Resenha
![]() | hooks bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. 2021. São Paulo. Editora Elefante. 272pp.. 978-6587235240 |
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Recepción: 22 Marzo 2022
Aprobación: 12 Agosto 2022
Começar este texto lembrando uma antiga canção de uma banda popular brasileira chamada de Jota Quest fez muito sentido após ler a escrita da teórica norte-americana bell bair hooks[1], nome que ela se deu ao tentar resgatar suas origens e fortalecer sua identidade. Seu nome de batismo é Gloria Jean Watkins, porém, para evocar a força do seu passado, assumiu o nome de sua bisavó. A autora nascida em 1952 na cidade de Hopkinsville, no Estados Unidos, presenteou o mundo com uma vida acadêmica exemplar e inúmeras obras que fazem reflexões em torno da interseccionalidade, de questões sexuais e questões da negritude e do feminismo.
A mais recente obra traduzida para o português pela Editora Elefante: Tudo Sobre o Amor (2021) nos faz refletir sobre a importância do amor e de um olhar amoroso quando se trata de ajudar a humanidade a encontrar um caminho melhor. A partir disso, a associação feita com a canção “Amor Maior” (2003) do grupo musical Jota Quest se constrói, pois, em um trecho, retrata o amor como “maior que eu”, ou seja, o amor está além do indivíduo, sendo maior do que todos nós, podendo ser enxergado assim como no livro da autora, como uma prática coletiva. Esse sentimento, que assim chamamos ‘amor’ é um símbolo e sua presença está em todos os lugares, em todas as esferas, onde possamos existir pode ser sob sua presença mesmo que o amor esteja debilitado, da mesma forma como bell hooks nos faz pensar ao nos convidar a conhecer sua obra, na qual ela levanta importantes questões dentro da perspectiva do amor e de sua prática enquanto elemento politizado e coletivo.
O amor pode ser um ato político? Pode-se ultrapassar a ideia de que o amor sempre vence? O livro da escritora norte-americana irá abordar muito além da crítica a esse amor romântico, destinado aos heterossexuais que sempre acabam juntos e graças a uma suposta força inexplicável, inebriante, que os derruba. A autora levanta a tese de que o amor é um ato político e que tudo que sabemos sobre ele muitas vezes está equivocado. O livro compõe uma coletânea de escritos que se relacionam com a temática, compondo assim: Tudo sobre o amor: novas perspectivas; sucedido por Salvation: Black People and Love (2001) e Communion: The Female Search for Love (2002). Esses livros têm o ponto centrado no amor, em como essa força é presente em diversas instâncias da vida humana e que sem ele nós padecemos para a violência, para o medo e o individualismo.
A autora divide o livro em 13 capítulos, nos quais hooks irá permear a socialização humana em diversas esferas em busca de compreender e problematizar o amor na nossa sociedade. A divisão de cada capítulo tem o intuito de abordar a presença do amor e sua prática em diversas esferas; como nas relações familiares, na sociedade, no Estado, em problemas ligados a dependências de diversas origens; onda houver um ser, pode haver o amor ou sua ausência.
Em seus capítulos, bell hooks divide o livro a partir de propostas para pensar o amor dentro da sociedade e das relações sociais, sendo sempre iniciados com palavras como: clareza, justiça, honestidade, compromisso, espiritualidade, valores, ganância, comunidade, reciprocidade, romance, perda, cura e destino. Esses são os nomes que compõem o livro, cada um dos 13 capítulos é separado por uma temática que envolve o amor e como este se relaciona com essas palavras e em determinadas esferas da vida. A narrativa do livro é muito fluída e, apesar do seu importante conteúdo teórico, não é um texto acadêmico robusto e cansativo, mas sim, uma ótima literatura que não precisa de qualquer formação para ter seu coração atingido pelas reflexões importantes que a autora faz.
Os primeiros capítulos procuram apresentar a introdução da questão do amor, levantam a reflexão de como nós banalizamos o amor e passamos a resumi-lo em comédias românticas ou a livros tristes que terminam com belos beijos embaixo da chuva. Contradizendo tudo que sabemos sobre o amor, a autora lembra como começou sua reflexão em torno da temática. Narrando suas próprias experiencias de vida de forma indireta, ela reflete como experienciar o amor a levou nessa busca para compreendê-lo e de que forma isso se materializa socialmente, nos lembrando da sua trajetória. Esses capítulos introdutórios apresentam a questão do amor e de como há poucos espaços. Ao se deparar com uma arte de rua, hooks teve sua vida impactada ao perceber que não sabia o que era o amor a princípio e que não sabia explicá-lo, afinal acreditamos saber o que é o amor, porém quando nos é perguntado o que ele significada, muitas vezes nossas respostas são vazias ou remetem a clichês construídos por filmes.
hooks passou por uma separação que a levou ao luto, a um sentimento de descrença sobre o amor e a uma tristeza profunda, tornando-se cada vez mais difícil para ela acreditar no amor e em suas promessas. Para qualquer lugar que olhasse, “o encantamento do poder ou o terror do medo ofuscavam o desejo de amar”. Agarrada a frase grafitada “A busca pelo amor continua, mesmo diante das improbabilidades”, seu processo de cura se baseava em visitar aquele mural e relembrar que o amor continuava apesar de sua ferida aberta; entretanto, o grafite da construção pouco tempo depois fora apagado.
Ao abordar essas questões iniciais, nos apresentando o contexto de reflexão do livro, bell hooks menciona a tese central que a levou a produzir esses trabalhos. Segundo ela “Não há muitos debates públicos a respeito do amor em nossa cultura hoje. No máximo, a cultura popular é o domínio em que nosso desejo por amor é mencionado” (2021. p. 31). Ao destacar essa ausência de debates sobre o amor e após narrar um episódio da sua vida, o livro muda totalmente o seu debate, que introdutoriamente pensamos ser em relação ao amor das relações monogâmicas e seus processos, entretanto, de forma brilhante, a autora adentra num denso e importante debate de como não escrevemos e refletimos sobre o tema e como banalizá-lo nos tem causado grandes prejuízos.
A reflexão do amor feita no livro também nos leva a pensar a sociedade capitalista como um todo, afinal ela se alicerça no isolamento e na individualidade. Pensar o amor nesse sentido é também um meio de lutar contra a estrutura de opressão de diversos grupos que são excluídos e marginalizados. Criar uma comunidade amorosa, como menciona a autora, é também um modo de construir um local de acolhimento e de força para pessoas que sempre estiveram à margem do sistema.
O filosofo e ensaísta Byung-Chul Han elabora uma perspectiva crítica para além da simplória análise da sociedade capitalista individualista. Han irá construir a reflexão em torno do que ele chama “além da sociedade disciplinar”, em seu livro Sociedade do Cansaço (2020). Segundo ele, superamos a sociedade disciplinar foucaultiana e passamos a ser a sociedade do desempenho, em que a única coisa na qual está centrado nosso foco, enquanto agentes sociais, é o desemprenho e a produção. Essa sociedade não é mais disciplinar porque, diferente do que a modernidade industrial e a temporalidade que Foucault descreveu em suas teses, a sociedade contemporânea convence os agentes através de uma positividade, o que nos torna algozes de nós mesmos.
Enquanto essa obra era resenhada, a infeliz notícia se abateu sobre nós. No dia 15 de dezembro de 2021, a autora da obra veio a falecer. Isso criou grande reflexão motivada por seus textos, pois hooks era uma figura exímia no trato da questão da esperança e sobretudo sobre buscar um futuro melhor para todos na sociedade, destacando as mulheres negras. Apesar do amor se fazer crer que preexiste conosco, esse fato é contrariado pela autora, que acreditava que o amor era uma ação que deveria ser exercitada e que seu exercício, de maneira correta, levar-nos-ia a uma sociedade melhor e até mesmo seria a solução para diversos de nossos problemas. Essa crença do amor preexistir em nós, nos limita a acreditar que sabemos o que ele é e como ele funciona, porém, a obra nos mostra como nós pouco sabemos sobre o amor, como ele funciona e como podemos praticá-lo de uma forma justa e coerente.
Talvez o único ponto em que o livro falhe seja na construção da premissa religiosa e espiritual sobre o amor, dando a entender que o ateísmo pode ser talvez uma ausência da construção amorosa, indo por um caminho talvez um pouco acrítico no qual somente na religião e na espiritualidade more o amor. A autora menciona que “uma cultura que está morta para o amor só pode ser ressuscitada pelo despertar espiritual” (2021, p. 109), reforçando a lógica, por vezes religiosa, de que apenas aqueles que creem conhecem o amor e isso novamente pode reiterar que pessoas que partem de uma lógica ateísta não podem reconhecer esse amor ou vivenciá-lo. Falhando em seu ponto, visto que muitas vezes, como a autora mesmo faz menção, entidades religiosas e a espiritualidade sejam causador de traumas e de uma perspectiva vazia do amor e por vezes até reprodutora de outras questões que a própria autora critica, como a lógica amorosa heterossexual, os abusos e as descriminações.
A obra de bell hooks não é somente um incrível aparato teórico para se pensar o amor, é um manual esperançoso para que possamos ter um futuro melhor. Discutindo e abordando o amor em diversas instâncias da materialidade humana e combatendo o controverso entendimento de que as únicas pessoas que se interessam pelo amor são as mulheres e que são as únicas que sabem amar. Afinal o patriarcado fez muito bem o seu papel ao destinar esse caráter maternal de amor e cuidado às mulheres, e de depositar uma masculinidade tóxica nos homens, nos afastando totalmente uns dos outros e de uma realidade social de respeito, afeto e todas as outras coisas que compõem o amor.
O livro é convite para nos tornarmos melhores, não só para nós mesmos, mas para nossa comunidade e para todas as pessoas pelas quais sentimos afeição. Assim, como na canção da banda Jota Quest, “É preciso amar direito. [...] Ser amor a qualquer hora. Ser amor de corpo inteiro”, hooks nos convida a aprender a pensar o amor, e como ser amor, para sermos sinceros com nossos sentimentos e em nossas relações com os outros, assim como para com a sociedade. É um tema que se desdobra pelas temporalidades, afinal todos nós precisamos do amor, não importa de qual local temporal e cultural falamos, o amor é importante para se pensar as relações humanas e a promoção de uma sociedade melhor e mais justa a partir da visão proposta por hooks.
Referências
Byung-Chul Han. Sociedade do cansaço. Ed 1. Editora Vozes. 2015.
JOTA QUEST. Amor Maior. Belo Horizonte: Sony. 2003. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g00GIGw04jg. Acesso em 12 dez. 2021.
Notas