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Entre o patrimônio e o plano: estudo argumentativo sobre Paranaguá, Paraná
Between heritage and plan: argumentative study on Paranaguá, Paraná
Entre o patrimônio e o plano: estudo argumentativo sobre Paranaguá, Paraná
Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 37, e0302, 2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
Recepción: 20 Abril 2021
Aprobación: 30 Marzo 2022
Resumo: Desde a segunda metade do século XX, o tombamento persiste como principal alternativa de salvaguarda de bens culturais no Brasil, enquanto a partir dos anos 2000, o plano diretor municipal estabelece diretrizes protetivas de áreas remanescentes da narrativa evolutiva de urbes contemporâneas. Diante dessas assertivas, o objetivo geral da pesquisa consiste em analisar os argumentos relativos à proteção da memória do centro histórico de Paranaguá, Paraná. Com caráter exploratório e abordagem qualitativa, a investigação foi apoiada em técnicas de revisão de literatura e em análises documentais. Seus resultados indicam que aquela ferramenta da política patrimonial e o citado documento de ordenamento urbanístico contribuem tanto para alterações positivas, quanto para externalidades adversas, com riscos à cognição do passado no presente e à sua respectiva transmissibilidade ao futuro. Pela interpretação das questões históricas e empíricas do caso estudado, também se pode deduzir que a efetividade dessas ações depende do reconhecimento dos valores e significados do patrimônio individual e coletivo. Por fim, conclui-se que, como decorrência de descompassos de pensamento entre diversas instâncias – públicas e privadas, legados da humanidade restam à deriva e suscetíveis a perdas irreversíveis e ao desaparecimento – completo ou parcial – da história das comunidades locais.
Palavras-chave: centros históricos, bens patrimoniais, planejamento urbano, tempo presente.
Abstract: Since the second half of the twentieth century, the heritage listing has persisted as the main alternative for safeguarding cultural assets in Brazil, while from the 2000s onwards, the municipal masterplan establishes protective guidelines for remaining areas of the evolutionary narrative of contemporary cities. In view of these assertions, the general objective of the research is to analyze arguments related to the protection of the memory of the historic center of Paranaguá, Paraná. With an exploratory feature and a qualitative approach, the investigation was supported by techniques of the literature revision and by documentary analyzes. Their results indicate that heritage policy tool and the aforementioned urban planning instrument contribute to both positive changes and adverse externalities, with risks to the cognition of the past in the present and its respective transmissibility to the future. By interpreting the historical and empirical issues of the case study, it can also be deduced that the effectiveness of these actions depends on the recognition of the values and meanings of individual and collective heritage. Finally, it follows that, as a consequence of mismatches of thought between different instances - public and private, humanity's legacies are left adrift and susceptible to irreversible losses and the complete or partial vanishing of the history of local communities.
Keywords: historical centers, patrimonial goods, urban planning, present tense.
Argumentos iniciais: a problemática dos valores do passado no tempo presente
A cidade é resultante de processos pretéritos e de constantes transformações vinculadas a intensas relações entre seus agentes. Diante dessa complexidade e dinamicidade, a gestão do patrimônio cultural de núcleos urbanos exige o reconhecimento das especificidades das suas interações ocorridas no tempo e no espaço. Assim, parte-se do argumento de que um dos grandes desafios impostos às urbes contemporâneas, inclusive para Paranaguá, Paraná, objeto do presente estudo, reside na promoção de reciprocidade harmônica entre preservação de testemunhos históricos e ordenamento da urbanização. Apoiada em recentes postulados teóricos e práticos, inclusive de vinculação de bens patrimoniais aos objetivos de desenvolvimento sustentável (LABADI et al., 2021), esta mutualidade deve ser invariavelmente baseada na interdisciplinaridade (VELDPAUS; RODERS; COLENBRANDER, 2013).
Desde a segunda metade do século XX, constatam-se avanços significativos no campo do patrimônio, tanto no âmbito internacional, como no contexto nacional. No país, a adoção de conselhos consultivos patrimoniais nas esferas federal, estadual e municipal visam a eleição e a decisão sobre bens culturais a serem protegidos. Mesmo com esforços para consolidação de políticas de preservação de acervos, Oliveira (2018, p.4) alerta que “há controvérsias sobre o que preservar e o que destruir; ou melhor, o quanto preservar e o quanto destruir”.
No contexto brasileiro, Santos Júnior e Montandon (2011) observam a permanência de prioridade do plano diretor municipal (PDM) atribuída a questões do patrimônio cultural, porém, apenas de maneira generalizada, o que constitui um dos aspectos relevantes da problemática abordada neste trabalho. Por sua vez, o tombamento é tido como o principal instrumento de salvaguarda de monumentos no país, assim como para a definição de perímetros de ambientes urbanos a serem protegidos.
É indiscutível a relevância desta ferramenta para outorga de valor e construção de políticas de preservação de sítios históricos como elementos estruturantes e agregadores (FIGUEIREDO, 2014). Entretanto, como instrumento fundamental de ordenamento urbano, o PDM constitui a base da preservação patrimonial, pois, por princípio, deveria estabelecer diretrizes urbanísticas e direcionar o crescimento da cidade sem prejuízo ao patrimônio, o que nem sempre corresponde à realidade, inclusive com referência ao estudo de caso desta investigação.
Parte-se, portanto, do pressuposto de que as legislações urbanísticas e preservacionistas ampliam a possibilidade de garantia da salvaguarda de bens e têm maior chance de sucesso por tratarem a cidade como um todo (GAIO, 2002). Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa consiste em analisar argumentos patrimoniais, urbanísticos, históricos e empíricos relativos à proteção da memória do centro histórico de Paranaguá, Paraná, correspondentes à primeira ocupação estadual e a uma área portuária significativa em termos nacionais (IPHAN, 2021).
A área de estudo é protegida por lei municipal de zoneamento de uso e ocupação do solo, por legislação estadual e por tombamento federal. As primeiras ações do órgão responsável em nível nacional – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) –, mesmo que limitadas à proteção do entorno de seus edifícios tombados, ocorreram ainda na década de 1930, ainda que esta cidade paranaense não estivesse situada em região prioritária daquela entidade naquele momento. Por outro lado, as primeiras iniciativas voltadas ao conjunto urbano iniciaram em 1967, com seu reconhecimento no PDM (JABUR,
2015).
Com caráter exploratório e abordagem qualitativa, os procedimentos metodológicos adotados na investigação envolveram, em sua primeira fase dedicada a argumentos patrimoniais, a revisão de literatura sobre os sentidos da preservação dos centros históricos de cidades e respectivas políticas públicas implementadas no Brasil nas últimas décadas. Nesse contexto, é ressaltada a relevância da ferramenta de tombamento.
Na sequência, as mesmas técnicas foram utilizadas para argumentação urbanística sobre instrumentos de planejamento voltados à preservação patrimonial, correspondente à segunda fase investigativa. Desta feita, os destaques cabem às diretrizes da política urbana brasileira, fundamentada no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) e consubstanciada pela implementação de planos diretores municipais.
Os argumentos históricos e empíricos serviram para o aprofundamento da terceira fase da pesquisa, por meio da especificidade do estudo sobre Paranaguá, para o entendimento das origens do centro da cidade, a mais antiga do estado do Paraná e lócus de instalação portuária de grande relevância no cenário brasileiro. Também se prestaram à compreensão da sua patrimonialidade presente, pois este conjunto urbano é tombado na esfera estadual e em âmbito federal.
A aplicação de técnicas de levantamento bibliográfico, bem como de análise documental dos autos de tombamento e de leis dos planos diretores a respeito da gênese do município e sobre as primeiras ações de proteção do patrimônio cultural de Paranaguá foi direcionada à compreensão do centro histórico da cidade, fundamentada em normas legais vinculadas – direta ou indiretamente – a ações de patrimonialização de bens e de planejamento do município. A escolha desses processos decisórios é justificada por constituírem marcos nas políticas públicas de preservação do patrimônio cultural de Paranaguá, o que permite o exame das consequências desses regramentos como alterações positivas ou como externalidades desfavoráveis às dinâmicas da cidade e aos próprios significados da proteção do patrimônio urbanístico.
Argumentos patrimoniais: os sentidos da preservação urbana
As cidades são produtos dos grupos sociais que física e culturalmente as construíram num processo temporal contínuo. Em geral, seus centros históricos representam suas regiões mais antigas, que progressivamente se tornaram centralidades das urbes contemporâneas. Nessa perspectiva, postulados da Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano (DGOTDU, 2005, p.128) asseguram que cada um deles surgiu “com o núcleo de origem do aglomerado, de onde irradiaram outras áreas urbanas sedimentadas pelo tempo, conferindo, assim, a esta zona uma característica própria cuja delimitação deve implicar todo um conjunto de regras tendentes à sua conservação e valorização”.
Assim, o centro histórico de uma cidade é um lugar central relativamente aos seus demais setores, com elevada capacidade tanto de atração de seus habitantes e turistas, quanto de polarização de atividades socioeconômicas (CAVÉM, 2007). Como resultado, é caracterizado pela homogeneidade de componentes da história local, bem como por valores arquitetônicos, urbanísticos e afetivos que devem ser preservados (DGOTDU, 2005).
A importância desses núcleos é reconhecida em diversos documentos internacionais, como a Convenção para Proteção do Patrimônio Natural e Cultural (1972), a Recomendação de Nairóbi (1976) e a Carta para Conservação de Cidades
Históricas e Áreas Urbanas (Carta de Washington, 1987) (ICOMOS, 1987; UNESCO, 1972; 1976). Seus objetivos comuns consistem em valorizar e preservar as relações de localidades memoráveis com a urbe contemporânea e com seu entorno natural ou antropizado.
Kersten (2000) afirma que o ato da preservação visa a conservação de bens consensualmente interpretados como referenciais. Em termos de patrimônio dos centros históricos, é efetivado pelo Estado por meio de processos na esfera pública que resultam em instituições e normas específicas para reconhecimento e proteção dos elementos representativos da identidade de determinado espaço (IPHAN, 2000). Desde a primeira metade do século XX até os dias atuais, está vinculado à proteção legal rigorosa que, em primeira instância, considera a monumentalidade de edificações e, posteriormente, a sua inserção em dado contexto memorial.
A política brasileira, nesse sentido, foi formalizada em 1937, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), visando a preservação de edifícios singulares, objetos artísticos e aspectos culturais representativos da história do Brasil, atuando na identificação, restauração, conservação e fiscalização de monumentos, sítios e bens. A partir da década de 1960, ocorreram alterações oriundas de debates em conferências e congressos internacionais relativamente a diferentes contextos sociais (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019).
Contudo, o tombamento ainda figura como importante instrumento de salvaguarda dos bens e o plano diretor como ferramenta de criação de diretrizes para preservação e universalização do patrimônio e centros históricos (FERREIRA, 2017). Porém, mesmo havendo o recente fortalecimento da dimensão cultural, as diretrizes públicas voltadas a este campo são ainda pouco exploradas no país, visto que apenas a partir da Constituição Federal de 1988 houve aproximação entre os temas no sentido antropológico e político (BRASIL, 1988).
Aderindo a propostas modernistas de preservação de edificações e a objetivos artísticos, destacam-se três programas implementados entre 1973 e 2016: o Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH), o de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano (Monumenta) e o de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas. Concretizado durante a Ditadura Militar, de 1973 a 1979, o primeiro foi direcionado à atração de investimentos ao turismo e ao reconhecimento da diversidade local a partir da requalificação e novos usos de edifícios dos centros históricos, ocasionando a expulsão de parte da comunidade de baixa renda das áreas requalificadas (FRIDMAN; ARAÚJO; DAIBERT, 2019).
O segundo, implementado de 1999 a 2010, impôs a revitalização das áreas centrais para a retomada do valor imobiliário das edificações a partir de parcerias público-privadas para a preservação dos bens históricos. Fridman, Araújo e Daibert (2019) esclarecem que, apenas durante a fase de união com o IPHAN, houve recuperação de imóveis patrimoniais utilizados pela população em situação de vulnerabilidade social.
De acordo com os mesmos autores, o terceiro, executado entre 2009 e 2016, aliou a preservação e a restauração dos centros históricos a instrumentos do planejamento urbano. Desse modo, houve articulação de estratégias para o desenvolvimento turístico e a recuperação de espaços para grupos vulneráveis.
Estes três programas atenderam aos interesses de agências financiadoras e de segmentos representativos do contexto social de cada época. Assim, foram voltados a diferentes alçadas além da preservação do patrimônio cultural, como o desenvolvimento econômico, urbano e turístico.
Em vertente semelhante, o tombamento é um importante instrumento jurídico criado na década de 1930 (BRASIL, 1937). Como ato administrativo, tem como objetivo preservar bens materiais e imateriais, selecionados pelos seus atributos culturais e que devem ser conservados e protegidos de perdas, descaracterização ou destruição (RABELLO, 2015). No âmbito urbanístico, seu conceito é vinculado à construção de identidade comum ao meio urbanizado, mas com possibilidades de se tornar “um obstáculo ao livre desdobramento de novas modalidades de organização do espaço urbano” (CHOAY, 2001, p.179).
Sob a tutela do IPHAN, os bens tombados são subdivididos em móveis e imóveis, dentre os quais estão conjuntos urbanos; edificações; coleções e acervos; equipamentos e componentes de infraestrutura; paisagens, ruínas, jardins e parques históricos; terreiros e sítios arqueológicos. Um dos efeitos do tombamento é a constituição de um entorno de proteção na vizinhança do patrimônio histórico, para que seja garantida a sua fruição pela comunidade (RABELLO, 2015).
No ato de tombamento, uma história passa a ser difundida a partir de pontos de vista específicos, decididos por conselhos formados por representantes da sociedade civil, de instituições acadêmicas e de organismos técnicos que transformam o bem em unidade protegida. No caso da preservação de centros históricos, ocorre a delimitação física de perímetros de interesse à gestão patrimonial desses ambientes, que destaca aspectos arquitetônicos e paisagísticos alusivos ao passado local (RABELLO, 2015). Nesse contexto urbano, os procedimentos são, por vezes, reforçados por dispositivos que conjuntamente consubstanciam a proteção do patrimônio cultural de cidades.
Argumentos urbanísticos: os instrumentos da preservação patrimonial
O fato de diretrizes de cunho preservacionista serem recentes para os centros históricos brasileiros permitiu que grande parte desse acervo nacional sucumbisse a ações de descaso e a interesses econômicos. Sob respaldo constitucional, o citado Estatuto da Cidade foi instituído com o intuito de estabelecer diretrizes e princípios gerais para a política urbana no país (BRASIL, 1988; 2001).
Dentre seus instrumentos urbanísticos voltados à proteção do patrimônio para melhoria da qualidade do ambiente citadino, cabe destaque o tombamento de imóveis e componentes do mobiliário urbano; a outorga onerosa e a transferência do direito de construir, e as operações consorciadas, por exemplo (BRASIL, 2001). Por meio desses dispositivos, viabiliza-se a preservação e, quando necessária, a revitalização de áreas patrimoniais das cidades (SANTIN; MARANGON, 2008).
Ainda de acordo com o mesmo estatuto, a política urbana tem por objetivo “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”, bem como de suas propriedades (BRASIL, 2001, art. 2). Dentre os seus instrumentos de planejamento, figura o plano diretor com a prerrogativa de traçar diretrizes voltadas à proteção, à preservação e à recuperação patrimonial do município.
Aprovado por lei municipal, passa a ser um dos mecanismos de orientação geral para ordenamento e expansão urbana, assim como de estabelecimento específico de diretrizes concretas para proteção do patrimônio histórico, arquitetônico e urbanístico do município (BRASIL, 2001). Dessa maneira, pode servir de ferramenta para a preservação dos bens com valores significativos atribuídos pela sociedade em prol do bem-estar dos cidadãos.
Reconhece-se, porém, que o processo de tombamento, as normas do Estatuto da Cidade e as diretrizes do plano diretor não são os únicos meios para a garantia da proteção do patrimônio de centros urbanos históricos. Contudo, se ressalta a importância desses regramentos em normativas legais, cujos papéis são fundamentais à garantia da preservação patrimonial, como observado no estudo da evolução da história e da cultura do objeto do presente estudo.
Argumentos históricos: as origens do patrimônio cultural de Paranaguá
Localizado na região litorânea do estado do Paraná (Figura 1), o município deve a sua toponímia à língua indígena tupi-guarani, com o significado de “grande mar redondo”. Considerado o mais antigo do território paranaense, foi o primeiro instituído após a emancipação política da província em dezembro de 1853 (PMPARANAGUÁ, 2021a).
Antes da fundação da Vila de Paranaguá, muitos europeus, sobretudo espanhóis e portugueses, estiveram na região. Em 1548, o explorador alemão Hans Staden naufragou junto à costa brasileira, especificamente nas proximidades da Ilha de Superagui, quando desenhou os primeiros mapas do litoral do Paraná e escreveu documentos preliminares sobre seus habitantes, publicado em livro com xilogravuras na Europa (KERSTEN, 2000).
Os primeiros registros de ocupação na região começaram por volta de 1550, ainda sob o Tratado de Tordesilhas, quando os portugueses criaram duas capitanias sobre o litoral: a de São Vicente, compreendida entre as barras de Bertioga e de Paranaguá, e a de Sant'Ana, desde a última até onde fosse legítimo pelo acordo (SEEC-PR, 2021). Kersten (2000) lembra que a presença de vicentinos foi intensificada pela corrida em busca de ouro, dadas as suas primeiras descobertas no Brasil, despertando o interesse de faiscadores.
O mesmo autor comenta que as bandeiras portuguesas deixaram a Ilha da Cotinga e se estabeleceram à margem esquerda do Rio Itiberê, consolidando o primeiro ciclo econômico da região. Porém, foi cerca de cem anos depois, em 1648, que Dom João III concedeu o título de Vila de Nossa Senhora do Rocio de Paranaguá ao antigo povoado (TRAMUJAS, 1996).
No início do século XVIII, com a decretação do fim do ciclo do ouro devido ao declínio das riquezas minerais, a localidade entrou “em fase de profunda decadência e penúria” (BOUTIN, 1989, p.126). Pelo fato de representar a principal vila brasileira do Sul do país sob domínio português, sua administração, com receio de invasões, organizou um forte aparato militar para sua proteção, inclusive com a construção de fortaleza na Ilha do Mel na segunda metade dos anos 1700. Outras iniciativas ampliaram, à época, a sua relevância no cenário nacional, consolidando sua importância como entreposto de comércio com a instalação de cais nos rios dos Almadas, dos Correias e Itiberê (TRAMUJAS, 1996).
Em 1842, a vila foi elevada à categoria de cidade e o progresso de Paranaguá foi proporcionado pela chegada de imigrantes, sobretudo alemães e italianos. Sua função comercial foi ampliada principalmente após 1872, quando foi autorizada, por decreto imperial, a construção do novo porto às margens da baía na região norte da malha urbanizada, afastado da até então área central, onde se encontra atualmente. Com esta obra e com a instalação da estrada de ferro de ligação a Curitiba, houve aumento do fluxo de mercadorias e da necessidade de espaços para armazenamento dos produtos. O crescimento urbano ocorreu, então, em direção à zona portuária e às margens do Rio Itiberê, que assumiram usos residenciais (FREITAS, 1999).
No século XX, Paranaguá se tornou referência na exportação de mercadorias, essencialmente grãos, sendo uma das principais portas de entrada e saída de produtos do interior do estado e seus vizinhos para o mundo. Seu núcleo urbano era restrito às margens do Rio Itiberê e às ruas atualmente denominadas Dr. Leocádio, Elísio Pereira, Faria Sobrinho e Manoel Bonifácio, além do entorno da Praça Fernando Amaro (SEEC-PR, 2021).
O crescimento econômico provocou a expansão descontrolada da cidade, incitando a elaboração do primeiro plano diretor do município em 1967, que evidenciava o perímetro urbano do início do século. Também reconhecia um grande triângulo delimitado pela Baía de Paranaguá e pelos rios Emboguaçu e Itiberê como área prioritária para reordenamento urbanístico (PARANAGUÁ, 1969). Com o objetivo de disciplinar o crescimento, instituiu zonas comerciais, residenciais, de trabalho e especiais, de acordo com os usos do solo predominantes em cada área (PARANAGUÁ, 1969). Dentre as últimas, vale menção ao centro histórico (Figura 2), correspondente a uma das principais áreas de comércio da cidade.
Sob proteção rigorosa, este setor manteve as características do conjunto urbano formado nos séculos XVIII e XIX, compondo uma paisagem de reduzida “trama de ruas e vielas tortuosas, onde se enfileiram séries de casas térreas [...] construídas no alinhamento [...]. Sobressaem-se, no conjunto, algumas edificações de maior vulto, portadoras no passado, de papel importante na vida local [...]” (IPATRIMÔNIO, 2021).
Enquanto o restante da malha urbana abrigava residências e uma faixa ocupada por armazéns e estruturas portuárias, a nova ocupação foi dirigida à rodovia BR-277, em direção ao interior, visto que a região é delimitada por rios e pela Baía de Paranaguá. Enquanto isso, para impedir a perda e garantir a integridade dos exemplares da arquitetura colonial e eclética, algumas edificações do centro histórico foram tombadas nas últimas décadas, em nível tanto federal (quatro) quanto estadual (24) (PM-PARANAGUÁ, 2021b). Dentre esses bens tombados, destacam-se, na área central, o Colégio dos Jesuítas, as igrejas da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas e de São Benedito, o conjunto de sobrados da Rua da Praia e a Fonte Velha.
Além dos casos individuais das edificações, o conjunto urbano do centro histórico foi tombado pelo estado em 1990 e pela União em 2009. No Paraná, as ações voltadas à preservação de testemunhos da sua história tiveram início em meados dos anos 1930, com a criação do Conselho Superior de Defesa do Patrimônio Cultural Paranaense (CSDPC), mediante a Lei Estadual nº 38/1935, alterada pela Lei Estadual n° 1.211/1953, que dispõe sobre o tema em nível estadual (PARANÁ, 1935; 1953), de maneira semelhante ao preconizado no Decreto-Lei Federal nº 25/1937 (BRASIL, 1937).
Criada em 1979 com denominação semelhante, a atual Secretaria de Estado da Comunicação Social e da Cultura do Paraná é responsável pela implementação e gerenciamento dessas políticas na esfera estadual. A Coordenação de Patrimônio Cultural (CPC) é sua unidade encarregada pelas ações relacionadas ao tombamento, à restauração, à conservação e à divulgação dos bens (SEEC-PR, 2021).
Paranaguá ganhou inserção nos debates e nas atividades patrimoniais ainda na década de 1930, quando foi incluída nas ações do órgão oficial nacional. Apesar de estar localizada numa região que não constava nas prioridades da instituição naquele momento, teve um edifício urbano selecionado nas primeiras listagens de bens tombados pelo recém-criado Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) (JABUR, 2015).
A iniciativa da preservação e o consequente tombamento do Colégio
Jesuíta em 1938, um edifício setecentista de pedra e cal às margens do Rio Itiberê, são decorrentes da atuação do historiador David Carneiro como contato do primeiro diretor do órgão nacional no Paraná, Rodrigo Melo Franco de Andrade. Nessa primeira década, a atividade de proteção constava de solicitação às personalidades dos estados de listagens de bens civis, religiosos e militares, com caráter de excepcionalidade (NARDI, 2011).
Nas fichas catalográficas enviadas por David Carneiro como sugestão ao tombamento na cidade, constavam seis edifícios: o Colégio dos Jesuítas, o Palacete Visconde de Nácar, a Fortaleza de Paranaguá e as igrejas Matriz, da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas e de São Benedito. Desses monumentos, apenas o segundo é do século XIX, de predominância neoclássica. A justificativa sobre a sua importância foi determinada por ter hospedado Dom
Pedro II e a Princesa Izabel no início das obras e na inauguração da ferrovia Paranaguá-Curitiba (JABUR, 2015). As alegações apresentadas para os demais edifícios focavam na pureza do estilo colonial, pois havia consonância entre os colaboradores e os grupos de intelectuais do SPHAN pelas construções oitocentistas. Todavia, o envio das fichas catalográficas não era garantia de classificação para tombamento (JABUR, 2015).
Em Paranaguá, foram aprovados apenas o Colégio dos Jesuítas (atual Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná) e a
Fortaleza de Nossa Senhora dos Prazeres, localizada na Ilha do Mel (JABUR, 2015). Nardi (2011) esclarece que, nessa primeira perspectiva de proteção, foi valorizado o caráter monumental dos edifícios, bem como sua história.
A restauração do Colégio dos Jesuítas ocorreu a partir da década de 1940 para a instalação do citado museu, criado oficialmente em 1949 como parte dos festejos do tricentenário da cidade. Jabur (2015) recorda que este foi um fato importante nas atividades preservacionistas do seu patrimônio e no reconhecimento do SPHAN como órgão de preservação, tanto pelo governo estadual, quanto pela prefeitura municipal. Conforme o mesmo autor, o evento contribuiu para o entendimento da relevância histórica de Paranaguá e de suas construções.
Nas primeiras décadas das atividades de proteção patrimonial, ao mesmo tempo em que Paranaguá teve um precoce tombamento nacional, apesar de ser uma cidade considerada pouco expressiva em termos nacionais, também houve, segundo Jabur (2015), desatenção com relação às políticas de preservação do seu patrimônio. O descaso apontado pelo autor se refere a alguns fatos que marcaram a primeira restauração empreendida, atinentes à insuficiência de corpo técnico, às constantes mudanças na responsabilidade da obra e a vários conflitos entre suas instâncias.
Até 1965, a cidade possuía apenas um edifício tombado, pela agora denominada Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN). A despeito do expressivo número de tombamentos de edificações religiosas nas primeiras décadas de atividades da instituição, as solicitações das igrejas de São Benedito (1784) e da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas (1794) não foram aprovadas e, consequentemente, não foram registradas no livro de tombo nas primeiras tentativas, ocorridas em 1938 e em 1951 (JABUR, 2015).
O interesse pelo tombamento das duas igrejas partiu da própria municipalidade, ao contrário do que é observado quando se analisa as relações entre o SPHAN e os demais municípios nas duas primeiras décadas de atividades da instituição nacional. Chuva (2017[2008]) comenta que os conflitos entre essas instâncias decorriam principalmente da omissão dos agentes municipais sob a justificativa de que o registro prejudicava o progresso das cidades.
No ano do centenário da emancipação política do estado do Paraná, foi instituída a Lei Estadual nº 1.211/1953, que criou dispositivos para a preservação do seu patrimônio histórico, artístico e natural, incluindo normas gerais relativas a essa finalidade (PARANÁ, 1953). De modo semelhante ao previsto no mencionado Decreto-Lei Federal n° 25/1937, esta normativa criou quatro livros de tombo e o registro obedeceu às diretrizes de vinculação dos bens a fatos memoráveis da história paranaense e de existência de excepcional valor arqueológico, etnográfico, paisagístico, histórico, bibliográfico ou artístico (SEECPR, 2021).
Na década de 1950, cresceu o interesse pela identidade do Paraná, principalmente por seus monumentos (KERSTEN, 2000). Nessa época, Paranaguá ampliou seu acervo patrimonial para além dos bens tombados em nível federal, configurando o seu atual cenário, que passou a contar com edifícios, objetos de imaginária, obras bibliográficas e ambientes naturais, como mostra o quadro 1.
Bem tombado | Ano | Livro de tombo |
Igreja da Irmandade de São Benedito | 1962 | Histórico |
Igreja da Ordem terceira de São Francisco das | 1962 | Histórico |
Fonte – junto ao Rio Itiberê – Fonte Velha | 1964 | Histórico |
Crucifixo Processional | 1966 | Histórico |
Imagem de Nossa Senhora da Candelária | 1966 | Histórico |
Imagem de Nossa Senhora do Rosário | 1966 | Histórico |
Imagem de Santa Efigênia | 1966 | Histórico |
Imagem de Santa Luzia | 1966 | Histórico |
Imagem de São Benedito | 1966 | Histórico |
Prédio da Prefeitura Municipal (Palácio Visconde de Nácar) | 1966 | Histórico |
Igreja Nossa Senhora do Santíssimo (Matriz de Paranaguá) | 1967 | Histórico |
Colégio dos Jesuítas | 1972 | Histórico |
Casa de Brasílio Itiberê e Monsenhor Celso | 1972 | Histórico |
Casa sito à Monsenhor Celso, 106 | 1972 | Histórico |
Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres | 1972 | Histórico |
Ilha do Mel | 1975 | Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico |
Serra do Mar em Paranaguá | 1986 | Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico |
Estação Ferroviária | 1990 | Histórico |
Setor Histórico de Paranaguá | 1990 | Histórico |
Instituto de Educação Dr. Caetano Munhoz da | 1991 | Histórico |
Jazigo da Família Correia | 1991 | Histórico |
Antiga Alfândega de Paranaguá | 1999 | Histórico |
Casa Elfrida Lobo | 1999 | Histórico |
Originais da obra Memória Histórica da Cidade | 2003 | Histórico |
Apesar da precocidade da lei estadual de 1953, os primeiros tombamentos nesse âmbito só ocorreram em 1962 e os bens selecionados em Paranaguá foram novamente as igrejas da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas e de São Benedito. Suas obras de restauração ocorreram simultaneamente a partir de 1965. Nesse ano, também houve nova solicitação ao DPHAN para o tombamento das duas igrejas a partir da iniciativa da Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (DPHA-PR) (JABUR, 2015). Contudo, foram inscritas somente em 1967 no Livro Tombo Histórico (NARDI, 2011).
Diagnostica-se, portanto, o afastamento desse percurso histórico em relação aos princípios teóricos e práticos para orientação dos objetivos do desenvolvimento sustentável à conservação do patrimônio. Nessa perspectiva, Labadi et al. (2021) lembram que um dos aspectos de destaque na Agenda 2030 para a área cultural é justamente relacionado ao urbanismo, com indicação da necessidade de fortalecimento de esforços para proteção e salvaguarda de bens urbanísticos. Em suma, as referências apresentadas nesta seção são indiciais dos valores patrimoniais remanescentes na área original da cidade estudada.
Argumentos empíricos: a patrimonialidade recente do centro histórico de Paranaguá
No Brasil, o reconhecimento de conjuntos urbanos teve início com a chancela de Monumento Nacional a Ouro Preto, em 1933, e cinco anos depois às cidades de Diamantina, Mariana, São João del Rey, Serro e Tiradentes, localizadas no estado de Minas Gerais. Os debates internacionais ganharam força no pósguerra, não obstante a preocupação com o tema da preservação dos entornos dos bens já constar na Carta de Atenas, publicada em 1931 (ICOMOS, 1931).
Nos primeiros trinta anos do SPHAN, foram tombadas 39 áreas urbanas, representando apenas 5% do total de ações semelhantes desenvolvidas no período. A utilização de um único instrumento jurídico de proteção – o tombamento – para bens considerados diversos, como patrimônio urbanístico e unidades isoladas, gerou constantes discussões. Lyra (2016) comenta que, de 1967 a 1979, o DPHAN mudou a política de preservação desses núcleos com base nos debates ocorridos nas décadas anteriores. O mesmo autor expõe que houve, então, a modernização dessas diretrizes por meio da utilização de instrumentos de planejamento, a exemplo do plano diretor.
As primeiras iniciativas referentes à preservação do conjunto urbano de Paranaguá datam da década de 1960, a partir de ações de meados do século XX que se aproximavam desses conceitos protetivos, notadas nas propostas elaboradas por técnicos do SPHAN com base na definição de áreas envoltórias para ampliação da proteção dos monumentos que já haviam sido tombados, como o Colégio dos Jesuítas e as igrejas de São Benedito e da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas (JABUR, 2015). Com esse enfoque da manutenção da ambiência durante a restauração do colégio, em função das possíveis ameaças representadas por edifícios lindeiros ao monumento, a discussão sobre o tema consistiu em importante condicionante para a primeira delimitação de uma poligonal de proteção do centro histórico (NARDI, 2011).
Entre meados dos anos 1960, Paranaguá foi incluída na lista das 35 cidades analisadas pelo perito Michel Parent, enviado pela United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO) para avaliação do patrimônio cultural brasileiro no âmbito do desenvolvimento turístico e econômico (PARENT, 2008). Em 1966, o arquiteto belga Frederic de Limburg-Stirum, responsável pelo plano elaborado para Paraty, foi enviado à cidade paranaense para elaboração de estudo preliminar de desenvolvimento urbano (JABUR, 2015).
Nesse trabalho, Paranaguá seria dividida em três setores: o bairro histórico, a área non altius tollendi (com limite de altura das construções) e a região de expansão moderna. O primeiro compreenderia o local definido pelos seguintes marcos: a Chácara do Caju, a Fonte da Gambôa, a Igreja de São Benedito, a Rua Conselheiro Sinimbú, a Matriz, o Colégio dos Jesuítas, o cais do Velho Porto (Rua da Praia), a Igreja da Ordem, a antiga residência do Visconde de Nácar e a Rua XV de Novembro, que, apesar das alterações, mantinha sua volumetria (PARENT, 2008).
O gabarito das edificações seria mais baixo na área non altius tollendi, localizada entre o bairro histórico e a região de expansão moderna, e mais alto nesta última. Quanto maior fosse o afastamento daquele setor, maiores alturas seriam permitidas (PARENT, 2008).
Verifica-se, portanto, que a proposta estabelecia a manutenção das visuais do conjunto histórico a partir da extensão das águas, solução que foi adotada em Paranaguá, pois as áreas verticalizadas estão afastadas do rio, demonstrando que tal estudo influenciou o planejamento urbano de 1967. Este plano diretor compreendeu, além da delimitação do centro histórico (Figura 3), diversos aspectos da cidade, abordados sob as perspectivas da economia, da população, da educação e dos transportes, por exemplo.
O plano diretor de 1967, instituído pela Lei Municipal n° 773/1969, estabeleceu a meta de implementação e desenvolvimento do turismo como alternativa de recuperação econômica do município e constituiu uma das primeiras experiências desse porte no Brasil (JABUR, 2015; PARANAGUÁ, 1969). O conceito de patrimônio urbano passou, então, a ser vivenciado, trazendo contribuição legal relevante à preservação patrimonial (NARDI, 2011). Vale destacar a constante preocupação quanto à proteção da paisagem em suas características principais, como a delimitação do centro histórico, à organização do trânsito na área e à revitalização local com vistas à exploração do turismo (SEEC-PR, 1990).
A partir desse momento, houve a compreensão da cidade como conjunto histórico, tanto que, em 1983, foi formalizado o primeiro pedido para seu tombamento federal junto à diretoria regional do IPHAN em São Paulo, incluindo a solicitação da instituição de Paranaguá como “Cidade Monumento Nacional”, em paralelo à da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba como “Monumento Nacional” (JABUR, 2015). No mesmo ano, constavam registros de proposta para a sua inserção na lista para candidatura a “Patrimônio Mundial”, em conjunto com Igarassu, no Pernambuco; com a cidade de Goiás, no estado homônimo, e com Paraty, no Rio de Janeiro (JABUR, 2015).
Em 1984, estudos para avaliação do centro histórico e da evolução urbana de Paranaguá foram incorporados ao processo de tombamento estadual, contribuindo para o seu reconhecimento nacional (NARDI, 2011). Lyra (2016) explica que, nessa época, o foco no discurso das propostas que preconizavam o turismo foi relegado a segundo plano e começou a ser adotada no país a visão protecionista desses locais.
Segundo o mesmo autor, o conceito de patrimônio urbano também foi ampliado na década de 1980 com a contribuição de outras áreas do conhecimento na interpretação e valoração cultural da cidade. Assim, passou a ser avaliado como fundamental não só para a história do urbanismo, mas também para o estudo da organização da sociedade.
Em 1988, a municipalidade solicitou novamente ao IPHAN o tombamento do centro histórico, alegando que realizara ações de valorização do seu patrimônio. Jabur (2015) menciona que havia problemas no diálogo não só entre a prefeitura municipal e a diretoria regional do instituto em São Paulo, mas também entre esta e a direção central no Rio de Janeiro.
Como consequência, a falta de entendimento e comunicação entre as instâncias colocou em risco o centro histórico de Paranaguá, tanto que, em 1989, foi colocada em votação na Câmara Municipal uma proposta para modificação da citada Lei Municipal nº 773/1969, visando aumentar as alturas das edificações dentro da sua poligonal protetiva nas proximidades das igrejas e dos inúmeros edifícios históricos. O gabarito poderia chegar a sete pavimentos, alterando a escala da cidade. Com apoio popular, essa mudança legal foi aprovada e outras proposições foram apresentadas em 1990, com vistas à elaboração de um novo plano diretor (JABUR, 2015).
A Lei Municipal n° 1.592/1990 (PARANAGUÁ, 1990) promoveu alterações no Inciso IV da lei de 1969, permitindo a verticalização em quase toda da área central, sem estabelecimento de limites de altura, à exceção da Rua da Praia e do Largo da Matriz. Também foram pautados novos critérios para “pontos históricos”, condicionando a sua preservação à análise prévia pelos poderes municipal, estadual e federal (JABUR, 2015).
Estes e outros fatos corroboraram para a efetivação do tombamento de Paranaguá pelo estado. Um deles se referiu à outra alteração da norma legal de
1969, por intermédio da Lei Municipal nº 01/1990 (PARANAGUÁ, 1990), que reduziu significativamente a área preservada, destinando maiores poderes de decisão sobre o tema ao município, que não estava comprometido com a preservação. Outro acontecimento consistiu na demolição do Edifício Palais Royal, um exemplar da arquitetura eclética. Essa situação provocou a reação popular, com o surgimento de um movimento em favor da proteção arquitetônica e urbana (NARDI, 2011)
Denúncias ao IPHAN acabaram por mobilizar os técnicos da CPC da SEECPR, que, em reunião com o Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (CEPHA) em novembro de 1990, apresentaram outra proposta de delimitação do centro histórico de Paranaguá. Baseada no plano de 1969, esta nova área envoltória evitava a aplicação da legislação recém-aprovada (JABUR, 2015).
Ilustrados na figura 4, esses limites são correspondentes à sua inscrição no Livro Tombo do Estado do Paraná em 22 de dezembro do mesmo ano. A partir da data do tombamento do centro histórico de Paranaguá, toda e qualquer intervenção em edificações situadas dentro da poligonal, bem como em seu entorno, só é permitida depois de ouvidos os órgãos competentes. Nesse contexto, estão incluídos o IPHAN, na esfera federal, e as instituições estaduais e municipais diretamente relacionadas ao patrimônio (SEEC-PR, 2021).
Nardi (2011) alerta, porém, que o ato de tombamento estadual não foi indutor de intervenções positivas para conservação das edificações do centro histórico de Paranaguá. Ao contrário, provocou a degradação dos edifícios localizados dentro do polígono por causa do abandono da área pela municipalidade, evidenciando o seu descontentamento com a situação.
Em 1993, com a mudança política, o novo governo municipal criou uma estrutura própria para tratamento das questões patrimoniais, com a instituição do Programa de Recuperação do Setor Histórico de Paranaguá. A diligência, conforme Nardi (2011), embasou diversas iniciativas ao longo da década de 1990, incluindo atividades educativas coordenadas pelo IPHAN, pela SEEC-PR e pela prefeitura municipal.
A mesma autora comenta que, numa dessas ações, estudantes dos cursos de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Universidade Estadual de Londrina (UEL) realizaram levantamentos e elaboraram propostas para os edifícios e as áreas do centro histórico. Este projeto visou a educação patrimonial, uma vez que objetivou despertar na comunidade local a percepção de que era possível melhorar o aspecto do lugar pelo respeito às recomendações preservacionistas. Ainda que progressivamente as iniciativas patrimoniais vencessem resistências, Nardi (2011) relata a dificuldade de gestão dos múltiplos interesses em um trabalho de mediação entre desejos dos proprietários dos imóveis e determinações dos agentes de proteção do patrimônio
Numa política de retomada de procedimentos que ainda estavam abertos em 1993, o processo de tombamento federal do centro histórico de Paranaguá foi retomado a pedido do IPHAN. O respectivo material foi encaminhado três anos depois, com o atraso justificado pela dificuldade de acesso à documentação concentrada em São Paulo (JABUR, 2015).
Em 1995, foi criado o Programa Monumenta, sob a égide do Ministério da Cultura. Porém, seu início ocorreu efetivamente em 2000, com os intuitos principais de preservação e de recuperação do patrimônio histórico, em associação ao desenvolvimento econômico e social, atuando nas cidades protegidas pelo IPHAN (DUARTE JUNIOR, 2010).
Por meio de acordo de cooperação técnica com a UNESCO e do financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), suas metas de longo prazo se referiram à priorização de áreas urbanas tombadas em nível federal, ao aumento da conscientização da população brasileira acerca do patrimônio, ao aperfeiçoamento da gestão patrimonial e ao estabelecimento de critérios para implementação de prioridades de conservação. Os propósitos de alcance em curto período diziam respeito à otimização da utilização econômica, cultural e social dos setores beneficiados (LYRA, 2016).
Paranaguá foi novamente incluída em uma iniciativa federal para a preservação patrimonial, pois aparecia na lista de cidades indicadas ao programa. Ou seja, fazia parte das prioridades do IPHAN para investimentos em sua restauração e conservação (JABUR, 2015). Mas, assim como os demais núcleos históricos paranaenses, não foi contemplada com seus benefícios (NARDI, 2011).
A partir do início do século XXI, foi instaurado um conjunto de condições favoráveis para o tombamento federal de Paranaguá. Com a mudança da gestão do IPHAN, foi realizada a ampliação da quantidade de bens tombados e houve interesse pelos núcleos urbanos formadores do território nacional. Jabur (2015) também elucida que foi estabelecido outro entendimento e nova atribuição de valores a localidades tombadas ou em processo de tombamento, com critérios agora estabelecidos além dos já consagrados na história do instituto.
O mesmo autor salienta que o patrimônio oriundo do século XIX esteve fora do foco das atividades patrimoniais nos anos 1900 e menciona que essa nova política do IPHAN ampliou as possibilidades para o tombamento de Paranaguá, já que o processo se encontrava em andamento desde a década de 1980. Em 2008, aconteceu a primeira reunião de discussões sobre o assunto na instituição, com a entrega de estudos iniciais para o desenvolvimento processual, dentre os quais constava a definição da poligonal do centro histórico.
Conforme a fonte anterior, surgiram dúvidas na instrução do processo de inscrição do tombamento nas categorias “histórica” ou “histórica e paisagística”. Com maior ênfase dispensada ao século XVIII, a documentação continha a análise das tipologias construtivas, destacando a variedade de estilos arquitetônicos e a predominância do uso comercial dos edifícios. Também foi relatada a construção do aterro, considerado como região problemática na orla do Rio Itiberê, pois afetaria a percepção espacial e a relação entre o curso d’água e o Colégio dos Jesuítas. Também houve a análise das vias e a condição de seu calçamento.
Faz-se necessário apontar que as mutilações sofridas ocorreram principalmente na gestão municipal de 1988, quando foram registradas perdas consideráveis no conjunto urbano. No andamento do processo, a poligonal delimitada para o tombamento definia que imóveis externos ao limite seriam inclusos na área de proteção. Nessa nova delimitação, foram incluídos 150, além de serem excluídos 105. Por sua vez, os graus de proteção foram estabelecidos de modo contrário ao recomendado na reunião de 2008. A exclusão dos edifícios foi justificada pelo elevado nível de heterogeneidade local (FOGASSA, 2007).
Os graus de proteção especificados foram os mesmos estabelecidos pela SEEC-PR nos autos de tombamento estadual de 1990 (SEEC-PR, 1990), não fazendo menção ao novo plano diretor, promulgado pela Lei Municipal n° 60/2007 (PARANAGUÁ, 2007a). Citados no zoneamento de uso e ocupação do solo, editado no mesmo ano, correspondem a:
Grau de Proteção Um (GP1) – proteção rigorosa, diz respeito aos edifícios com importância histórica e/ou arquitetônica relevantes para o conjunto urbano, que deverão ser mantidos integralmente com os aspectos originais de sua concepção
Grau de Proteção Dois (GP2) – proteção rigorosa, diz respeito aos edifícios com importância histórica e/ou arquitetônica relevantes para o conjunto urbano, os quais sofreram, no decorrer do tempo, alterações de maior significação na concepção originais, e que, portanto, deverão ser mantidos integralmente com os aspectos originais remanescentes de sua concepção [...];
Grau de Proteção Três (GP3) – também denominado de Unidade de Acompanhamento, diz respeito aos edifícios que necessitam de acompanhamento técnico em caso de reforma, para garantir que as intervenções mantenham a sua volumetria e assegurem a sua harmonia com o conjunto urbano;
Grau de Proteção Quatro (GP4) – unidades que poderão ser substituídas integralmente, obedecendo, para as novas edificações, as normas estabelecidas nesta lei ou legislação pertinente para o assunto. (PARANAGUÁ, 2007b, art. 94)
A poligonal proposta para o tombamento federal teve sua área ainda mais reduzida (Figura 5). A envoltória excluiu a Praça dos Leões e ruas importantes, como a antiga Direita, ligando a Matriz ao largo da já demolida Capela Bom Jesus.
Para Jabur (2015, p.199), a delimitação da poligonal de tombamento federal de Paranaguá sugere alguns questionamentos a respeito desse tipo de processo em cidades quanto à inclusão de monumentos e suas envoltórias. Nesse âmbito, exclui o traçado urbano como item importante nesses limites, pois “se restringe à condição dos edifícios, e pouco define a ideia de conjunto”.
A reunião no IPHAN que resultou no tombamento federal do setor histórico de Paranaguá como patrimônio nacional ocorreu em 03 de dezembro de 2009. Jabur (2015) explica que a decisão do conselho consultivo optou pela inscrição apenas no Livro Tombo Histórico, por permanecerem dúvidas quanto à ideia de valor paisagístico justificada pela relação da cidade com o Rio Itiberê e a visão a partir deste curso hídrico para a Serra do Mar. Dessa maneira, as características da paisagem não foram apontadas na instrução e na proposta de delimitação.
Nardi (2011) esclarece que, apesar dos esforços em Paranaguá para o entendimento de suas estruturas espaciais distintivas como conjunto urbano, o tombamento federal evidenciou a importância de cada edificação em particular, tornando-as praticamente bens tombados individualmente, refletindo a ideia de agrupamento de edifícios, e não de um ambiente urbanizado complexo. A partir da delimitação de sua poligonal como instrumento de reconhecimento e gestão da preservação de seus valores patrimoniais, ficou clara a visão que norteou a busca pelos elementos significativos a serem preservados, tanto em termos de estilo arquitetônico, técnica construtiva e visuais, como em relação à harmonia geral.
Pode-se diagnosticar, destarte, que o tombamento federal do centro histórico de Paranaguá foi condicionado por inúmeras situações que afetaram sua proteção. Os riscos ao patrimônio foram atenuados pelo plano diretor promulgado em 1969 e pelo processo de tombo estadual de 1990, não tendo sido observada relevância no texto específico do PDM de 2007, que teve sua revisão iniciada em 2019 (PM-PARANAGUÁ, 2021c).
Jabur (2015) ressalta que a delimitação definida pelo tombamento federal refletiu o processo de seleção e exclusão de edifícios, no qual exemplares já consagrados foram privilegiados em detrimento de outros. É possível que imóveis excluídos da proteção, por serem heterogêneos ou por não revelarem consideráveis qualidades arquitetônicas, possam ser significativos e portadores de valores culturais pelo conjunto urbano que integram. Também é provável que, se eliminados, afetem a leitura e a compreensão da história da cidade no tempo presente, apagando os rastros da memória coletiva.
Com base na indissociável dialética interdisciplinar entre teoria e prática (SANDIS, 2014), Veldpaus, Roders e Colenbrander (2013) afirmam que abordagens teóricas sobre proteção do patrimônio urbano têm sido discutidas desde o final do século passado, mas ainda não têm influenciado ações suficientes para a garantia da sua preservação. Como corolário, muitos bens podem desaparecer dos registros urbanísticos, colocando em risco o próprio significado póstero do centro histórico, incluindo o de Paranaguá.
Argumentos finais: as reflexões sobre o tempo presente e a perspectiva futura de centros urbanos históricos
A partir da revisão do estado da arte acerca dos postulados patrimoniais e urbanísticos e do estudo de caso de Paranaguá, baseado em premissas históricas e empíricas, compreende-se que as políticas de tombamento e os planos diretores municipais, como regramentos legais, contribuem tanto para alterações positivas, quanto para externalidades adversas, com sérias consequências na dinâmica da estrutura urbana e na própria preservação dos bens do patrimônio cultural. Tal fato representa um alerta fundamental no tempo presente, para que as memórias de gerações do passado possam ser, por direito, desfrutadas por seus descendentes.
Pelo conceito de centro histórico como lugar central, que surge, normalmente, com caráter singular e excepcional, a partir do núcleo de origem de dado aglomerado humano irradiador das demais regiões urbanizadas, sedimentadas progressivamente no tempo, pode-se inferir a importância de sua preservação e transmissão ao futuro, com seu usufruto atual. Estas operações são de responsabilidade do Estado, por meio de processos desenvolvidos por longos períodos na esfera pública, resultando em soluções que, implementadas, visam garantir a transmissibilidade desses bens culturais.
Pelas análises realizadas, é significativa a efetividade dos planos diretores como instrumentos públicos de proteção patrimonial na ausência de outros dispositivos para a mesma finalidade. No caso de Paranaguá, não havendo proteção legal na esfera municipal, estadual ou federal do seu centro histórico, as diretrizes planejadas em 1969 atenuaram os riscos ao seu patrimônio edificado e contribuíram para o seu tombamento pelo estado em 1990, despertando os cidadãos para a compreensão desse setor da cidade como um conjunto revelador da história local.
Paradoxalmente, o processo protetivo provocou a degradação da área, com mutilações edilícias e perda considerável do contexto urbanístico de Paranaguá, por ter sido, à época, compreendido por representantes da municipalidade e por agentes da iniciativa privada como “restritivo”. O próprio encaminhamento processual estabeleceu graus de proteção e delimitou a envoltória para manutenção tanto do gabarito mais baixo de altura das edificações, quanto da ambiência do conjunto. Entretanto, também excluiu edifícios que poderiam convergir para os mesmos fins.
O plano diretor municipal de 2007 adotou as mesmas diretrizes para o centro histórico previstas pelo tombamento estadual, tendo pouca ou nenhuma influência na instrução processual de tombo em âmbito federal. Efetivado em 2009, este processo reduziu o polígono da área protegida e da sua envoltória, além de excluir edifícios interpretados como heterogêneos e o próprio traçado urbanístico, o que permite a dedução de que exemplares consagrados foram privilegiados em detrimento de outros, com desaparecimento de marcas memoriais não mais perceptíveis nos tempos atuais.
Não obstante a cidade de Paranaguá constituir um sistema complexo, para além do seu recorte histórico inegavelmente significativo, é flagrante a relevância das suas relações pretéritas e contemporâneas com as águas da baía e rios, bem como com o relevo da Serra do Mar. Porém, estas paisagens não foram mencionadas nos documentos do seu tombamento federal, restando ameaças potenciais aos visuais de enquadramento patrimonial.
A cidade também é portadora de legados, com destaque tanto para seu acervo industrial, que inclui bens portuários e ferroviários, quanto para seu campo cultural, pelas heranças dos povos indígenas e negros que ainda habitam a região. Estes temas são raros dentro dos debates contemporâneos sobre reconhecimento da memória, proteção, preservação e restauro no país, mas possuem consistente arcabouço analítico que justificaria a sua abordagem. Apesar dos avanços nos campos teóricos e nas práticas preservacionistas, e a despeito do seu tombamento em âmbito federal, é possível que Paranaguá ainda não tenha sido compreendida na sua multiplicidade material e imaterial.
Para tal entendimento, é basilar a sua apreensão não isolada em algumas edificações, além da percepção da sua complexidade de bens históricos, arquitetônicos e urbanísticos imbricados numa tessitura urbana singular, com caráter de excepcionalidade. Este empreendimento impõe, nos dias atuais, desafios teóricos, técnicos e operacionais a partir do aprofundamento da investigação do legado da cidade para reconhecimento do seu valor documental, historiográfico e arquitetural como testemunho único e não repetível.
Em síntese, a pesquisa desenvolvida demonstra que, no tempo presente, as políticas públicas e seus instrumentos para proteção do patrimônio histórico, arquitetônico e urbanístico de cidades ainda carecem de aprimoramento. Em parte, é notório o fato de que, em muitos núcleos urbanos brasileiros, ferramentas isoladas de gestão não dão conta da proteção dos seus acervos, pois o descaso, o abandono e o desinteresse são eficazes no desmantelamento de conjuntos significativos, da história local e da memória coletiva.
Na ausência do tombamento, entendido como relevante abordagem jurídica com o objetivo de selecionar bens materiais, que, por seus atributos culturais, devem ser protegidos de perdas e destruições, diagnostica-se que o plano diretor municipal pode atenuar os riscos de danos irrecuperáveis. Importante salientar que, a partir da Constituição Federal de 1988, e, mais precisamente, da instituição do Estatuto da Cidade em 2001, esse instrumento de planejamento assumiu posição de destaque por integrar diretrizes concretas de conservação patrimonial a orientações de desenvolvimento municipal.
Pelos resultados da investigação sobre argumentos patrimoniais e urbanísticos, pode-se inferir, igualmente, que a proteção e a preservação precisam necessariamente ser alinhadas, com vistas à cognição do passado urbano no presente e sua respectiva transmissibilidade ao futuro. Em suma, somente se tornam possíveis empreendimentos preservacionistas se existirem ferramentas protetivas contra o extravio e a destruição de legados. Isolados, os mesmos instrumentos pouco atuam contra as condições deletérias do tempo e das vicissitudes às quais estão sujeitos tanto os bens individuais, como as cidades propriamente ditas.
Pela interpretação dos argumentos históricos e empíricos do caso de Paranaguá, também se pode concluir que a efetividade da preservação de centros urbanos depende, além dos instrumentos mencionados, do reconhecimento dos seus valores e significados patrimoniais. Tal consciência deve ser processada em âmbitos distintos, desde o encarregado pela elaboração de políticas públicas e programas voltados ao patrimônio, que muitas vezes é o mesmo responsável pela sua tutela e salvaguarda, até os dos demais atores intervenientes, incluindo o setor público, a iniciativa privada e as representações sociais, dentre outros.
Os resultados encontrados evidenciam que, perante descompassos de pensamento entre essas instâncias, bens da humanidade restam à deriva e suscetíveis a perdas irreversíveis e ao desaparecimento – completo ou parcial – da história das comunidades locais. Torna-se imprescindível, portanto, a priorização do diálogo entre princípios teóricos e fenômenos empíricos para definitiva aproximação entre o patrimônio e o plano.
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