré Teixeira. A reforma administrativa de 1967. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1969. (Série Cadernos de Administração Pública, n. 73).
DINIZ, Eli ; LIMA JUNIOR, Olavo Brasil de. Modernização autoritária: o empresariado e a intervenção do Estado na economia. Brasília: IPEA/CEPAL, 1986.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis, RJ: Vozes, 1981.
FINKELMAN, Jacobo (Org.). Caminhos da saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2002.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relatório das atividades referente ao exercício de 1974. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1974.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Ata da 28ª reunião extraordinária do Conselho de Administração da Fundação Oswaldo Cruz. Fundo Presidência. Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1975, caixa 12, maço 5.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Estatuto Fiocruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1976, caixa 55, maço 3.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Política de Desenvolvimento de Recursos Humanos na Fiocruz. Documento-síntese. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1977, caixa 29, maço 8.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relatório: base de administração de cargos e salários da Fiocruz. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1978, caixa 14, maço 7.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Recuperação 1975-1978. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, caixa 12, maço 6, 1979.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relatório do Plano de Classificação de Cargos e Salários, versando sobre alterações do mesmo. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 17, maço 7.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Memorandos e tabelas de cargos emitidos pela Assessoria de Cargos e Salários. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 160, maço 1.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano II e III. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 163, maço 1.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano II. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 163, maço 3.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano I. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1979, caixa 163, maço 4.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Relatório de atividades 2000. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
GEISEL. Ernesto. Discurso pronunciado na V Conferência Nacional de Saúde. In: da CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, V, Brasília, 1975 Anais... Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1975.
GUIMARÃES. Claudia Maria Cavalcanti de Barros. 1964 Estado e economia: a nova relação. 1990. 331 f. Tese (Doutorado em Economia) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1990.
HAMILTON, Wanda. Massacre de Manguinhos: crônica de uma morte anunciada. Cadernos da Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 7-18, 1989.
HAMILTON, Wanda; AZEVEDO. Nara. Um estranho no ninho: memórias de um ex-presidente da Fiocruz. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 237- 264, 2001.
HOCHMAN, Gilberto. A era do saneamento: as bases da política de saúde pública no Brasil. São Paulo: Hucitec/Anpocs, 1998.
IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
LEHER, Roberto; SILVA, Simone Maria. A universidade sob céu de chumbo: a heteronomia instituída pela ditadura empresarial-militar. Universidade e Sociedade, Brasília, v. 22, p. 6-17, 2014.
LEMOS, Renato. Contrarrevolução e ditadura: ensaio sobre o processo político brasileiro pós-1964. Marx e o Marxismo, Niterói, v. 2, n. 2, p. 111-138, 2014.
LENT, Herman. O massacre de Manguinhos. Rio de Janeiro: Avenir, 1978.
MACIEL, David. Ditadura militar e capital monopolista: estruturação, dinâmica e legado. Lutas Sociais, São Paulo, v. 18, p. 64-78, 2014.
MARCELINO, Gileno Fernandes. Administração pública brasileira: evolução, situação atual e perspectivas futuras. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 117, n. 2, p. 105-116, 1989.
MARTINS, Luciano. Estado capitalista e burocracia no Brasil pós-64. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
MENDONÇA, Sônia Regina. Estado e economia no Brasil: opções de desenvolvimento. Rio de Janeiro: Graal, 2003.
MORGADO, Anastácio. Manguinhos político: o massacre interno. Rio de Janeiro. Ed. Fiocruz, 1998.
MOUSSATCHÉ, Haity. Haity Moussatché: homenagem ao guerreiro da ciência brasileira. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 2, p. 443-491, jul./out. 1998.
OLIVEIRA, Francisco Maria Cavalcanti de. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2003.
PONTE, Carlos Fidelis. Pesquisa versus produção em Manguinhos: constrangimentos e perspectivas de desenvolvimento tecnológico em uma instituição pública. 2012. 239 f. Tese (Doutorado em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento) – Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
REZENDE, Fernando. O crescimento (descontrolado) da intervenção governamental na economia brasileira. In: LIMA JUNIOR, Olavo Brasil de; ABRANCHES, Sérgio Henrique (Org.). As origens da crise: Estado autoritário e planejamento no Brasil. Rio de Janeiro: Vértice/Iuperj. 1987.
SALLES FILHO, Sérgio. Política de Ciência e Tecnologia no II PBDCT (1976). Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 179-211, jan./jun. 2003.
SANTOS, Sérgio Gil Marques dos. Estado, ciência e autonomia: da institucionalização à recuperação de Manguinhos. 1999. 234 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para a ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília, DF: MCT, 2001.
Notas
Notas
[1] FIOCRUZ. Relatório de Atividades 2000. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
[2] Entendemos que o estudo das instituições também compreende as lutas de classes e intraclasse, percebendo a Fiocruz como terreno de conflitos de interesses. No entanto, para os fins deste artigo não daremos ênfase às disputas internas no âmbito do modelo de gestão. Tal escolha se justifica pela delimitação de espaço do texto. Em segundo lugar, após longa análise das fontes e das dificuldades de acesso aos documentos da Fiocruz no período analisado, optamos por abordar em estudos futuros as disputas internas ampliando o recorte temporal. Por fim, este artigo é resultado de estudos que vêm sendo realizados sobre a Fiocruz e que, em alguma medida, sugerem para os anos iniciais ora analisados uma carência de discussões internas acerca do tema do modelo de gestão. Alguns fatores contribuem para tal fragilidade: o recorte abrange os anos de maior repressão às oposições políticas do regime ditatorial civil-militar, caracterizado pela primazia do Poder Executivo federal sobre a Fiocruz; a ausência de organização dos trabalhadores da entidade; e as discussões internas concentradas em questões relativas aos caminhos de pesquisa, ensino, extensão, desenvolvimento tecnológico e autonomia política da entidade.
[3] Benchimol (1990, 2001); Cabral (2003); Hamilton (1989); Ponte (2012) e Santos (1999).
[4] Utilizamos o conceito de golpe e regime ditatorial civil-militar – 1964-1985 – elaborado por René Dreifuss (1981), no qual o golpe de 1964 e o regime são caracterizados por um projeto de classe, que contou com a participação de “civis” e militares, delimitando o termo civil como sendo os empresários ou tecnoempresários.
[5] Segundo o historiador David Maciel, as condições históricas do Brasil no contexto econômico, sobretudo a partir dos anos 1950, estavam atreladas a “abertura econômica, fortalecimento das empresas estatais e generalização das relações capitalistas, com vistas ao aprofundamento do processo de industrialização por substituição de importações e à superação dos obstáculos políticos, tecnológicos e financeiros”. Nesse sentido, o autor argumenta que tais fatores favoreceram o desenvolvimento de um “novo padrão e acumulação capitalista” no país, marcado pelo domínio das multinacionais e pelo capital estrangeiro. Esse processo subordina a economia nacional “aos ritmos de reprodução e lucratividade específicos do capital monopolista, estabelecendo uma nova dinâmica econômico-social; ao mesmo tempo em que reforça a dependência ao capital externo, colocando-a em novas bases”. Para tanto, três fatores são limitantes para o desenvolvimento dessa expansão, são eles: “o Estado brasileiro ainda não se encontrava devidamente aparelhado em termos institucionais para cumprir as tarefas que o novo padrão de acumulação demandava; abre-se um ciclo recessivo que diminuiu o ritmo de crescimento econômico e, finalmente, inicia-se uma conjuntura política de crise da hegemonia populista que torna incerta a continuidade da expansão nos termos em que esta vinha se dando”. Nessa linha, o autor conclui que o golpe e a ditadura são decisivos na consolidação desse “novo padrão de acumulação” brasileiro, fundamentalmente pelo fato de propiciarem condições políticas, econômicas e estabelecer seu poder de hegemonia na correlação de forças com os movimentos contrários e progressistas, superando as contradições acima expostas (MACIEL, 2014). Portanto, o golpe de 1964 não correspondeu à definição de um novo modelo econômico, apenas garantiu sua consolidação e o aprimoramento de um modelo que já vinha se desenvolvendo nos anos 1950 (MENDONÇA, 2003).
[6] Estiveram presentes durante toda a ditadura, sendo confeccionados entre os anos de 1964-69, somando um total de 17 atos institucionais (AI), regulamentados por 104 atos complementares (AC). Não obstante, o mais sombrio é, sem dúvida, o AI-5, publicado em 13 de dezembro de 1968, durante o segundo governo militar (General Costa e Silva), mantido em vigor até 1978. O AI-5 colaborou, em grande medida, para a hegemonia do Poder Executivo e a arbitrariedade do governo. Em resumo, conferiu amplos poderes ao Presidente da República, dentre eles: decretar recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores; intervir nos estados e municípios, sem limitações previstas na Constituição; o Presidente da República é responsável por nomear os líderes políticos dos estados e municípios; poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais – podendo, ainda, aplicar as seguintes medidas: 1) liberdade vigiada; 2) proibição de frequentar determinados lugares; 3) domicílio determinado; decretar estado de sítio; confiscar bens de pessoas físicas ou jurídicas; baixar AC para execução desse AI; suspender habeas corpus; excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com esse AI e seus AC, bem como seus respectivos efeitos (BRASIL, 1968).
[7] Mensagem Presidencial de 1965 apud DIAS (1969, p. 50).
[8] A expressão máxima da política econômica do regime ditatorial refere-se ao chamado “milagre econômico”, que corresponde a política desenvolvida após o golpe de 1964 que tinha por objetivo conter a crise inflacionária, combinando o papel do Estado e da economia às novas demandas do capitalismo monopolista em vigência. Para isso foi preciso engendrar uma política de recessão calculada e de equilíbrio monetário por meio da subordinação do trabalho ao capital, reduzindo o salário-mínimo em cerca de 20% nos três primeiros anos do regime, e a repressão sobre o movimento operário, o fim do direito de greve e de poder de barganha coletiva. Os sindicatos foram controlados pelo Poder Executivo, retirando seu caráter de luta social. Observaram-se, também, políticas de contenção salarial por meio da lei dos acordos salariais (1965), que transfere para o governo federal a definição da política salarial e diminui a autonomia dos tribunais trabalhistas, e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), instrumento que pôs fim à estabilidade no emprego. Dentre outras características que marcam o processo político econômico, podemos citar o favorecimento a grande empresa por meio de medidas favoráveis aos investimentos privados, atuando o Estado como produtor e redistribuir de recursos para o setor produtivo privado por meio de incentivos fiscais e do endividamento externo. Cf. Maciel (2014); Mendonça (2003); e Calil, Silva e Both (2014).
[9] Serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos ministérios.
[10] Autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.
[11] A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) entrou em vigor de acordo com o Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de abril de 1943, durante o Governo Vargas. Em resumo, consolida as leis do trabalho no Brasil, conferindo direitos à classe trabalhadora como; salário-mínimo; período de descanso e férias anuais; direito à greve (restringido pelo regime civil-militar); duração da jornada de trabalho; previdência social; regulamentação de sindicatos; segurança e proteção no trabalho; Justiça do Trabalho e processo trabalhista; décimo terceiro salário, entre outros. Porém, não estabelece o pleno emprego, o direito a estabilidade no emprego. O plano de carreira e salarial deve ser negociado em acordo coletivo com o patronato.
[12] BRASIL. Lei n. 6.185, de 11 de dezembro de 1974. Artigo 3º.
[13] Hélio Beltrão, principal nome da reforma administrativa de 1967, denominou esse processo “A Revolução Silenciosa” (MARTINS, 1985).
[14] BRASIL. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967. Artigo 27.
[15] Ver pesquisas de Rezende (1987); Martins (1985) e Diniz, Eli e Lima Júnior (1986).
[16] Rocha Lagoa ingressou no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) em 1942 e em 1963 foi escolhido pelo Ministério da Saúde para estudar na Escola Superior de Guerra (ESG) na cidade do Rio de Janeiro, reconhecido reduto de ideias conservadoras no país. Assumido anticomunista, Lagoa era adepto da corrente de pensamento contrária a criação de um ministério da ciência e a favor da subordinação dos institutos de saúde ao Ministério da Saúde.
[17] BRASIL. Decreto-Lei n. 200, de 25 de fevereiro de 1967.
[18] O Instituto Soroterápico, que em 1908 foi rebatizado como Instituto Oswaldo Cruz, tornou-se a base estrutural da Fiocruz – por esse motivo, a historiografia e a própria entidade assumem que sua história tem início em 1900.
[19] Fundado em 1924, é uma unidade de assistência, ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico. O Instituto Fernandes Figueira (IFF) é o único no Brasil que desenvolve pesquisas sobre maternidade, infância, adolescências e problemas sociais correlatos (FIOCRUZ, 1974).
[20] Fundado em 1956 de acordo com a Lei n. 2.743, onde se determina que seu objetivo é organizar e executar os serviços de investigação e promover o combate a malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela, esquistossomose, ancilostomose, filariose, hidatidose, bócio endêmico, bouba, tracoma e outras endemias existentes no país, cuja investigação e combate lhe forem especialmente atribuídas pelo Ministro de Estado da Saúde, de acordo com as conveniências de ordem técnica e administrativa. Compõem o Instituto de Endemias Rurais os Centros de Pesquisas – Renê Rachou, localizado em Belo Horizonte-MG, e Aggeu Magalhães, localizado em Recife-PE, e dois Núcleos de Pesquisas – Gonzalo Muniz, no Estado da Bahia, e outro na Guanabara.
[21] Fundado em 11 de novembro 1936, de acordo com a Lei n. 59, na cidade de Belém-PA. Batizado de Instituto de Patologia Experimental do Norte (Ipen), altera sua denominação em 8 de novembro de 1940 para Instituto Evandro Chagas (IEC), em homenagem ao cientista Evandro Chagas. Em 1942, o Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp), posteriormente denominada Fundação Serviço de Saúde Pública (FSESP), entidade ligada aos governos do Brasil e dos Estados Unidos, sobretudo aliada à Fundação Rockefeller, incorporou o IEC. De acordo com o Decreto n. 66.624, de 1970, o IEC é transferido da FSESP para a Fundação Instituto Oswaldo Cruz, mas em 11 de julho de 1975 retorna novamente para o FSESP, retirando-se do âmbito de instituições que compunham a Fiocruz. Desde 1991, o IEC pertencente à Fundação Nacional de Saúde (FNS). O IEC se destinou à pesquisa de biomédicos e vigilância epidemiológica ao longo das rodovias Transamazônica e Santarém-Cuiabá e em outras áreas da região amazônica entre os estados do Pará, Amazonas e o norte de Mato Grosso.
[22] Fundado em 8 de janeiro de 1946 pelo Decreto-Lei n. 8.584, com sede no Distrito Federal, então cidade do Rio de Janeiro. O instituto era destinado a realizar pesquisas, estudos e investigações sobre a lepra no Brasil, sendo a única entidade no país que se destina essencialmente a pesquisa sobre a lepra. Atualmente, o instituto equivale ao Departamento de Hanseníase, pertencente ao IOC.
[23] O Ipromed foi extinto em 1976, sendo desmembrado em dois laboratórios, existentes até os dias de hoje: o laboratório de Tecnologia em Produtos Biológicos (Bio-Manguinhos) e o laboratório de Tecnologia em Quimioterápicos de Manguinhos (FAR-Manguinhos). O Ipromed, criado em 1970, possuía as finalidades de “preparação de produtos biológicos de aplicação preventiva e curativa; formalizar e acondicionar produtos quimioterápicos de aplicação em Saúde Pública; formular e acondicionar produtos destinados ao combate de vetores e hospedeiros intermediários de agentes etiológicos de doenças humanas e efetuar investigações com o objetivo de verificar a eficácia dos produtos preparados e aprimorá-los”. A título de exemplo, o Ipromed promoveu a produção de vacinas contra a febre amarela, varíola, gripe, herpes simples, raiva, cólera, febre tifoide, difteria, tétano e vacina tríplice (FIOCRUZ, 1974, p. 3).
[24] Segundo o art. 29 do Decreto n. 67.049/1970 (BRASIL, 1970b), que aprovou o estatuto da Fiocruz, o Instituto Presidente Castello Branco, nova denominação da Escola Nacional de Saúde Pública, em homenagem ao ditador do regime civil-militar, o General Castello Branco, tem por finalidade: avaliar, qualitativa e quantitativamente, as necessidades de pessoal para o sistema nacional de promoção, proteção e recuperação da saúde; preparar pesquisadores em ciências biomédicas, profissionais de saúde pública e pessoal sanitário auxiliar de nível médio; proceder a estudos e pesquisas de interesse para o aperfeiçoamento técnico-cientifico dos profissionais de saúde.
[25] BRASIL. Decreto n. 67.049, de 13 de agosto de 1970.
[26] Cf. Ponte (2012); Hamilton (1989); Benchimol (1990, 2001).
[27] Cf. Ponte (2012).
[28] Cf. Benchimol (1990, 2001); Finkelman (2002); Hochman (1998).
[29] Nasceu em 1910, na cidade de Smirna, Turquia, e aos 3 anos de idade passou a residir no Brasil. Formado em Medicina, ingressou no IOC em 1930, ocupando cargos de direção ao longo de sua trajetória na instituição, destacando-se na área de fisiologia, sendo reconhecido como um dos maiores pesquisadores da ciência e tecnologia (C&T) em saúde mundial. Moussatché compunha o quadro de grandes pesquisadores do IOC ao lado de Carlos Chagas, Arthur Neiva, dentre outros, onde pôde trabalhar e formar a segunda fase de grandes cientistas da entidade, logo após o falecimento de Oswaldo Cruz, em 1917. Além do respaldo científico e protagonismo no IOC, Moussatché foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Universidade de Brasília (UnB). Lutou pela autonomia e fortalecimento da ciência brasileira, por agendas sociais e democráticas, o que lhe rendeu a cassação em 1970 pelo regime ditatorial, suspendendo seus direitos civis, tendo de exilar-se na Venezuela. Moussatché faleceu em 1998, com 40 anos dedicados a Manguinhos – é, sem dúvida, um personagem emblemático da saúde brasileira – sobretudo da Fiocruz – e da saúde mundial.
[30] O conselho administrativo era presidido pelo Ministro da Saúde e seus membros eram indicados pelo próprio ministro. O conselho tinha por objetivo expedir atos normativos acerca da gestão administrativa e financeira, emitir pareceres sobre as propostas orçamentárias e as prestações de contas. Em grande medida, o conselho servia como forma de controle do Ministério da Saúde e do regime civil-militar sobre a Fiocruz. De certo modo, o conselho põe em causa o conceito de autonomia gerencial anunciada no estatuto, em virtude do controle exercido pelo poder estatal.
[31] Fazemos referência ao Parecer CES/CFE n. 977, de 3 de dezembro de 1965, também denominado Parecer Newton Sucupira, e à Reforma Universitária de 1968. O primeiro diz respeito à normatização dos cursos de pós-graduação no país, adotando como marco referencial o modelo educacional das universidades estadunidenses. Por seu turno, A “reforma” universitária de 1968 apresenta sentidos antagônicos – de um lado, ocupou-se de modernizar a educação no país, como por exemplo, a institucionalização da carreira acadêmica, o fim das cátedras vitalícias, a adoção da titulação acadêmica como forma de ingresso e progressão na carreira, e medidas estruturais, como a divisão em departamentos. Por outro lado, a reforma promoveu um caminho rumo ao ensino privado, orientado por uma base educacional profissionalizante, distanciada de uma atividade de pesquisa crítica e emancipatória. Os cursos de pós-graduação cresceram abruptamente durante o regime civil-militar, em especial no campo privado (LEHER e SILVA, 2014).
[32] As agências públicas de fomento que atuaram na construção do projeto em C&T durante o regime militar são, em especial: o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969 e extinto em 1988; o Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE); o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq); Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e o Fundo de Amparo à Tecnologia (Funat). Chama atenção o arcabouço jurídico desses órgãos; o BNDE, criado em 1952 pelo Governo Vargas, respondia pela natureza jurídica de autarquia federal, ao passo que, em 1967, por força do regime civil-militar, vincula-se ao Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, e em 1971 altera sua natureza jurídica para empresa pública e de direito privado. O mesmo ocorre com o CNPq e a Capes, o primeiro fundado em 1951 pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra, poucos dias antes de Vargas assumir o poder, e o segundo nasceu em 1951 no Governo Vargas. Ambos representam o avanço do desenvolvimento da pesquisa brasileira, que respondia pela natureza jurídica de autarquia, direito público. Contudo, o regime civil-militar altera suas denominações para o direito privado, flexibilizando o modo de gestão e o repasse dos recursos. Portanto, a ditadura reestruturou os agentes de fomento para atender aos Planos Nacional de Desenvolvimento e às políticas focalizadas do governo, sob bases flexíveis de mercado.
[33] BRASIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento, 1972-74. Rio de Janeiro: Presidência da República, 1971. Ver, também, Boscariol (2013).
[34] BRASIL. Decreto n. 75.225, de 15 de janeiro de 1975.
[35] Cf. Maciel (2014); Mendonça (2003); e Oliveira (2003).
[36] GEISEL. Ernesto. Discurso pronunciado na V Conferência Nacional de Saúde. In: BRASIL. Anais da V Conferência Nacional de Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1975, p. 22.
[37] O Ipea era um instituto ligado à Secretária de Planejamento (Seplan).
[38] FIOCRUZ. Recuperação 1975-1978. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, caixa 12, maço 6, 1979. Doravante citado como “Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979”.
[39] FIOCRUZ. Ata da 28ª reunião extraordinária do Conselho de Administração da Fundação Oswaldo Cruz. Fundo Presidência. Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1975, caixa 12, maço 5.
[40] FIOCRUZ. Estatuto Fiocruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1976, caixa 55, maço 3. Art. 3.
[41] FIOCRUZ. Estatuto Fiocruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1976, caixa 55, maço 3. Art. 4.
[42] FIOCRUZ. Estatuto Fiocruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1976, caixa 55, maço 3. Art. 6.
[43] Essa foi a segunda e última visita do presidente na Fiocruz.
[44] A fundação será presidida pelo diretor do IOC, nomeado pelo Ministro da Saúde. Além disso, o presidente da fundação será o presidente do conselho técnico-científico. Por outro lado, o art. 9 do estatuto de 1970 menciona que o Presidente da República tem autorização para interferir na lógica de funcionamento e gestão da fundação. Outro aspecto importante, deve-se ao fato do presidente da fundação ser responsável por nomear os diretores dos institutos integrantes. No entanto, o que se observou ao longo dos anos em que a fundação esteve sob o jugo do regime civil-militar foi a ausência de autonomia em relação às ações voltadas à nomeação de cargos diretivos, ao passo que o Ministério da Saúde e os integrantes do regime acompanharam de perto os indicados e o perfil das lideranças internas na instituição (BRASIL, 1970b).
[45] O conselho técnico-consultivo tinha caráter opinativo em questões postas pelo presidente da fundação, sendo tomadas as decisões por maioria absoluta, cabendo ao presidente aprovar ou não as decisões. O conselho técnico-consultivo era composto pelos dirigentes departamentais indicados pelo presidente da fundação e por um diretor oriundo dos diretores dos órgãos autônomos, que participaram em sistema de rodízio, tendo como critério a preferência pelos institutos mais antigos. Por sua vez o conselho jurídico se subordinará ao presidente da fundação e terá como funções as atividades que são típicas do campo jurídico (emitir pareceres, elaborar contratos, apoio jurídico, entre outros). Portanto, o estatuto previa que a composição do conselho de assessoramento será indicada pelo presidente da Fiocruz, suas atribuições e pautas serão traçadas pelo presidente, tendo este o poder de veto e mando sobre as questões internas. Nunca é demais lembrar que esse quadro de trabalhadores, em sua maioria, foi montado pelas lideranças envolvidas com o regime civil-militar, confirmando o severo controle interno na Fiocruz (BRASIL, Decreto n. 67.049/1970, art. 12).
[46] Composta por 3 membros efetivos e 3 suplentes, sendo 2 membros efetivos e suplentes designados pelo Ministro da Saúde e 1 efetivo e suplente indicado pelo Ministro da Fazenda. O objetivo desse órgão assenta em controlar as questões relativas às finanças, o orçamento e documentos em geral que são expedidos pela instituição, doações, alienações e elaborar e aprovar o regimento interno da Fiocruz. Para tanto, tais membros serão, em sua totalidade, compostos por pessoas de confiança do regime e externas à instituição, com mandato de 4 anos, podendo ser renovado pelo mesmo período.
[47] Composta pelos diretores do Instituto Oswaldo Cruz, Instituto Presidente Castello Branco, Instituto de Produção de Medicamentos e do Departamento de Serviços Gerais. A lógica de funcionamento interno dos institutos se baseou na criação de um regimento interno para cada um desses institutos, na medida em que cada departamento a ele vinculado seria orientado por tal regimento e gerenciado por um chefe indicado pelo diretor do respectivo instituto.
[48] Os órgãos com direção superior são: Instituto Oswaldo Cruz; Instituto Presidente Castello Branco; Instituto de Produção de Medicamentos e Departamento de Serviços Gerais. Já os órgãos de estrutura autônoma são: Instituto Fernandes Figueira; Instituto de Endemias Rurais; Instituto Evandro Chagas; e Instituto de Leprologia. A lógica de funcionamento gerencial desses órgãos autônomos será composta por um diretor designado pelo presidente da Fiocruz e por um coordenador designado pelo IOC. Nesse caso, ambos são a mesma pessoa. A autonomia é relativa, como bem aponta o art. 26 do Decreto n. 67.049, de tal modo que os órgãos autônomos podem estabelecer normas gerais de administração por meio de um regimento interno, que deverá ser confeccionado e submetido ao conselho de administração da Fiocruz. No entanto, mesmo que o decreto sinalize certa autonomia no campo da pesquisa, os planos e programas de pesquisas serão avaliados e aprovados pelo presidente da fundação, retirando, assim, a autonomia nas práticas científicas.
[49] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979.
[50] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 16-17.
[51] O campus da Fiocruz contatava com uma área total de aproximadamente 760.000 m², na qual estão implantadas cerca de 60 edificações, com uma área total de construção em torno de 90.000 m². Foram gastos Cr$ 54.640 (valores de setembro de 1978) entre os anos de 1976 e 1978 na recuperação física do campus, sendo que 51% do valor correspondeu às obras de recuperação das instalações físicas, 29% à restauração dos pavilhões, 11% à urbanização do campus e 9% em infraestrutura, como, por exemplo, energia elétrica, abastecimento de água, esgoto (RECUPERAÇÃO 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 71-78).
[52] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979.
[53] De acordo com a Lei n. 1.711, de 28 de outubro de 1952, que dispõe sobre o estatuto dos funcionários públicos civis da União, o servidor público está vinculado a determinado ministério. Desse modo, ele poderá solicitar sua transferência para outras entidades do mesmo ministério ou sua incorporação ao mesmo ministério. No caso mencionado, os trabalhadores optaram por retornar ao Ministério da Saúde.
[54] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 58.
[55] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979.
[56] Idem.
[57] Esse acontecimento correspondeu à cassação de 10 pesquisadores do IOC que perderam seus direitos políticos e foram aposentados compulsoriamente pelo regime civil-militar (LENT, 1978). Recomenda-se a leitura do livro de Morgado (1998), que traz uma visão um pouco diferente da apresentada por Lent (1978) em seu livro O massacre de Manguinhos. Morgado (1998) trabalha não apenas com os 10 pesquisadores cassados, trazendo à tona o prejuízo causado pelos militares em diferentes níveis na instituição e na pesquisa brasileira. O autor demonstra que mais do que 10 pesquisadores participaram do massacre em Manguinhos, indicando que muitos pesquisadores e trabalhadores, de modo geral, sofreram de modo contundente com o regime. Cf. MORGADO, Anastácio. Manguinhos político: o massacre interno. Rio de Janeiro. Ed. Fiocruz, 1998.
[58] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 65; FIOCRUZ. Relatório: base de administração de cargos e salários da Fiocruz. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1978, caixa 14, maço 7; FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano I. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 1979, caixa 163, maço 4; FIOCRUZ. Relatório do Plano de Classificação de Cargos e Salários, versando sobre alterações do mesmo. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 17, maço 7; FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano II. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 163, maço 3; FIOCRUZ. Relação e análise de cargos emitidos pela Fiocruz, versando sobre a descrição de salários e cargos: Plano II e III. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 163, maço 1; FIOCRUZ. Memorandos e tabelas de cargos emitidos pela Assessoria de Cargos e Salários. Fundo Presidência, Departamento de Arquivo e Documentação/Casa de Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1979, caixa 160, maço 1; FIOCRUZ. Política de Desenvolvimento de Recursos Humanos na Fiocruz. Documento-síntese. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1977, caixa 29, maço 8.
[59] No dia 30 de agosto de 1976, Eva Maria Fonseca fundou a Associação dos Servidores da Fundação Oswaldo Cruz (ASFOC). Curiosamente, Eva era a esposa de Vinícius da Fonseca, assumindo a direção da associação por dois anos. Essa associação servia essencialmente no campo operacional para integrar os funcionários por meio de ações recreativas, culturais, esportivas e para realizar a assistência odontológica, jurídica e serviço social. A propaganda da ASFOC foi vigorosa, constituindo instrumento de cooptação da classe trabalhadora, e obteve no primeiro ano de funcionamento a adesão de 615 sócios e 1.032 dependentes, alcançando em setembro de 1978 a quantia de 1.085 sócios e 1.452 dependentes. Após o fim do regime civil-militar, a associação se tornou, em 1986, o Sindicato dos Servidores de Ciência, Tecnologia, Produção e Inovação em Saúde Pública (Asfoc-SN), assumindo uma posição combativa e organizada em defesa da classe trabalhadora da fundação (RECUPERAÇÃO 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 115).
[60] FIOCRUZ. Relatório das atividades referente ao exercício de 1974. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 1974; Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979.
[61] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979.
[62] Recuperação 1975-1978. Rio de Janeiro, 1979, p. 91.
[63] Cf. Britto (1991); e Ponte (2012).
Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Visor de artículos científicos generados a partir de XML-JATS4R por Redalyc