Traduções
Resumo: Este artigo discute o desenvolvimento da história oral nos Estados Unidos e como isto levou o campo a se tornar interdisciplinar em modos interessantes e úteis. Traça as suas origens no século XVII e explica o seu estabelecimento como um método (coleta de dados orais), um subcampo da história (historiografia oral) e um recurso para professores, comunidades e pesquisadores de todos os tipos (história oral). O autor descreve as suas aplicações práticas em outros campos, como a antropologia, a educação/ensino, os estudos étnicos/etno-históricos/americanos, o folclore, a gerontologia, o direito, a história literária, os estudos e a produção de mídia e os estudos das mulheres e de gênero. Os manuais de história oral também são discutidos neste artigo, que termina com uma atualização sobre como os historiadores orais estão enfrentando a nova e anti-intelectual postura do Presidente Trump e a sua agenda de direita. Esse fato é realmente novo: aparecerá no próximo mês na Oral History Newsletter da Associação de História Oral.
Palavras-chave: História Oral, EUA, Coleta de Dados Orais, Contação de história.
Abstract: This article discusses the development of oral history in the United States and how this has led the field to becoming interdisciplinary in interesting and useful ways. It traces its origins in the 17th century and explains its establishment as method (oral data collection), a subfield of history (oral historiography) and a resource for teachers, communities, and researchers of all kinds (oral history). The author describes the practical applications of oral history in other fields such as anthropology, education/ teaching, ethnic studies/ethnohistory/American studies, folklore, gerontology, legal studies, literary history, media studies and media production, and women and gender studies. A review of oral history guides is also given. The article ends with an update on how oral historians are coping with the new, anti-intellectual orientation of President Trump and his right-wing agenda.
Keywords: Oral History, USA, Oral Data Collection, History-Telling.
Alguns fazem remontar as origens da história oral na América do Norte às missões espanholas na Califórnia, e em particular a um missionário conhecido como Sahagun. No século XVII, ele enviou os nativos californianos mais para o sul em direção do México, para encontrar as raízes da sua viagem rumo ao norte em direção da Califórnia. Há alguns registros desse projeto.
Passando agora para o estabelecimento da história oral como um método, ainda não como um campo, em 1948 a Columbia University criou um programa para documentar o passado das elites que construíram grandes indústrias e instituições. Berkeley e a Universidade da Califórnia iniciaram programas alguns anos depois. Essas primeiras entrevistas foram feitas somente com pessoas proeminentes. E uma vez que o formato das entrevistas era impresso, as fitas magnéticas das gravações foram reutilizadas ou destruídas. Hoje, não podemos ouvir as vozes daqueles que se pronunciaram há 75 anos. A tecnologia mudou muito desde então; e também a nossa abordagem para manter arquivos que captam e entesouram o som.
A primeira geração de historiadores orais profissionais, liderada por figuras pioneiras como Allan Nevins e Louis Starr, concebeu a história oral como um meio para coletar de outro modo as lembranças não escritas de indivíduos proeminentes para o uso de historiadores futuros, visando à pesquisa, e como uma ferramenta para a biografia baseada na oralidade.
Uma segunda geração, que atingiu a maturidade em meados da década de 1960, depois que os arquivos básicos foram estabelecidos, utilizou como base esse trabalho anterior, ao expandir os propósitos do coletores e das coleções.[1] Esse grupo via a história oral como algo mais do que uma maneira de capturar os relatos de pessoas importantes para os pesquisadores; ao invés, ele empregou as técnicas da história oral para descrever e empoderar os analfabetos e os marginalizados. Ao longo dos anos 1970, muitos coletores da história oral usaram a sua pesquisa para documentar e promover a coesão da comunidade e a diversidade étnica. Nesse período, a história oral ganhou independência e constituiu um grupo disseminado na sociedade, baseado em esforços de educadores, feministas e ativistas, assim como em campanhas de história local, étnica e regional. Enquanto os coletores da primeira geração continuaram a dirigir os arquivos principais, eles se depararam com o grupo mais jovem de educadores sociais batendo virtualmente às suas portas para ampliar o âmbito das coletas para além das entrevistas com a chamada elite.
Nos anos 1980, uma terceira geração surgiu. Os estudantes e os pesquisadores aprenderam o ofício da historiografia oral em uma era afastada tanto da conservadora década de 1950 quanto da socialmente radical dos anos 1960. Os principais arquivos de história oral nos Estados Unidos haviam estabelecido padrões elevados para a manutenção e o desenvolvimento das coletas. Novas tecnologias, como instrumentos de pesquisa computadorizados e computadores pessoais tornaram as coletas da história oral mais dependentes de recursos financeiros. Muitos dos pequenos grupos baseados no voluntariado superaram a excitação inicial da coleta e consideraram como encontrar um foco e um uso para os seus trabalhos. Nessa década, o surgimento de jovens historiadores orais com formação acadêmica fez que se levantassem questões sobre amadorismo versus profissionalismo (pois o número de postos de trabalho de tempo integral em história oral é pequeno, talvez em torno de 500 nos Estados Unidos).
Antes da década de 1980, o processo de geração da história oral era considerado descomplicado: presumia-se que os entrevistadores gravavam, a partir de um posicionamento neutro, todo material de uso histórico que pudessem obter para o bem do futuro. A história surgiria em algum tempo posterior, quando escritores e pesquisadores usassem essas fontes históricas. Essa ideia foi desafiada por pesquisadores com orientações mais teóricas, como Ronald Grele, Paul Thompson, Alessandro Portelli e outros, que especularam que as próprias entrevistas – e a sua construção – representam a história: compiladas dentro de uma moldura histórica negociada pelo entrevistador e pelo narrador, dentro de tendências contemporâneas, dentro de certas convenções definíveis de interação linguística e cultural.[2] Assim, um debate surgiu na profissão sobre o propósito da história oral: ela pretendia ser (1) um conjunto de documentos de fonte primária ou (2) um processo para a construção da história a partir de fontes orais?
Aproveitando a riqueza da experiência prévia de coleta, os historiadores orais dessa geração colocaram questões introspectivas acerca do processo aos seus colegas. Qual é o efeito, perguntaram-se eles, de reduzir um evento comunicacional de várias camadas (rico de gesto e entonação) a uma página impressa ou a uma fita magnética? Que elementos se perdem ou são modificados? Que período tal entrevista representa: o tempo investigado ou o tempo da entrevista?
De modo semelhante, a década de 1980 se tornou a década dos programas púbicos para a profissão da história oral. Os museus incorporaram progressivamente materiais orais nas mostras, acrescentando vozes à representação da pesquisa e dos artefatos. Os museólogos voltaram-se para a história oral como um procedimento metodológico central.[3] As bibliotecas se interessaram, para além de depósitos de livros, em estabelecer programas educacionais com escolas e grupos comunitários: algumas passaram de depositórios a centros de coleta para produzir novos materiais. Comissões de artes, humanidades e história financiaram projetos que envolviam o uso público de entrevistas coletadas previamente: transmissões radiofônicas, peças de teatro, mostras multimídia e publicações populares variadas.
A história oral desenvolveu aplicações práticas para questões de administração e de políticas públicas. Os usos mais destacados incluíram a preservação histórica, as reivindicações de uso de terra, litígios, afirmações sobre impacto ambiental e cultural e história institucional e empresarial.
Na mudança gradual dentro da profissão do historiador, que foi da apresentação de fatos como sabedoria recebida à apresentação de análises teóricas como específicas de um dado tempo, lugar e sociedade, a história oral desempenhou um papel muito importante. As distinções geracionais mencionadas acima são mais pronunciadas nessa questão do que em outras. O pesquisador mais jovem pode se sentir empoderado pela desconstrução do fazer história que resultou em uma paisagem de autointeresse e subjetivismo (e mesmo por uma retórica tão internamente referencial que recentes pós-graduados têm vantagem sobre os seus veteranos em entendê-la). Por outro lado, uma reação pode estar se estabelecendo: como um historiador oral mais velho comentou após assistir à Conferência Internacional sobre História Oral de 1993 em Siena/Lucca, Itália, “Odeio subjetivismo. Não foi para estudar isso que eu entrei em história.”
Nas últimas duas décadas, uma quarta geração de historiadores orais surgiu, muitos formados em programas de pós-graduação, juntamente com os manuais procedimentais mais sofisticados. Esses são os filhos dos anos 1990 e 2000, para os quais smartphones, câmeras e computadores são tecnologias nada ameaçadoras, consistindo em uma segunda natureza; para os quais a apresentação de lembrança e reminiscência em mídia pode parecer mais natural do que em forma escrita. A cultura impressa dos seus avós se tornou uma cultura tecnológica mundial baseada em novas formas de informação auditiva (clipes musicais, jingles publicitários, narrativas transmitidas), fazendo que alguns se perguntem se as fórmulas culturais desinteressantes da música pop, da televisão e dos vídeos da internet dominarão o nosso instinto de busca histórica e de construção de identidade.
Essa nova geração de historiadores orais, incluindo a nossa própria, foi influenciada pelos movimentos críticos pós-modernistas, que passaram da teoria literária para disciplinas como a antropologia, a sociologia e a história.
Hoje, a história oral enfrenta desafios intelectuais colocados por críticos culturais que asseveram uma complexidade não imaginada anteriormente do seu processo fundamental, as lembranças gravadas dos seus eventos ou tendências histórica ou culturalmente significantes. O modelo de apresentação da história centrado na audiência provocou uma leitura da história e da cultura mais voltada para o processo.[4] Como consequência disso, a história oral viu um aumento de interesse na subjetividade e em fontes não tradicionais.[5]
Uma vez que a história é hoje amplamente vista como um construto específico de uma cultura, sendo o historiador não mais importante que a audiência (presente e futura) que o lê (e cuja organização de fatos e fontes é idiossincrática) – qual é a finalidade, exatamente, de nos voltarmos para a história e para a história oral? A pergunta pode repousar no seu passado.
A história oral na década de 2000 foi caracterizada por um interesse crescente na interdisciplinaridade. No folclore, na linguística e na etnomusicologia – para citar apenas alguns campos – a entrevista da história oral sempre serviu como base. Nas últimas décadas, contudo, como o processo do campo de trabalho da história oral gerou a sua própria literatura acadêmica, mais professores dessas disciplinas incorporaram a prática da história oral em programas de pós-graduação. Eles estão enviando os seus alunos para o centro ou instituto de história oral mais próximo para uma formação metodológica específica para equilibrar a formação de conteúdo da área das suas disciplinas principais. Como a história oral se tornou central para os programas de pós-graduação e de história pública, seu maior efeito pode ser as suas aplicações interdisciplinares.
A discussão que se segue versa brevemente sobre a interdisciplinaridade da história oral, que o meu livro, intitulado Oral History: An Interdisciplinary Anthology, pretendeu estimular. Qualquer leitura semelhante de um campo pode pretender ser somente sugestiva; contudo, pode ser válido mapear o campo comum daqueles que dependem da coleta e análise de dados orais. Cada campo depende de testemunhos orais coletados de uma maneira particular; cada um usa essa informação de um modo único, de acordo com o foco disciplinar – contudo, cada um compartilha as dificuldades e as vantagens do trabalho com fontes orais.
Antropologia
No encontro da antropologia com a história oral, encontramos etnógrafos que usam técnicas de pesquisa imbricadas com as dos historiadores, embora busquem dados diferentes. Talvez a diferença principal seja que o antropólogo grava as entrevistas não pelo fato histórico, mas para aprender a estrutura e a variedade de uma sociedade ou cultura, como manifestadas pela cosmovisão, traços culturais e tradições de um indivíduo representativo. Assim, a entrevista etnográfica fornece insights sobre os indivíduos não como testemunhas oculares, mas como portadores de cultura ou tradição. Como Sidney Mintz sugere, o etnógrafo que usa a história oral se concentra no trabalho intensivo com informantes, em vez de em dados documentais ou de pesquisa.[6] Tal entrevista não enfatiza a unicidade ou personalidade individual, à medida que situa como a individualidade se manifesta no contexto sistemático de forças socioculturais.
Anteriormente, considerava-se que as entrevistas que buscavam a cultura eram transparentes – um conjunto de fatos relevados a um entrevistador por um entrevistado, um texto compilado sem referência aos fatores linguísticos, culturais, de gênero e atuação na interação entre o narrador e o entrevistador. Contudo, em anos recentes, à medida que a atenção passou do conteúdo da entrevista para a interação linguística que acontece aí, e em seguida para o funcionamento do instinto de narrativa dos seres humanos, tanto os antropólogos como os historiadores orais passaram a explorar reflexivamente a relação entre narrador e entrevistador.
Uma ilustração desse cruzamento é um número especial da revista Narrative and Life History, que explora as intersecções da biografia, história oral e história da vida.[7] Em vez de noções monolíticas de cultura, os antropólogos que trabalham com fontes orais estão voltando a sua atenção para modelos pluralistas, incluindo-se como os entrevistados (e grupos) mantêm tradições em sociedades em mudança.[8] Alguns antropólogos clássicos, como Jan Vansina e Ruth Finnegan, estão particularmente preocupados com a tradição oral, enquanto oposta à história oral: como narrativas contadas seja como história, seja como literatura são afetadas pela presença (ou ausência) de um contexto específico de audiência e atuação. Assim, os etnógrafos chegaram a respeitar a contação de história como uma atividade que carrega cultura, sujeita a regras específicas em uma cultura específica.
Educação/Ensino
Como os autores de um guia abrangente sobre história oral para educadores comentou, a história oral na sala de aula faz a ponte entre currículo e comunidade: “ela leva a história de volta pra casa ao conectar o mundo do livro e da sala de aula com o mundo social do cara-a-cara da comunidade original do estudante.”[9]
A história oral serviu tanto como um meio para preservar a história contemporânea da educação como uma disciplina, quanto como uma estratégia de ensino nos estudos sociais. Projetos podem gravar a história do ensino em um dado campo.[10] Outros podem focar o ensino, fornecendo planos de aula para o uso da história oral em sala de aula.[11]
A história oral trabalha como um portal para recursos culturais ricos fora da sala de aula e dos livros. Os professores perceberam que a entrevista com os alunos é um modo efetivo de motivação para a aprendizagem em geral, e em particular quando tem base na comunidade. A história oral oferece aos estudantes uma maneira de se situarem na história da sua comunidade educacional.[12]
Além das aulas sobre autobiografia, biografia e técnicas de validação da história, os professores dos primeiros anos do ensino médio usam a história oral para coletar e estudar a nossa paisagem sonora: os sons que alguma vez nos circundaram – o barulho dos trens de carga ou dos bondes. (Os professores e historiadores às vezes ignoram o contexto histórico dos sons, cheiros e vistas, que podem carregar informações tão essenciais para o registro histórico quanto as palavras que os historiadores orais costumam preservar.)
Estudos Étnicos/Etno-história/Estudos Americanos
Os historiadores entenderam há muito tempo o valor do testemunho oral na criação de um senso de coesão comunitária e de continuidade entre gerações. Isto é particularmente verdadeiro para minorias e grupos étnicos historicamente marginalizados como os afro-americanos, proibidos por lei durante a escravidão até mesmo de ler e escrever. Ou os latino-americanos no sudoeste dos Estados Unidos, que foram proibidos por lei de falar a sua língua nativa nas escolas. Quando a tais comunidades se nega o direito de ler e escrever – ou de falar a sua língua nativa – os pesquisadores se voltam para a história oral para reconstruir a sua história.
“A história oral não é somente uma ferramenta ou método”, Gary Okihiro escreve nesse livro, “é também uma teoria da história que sustenta que as pessoas comuns e os despossuídos têm uma história, e que essa história deve ser escrita.”
Desse modo, a segunda geração de historiadores-ativistas orais usou fontes orais para corrigir um desequilíbrio nos registros históricos, que favoreceu os alfabetizados e formalmente educados em detrimento daqueles cuja cultura não deixou registros escritos. Em anos recentes, o estudo da transmissão intergeracional cresceu em importância para historiadores que trabalham com fontes orais.[13]
Alguns historiadores orais que trabalham com história étnica ampliaram os projetos de pesquisa na academia para usar as técnicas da história oral “para tornar a história mais acessível aos seus participantes.”[14] Essa história baseada na oralidade encontrou um público por meio de peças e programas de rádio sobre a história comunitária baseados em entrevistas.[15]
O campo dos estudos americanos – a abordagem interdisciplinar para a vida cultural e intelectual americana – ampliou recentemente o seu portfólio para incluir fontes etnicamente diferentes. Os pesquisadores foram pioneiros em novos modos de ler o testemunho oral – no caso de Black Culture, Black Consciousness de Lawrence Levine, as narrativas de escravos do Federal Writers’ Project – para equilibrar os pontos de vista de minoria e maioria.[16]
Folclore
Os folcloristas e etnomusicólogos que coletam tradições (orais e outras) já há muito tempo reúnem contextos históricos e biográficos através da história oral. Os folcloristas deram contribuições significativas à metodologia da história oral (veja a discussão sobre os manuais de história oral abaixo), ao mesmo tempo em que as listas de membros de associações de história oral com frequência se cruzam com as de sociedades de folclore. Algumas vezes, os dois campos fazem congressos conjuntos.
Uma explicação para esses cruzamentos está na natureza oral de muitas das tradições registradas pelos folcloristas. Os métodos para a coleta de conhecimento oral e história oral se sobrepõem, embora os primeiros tendam a ser mais espontâneos na abordagem de coleta. Richard Dorson revela os pesos diferentes que os folcloristas e os historiadores orais dão para os fatores na formulação de um texto: a profissão histórica tradicionalmente ignorou o papel da atuação, da narrativa e da audiência, preferindo focar o conteúdo factual. Um folclorista, ao definir o gênero narrativa da “estória de vida” (life story) – enquanto oposto à “história de vida” (life history), ou a biografia oral – assevera que o interesse primordial do folclorista não é a precisão histórica das narrativas de vida, mas o modo formular em que elas são expressas. E representam motivos e tipos de contos da tradição.[17]
Gerontologia
Antes dos anos 1980, os gerontólogos estavam mais propensos a estudar a história oral do que os historiadores orais em estudar a gerontologia. Os terapeutas tinham percebido havia muito tempo que os idosos são apropriados para (e obtêm benefícios específicos de) entrevistas de história oral.[18] Os gerontólogos usaram as técnicas da história oral com sucesso para obter histórias médicas, por exemplo.[19]
Para esses estudos, muitos pesquisadores usam o que Robert Butler chama de revisão da vida, uma técnicas de aconselhamento para pessoas idosas que sofrem de dissociação e depressão.[20] Alguns pesquisadores sugerem que tal reminiscência terapêutica tem múltiplas funções: informativa, avaliativa e, negativamente, obsessiva.[21] À medida que a população do mundo ocidental envelhece, os pesquisadores enfrentam uma pressão crescente para entender como a nossa memória e o nosso instinto de contação de história são afetados pela idade; e os historiadores orais, com a sua experiência em obter narrativas, deverão desempenhar um papel mais importante na gerontologia. No Reino Unido, os pesquisadores de história oral estão formulando uma relação entre a reminiscência entre idosos e o surgimento de um movimento social para as noites dos idosos.[22]
Direito
Os testemunhos da história oral em geral não são admitidos nos tribunais pela regra de evidência do “ouvir dizer”: alguém somente pode testificar que algo aconteceu se viu ou viveu a experiência, e não o que ouviu dizer. Contudo, nos últimos quinze anos, a história oral entrou tanto nos litígios quanto nos precedentes que formam a base das decisões judiciais.[23] Assim como os antropólogos e os arqueólogos estão cada vez mais envolvidos em levantamentos de locais para o desenvolvimento comercial, do mesmo modo os historiadores pesquisam e testemunham sobre a tradição oral e a história oral acerca do direito de uso de terra e água. (Uma dificuldade aqui é o problema de os historiadores orais obterem o status de “testemunha pericial”.)
Outra aplicação da história oral para a história do direito é o modo em que as empresas jurídicas e as sociedades de história do direito estão se voltando para os historiadores orais para documentar a história da sua empresa ou do seu ramo, ou as vidas de juristas proeminentes. Do mesmo modo, as questões legais complexas que envolvem a criação, o copyright e o “uso justo” das entrevistas requerem que os historiadores orais prestem cada vez mais atenção nos precedentes jurídicos.[24]
História literária
Durante o tempo em que houve escritores – de fato, antes que houvesse escritores, nos tempos em que a literatura era exclusivamente oral – as pessoas realizaram entrevistas para documentar o processo literário e seu contexto. A história oral influenciou os estudos literários principalmente em duas categorias: a biografia, tanto oral quanto escrita; e a história literária, em que as entrevistas documentam as atividades da profissão literária e da publicação (tanto quanto o trabalho de escritores específicos).
A história literária ou a biografia compilada sobretudo a partir de fontes orais difere significantemente daquela construída primariamente de fontes escritas.[25] Uma revista interdisciplinar que examinou essa tendência é a Biography.[26] Uma biografia com base em fonte oral exige um pesquisador para avaliar a confiabilidade e a validade dos seus narradores, como faz qualquer livro baseado em fontes escritas. Contudo, o biógrafo oral pode ter algumas vantagens: sessões de entrevista podem expor novos documentos, cartas e fotografias; entrevistas cobrem todo um espectro de fontes, não apenas as do período de atividade pública (uma vez que as fontes históricas estão disponíveis para exame cruzado); e os testemunhos são depositórios de língua viva com fraseios distintivos e exatos.[27]
Em 1990, a Associação de História Oral dos EUA promoveu seu primeiro painel sobre “a história literária oral”, ou seja, documentando através de entrevistas gravadas a cultura literária de um período. Esse painel discutiu tudo, desde as narrativas orais dos sobreviventes do Vietnã até a negociação de uma moldura temporal histórica entre o entrevistador e o entrevistado.[28]
A história literária oral possui certas características fundamentais: (1) foca as obras da literatura contemporânea em que o pesquisador sonda interativamente as fontes, os processes criativos e as revisões do autor, assim como a sua rede de influência; (2) as obras de interesse para os historiadores literários orais tendem a estar centradas na língua e dizer respeito à dimensão sociolinguística do texto literário; (3) os historiadores literários estão propensos a explorar os contextos históricos e sociais da literatura, em oposição aos críticos que veem o texto como internamente referencial, excluindo-se o mundo exterior; e (4) os textos estudados através da história literária oral refletem o processos fundamentalmente colaborativo de um entrevistador e narrador.
Como escreveu George Held em uma resenha sobre coletâneas de entrevistas com escritores contemporâneos, “o resultado da coleta de informação crítica e biográfica [reunida através de entrevista] se tornou uma subespécie da história oral.”[29] Infelizmente, muitas coletâneas não são preparadas por historiadores orais de formação, o que tem obscurecido frequentemente a distinção entre a experiência vivida e a experiência criada, sendo a última a rotina de um escritor. Contudo, variando das primeiras entrevistas sobre as publicações nos arquivos da Columbia University às entrevistas nos arquivos nacionais de som da Grã-Bretanha, o ramo da história oral da história literária é uma área de pesquisa popular em crescimento. À medida que novos formatos literários surgem, como podcasts, audiobooks e v-logs (memórias orais filmadas, ilustradas com fotografias e coisas efêmeras), a sua voz narradora certamente será influenciada pelo modelo da história oral.[30]
Estudos de mídias e produção de mídia
Por mais de 75 anos, desde a aurora das transmissões radiofônicas, os produtores exploraram os temas históricos tanto no formato de documentário quanto de ficção. Na rádio, televisão e filme, os produtores buscaram levantar a consciência popular histórica, para transmitir “para o homem [e mulher] na rua” a fim de desenvolver “interesse histórico”, como um conselho consultivo nacional sobre rádio e educação sugeriu há mais de 60 anos. Hoje, as mídias eletrônicas e de massa são formas de publicar os achados da história oral. Documentaristas da rádio e televisão – particularmente nas redes públicas com escassos financiamentos – estão descobrindo as riquezas disponíveis nos arquivos da história oral. Emissoras locais estão transmitindo entrevistas de história oral para cumprir as suas obrigações de serviço público. O testemunho oral tem sido incorporado na integralidade de filmes hollywoodianos, tais como Zelig.
Recentemente, as organizações de história oral realizaram painéis para promover um intercâmbio de habilidades técnicas e artísticas entre os produtores de mídia e os historiadores orais. Essa colaboração não foi tão simples assim. A formação em transmissão e o aprendizado de conteúdos das humanidades são geralmente separados na graduação e pós-graduação. O resultado dessa diferença dá aos produtores de mídia um ótimo conhecimento da gramática do seu instrumento, mas frequentemente sem nenhum conhecimento do seu conteúdo potencial; e deixa os historiadores orais confortáveis com o seu assunto, mas sem um plano para o uso dos seus materiais que não seja o de arquivá-los.
Em relação à história da transmissão, entrevistas no programa de história oral da Columbia University cobriram os primeiros e pioneiros dias da transmissão nos Estados Unidos; do mesmo modo no Canadá, a Corporação de Transmissão Canadense patrocinou entrevistas de história oral do seu primeiro pessoal.[31]
Uma tendência separada foi um tratamento novo, analítico, da transmissão e da história oral, incluindo-se as suas estratégias de representação, suas implicações metodológicas e a sua estética. Típica dessa abordagem foi a conferência de 1993 da Sociedade de História Oral da Grã-Bretanha, “Transmissão e História Oral”, que debateu como os documentários baseados em história oral representam (ou são possivelmente o estereótipo de) regiões e etnias. Os documentaristas discutiram como o seu gênero mudou com a inclusão de fontes orais – e como as fontes históricas de hoje antecipam os usos midiáticos em seus testemunhos. Os pesquisadores debateram as implicações dos procedimentos de seleção e edição, incluindo-se questões éticas e de privacidade que afetam os entrevistados.
Sociologia e Estudos Comunitários
Uma questão na exploração de como a história oral é aplicada internacionalmente é o modo pelo qual as disciplinas são definidas diferentemente em diferentes países. Muitas das pesquisas atuais de história oral na Grã-Bretanha e Alemanha, por exemplo, acontecem como sociologia ou etnologia europeia, o estudo da vida de cada um (que inclui o que os norte-americanos chamam de antropologia social).[32] Os sociólogos britânicos estão frequentemente envolvidos com o que os psicólogos chamam de “entrevista em profundidade”, que envolve um processo profundo e de várias camadas para recontar a experiência individual. Na Grã-Bretanha, essa disciplina inclui mais entrevista de história de vida do que nos EUA, em que os sociólogos que conduzem entrevistas estão mais aptos a aplicar a noção de Robert Merton de entrevista de “foco fixo”, tratando os narradores individuais como significativos somente enquanto representativos de grupos e subculturas. Assim, os sociólogos americanos tendem a receber formação em métodos de pesquisa-enquete e realizam “sociologia oral” através de questionários estruturados.
A história oral nos EUA está mais ligada ao modelo de história comunitária.[33] Aqui, a orientação localista da sociologia tende para o lado qualitativo da profissão, em que as experiências individuais contam tanto quanto o conjunto estatístico.[34] Novas instituições na junção da sociologia e da história oral, tais como o Instituto de Sociologia da Academia de Ciências da Rússia, em Moscou, tendem a favorecer essa abordagem combinada de história de vida e estória de vida para a pesquisa indutiva em sociologia.
Mulheres e estudos de gênero
Um ensaio pioneiro nos estudos das mulheres e na história oral foi "What's So Special About Women? Women's Oral History", escrito por Sherna Gluck. Quem está interessado na combinação entre os estudos das mulheres e a história oral já se confronta com as questões que o ensaio de Gluck levanta: quem é o entrevistador apropriado para os projetos de história oral sobre mulheres – alguém do mesmo gênero? Da mesma idade? Da mesma classe? Os projetos de entrevista que dramatizam e talvez glorificam os feitos domésticos das mulheres que perpetuam os estereótipos do trabalho das mulheres?
Como no caso dos estudos étnicos, os historiadores orais interessados nos estudos das mulheres estão coletando lembranças de grupos e classes de pessoas amplamente marginalizados nos registros históricos.[35] “Os historiadores tentaram oferecer heroínas mulheres modernas e modelos de atuação, personagens em uma só história-dela por muito tempo ignorada”, comentou Susan Strasser. “Contudo, as donas de casa permaneceram ‘escondidas da história’... Essa ‘história de baixo pra cima’ produziu artigos em revistas profissionais e projetos de história local. Usou uma variedade de técnicas não convencionais para contar a história da vida cotidiana no passado.[36]
Nos lugares em que a maioria das mulheres provém da classe trabalhadora, em que a educação formal não foi, tradicionalmente, uma prioridade, muitos dos dados coletados oralmente ocorrem in uma moldura anedótica e narrativa de autobiografias e memórias.[37] Gluck e outros sintetizaram as preocupações feministas dos campos relacionados à história oral, tais como os estilos de língua, colaboração e autoridade baseados no gênero.[38]
Manuais de história oral
Outra maneira de examinar como a história oral se desenvolveu nos últimos cinquenta anos é explorar a variedade e a substância dos seus manuais metodológicos. Talvez o primeiro e mais amplamente usado manual de prática da história oral tenha sido o Oral History for the Local Historical Society de Willa K. Baum, que foi publicado pela primeira vez em 1966.[39] Anteriormente, os manuais de trabalho de campo com entrevistas eram retirados da área da sociologia ou do folclore, notadamente a obra de 1964 intitulada A Guide for Fieldworkers in Folklore.[40] Ao passo que a obra de Goldstein se baseia sobretudo na antropologia, incluindo seções sobre relatório, observação e coleta, Baum alcançou uma audiência não profissional, abrangendo questões práticas como a pré-entrevista e a pesquisa da história local, influenciando assim outros manuais do período.[41] Em 1974, o Oral History Program Manual de William Moss abordou a história oral a partir de uma perspectiva arquivística, incluindo seções sobre a curadoria e a conservação das coleções de história oral. A publicação desses dois volumes documentou a popularidade crescente da história oral, particularmente entre os mencionados acima, como a segunda geração de historiadores orais.[42] Nesse período, os manuais de história oral estavam começando a mudar o foco de como fazer gravações em fita e conduzir as entrevistas, passando para a exploração de questões sobre a coleta e a circulação de transcrições.
Esses manuais e guias, e mais tarde outros, mapeiam uma dimensão cada vez mais reflexiva da prática da história oral, em que o historiador oral cataloga o seu pano de fundo e ideologia, assim como o contexto de atuação e sociolinguístico da entrevista.[43]
Hoje, como os encontros da Associação de História Oral mostraram, a história oral oferece um mundo inteiro de oportunidades. Hoje esse mundo é desafiado de vários modos pela incorporação de novas tecnologias – tais como a internet, além do armazenamento, processamento e busca computadorizados. Os historiadores orais reagiram encontrando meios de aplicar a tecnologia para criar um intercâmbio internacional de métodos, abordagens e teorias. Se a tradição oral é um rio, às vezes fluindo sob o solo, pisado por sucessivas gerações, então a história oral é um tributário seu, reciclando a história em estória e enviando a estória borbulhante para a história ao expandir as fronteiras interdisciplinares do campo.
Assim, vemos que os historiadores orais aceitaram que eles fazem simultaneamente um método (coleta de dados orais), um subcampo da história (a historiografia oral) e um recurso para professores, comunidades e pesquisadores de todos os tipos (história oral).
Em suma, estas são questões atuais, na medida em que a história oral enfrenta os seus momentos mais desafiadores – a perspectiva da perda de financiamento (através da eliminação de financiamento para a pesquisa) com o fim do Fundo Nacional para as Humanidades e Artes e da Corporação para a Transmissão Pública, ancestral de todas as transmissões públicas e comunitárias em rádio e televisão.
Esses são os principais alvos dos políticos de direita dos EUA. O custo dessas instituições é menor do que o de uma só embarcação para a marinha ou de um só caça para a força aérea. Contudo, entre elas essas três instituições estimulam, promovem e distribuem informação de todas as nossas culturas e não-falsas notícias. Colocá-las de lado, embora seja improvável que aconteça inteiramente, é simplesmente um caminho rumo à ignorância e à tirania. Portanto, de qualquer modo que venha, qualquer forma de resistência que tome, e quão bem-sucedida essa resistência seja, é necessário para o futuro da história e da história oral nos EUA.
A eleição presidencial causou muito agito nos círculos acadêmicos. O debate não é um cisma; construir apoio para a administração nas faculdades permanece algo difícil. A opinião geral parece ser a de que a chatice, a falta de empatia e as afirmações contraditórias são difíceis de seguir ou aceitar. Antes, a questão passa a ser como os acadêmicos vão reagir; e nos encontros de 2017 da Associação de História Oral essa era a principal discussão.
Sessões plenárias abordaram as consequências intimidadoras da eleição para os historiadores – sem surpresas, como o atual orçamento prevê a eliminação do Fundo Nacional para as Humanidades e Artes – o maior financiador de muitos que estavam presentes – e zera a transmissão pública – que os acadêmicos ouvem e assistem mais do que qualquer outra fonte de informação. Eu encontrei três direções que foram oferecidas: como pesquisadores, observadores ou ativistas. Todas têm os seus advogados.
O desenvolvimento de novas agendas se concentrou em como as novas políticas afetam as vidas diárias de 99%, após os cortes do bem-estar médico e social. Aqueles que coletam a história dos índios, hispânicos, afro-americanos pediram novas pesquisas sobre os efeitos da redução de benefícios e ajudas para os viciados em droga. Isso foi uma história oral proativa. Aplicar a formação acadêmica nesses tópicos poderia realmente ajudar as comunidades.
A maioria, contudo, claramente favoreceu o confronto com os ativistas. Alguns pesquisadores pediram resistência, pelo menos intelectualmente, e pediram para coletar narrativas históricas para criar novas estórias sobre a origem do momento a que se chegou. Cortes no orçamento deveriam receber resistência. “Resistência” é o novo paradigma para muitos pesquisadores americanos. (Se isso vai durar, e o que acontece quando a situação aperta no momento em que os financiamentos para a pesquisa exigem lealdade política, não está claro.)
Essa atitude de confrontação foi resumida pela palestrante principal, professora de Harvard e escritora da New Yorker, Jill Lepore: “As pessoas são tão irascíveis, o que dizer de pequenos tiranos e companhia? Histórias alternativas, sobretudo distopias, refletem o pessimismo radical da sociedade.” De acordo com Lepore, este é o nosso: “A internet não nos aproxima. O crescimento econômico levou a uma desigualdade econômica crescente e a uma crise ambiental iminente. A democracia parece estar gerando um autoritarismo.”
“A distopia costumava ser uma ficção de resistência”, concluiu ela; “tornou-se uma ficção de submissão, a ficção de um século XXI sem crédito, solitário e sombrio, a ficção da fake news e das infowars, a ficção do desamparo e do desespero... Uma estória sobre como a ruína pode ser bela. O naufrágio é romântico. Mas uma política da ruína está condenada.”
Há a necessidade de um debate sobre a melhor maneira de os historiadores reagirem aos novos desafios da crescente desigualdade e do racismo e do preconceito organizados – isso parece muito claro.
Notas
Thompson, Catharine Itzin e Michael Abendston, I Don't Feel Old: The Experience of Later Life (Oxford: Oxford University Press, 1990). Veralso Carl Ryant, "Comment: Oral History and Gerontology", Gerontologist 21 (fevereiro de 1981), pp. 104-5; Robert Menninger, "Psychological Factors in Oral History Interviewing", Oral History Review (1975), pp. 68-75.