Dossiê - Sensibilidades e História do Tempo Presente

O significante racial: anistia, reparação e justiça

The racial sign: amnesty, reparation and justice

Tereza Ventura 1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil

O significante racial: anistia, reparação e justiça

Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 36, e0103, 2022

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 24 Febrero 2022

Aprobación: 07 Junio 2022

Resumo: O artigo aponta as tensões e continuidades entre os movimentos por justiça, verdade, responsabilização criminal e histórica do Estado Brasileiro e a permanência legítima dos atos de exceção cometidos por agentes públicos sobre a população afrodescendente. Mostra-se a participação do movimento negro no Congresso pela Anistia e a busca pelo reconhecimento dos afrodescendentes como vítimas da violência cotidiana praticada por agentes do Estado. Colocou-se em pauta neste Congresso, a relação entre a violência, o racismo e o apagamento histórico do legado da escravização do afrodescendente no Brasil. O artigo explora as iniciativas de reconhecimento de violação de direitos humanos conduzidas pelo poder público no curso da democracia e a luta por reparação ancorada no sentimento de indignação aliado ao discurso testemunhal das vítimas. Durante a democracia, as lutas por reparação preenchem novas formas de agência, que não apelam pela desconstrução dos arquivos do passado, mas por aquilo que Benjamin chamou de um passado permeado de “agoras” que não se restitui, mas que nem por isso se torna ausente. Mostramos que as iniciativas reparatórias do Estado legitimam uma relação meramente instrumental com as vítimas, reificando a história, a vulnerabilidade e a verdade dos vencido.

Palavras-chave: reparação, racismo, justiça, direitos humanos, anistia.

Abstract: The article analyses the participation of Black Unified Movement into the Amnesty struggles against torture, disappearances and violence’s committed by the state agents during and after the military dictatorship. It is argued that racial abuse against minorities and particularly the black people, were not considered as human rights violation by the amnesty law and transitional justice politics. Even though the democratization politics recognized the fallacy of the ideology of racial democracy, it maintained the juridical system and the repressive law that allows the practices of torture and violation of basic human rights by state agents. The fact that only a specific group of white and middleclass political activist were recognized as victims of State violence, constrained the possibility of collective acknowledgement not only of recent past wrongdoing, but also the open historical wounds left by the slavery and colonial heritage, which is argued to be part of the necessary ethical-political transformation of the Brazilian history. It brings also that the state apologies initiatives have instrumentalized the victim’s feelings reinforcing the vulnerability and the truth of the losers.

Keywords: reparation, racism, justice, memory, human rights, amnesty.

Introdução

A denúncia dos desaparecimentos e encarceramentos forçados, linchamentos, maus-tratos, torturas e execuções constituiu a pauta dos movimentos antirracistas e da luta pela anistia ampla geral e irrestrita em 1978. Distribuído em comitês e organizações universitárias, o movimento pela anistia pleiteava o fim dos crimes de Estado, a liberdade aos presos, o retorno dos exilados políticos e a volta à normalidade democrática (GREGO, 2002). Sem pretender aqui uma discussão sistemática das correntes internas do movimento negro e do movimento pela anistia, buscamos nos concentrar nos pressupostos comuns partilhados por ambos. Nos interessa aqui, destacar a relação entre os dispositivos enunciados pelos ativistas do Movimento Negro Unificado (MNU) e sua participação no Congresso da Anistia e os instrumentos de reconhecimento dos crimes de violação dos Direitos Humanos dos afrodescendentes. O Movimento Negro Unificado (MNU) colocou em pauta que a violência de Estado sobre o povo negro demarcava uma relação com o tempo, com a ordem de poder, e a sociedade brasileira, que o destacava dos outros pleitos de luta. O ativismo antirracista reivindicava ao corpo negro, o reconhecimento de seus atributos políticos e da continuidade histórica da sua opressão e desumanização. O artigo mostra que tal denúncia inscreve estatutos diferenciados de tempo e de condição de subtração jurídica e histórica. Pois os ativistas trouxeram para o debate pela democracia, dispositivos de continuidade entre crimes de Estado imputados ao regime militar e os espectros que sustentam no presente a herança intocável do colonialismo, da violência racial e da escravização. Neste sentido, a aspiração comum pela responsabilização criminal por violências de Estado, mobiliza articulações distintas entre direito, história e justiça. Busca-se destacar este artigo numa agenda de pesquisa voltada para a análise crítica sobre as respostas do Estado e de seu aparato jurídico aos apelos por justiça, memória e violação de direitos humanos dos afrodescendentes. Discutimos como os governos lançam mão de práticas como atribuições de indenizações, que ao lado de não representar uma política pública de reparação, não estão ancoradas em dispositivos legais (LACERDA,2020). Na medida em que são, em sua maioria negros e pobres, as vítimas recebem as sentenças indenizatórias correspondentes à sua categoria econômica e não a violação de seus Direitos Humanos, seus danos subjetivos e necessidades emergenciais. Mostra-se que a permanente rememoração das injustiças e o apelo por políticas de memória e reparação, acionam e denunciam, com renovadas formas de agência política, a persistência no tempo, da possibilidade de libertar o racismo da história presente e fazer justiça ao sofrimento. No entanto, alheia aos apelos por justiça, a gramática jurídica da reparação espelha uma lógica política colonial que corrompe a justiça e reifica a humanidade e a historicidade dos vencidos e de seus herdeiros.

A luta pela anistia e pelo fim da violência do Estado

As organizações do movimento negro, através de vários repertórios de luta social e política, buscavam inscrever na agenda pública de luta pela democracia, a relação entre a violência cotidiana praticada por agentes do Estado, o racismo e o apagamento histórico da escravização do afrodescendente no Brasil (NASCIMENTO, 1978).

Os testemunhos de advogados, de presos políticos, da pastoral do negro, da comissão de justiça e paz, o relatório sobre as Acusações de Tortura no Brasil e as organizações ligadas à Igreja Católica, documentaram amplamente os atos de violência de agentes públicos e a existência de cemitérios clandestinos dedicados aos corpos negros como práticas que antecederam a instauração do regime militar (AMNESTY INTERNATIONAL, 1972). Tais documentos e testemunhos comprovaram que os instrumentos de tortura como: o pau de arara, choque elétrico e as cadeiras do dragão, existiam em todas as delegacias de polícia e preenchiam uma dinâmica de poder regularmente exercido sobre os povos originais, os afrodescendentes e as populações periféricas.

Neste sentido, a participação oficial do movimento negro no congresso pela anistia, trazia uma perspectiva pedagógica nova que era a de denunciar a tortura e desumanização do afrodescendente e dos indígenas como elementos que preenchem a relação de continuidade entre os atos de violência do Estado e o exercício do poder colonial e escravocrata no país (MOURA, 1977). Contudo, a Lei da Anistia, aprovada em 1979, manteve intactas as práticas de violação dos Direitos Humanos sobre todo aquele que não foi passível de ser interpretado como ativista político contra o regime.

O dramatis personae alimentado pelo binômio dissidentes políticos e militares, deslocava do discurso público a tematização dos conflitos que orientam a violação dos Direitos Humanos sobre os demais setores da sociedade brasileira. Tal deslizamento discursivo, suprimia o debate histórico e o destino de inúmeros “outros” que sofriam a violência e permaneciam isolados da agenda institucional da democracia, do direito ou da autoridade da lei de anistia. São eles: os encarcerados não sentenciados, desaparecidos, trabalhadores rurais, trabalhadores urbanos, negros, indígenas, favelados, homossexuais, prostitutas e grupos minoritários que permaneceram ilegíveis aos direitos de reparação e anistia. Entendemos que longe de uma disputa entre diferentes grupos por inserção e reconhecimento na agenda pública, o movimento pela anistia, possibilitou articular outros e outras narrativas, memórias, uma comunidade de valores e um engajamento público contra a violência do Estado (ROTHBERG, 2009).

A luta pela responsabilização criminal do Estado pelos crimes de violação dos Direitos Humanos dos afrodescendentes, possui densidade histórica e jurídica ainda pouco visibilizada pela sociedade. A continuidade desta luta inclui entre outros agentes, a OLPN - Organização pela Libertação do Povo Negro, que reivindica a reparação histórica da escravização do negro no Brasil, a Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, a Iniciativa Direito a Memória Justiça Racial, o coletivo Mães de Maio, a Rede de mães contra o Terrorismo de Estado, a Coalização Negra por Direitos, entre outras iniciativas que vocalizam o engajamento por reparação e responsabilização criminal e histórica dos agentes públicos do Estado Brasileiro em relação a violação dos Direitos Humanos da população afrodescendente.

A luta pela revisão da Lei da Anistia mobiliza setores da sociedade, partidos políticos e movimentos sociais entre os quais destacamos: o Coletivo Rio de Janeiro, memória verdade, justiça e reparação e o Movimento “Reinterpreta Já, STF”. Respaldados pelas sentenças impetradas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, os ativistas buscam levar a Corte Suprema do Estado Brasileiro a reavaliar novamente a legitimidade da Lei de Anistia1. Os crimes de Estado se encontram encapsulados em arquivos, vinculados a fabricação de um “passado” encerrado (BEVERNAGE, 2011, p. 4) em relação tanto ao regime ditatorial e como as práticas de violência colonial e racial. Tais crimes permanecem protegidos por uma lógica jurídica e política que impede tanto a criminalização, quanto a emergência da verdade histórica sobre os atos de exceção do passado e do presente. Se por um lado, o movimento pela revisão da Lei de Anistia se refere a responsabilização de agentes públicos pelos crimes relacionados ao período da Ditadura Militar, a permanência de um foro federal exclusivo de justiça militar consolidado por uma nova lei em 2017, assim como o instrumento jurídico autos de resistência, perpetuam no presente, a legitimidade das mesmas práticas de violência por agentes públicos, ocorridas antes e durante a vigência da ditadura empresarial militar. A partir de 2018 os assassinatos cometidos por policiais passaram a usar a terminologia jurídica de morte por intervenção policial. Mobilizados pelo sentimento humano de denegação de justiça, ativistas negros não lutam pela desconstrução dos arquivos do passado, mas pelo que permanece no tempo, aquilo que Benjamin chamou de um passado permeado de “agoras” que se quer explodir do continuum da história (BENJAMIN, 1987, p. 231).

Durante o congresso da Anistia em 1978, ativistas reivindicavam o reconhecimento do racismo, encarceramento, tortura e desaparecimento constante dos negros como fatores políticos. Mostra-se a atualidade histórica do documento, cuja tese, era denunciar a relação entre a prática policial militar, o processo de negação da humanidade do negro inscrito na herança colonial de uso soberano da violência e suas implicações para a democracia (PEDRETTI, 2020).

Neste sentido, revisitamos um processo de luta que busca articular aspirações comuns por direitos e justiça entre processos históricos singulares do ativismo negro e de amplos setores da sociedade que lutam por verdade, justiça, reparação e criminalização do Estado Brasileiro. Aonde se busca deslocar o enfoque discursivo sobre violência, associado as práticas policiais, para o entrelaçamento entre a herança da escravização e opressão colonial, a prática jurídica liberal e a violação continuada dos Direitos Humanos dos indivíduos afrodescendentes.

O Movimento Negro e a Luta pela Anistia brasileira

O ativismo negro defendia no Congresso Nacional pela Anistia que a história do negro está entrelaçada aos arquivos policiais e coloniais do Estado. Seja na perseguição aos escravizados, alforriados e quilombos ou na repressão aos seus direitos no pós-abolição “sem trabalho e com o estigma de escravo, coisa e não ser humano o negro discriminado pela sociedade foi jogado à marginalidade [...] a perseguição policial ao negro já não era um fato político, mas uma perseguição comum” (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1978, p. 1).

A passagem do status jurídico de bem móvel ao estatuto de humanidade se constituiu para o homem negro brasileiro sobre o preço da biologização da raça e suas implicações culturais, políticas e eugenísticas. O documento expressa que o homem negro se tornou “um animal com cara, corpo e voz de ser humano. Um homem para ser visto como homem, mas não para ser tratado como tal” (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1978, p. 1).

O documento chama atenção para a normalização da repressão e do crime de lesa humanidade em relação à população afrodescendente, desde a submissão forçada do negro, à escravização, aos açoites, desaparecimentos, execuções sumárias, torturas e encarceramentos sem prova, que ameaçam a vida cotidiana do cidadão negro no Brasil. Neste sentido, afeita às práticas históricas, estruturantes e cotidianas, a naturalização do racismo o desqualifica a condição de fato político. O ativismo antirracista invocava ao corpo negro, o reconhecimento político e histórico da sua opressão e desumanização. Seriam os crimes contra a humanidade do negro passíveis de motivação política? A experiência de séculos de colonização/escravização e de negação radical da humanidade do negro, foi imposta por um modelo liberal de uso soberano da violência acima de qualquer normatividade ou suspensão jurídica colocada por um ato emergencial de exceção. Neste sentido, podemos aproximar a invocação do MNU a não humanidade do negro a perspectiva de que o exercício do poder e a prática jurídica liberal moderna não questionou a lógica colonial da dominação racial. Pois segundo Yedo Ferreira2 “nós achávamos e ainda achamos que a nossa luta era muito semelhante a luta dos africanos pela descolonização e não apenas contra a descriminação”. A percepção de Ferreira é de que o sofrimento continuado da violência racista imputada pelos agentes públicos acaba por perpetuar no presente um projeto de descolonização ou na visão de Mbembe um projeto global e político de ascenção da humanidade (MBEMBE, 2014).

A violência em sua manifestação, imaginária, empírica, simbólica e epistêmica vai se traduzir na coextensão simbiótica do poder soberano e do corpo do negro, dando sentido a sua desumanização na história presente. Subscrevendo Fanon, o corpo negro a despeito de qualquer aparato disciplinar, nada mais é do que o “ponto de encontro de múltiplas, diversas , repetidas violências” (FANON, 2021, p. 3) que para Mbembe consiste na produção de uma zona indistinção entre a vida e a morte denominada de desumanização (MBEMBE, 2003).

Apesar de não se encaixar em nenhuma nas categorias de perseguidos políticos convocadas a participar do Congresso Nacional pela Anistia3, o MNU inaugurou a agenda sobre o papel do aparato policial do Estado na violação da humanidade do negro. Para Hamilton Cardoso, ativista e fundador do Movimento Negro Unificado,

[...] não é de se estranhar que as análises sobre tortura no Brasil do regime militar não estabeleciam relações com a tradição de torturas e violência policial iniciadas durante a escravidão contra os rebeldes das senzalas e que continuaram, inclusive nos brasis democráticos de depois da escravidão, contra os desregrados das favelas, cidadãos comuns e quase sempre não brancos. (CARDOSO, 1988, p. 11)

A interpretação de Hamilton Cardoso, avançava postulados que vieram a integrar o repertório da crítica pós-colonial:

Não se admite que a violência racista da polícia seja política, pois a visão instituída pela maior parte das lideranças da sociedade civil -principalmente os setores de esquerda, liberais e social-democratas, marginalizava, fatores culturais e políticos do colonialismo, entre eles o privilégio da branquitude. Fechavam os olhos à expansão e ocupação territorial, por meio da distribuição de privilégios raciais maiores ou menores, mas a todos os integrantes dos povos brancos. (CARDOSO, 1988, p. 11)

O ativismo antirracista argumentava que a discriminação racial além de impedir o acesso do negro aos postos de trabalho, condenou o negro ao encarceramento constante, justificado como vadiagem, devido à ausência de documento. Segundo Lélia Gonzalez:

É comum em qualquer favela do país, o aparato policial durante a madrugada acordar os moradores a fim de averiguar os documentos como meio de emprego. A carteira profissional adquiriu no Brasil o mesmo significado que o passbook na África do Sul. (GONZALEZ, 1982, p. 12)

Os negros sul-africanos eram obrigados a utilizar o passe que continha informações sobre a sua biografia e regulamentava sua circulação nas chamadas “áreas de brancos”. No caso brasileiro, a ativista argumenta, que na ausência de apresentação da carteira de trabalho, o trabalhador negro é preso, sendo frequentemente torturado nas delegacias policiais onde muitas vezes sobre tortura, é obrigado a confessar crimes não praticados.

O código penal do Império Brasileiro em 1830, reconheceu o direito legítimo dos senhores de escravizados a execução penal com penas de morte e açoites e os indivíduos negros e livres, para circular nas ruas, teriam que trazer uma autorização outorgada por um Juiz de Paz (BATISTA, 2004). O Movimento Negro denunciava o lugar do negro no projeto nacional e colonial de humanidade. Segundo Cardoso, eram os brancos e não os nativos e os afrodescendentes os “símbolos nacionais da expansão das burguesias europeias nos territórios não europeus” (CARDOSO, 1988, p. 11), relegando ao negro a exposição constante as torturas, penalizações e privação da liberdade e da existência cívica, ainda que libertado da condição de propriedade e mercadoria do branco.

Segundo o documento “para a polícia todo o negro é um criminoso”, a polícia exerce uma função extraordinária a de quebrá-lo psicológica e organizativamente”. (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1978, p. 2). O MNU argumentava que a condição racial penal do negro como lugar de um esvaziamento físico, cívico, moral, subjetivo e humano deve ser considerada o fator decisivo na construção de uma genealogia alternativa do direito de ser reconhecido como um corpo político. Na medida em que ocupa um lugar interdito nos processos de economia, história e liberdade “o negro não usufrui dos direitos adquiridos pelos membros da sociedade em que vive” (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1978, p. 2).

Os detentos organizados como grupo Netos de Zumbi aparecem citados no documento. Em carta publicada no Jornal Versus o grupo de detentos denunciou a discriminação do sistema judiciário ao afro-brasileiro, para quem “é praticamente negada a ajuda estadual em relação às necessidades judiciais [...] quantos na cadeia sem crime e sem perdão para a cor que não sai da pele?” (NETOS DE ZUMBI, 1978, p.59).

Para os detentos, identificados como “Netos de Zumbi”, os seus corpos negros estão presos não apenas ao sistema penal, mas a “cor que não sai da pele”. Segundo Fanon “o homem negro está preso a sua negrura assim como o branco está preso a sua brancura, a civilização colonial branca e a cultura europeia impuseram um desvio existencial ao homem negro” (FANON, 2008, p. 30), logo a inferiorização da corporalidade negra não está no domínio do sistema penal, biológico apenas, mas foi eminentemente, estruturada no regime colonial de poder (QUIJANO, 2005).

Ao defender o reconhecimento do preso comum como um preso político, o Movimento Negro sustentava que “as posições políticas que permeiam a luta contra a opressão diferenciam-se enquanto formas de ação e não de motivação” (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1978).

A participação em luta reconhecida na esfera pública como política, confere ao indivíduo a condição de preso político, o que não acontece com o preso comum. O MNU reivindicava aos negros o acesso em igualdade aos recursos jurídicos de superação da condição carcerária e de vítima da violência policial e da herança colonial. Pois denunciava também um conteúdo político das opressões penais construído sobre bases raciais e escravocratas. Em outras palavras, o Movimento Negro pontuava que todos aqueles que sofrem os atos de exceção do Estado devem ser reconhecidos como destinatários do movimento pela Anistia. Segundo Lélia Gonzalez: “A tese que defendemos, é a de que o presidiário negro brasileiro não deixa de ser um preso político, porque é preso pelo fato de ser negro, não importa onde ele esteja” (GONZALEZ, 1982, p. 33). Lélia, Hamilton Cardoso e outros líderes do Movimento Negro vocalizaram a ideia de que luta contra a violência racial, a valorização da cultura africana e da memória e história do negro no Brasil é fundamental para fortalecer não apenas a luta política contra o racismo, mas a luta pela democracia no Brasil. Neste sentido, o projeto de reconstrução de um enraizamento histórico africano e americano (Afroamérica) defendido entre outros ativistas, por Lélia Gonzalez, Hamilton Cardoso, Oliveira, Beatriz Nascimento e Yedo Ferreira envolveu não apenas a denúncia da violação física e da pobreza, mas também do esvaziamento epistêmico, simbólico e histórico do negro deixado pela desumanização, pela escravização e negação de seu lugar na construção da nação e da democracia brasileira. A superioridade do branco europeu permitiu classificar a não humanidade do escravizado, sua ausência na nação e sustentar o domínio universal. Em outras palavras, a raça ou a inferiorização, é interpretada enquanto princípio do corpo político cuja existência jurídica é relegada ao direito penal.

A ideia era sublinhar que a inscrição dos negros na luta pela anistia, passa pelo reconhecimento de sua posição singular de subalternidade no processo eurocentrado proposto como caminho para a democracia. Se por um lado, a luta contra a violência de Estado fazia convergir o ativismo da sociedade brasileira e com o do movimento negro, por outro, as percepções sobre a natureza histórica e temporal dessa violência os diferenciava. A crítica negra fazia incidir denúncias do que Yedo Ferreira chamou de “crimes históricos perpetuados” (FERREIRA, 1998) que remetem e não apenas a ditadura militar, mas a “sobrevivência do processo de colonização que permeia”, segundo Beatriz Nascimento, “toda a sociedade brasileira” (NASCIMENTO, 1981)

Para a militância negra a denúncia da violência vincula a simultaneidade de tempos que ancoram a escravização, o açoite e a incompletude da abolição numa correlação viva e contínua com a opressão no tempo presente.

Segundo Sousa Santos (1997), a compreensão abstrata e ahistórica dos Direitos Humanos, reinscreve-os em um localismo globalizado, ou, em um falso universalismo que reforça a dominação euro-ocidental. Esse padrão de poder de desqualificação epistêmica, política, humana e moral não se restringiu somente ao controle do ingresso do descendente de africano na economia, na divisão do trabalho na universidade, mas envolveu o processo de regulação do Estado e de suas instituições da raça, do gênero, da sexualidade, do conhecimento sobre si mesmo e de sua história.

Buscava-se validar à sua experiência singular, a ideia de que o negro se torna racial e é racializado nas relações sociais concretas que são estabelecidas com o Estado, com o mercado de trabalho, com o sistema penitenciário, com o sistema jurídico e policial. Segundo Hamilton Cardoso “ninguém no Brasil é negro, todo mundo é brasileiro, até a hora de ser discriminado” (CARDOSO, 1977, p. 1). A raça ou o significante racial, não é um atributo da diferença ontológica, cultural do negro ou do branco, mas é algo que ganha existência através das redes de poder e de classe, das relações políticas jurídicas, históricas e linguísticas de negação de memórias e direitos. Mais ainda, segundo Mbembe, a qualificação racial é o que tornou o corpo negro privado dos laços de sangue, língua, de território, das instituições, ritos e símbolos que o tornariam precisamente um corpo vivo.

É assim que buscando um testemunho epistêmico, corporal, cultural. A crítica negra brasileira assumiu uma perspectiva afro-caribenha-americana. Colocava-se em circulação a ideia de que a universalidade europeia e abstrata dos direitos do homem branco, inscreve um contexto de enunciação e pressupõe uma realidade cívica, material, histórica, linguística e política ausente para os grupos afrodescendentes. Neste sentido, a crítica a ideia de democracia racial do sujeito oprimido pelos dispositivos de classe e de raça (OLIVEIRA; RIOS, 2014), foi articulada, não apenas como a crítica da fabricação de um sujeito universal passível de usufruir de Direitos Humanos, civis e de igualdade, mas também, como a de um sujeito histórico vinculado a uma meta narrativa excludente de nacionalidade, direitos e cidadania (CHAKRABARTY, 2001).

Em uma entrevista4 concedida em 2019, Yedo Ferreira, ativista e fundador da Sinba em 1973 (Sociedade de Intercâmbio Brasil-África) diz que “a aproximação com a as origens africanas, define que o Brasil não é um país cuja cultura é europeia; o Brasil é uma nação de população pluriétnica, mestiça e de diferentes origens. Consequentemente, todos nós temos que ser beneficiados nessa sociedade que se cria. O Estado não pode continuar exterminando o negro.”

Em contraste com o sujeito universal de direito, o sujeito histórico, intercultural afrodescendente, reivindicava a desconstrução de uma nação idealizada como euro-universal. Neste sentido, não abriu mão de uma luta política pelo reconhecimento do seu lugar na luta pela democracia e pela Anistia. A luta pela democracia, passa pelo reconhecimento das diferentes historicidades que foram violentamente unidas a partir do massacre colonial imposto sobre os povos africanos e de sua comercialização e expansão pelo que se convencionou chamar de “Atlântico Negro” (GILROY, 1994).

O documento do Movimento Negro assume que a luta pela anistia “exige a ampliação de seu eixo [...] pela reintegração de todos atingidos pelos atos de exceção [...] apesar de toda a luta [...] nota-se que seu entendimento ainda não se dá no nível de abranger a repressão que atinge a população como um todo” (MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1979, p. 1).

O documento do Movimento Negro apresentado no segundo congresso da Anistia reivindicava um pacto de luta comum .pela reintegração de todos atingidos pelos atos de exceção.” Com a chamada Política de Anistia e Conciliação Nacional, os presos e exilados, categorizados como políticos, retomam existência cívica, ao preço do esvaziamento histórico e discursivo acerca dos mecanismos que produziram a violação dos direitos e a permanência do uso soberano da repressão. No sistema penitenciário ou fora dele, a maioria dos afrodescendentes permaneceu vulnerável às violações de direitos, execuções sumárias, desaparecimentos forçados, encarceramentos sem provas, torturas e abusos de autoridade.

A Lei da Anistia se construiu politicamente sobre o pacto de denegação da violência, do esquecimento do passado recente e a permanência de instrumentos legais de violação de Direitos Humanos. Segundo Heloísa Grego (2003), o movimento que reivindicava o reconhecimento amplo e irrestrito dos crimes de Direitos Humanos praticados pelo Estado, sofreu um esvaziamento político em que os anistiados, convertidos em vítimas, instituem advogados e buscam individualmente por reparações exclusivamente financeiras. Neste sentido, para Grego, “perdem-se de vista que a reparação é devida a toda a sociedade e deveria se dar no plano da história e do político” (GREGO, 2003, p. 393). Por outro lado, se a lei da anistia foi promulgada ainda dentro de um regime de exceção, que não dispunha de instrumentos normativos de justiça que permitissem confrontar o exercício institucional legal da violência. O mesmo não se dá em relação ao processo de transição para a democracia.

O Estado brasileiro aprovou uma constituição que ratificou todos os tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos, mas não alterou a Lei da Anistia. O Estado reconheceu, através do Decreto Legislativo nº 89, de dezembro de 1998, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para receber denúncias e julgar os crimes de violações desses direitos. No plano interno, o Estado desenvolveu respostas institucionais aos pleitos colocados por familiares de ativistas políticos por Direitos Humanos, verdade, justiça e reparação. Podemos destacar iniciativas como criação de uma secretaria e de um Plano Nacional de Direitos Humanos e da lei 9.140 de 1995, que criou uma comissão de Anistia e de desaparecidos políticos, reconheceu como mortos os desaparecidos políticos e estabeleceu indenização aos seus familiares.

No entanto, ao anunciar a comissão de Anistia e o primeiro plano de Direitos Humanos do Estado Brasileiro, o presidente da república Fernando Henrique Cardoso assegurou que vai respeitar a Lei da Anistia (SUCURSAL, 1995). As legislações do passado permanecem inalteradas, assim como as condições que permitem nos dias de hoje, as numerosas ocorrências de homicídios por parte de agentes do Estado.

A lei da anistia brasileira reconheceu as graves violações dos Direitos Humanos dos ativistas políticos, mas impediu a investigação e a responsabilização criminal dos agentes do Estado. Segundo Suzana Lisboa (2017), a lei da anistia foi uma conquista da luta dos familiares de ativistas políticos e “uma questão que muito nos incomoda é que trata a questão dos familiares de mortos e desaparecidos como se fosse uma questão pessoal entre governo e família. […] Não é uma questão familiar, é uma questão da sociedade” (LISBOA, 2017). As famílias que sucessivamente perdem seus filhos negros e jovens, pela violência do Estado nas favelas, são convocadas a retirar queixas criminais contra o Estado e manter um pacto de silêncio, as poucas vezes em que conseguem algum tipo de reconhecimento jurídico da violência sofrida.

Não existe uma política de reconhecimento e responsabilização do Estado Brasileiro aos atos de exceção, os processos judiciais são tratados individualmente e não respondem por reparação pecuniária, simbólica, emocional ou assistencial imediata aos familiares das vítimas “comuns” que na maioria dos casos não recebem nada. Ainda menos um pedido de desculpas. O Estado brasileiro foi sentenciado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por denegação de justiça e pelo assassinato de 26 jovens na favela Nova Brasília em 1994 e 1995. Contudo, o Estado descumpriu entre outros pontos o pagamento de reparação para 80 pessoas. Apesar do intenso debate social sobre proteção de Direitos Humanos, o parlamento não aprovou qualquer lei que reconheça a violação aos Direitos Humanos por agentes públicos. Somente no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2021 foi registrado o desaparecimento de mais de 5 mil jovens e a morte de 1356 indivíduos perpetradas pela polícia. Considerando os casos em que a raça é revelada, a população negra respondeu no ano de 2021 por uma média de 81,7% das vítimas de violência policial (VELASCO, 2022)

A legitimidade do sujeito racial de ser reconhecido como corpo político, passível de não sofrer tortura, mortes e violações por parte de agentes do Estado não foi alcançada. Assim como as condições de representatividade simétrica e de legitimidade discursiva do lugar que ocupam na estrutura desigual de reconhecimento cultural e de acesso aos direitos (YOUNG, 2000). Durante o regime democrático, as sucessivas mortes provocadas por operações policiais militares nas favelas, dão sentido as lutas das vítimas por reparação. As novas formas de agência política contra a violência do Estado inscrevem testemunhos, denúncias e o sentimento de denegação de justiça que reconhece a desumanização a partir da própria experiência da vitimação. Não se trata de uma luta pela desconstrução dos arquivos do passado, mas daquilo que permanece no tempo que não se restitui, mas que não se torna ausente.

A denúncia da violência do Estado é articulada pelo testemunho de vítimas, em sua maioria negros e moradores de favela, ausentes na política estatal e nos regimes de representação da política e dos Direitos Humanos. A luta por reparação e justiça interliga dispositivos da política dos Direitos Humanos, no interior dos quais, os testemunhos daqueles que herdaram a violência refazem a história e desconstroem a falácia dos instrumentos democráticos e jurídicos de justiça (YÚDICE, 1992).

Justiça, raça e reparação: O testemunho de Marli

Durante o processo de abertura política, uma tragédia comum no cotidiano da população negra ganhou destaque na esfera pública do país: a luta desesperada de uma jovem negra de 24 anos que testemunhou a invasão de policiais, o assassinato e tortura do irmão no interior da sua própria casa na região de Nova Iguaçu. A luta de Marli Soares convergia com a aprovação recente da lei de anistia, mas a violação dos Direitos Humanos de seu irmão e de tantos outros jovens negros da periferia, não estava prevista nas categorias atendidas pela Lei da Anistia. Os meios de comunicação passaram a chama-la de Marli Coragem, pois, inconformada com a violação vivida, Marli Soares denunciou a tortura e execução por policiais militares que atingiram com 12 tiros o irmão, jovem negro de 19 anos ( ROCHA, 1981).

Aquele não seria o primeiro momento em que a violência policial atravessava a trajetória de Marli. Nascida na favela da Praia do Pinto no Leblon, Marli assistiu, ainda criança, o processo de desocupação forçada, um grande incêndio e a destruição de casas e pertences de seus familiares. O regime de violência e a remoção forçada das populações das favelas situadas em bairros nobres da cidade, consolidava aquilo que Lélia Gonzalez (1982) caracterizou como “divisão racial do espaço”. As regiões da Baixada Fluminense emergiam no contexto dos anos 1970, não somente como cidades dormitórios da massa de negros e migrantes nordestinos em busca de trabalho, mas também como lugar de constantes assassinatos e desaparecimentos, cujos corpos, em sua maioria negros, eram jogados em cemitérios clandestinos ou nas águas do Rio Guandu, nunca foram objetos de investigação criminal (ALVES, 2003). As remoções forçadas no Rio de Janeiro atingiram aproximadamente 140 mil pessoas, 26 mil casas e 80 favelas até o ano de 1971 (VALLADARES, 1978).

As causas do incêndio que atingiu a favela em que Marli passou a infância, nunca foram esclarecidas, assim como o assassinato do seu irmão e uma década depois, em 1993, é assassinado o filho de 15 anos com vários tiros na cabeça. A busca obstinada por justiça e a dor da perda eram motivações que impediam Marli de conviver com a invisibilidade do assassinato injusto do irmão. Como testemunha do crime, Marli buscou responsabilizar criminalmente os agentes públicos do Estado e honrar a memória pública do irmão negro, honesto, jovem e trabalhador. Ela foi sozinha ao 20º BPM e sem qualquer assistência jurídica reconheceu, numa revista à tropa, os três policiais militares que mataram Paulo. Os relatos e imagens da imprensa dramatizam a luta desesperada de Marli por justiça e o dedicado esforço do aparato policial em responsabilizar criminalmente os oito policiais envolvidos (DOMÉSTICA..., 1980). Contudo, a casa, em que morava, foi saqueada e incendiada impedindo qualquer inquérito pericial no local do crime.

O corpo negro de Paulo Soares aparece isolado na discursividade seletiva dos meios de comunicação, apesar de representar um fato comum no cotidiano de tantas famílias de negros e pobres. O jornal O Globo em matéria publicada no dia 25/10/1981 informava que entre os anos de 1976 e 1978 foram registrados a média de 3 assassinatos por dia no Rio de Janeiro (MAIS..., 1981) . A denúncia de mortes, desaparecimentos e torturas por parte de forças da polícia militar constituía o discurso de luta que pavimentou o recente movimento pela Anistia, contudo, a violência de Estado que atingia a vida de Marli, tinha outro significado, pois não representava os atingidos políticos. A luta de Marli mobilizou o apoio e compaixão da sociedade e foi inspiração para uma música de sucesso de autoria de Vítor Martins e do músico Ivan Lins. A música Coragem Mulher rendeu direitos autorais que foram doados para Marli Soares.

Podemos compreender com Florestan Fernandes, que os brancos não alcançaram um entendimento da situação racial no Brasil: “A identificação com o negro era mais emocional que refletida e racional, o que favorecia singularmente, quer a ignorância dos problemas reais da população de cor, quer indiferença diante das medidas especiais que o controle desses problemas exigia” (FERNANDES, 2008, p. 400).

Os desaparecidos e mortos comuns: vítimas esquecidas e a luta por justiça

Há poucos metros da casa de Marli, no ano de 1990, na zona norte do Rio de Janeiro, um grupo de mães pedia justiça ao desaparecimento de 11 jovens negros moradores da favela Acari. Embora a Anistia Internacional tenha solicitado proteção às mães, após denúncias de ameaças, a líder do movimento Mães de Acari, Edméia Santos, foi assassinada em 1993. O Estado não reconheceu as mortes dos jovens de Acari, não ofereceu proteção ou assistência psicológica para as vítimas e nem expediu certidões de óbito, ou certidões de ausência ou de morte presumida. Como já foi ressaltado em importantes pesquisas, o arquivamento e a ausência de investigação dos desaparecidos são indicativos da baixa importância atribuída pelo poder público aos desaparecimentos de pessoas, em sua maioria pobres e moradores das favelas. Para esses tipos de desaparecimento vigora a aceitação pacífica da ideia “não tem corpo, não tem crime” (ARAÚJO, 2014).

Ao lado dos fatores emocionais, a falta do reconhecimento do óbito, impede os familiares das vítimas de acessar direitos como: pensão ou reparação. Somente os desaparecidos políticos tinham direitos a certidão de óbito por desaparecimento e indenizações por parte do Estado (BRASIL, 1995a). No ano de 1994 as forças armadas militares, com amplo apoio da sociedade, assumiram o controle da segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. Neste contexto, duas chacinas ocorreram na favela Nova Brasília, onde 26 jovens foram assassinados pela polícia. Os assassinatos por intervenção policial recebem a denominação legal de autos de resistência à ordem de prisão e prescindem de qualquer investigação criminal. Essa categoria instituída pela ditadura militar em outubro de 1969, permite que homicídios perpetrados por agentes públicos em situações de resistência ou reação a abordagem policial, sejam reconhecidos juridicamente como legítima defesa (VERANI, 1996).

As mortes provocadas por operações policiais militares nas favelas atingem crianças cujos homicídios são enquadrados legalmente, interpretados como danos colaterais, ou seja, impactos de operações policiais sobre a vida de inocentes. Ivanir dos Santos, ativista do Movimento Negro e fundador do CEAP (Centro de Articulação de Populações Marginalizadas), foi responsável pelo primeiro relatório sobre mortes e desaparecimentos de crianças no Rio de Janeiro. O relatório publicado pelo CEAP (1993), mostra que entre 1988 a 1992, foram assassinados por arma de fogo, 1.888 crianças e adolescentes no Estado do Rio de Janeiro, sendo 80% de negros entre 15 e 17anos.

Os assassinatos e desaparecimentos de crianças e adolescentes, passam a ocupar a agenda pública através do testemunho de famílias ancoradas em redes intersubjetivas de dor, sofrimento e de anseio por justiça. A luta das famílias por justiça inclui o direito de dar dignidade a memória de seus familiares inocentes, mortos por execuções sumárias e desaparecimentos forçados. Tais lutas estão fundamentadas no sentimento humano da denegação de direitos e da violação sofrida e buscam definir não apenas um caráter normativo do valor humano, mas também dar dignidade da memória de jovens cujas mortes são justificadas como legítima defesa da autoridade policial.

O apelo público de mães e o ativismo político do CEAP contribuiu para a realização no parlamento brasileiro de uma comissão parlamentar de inquérito CPI, realizada em audiências públicas no Congresso Nacional em 1992 (BRASIL, 1992). A CPI integrou um documento produzido pela Anistia Internacional que constatou no período de 1988 a 1990 um total de 4.611 mortes por homicídio de menores de 17 anos 82% são negros e oriundos de famílias que vivem abaixo da linha da pobreza (INTERNATIONAL AMNESTY, 1992).

Para muitos ativistas, configurava-se naquele contexto de 1992 a hipótese segundo a qual existiria um projeto de extermínio programado dos afrodescendentes no Brasil. Naquele mesmo ano, o Brasil tornou-se Estado-membro da Organização dos Estados Americanos e ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos. O Estado Brasileiro criou em 1995 por lei, uma comissão de anistia e reparação que não questionou a permanência das mesmas práticas de violação de Direitos Humanos do regime de exceção.

Racismo e Direitos Humanos

O ativismo negro por direitos levou a tematização, politização e inclusão da agenda das relações raciais as diversas esferas jurídicas, políticas e sociais de luta. A pauta racial obteve representação nos sindicatos, nos partidos políticos, conselhos, inúmeras organizações não governamentais e comissões parlamentares que então se formavam no país em processo democratização. A luta antirracista construiu uma luta jurídica normativa com base na própria constituição e nos tratados internacionais que foram assinados pelo Estado Brasileiro. Um dos protagonistas desta perspectiva de luta, o advogado e ativista do Movimento Negro, Hédio Silva Jr., formulou a denúncia de discriminação racial no mercado de trabalho com base no descumprimento da Convenção 111, apresentada pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) a OIT (Organização Internacional do Trabalho) em 1992.

Destaca-se a participação do Brasil na Conferência Mundial de Direitos Humanos em que o presidente Fernando Henrique Cardoso, na posição de chanceler do Brasil em 1993, anunciou o compromisso do Estado Brasileiro em desenvolver um plano nacional de Direitos Humanos e ratificar e implementar atos internacionais relativos aos Direitos Humanos. O Estado Brasileiro produziu o Décimo Relatório Relativo à Convenção Internacional sobre a Eliminação do Todas as Formas de Discriminação Racial, no qual reconhece a existência do racismo, da violência policial e assume o compromisso de realizar políticas de Direitos Humanos e combate as práticas discriminatórias nas relações raciais (BRASIL, 1996). O governo brasileiro chancelou a organização da Marcha Zumbi dos Palmares e criou o Grupo de trabalho interministerial de valorização da população negra vinculado e o Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação (GTDEO) com a finalidade de promover ações de implementação da Convenção 111 no Brasil. Instituía-se também o INSPIR (Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial) na secretaria da OIT em Brasília.

O Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra foi instituído por decreto e possuía a competência legal de “propor ações integradas de combate à discriminação racial, visando ao desenvolvimento e à participação da População Negra; elaborar, propor e promover políticas governamentais antidiscriminatórias e de consolidação da cidadania da população negra elaborar, propor e promover políticas governamentais antidiscriminatórias e de consolidação da cidadania da População Negra. (BRASIL, 1995b, p. 1).

Contudo, pode ser lido no decreto que “As funções dos membros do Grupo de Trabalho não serão remuneradas e seu exercício será considerado serviço público relevante” (BRASIL, 1995b, p. 1). Por outro lado, sem uma aprovação por decreto ou lei dos acordos internacionais de defesa dos Direitos Humanos e na ausência de vinculação normativa de recursos, a política reparatória da violência aos Direitos Humanos do negro no Brasil é propositiva sem valor jurídico e deliberativo.

Embora o Plano Nacional de Direitos Humanos reconhecesse a necessidade de impor medidas de ampliação dos direitos e do acesso da população negra às universidades e cursos profissionalizantes, não produziu qualquer deliberação legal. Com o objetivo de normatizar políticas de reparação e de justiça restaurativa à população negra, a mobilização política do Movimento Negro criou o projeto de um Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos com a finalidade de subsidiar políticas de Estado. Apresentado, inicialmente, como projeto de lei 4.567 pelo deputado Luís Alberto, do PT, em 1998, o fundo destinaria recursos às políticas públicas que implicam em memória, reparação e correção das desigualdades raciais e teria a participação de uma comissão específica de entidades vinculadas aos movimentos antirracistas e da sociedade civil. Entre os recursos estariam às custas judiciais no âmbito da justiça federal ou comum, arrecadadas em processos judiciais que envolvessem crimes de discriminação racial ou racismo (BRASIL, 1998).

O Projeto de lei, não teve a adesão do mesmo governo que propôs a criação de uma agenda racial. O projeto de criação de um fundo nacional de reparação para a população afrodescendente, voltou várias vezes ao debate público durante a preparação para a Conferência de Durban entre 1999 e 2001, mas nunca obteve legitimidade pública.

Criada em 1995, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça foi integrada em definitivo a estrutura do Estado brasileiro no ano de 2002, com a aprovação da lei n.º 10.559 e vinculação orçamentária. A categorização de anistiado político vai legitimar a incorporação nas políticas públicas de reconhecimento, memória, justiça histórica e luta por Direitos Humanos e denúncia das práticas de exceção do Estado.

A luta por verdade, justiça racial e reparação contra a violência de agentes do Estado

A luta por verdade, justiça racial e reparação contra a violência de agentes do Estado, não obteve uma política de governo ou atos institucionais de Estado que tenham por objeto alterações jurídicas, proteção dos Direitos Humanos dos afrodescendentes ou proteção e acompanhamento psicológico das vítimas. São lutas protagonizadas por vítimas da violência que vivem nas regiões de pobreza e expostas às brutalidades policiais. Organizadas de forma individual ou institucional, as famílias não apenas questionam a prática jurídica, mas confrontam o exercício institucional legal da violência, seja através da luta pelo fim dos autos de resistência ou de sucessivas denúncias em diversos fóruns internacionais e movimentos de justiça. Os assassinatos por intervenção policial são considerados autos de resistência à ordem de prisão e frequentemente prescindem de qualquer investigação criminal.

No ano de 2015, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) debateu nacionalmente o tema do extermínio de jovens negros, numa realidade em que em que o próprio Estado admitia que: “a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil” (SENADO, 2016). A CPI realizou inúmeras audiências públicas pelo país com participação ativa de entidades do Movimento Negro e Redes de mães e familiares de jovens negros e moradores de favelas. A CPI ratificou que o Estado é responsável pelo assassinato de jovens e crianças negras no Brasil. Como resultado foi apresentado no Senado o projeto de lei de criação de um Plano Nacional de Combate ao Extermínio de Jovens no Brasil e de criação de um Fundo Nacional de Combate ao Racismo no Brasil. Os dois projetos não foram aprovados pelo parlamento brasileiro, mas o relatório da CPI foi oferecido na ONU ( Organização das Nações Unidas) como denúncia do Estado Brasileiro por genocídio do povo negro. Em 2019 , a ONU respondeu a denúncia com a realização de uma reunião no conselho de direitos humanos em Genebra e posteriormente em 2020 a Coalização Negra por Direitos participou de uma nova sessão em Genebra. No ano de 2021 foi lançado pela ONU um relatório sobre racismo sistêmico que inclui a denúncia da ação policial e cita estudos com base nos homicídios da vereadora Mariele Franco, do menino João Pedro de 14 anos morto por tiro de fuzil dentro de casa e Luana Barbosa assassinada por meio de tortura por policiais na porta de casa.

Como foi colocado anteriormente, a proposta de criação de um fundo nacional para subsidiar políticas de reparação e enfrentamento do racismo foi apresentada no parlamento em 1998 e não foi aprovada. Com base nos atos internacionais assinados pelo Estado Brasileiro, foi criado o Projeto de Lei 4.471/2012 que suspende da prática policial o instrumento jurídico do auto de resistência. O projeto de lei nº 4.471, dispõe sobre a necessidade da preservação da cena da violência policial para a “realização de perícia e coleta de provas imediatas, a abertura de inquérito para apuração dos crimes. A lei não foi aprovada e não foi objeto de apreciação no plenário. No Brasil, uma média 98% dos homicídios cometidos por policiais são arquivados por falta de investigações e condições periciais (BRASIL, 2021).

Os recursos de legítima defesa e cumprimento da lei influenciam no arquivamento dos inquéritos, justificam o ato soberano de matar em defesa da segurança da sociedade, além de hipoteticamente pressupor a desumanização e a degradação moral da vítima, cuja memória é maculada pelo discurso hegemônico do aparato policial, de morte decorrente da resistência à ordem. Em depoimento ao documentário “Luto como mãe” o delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marcus Vinicius Braga afirma que o Estado e a sociedade apoiam o assassinato de negros e pobres,

Quem são esses homens que morrem? Normalmente negros, pobres e jovens, não é isso? E desde quando foi preocupação dessa polícia, desse Estado com esses negros, pobres e jovens? [...] a Polícia mata? Mata. Tá errado matar? Claro que tá errado matar. Sim. Mas tem um Estado que dá uma ordem para ela matar. Tem uma classe política que dá uma ordem para ela matar. E é mais do que isso. Tem uma maioria da população apoiando isso. É ilegal, mas tem legitimidade na nossa sociedade.5

Segundo o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro são registrados uma média de 11 desaparecimentos e 5 mortes por dia. No Brasil são cometidos cerca de 60 mil homicídios por ano, em média 45% deles por forças policiais. Durante a Ditadura o desaparecimento forçado e extermínio de pessoas, representava uma ameaça aos Direitos Humanos, durante o regime democrático os atos de violência policial passaram a ser interpretados como práticas legítimas de combate à criminalidade. A multiplicação dos mortos diante do ato decisório final da instituição estatal policial sobre a vida e a morte, nos remete ao princípio benjaminiano de que há “um elemento de podridão dentro do direito” (BENJAMIN, 2011, p. 131).

A violência que funda implica também a instrumentalização da violência para a legitimação do direito (fins legais), que por sua vez, suspende o atributo jurídico da interpretação da lei e definição do justo. O ato policial que decide sobre a morte e substitui ordem jurídica. Para Derrida (2007), a polícia seria a violência legalizada que, no entanto, ainda que não esteja esta circunscrita dentro de qualquer direito, tem a força da lei, ao mesmo tempo em que não se deixa circunscrever por ela. O ato policial reinscreve o direito, instalando outra lei que se faz legislativa. Assim, faz-se necessário uma constante crítica ao poder jurídico enquanto instância representativa da garantia de integridade humana ou do humano. Neste sentido, Derrida (2005) chama atenção para a fragilidade de conceitos como perdão, reparação e Direitos Humanos que acabam irrevogavelmente intermediados pelo direito e inscritos no cálculo do interesse jurídico-político e não no testemunho das vítimas (VAN BOVEN, 1993).

Afinal, diferente da justiça, que como um princípio ético, não se resume a mera aplicação da lei. A interpretação jurídica participa de um sistema de signos pelos quais as possibilidades de narrativa e de significação desse poder se organizam, sem conferir sentido ou “alguma responsabilidade” por aquele que vai receber a força da lei, ou seja, a alteridade, a singularidade, a condição humana e a subalternidade do “outro” (DERRIDA, 2007, p. 37).

Políticas de Indenização e Violência de Estado

O Estado Brasileiro não dispõe de uma política de responsabilidade e de reparação para as vítimas de violência praticada por agentes do Estado. No entanto, os sucessivos governos do Rio de Janeiro adotaram a iniciativa de indenizar famílias após eventos traumáticos, desde que publicamente comprovada a participação de agentes do Estado. O recurso às indenizações tem se tornado um dispositivo comum acionado pelo poder público em todo o país, no entanto tal recurso é limitado e não pode configurar uma política de direitos humanos (LACERDA, 2020). As poucas e raras indenizações extrajudiciais respondem a aceitação da denúncia pelo Ministério Público, que por sua vez solicitam recorrente o arquivamento dos casos de mortes provocadas por policiais. Na maioria dos casos, são as famílias que comprovam e reúnem as provas periciais que evocam a participação de policiais nos crimes. As vítimas são levadas a aceitar acordos monetários precários de indenização e assinar um documento que encerra o inquérito criminal e o pleito público por justiça. As famílias que buscam um julgamento criminal do Estado, esperam em média por 20 anos por uma sentença.

No que se refere as indenizações civis, o Estado recorre as sentenças levando o pagamento de indenizações à forma de precatórios, ou seja, títulos de dívida emitidos pelo Estado. Para receber o pagamento pelos títulos, as famílias são alocadas em listas de espera por anos, algumas vendem os títulos pela metade do valor.

Através da rede nacional de mães e familiares vítimas do terrorismo de Estado, inúmeras famílias lutam por justiça e responsabilização pela memória de seus filhos. Em maio de 2017, um ato organizado por vários movimentos de familiares vítimas da violência do Estado entregou a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro uma carta aberta cujo pleito inclui a instituição de um Fundo Estadual de Reparação com participação decisória de representantes das vítimas.

Ao nos tornarmos vítimas do Estado, nós, mães e familiares, não contamos com o apoio do Estado, que nos deve assistência psicossocial, reparação financeira e o acompanhamento das investigações dos casos. Se o Estado falhou ao nos violentar, tem falhado diariamente ao negar nossos direitos, quais sejam, o direito a uma investigação independente, o direito à reparação econômica, o direito à assistência psíquica e médica, e o direito à memória de nossos filhos. (CARTA, 2017)

Desde abril de 2016, a Defensoria Pública do Estado e a Procuradoria Geral do Estado firmaram um Acordo de Cooperação Técnica, cujo objetivo é acelerar o processo de negociação entre as famílias e o Estado. Foi criado na Defensoria Pública um centro de atendimento as vítimas pelo Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria (NUDEDH).

O NUDEH é responsável pelos acordos reparatórios entre as famílias e o Estado. Ao lado do acordo de cooperação o governo do Estado do Rio de Janeiro sancionou a Lei 7.349/2016, apresentada inicialmente no ano de 1999. A lei oficializa o direito de reparação extrajudicial a pessoa que tenha sofrido violações, torturas e danos por parte de servidores públicos do Estado. No dia 26 de junho de 2017 foi aprovada a Lei 7.637 que instituiu no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro a Semana Estadual das Pessoas Vítimas de Violências no Estado do Rio de Janeiro, a ser celebrada entre os dias 12 e 19 do mês de maio. Essa lei é uma reivindicação do movimento de mães de vítimas da violência, na visão de Ana Paula Oliveira, a Lei 7.637:

É o primeiro passo que o Estado dá reconhecendo as vítimas que ele mesmo faz, que ele mesmo produz. E essa lei vem mostrar que, através da nossa luta, a gente faz perpetuar, sim, a memória dos nossos filhos. Que nós estamos aí e não vamos deixar que esqueçam o que esse Estado racista, excludente, classista, genocida fez com os nossos filhos. (SANSÃO, 2017)

Trata-se da inserção no calendário comemorativo do Estado de uma semana dedicada à memória das vítimas e ao debate sobre os crimes e a violência perpetrada por agentes públicos. Neste sentido, o governo chancela um deslocamento discursivo que reconhece a prática da violência policial sobre os grupos marginalizados do acesso aos Direitos Humanos. A iniciativa de relembrar inocentes, assassinados pela polícia, torna pública uma orientação política de controle da ordem social nos territórios marcados pela pobreza, pela condição racial e pela ausência do próprio Estado. A expectativa trazida pelos movimentos de familiares de vítimas da violência é de que esses eventos possam se traduzir em uma semântica pública da injustiça e trazer para essas mães o reconhecimento de toda a sociedade.

Porque esse é o objetivo, colocar para o mundo que o Brasil é racista e que o primeiro motivo para os nossos filhos terem sido mortos é serem negros, filhos de mulheres negras […]. Precisamos sentar de fato para conversar com órgãos maiores, falar sobre reparação da escravidão, reparação para esses familiares que hoje tem uma dor imensa, um vazio tremendo e uma saudade desesperadora. Essa lei é muito importante, é o gosto de uma vitória que estava engasgada há muitos anos, assume Monica Cunha. (SANSÃO, 2017)

O Estado avança com uma política indenizatória que não corresponde ao anseio por reparação reivindicado pelas vítimas. Em detrimento de processos impessoais e indenizatórios, as mães demonstram em suas lutas, o anseio por um reconhecimento jurídico, psicológico, humano e social que possa conferir maior enquadramento público da violação sofrida . Alguns familiares relutam em receber indenizações e pensões, este é o caso de Carlos Eduardo da Silva Souza, que perdeu o filho de 16 anos. O rapaz estava no automóvel atingido por 111 tiros no bairro de Costa Barros em 2015. “— Não me interessa dinheiro. Quero é que o Estado venha publicamente se desculpar pela morte deles, que lembre deles” (BIANCHI, 2017). Carlos reivindica ao Estado que celebre a memória dos jovens atribuindo os seus nomes à equipamentos públicos da cidade.

O Estado ofereceu para Carlos Eduardo o valor de R$300 reais (60 dólares) por uma pensão vitalícia, ele recusou, no entanto, todas as famílias atingidas na chacina aceitaram fazer acordo com o Estado. O defensor público Fábio Amado recebe todos os dias mães cujos filhos foram torturados ou mortos pela polícia. “— Tratamos com vítimas muito pobres [...] Eles geralmente tomam o dinheiro para deixar o local, para não ficar onde morreram seus familiares (ROJAS, 2016).

O Estado é obrigado por lei a garantir uma pensão em média no valor irrisório de um salário mínimo para os atingidos. Luciana dos Santos foi vítima de um ato extremo de 257 tiros disparados por militares sendo que 80 foram na direção do carro da família e ceifou a vida do seu marido em 2019.

— O Exército nunca me procurou. Não pediram nem desculpa, não quiseram saber como eu estava, como estava meu filho. Nada. Tivemos que entrar na Justiça para conseguir a pensão, que, hoje, seria fundamental para eu e meu filho podermos nos sustentar. Eu me sinto abandonada. (SOARES, 2020)

As respostas jurídicas do Estado às famílias se dão através de ações precárias de indenização ou por processos humilhantes de abandono jurídico e pagamentos transformados em precatórios não restituem qualquer dignidade a memória das vítimas e ao sofrimento de seus familiares. O tempo da jurisdição evoca e legitima a desumanização do negro, a espera por uma assistência psíquica, social e jurídica ou por um julgamento remete a lógica que postula a inferioridade ontológica da experiência do sofrimento da degradação e da violação da vida. Por outro lado, o acesso desigual e precário as condições de imputação ao atributo jurídico de vítima (AZEVEDO, 2019; MEZZAROBA, 2006), reforça o apagamento público da violação e o desajuste entre o direito e a justiça. No direito segundo Benjamin o conceito jurídico de imputação da perícia e da culpa aparece como pressuposto do sistema estatal de punição e da reparação. Neste sentido, a forma jurídica esvazia a dimensão ética da justiça e da compaixão pelo outro. Benjamin vai assumir que o interesse do Direito em monopolizar o poder diante do indivíduo, não se explica pela intenção de garantir os fins jurídicos, mas de garantir o próprio Direito. (BENJAMIN, 2009, p. 781). Neste sentido, em contraste com as respostas jurídicas do Estado, a rememoração coletiva de toda a sociedade, resgataria aquilo que foi violado e soterrado pelos arquivos do direito e da história, fazendo valer no tempo do não esquecimento, a possibilidade pretérita e salvadora de justiça à violação sofrida.

Conclusão

A despeito do pacto democrático em curso, o fim de um regime de exceção permanece inacessível ou como uma espera sem horizonte de espera. Apesar da abertura de arquivos e de comissões de verdade (PEDRETTI, 2020), permanecem nas práticas policiais e no sistema de Justiça, estruturas do regime autoritário e de heranças coloniais e escravocratas, que resistem a mudanças institucionais. Para alguns analistas, a resistência dos tribunais do Brasil em admitir a obrigatoriedade de cumprir decisões internacionais é constitutiva do modelo de transição democrática no Brasil e de sua cultura jurídica. Para Sousa Santos (1997), uma cultura jurídica responsiva aos apelos humanos, teria que ser ancorada em forças políticas e sociais. Aos impasses jurídicos na responsabilização criminal e no reconhecimento da desumanização, se entrelaçam a cultura de fazer calar o não esquecimento.

A monetarização precária das indenizações contribui ainda mais para a violação da dor, a invisibilização histórica e denegação humana dos vencidos. Durante o processo de indenização reconhecido para 1% das mortes, algumas vítimas adquirem novas moradias precárias, são deslocadas do local do crime para outras periferias, são forçadas a deixar para trás os seus vínculos humanos, sociais, comunitários e seu passado. As indenizações arbitradas pela justiça, em 2020 foram apenas de R$8,3 milhões de reais, cujo valor oscila em média em R$100 mil (20 mil dólares) por pessoa. Segundo reportagem realizada por Soares:

Na maior parte dos acórdãos analisados pelo jornal Extra, os desembargadores alegam que, “como as famílias das vítimas são pobres — em sua maioria, moradores de favelas —, indenizações altas configurariam “enriquecimento sem causa”. (SOARES, 2021)

O elemento jurídico fundamental da reparação é o de impedir e desestimular o infrator a repetição do ato, por outro lado, a tese jurídica do enriquecimento sem causa é atribuída por cálculos decididos pelos operadores do direito, com base na relação entre o dano e as condições de vida da vítima. Na medida em que são pobres, recebem os valores indenizatórios correspondentes à sua categoria social - econômica e não a violação de seus Direitos Humanos e seus danos subjetivos. Segundo o defensor público Daniel Lozoya, tal atitude por parte do judiciário:

Não provoca mudanças na atitude do Estado, porque economicamente se torna até interessante, é um incentivo continuar essa política […] o padrão indenizatório para casos de acidente aéreo no qual são vitimadas famílias de classe média, normalmente, o valor médio da jurisprudência é 500.000 reais”. (OLLIVEIRA, 2021)

O caso da indenização da criança Aghata Felix de apenas 8 anos, baleada por tiro de Fuzil na Kombi em que estava com a família se enquadra neste exemplo. O Estado recorreu a ação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro no processo por reparação à família de Aghata Felix. O Estado alega nos tribunais que os valores pedidos de indenização ―5.300 salários mínimos― ou seja, R$500 mil reais, (90 mil dólares) são excessivos e constituem “violação frontal aos princípios de constitucionalidade, razoabilidade e da proporcionalidade” (OLLIVEIRA, 2021). O Estado do Rio de Janeiro também recorreu a ação indenizatória no valor de R$500 mil reais para a viúva e cada um dos filhos de Amarildo de Souza. Ele foi torturado e desaparecido pela polícia militar no ano de 2013 na favela da Rocinha (MACNIVEN, 2014). A despeito do desaparecimento de Amarildo ter ocorrido há quase 10 anos e das necessidades emergenciais da família, o Supremo Tribunal de Justiça adiou o julgamento do recurso do Estado do Rio de Janeiro e não anunciou uma nova data.

A sentença de indenização reinscreve a injustiça e rememoração permanente do sofrimento, pois as vítimas são obrigadas a esperar por anos e as vezes décadas, o chamado trânsito em julgado dos processos, a partir dos quais, o Estado realiza o pagamento. O Estado, bem como parte dos seus operadores jurídicos, não reconhece a relação entre os processos indenizatórios, a afirmação dos Direitos Humanos e necessidades emergenciais das vítimas. A vida ceifada por agentes do Estado, também não confere à violação, uma dinâmica coletiva que se estenda além do indivíduo que perdeu a vida. Nesse sentido, não pode ser considerada uma política de reparação para vítimas de Direitos Humanos, uma vez que esta deve se dirigir também aos grupos atingidos como um todo, ou seja, deve ter um caráter coletivo (VAN BOVEN, 1995).

O processo jurídico e indenizatório reinscreve os mecanismos de desumanização, esvaziamento do passado e irresponsabilização que congelam a possibilidade de “alguma responsabilidade diante da memória ou “dos fantasmas” daqueles que já estão mortos (DERRIDA, 1993, p. 11) sem a qual nenhuma justiça é possível.

O Estado por meio de uma parcela da classe jurídica interpreta reparação como enriquecimento ilícito, mantém uma relação meramente instrumental com o outro, reificando a história, a vulnerabilidade, a pobreza, a carência e a verdade dos vencidos. A gramática jurídica da reparação espelha uma lógica política colonial que corrompe a justiça e reifica a humanidade e a historicidade dos vencidos e de seus herdeiros. Posto que a tarefa da memória e da interpretação está no cerne justiça (DERRIDA, 2007, p. 37). A criação de um pacto de luta pela anistia ampla geral e irrestrita se mostrou como “uma batalha perdida” tanto para o ativismo negro como para a parcela da sociedade que construiu a luta pela anistia (CARDOSO, 1988, p. 13). Para aqueles que são considerados atingidos comuns, os vencidos na luta contra a opressão e violência, subjaz a certeza trágica de que “o estado de emergência em que vivem não é a exceção e sim a regra” (BENJAMIN, 1987, p. 222).

A eleição por voto popular democrático de um governo legitimador do regime em questão, corrobora também uma relação com o tempo que não inscreve uma escala temporal binária de passado presente e, portanto, revela a dinâmica contingente, instável e delicada que ancora a sobrevivência do passado e ou apela para a messianiscidade que nos fala Benjamim. A espera sem um Telus, a perspectiva de virar a história pelo avesso e escova-la a contrapelo preenche a luta por justiça ainda que enuncie a incerteza sobre a sua realização. Pois a ausência de horizonte, não significa a ausência da possibilidade de um acontecimento que faz saltar pelos ares o continuum da história e liberte do passado a sua pretensão de justiça.

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Notas

1 A lei 6.683 de 28.08.1979 assume que crimes como tortura, sequestros e homicídios cometidos durante o regime militar são considerados crimes conexos aos crimes políticos. Tal entendimento foi contestado pela OAB (Organização dos Advogados do Brasil) que solicitou a revisão da lei a Suprema Corte do Estado Brasileiro. A corte suprema rejeitou o pleito e manteve a legitimidade da lei que não distingue crimes de Estado dos crimes de opositores políticos.
2 Entrevista concedida para a pesquisa intitulada "Lutas por reparação, divida histórica e justiça pós-colonial", em julho de 2019. Arquivo pessoal.
3 Convocatória do Congresso Nacional pela Anistia https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/downloads/anistia/convocatoria-do-congresso-deops50z130005002.pdf acesso em 22/1/2022.
4 Entrevista concedida para a pesquisa intitulada "Lutas por reparação, divida histórica e justiça pós-colonial", em julho de 2019. Arquivo pessoal.
5 Depoimento disponível no documentário “Luto como mãe”, de Luis Carlos Nascimento. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6G_7-kwrxRQ.

Notas de autor

1 Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Professora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ICS/UERJ). Rio de Janeiro, RJ – BRASIL
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