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Humiliatio memoriae. Vidas y memorias humilladas en los archivos de la represión franquista
Luciano Daudt da Rocha; Ricardo Duwe
Luciano Daudt da Rocha; Ricardo Duwe
Humiliatio memoriae. Vidas y memorias humilladas en los archivos de la represión franquista
Open wounds and unconcluded processes: the ghost of civil war and the events of january 2021 in the United States
Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 36, e0107, 2022
Universidade do Estado de Santa Catarina
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Resumo: Este artigo discute o evento da invasão do Capitólio em 06 de janeiro de 2021 e o relaciona à permanência, no tempo presente, dos traumas coletivos da Guerra de Secessão e da posterior Reconstrução. A pesquisa analisa esses processos como inconclusos e, portanto, como “feridas abertas” na memória política e na organização social dos Estados Unidos que, tendo atravessado os tempos, acabaram por determinar o caráter excludente da democracia representativa e por perpetuar a violência física, psicológica e institucional contra as pessoas negras do país. A pesquisa teve como principais fontes primárias os discursos inaugurais dos presidentes do país, analisados em perspectiva de longa duração e relacionados a debates historiográficos sobre democracia, segregação racial e Guerra Civil. Os resultados apontam para o fato de que, tanto no desfecho da Guerra Civil quanto do processo de Reconstrução, os acordos entre as elites brancas dos estados prevaleceram em detrimento da ampliação da cidadania para a população negra, o que tem impactado diretamente na permanência de ideias supremacistas e antidemocráticas no seio da sociedade estadunidense.

Palavras-chave: Estados Unidos, História, segregação, Estados Unidos - política e governo, democracia, Guerra Civil, 1861-1865.

Abstract: This article discusses the event of the Capitol invasion on January 6th, 2021 and relates it to the permanence in the present time of the collective traumas of the Civil War and the subsequent Reconstruction. The research analyzes these processes as unfinished and, therefore, “open wounds” in the political memory and social organization of the United States that, having crossed time, ended up determining the excluding character of representative democracy and perpetuating physical, psychological, and institutional violence against the black people. The research had as its main primary sources the inaugural addresses of the presidents of the United States, analyzed in a long-term perspective and related to historiographical debates about democracy, racial segregation, and Civil War. The results point to the fact that, the end of the Civil War and the process of Reconstruction, the agreements between the white elites of the states prevailed over the expansion of citizenship for the black population, which has directly impacted the permanence of supremacist and anti-democratic ideas within American society.

Keywords: United States, History, Civil War, 1861-1865, Segregation, United States - politics and government, democracy.

Carátula del artículo

Dossiê - Sensibilidades e História do Tempo Presente

Humiliatio memoriae. Vidas y memorias humilladas en los archivos de la represión franquista

Open wounds and unconcluded processes: the ghost of civil war and the events of january 2021 in the United States

Luciano Daudt da Rocha
Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil
Ricardo Duwe
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 36, e0107, 2022
Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 29 Marzo 2022

Aprobación: 07 Junio 2022

Publicación: 16 Septiembre 2022

Introdução

O presente artigo trata das permanências, no tempo presente, do trauma político da Guerra de Secessão (1861-1865) nos Estados Unidos. Para isso, buscamos relacionar os acontecimentos da invasão do Capitólio, em 06 de janeiro de 2021, e a posterior posse do Presidente Joseph Biden, em 20 de janeiro do mesmo ano, aos traumas coletivos e à história “inacabada” do maior conflito civil do país. O debate apresentado tem como principais fontes documentais os discursos proferidos pelos presidentes do país nas sucessivas cerimônias intituladas “dia da inauguração”[1].

Rocha (2021) analisou como a identidade do país tem sido comunicada nos discursos inaugurais dos presidentes dos Estados Unidos entre 1789 e 2021. Os resultados da pesquisa apontam para uma identidade composta de três grandes narrativas, sustentadas por um esforço discursivo vindo da longa duração[2]. Essas grandes narrativas afirmam a unidade da nação por meio de valores originários, mas na verdade servem para perpetuar as desigualdades sociais e raciais do país. Além disso, essas grandes narrativas têm conduzido o modus operandi da política externa estadunidense, estando a serviço da expansão da economia-mundo capitalista e dos valores civilizacionais do Ocidente.

A primeira dessas grandes narrativas é a que demonstra a existência de um panteão político-religioso incontestável. Pode ser considerada a grande narrativa originária, pois serve de fundamento para o estabelecimento das outras duas grandes narrativas, que apresentaremos na sequência. Nessa grande narrativa nada se renova e é justamente essa a intenção. É composta de duas subnarrativas, também originárias, que normalmente são mobilizadas em simbiose nos discursos presidenciais[3]: a “providência divina”, que remete aos feitos dos primeiros colonizadores puritanos e mobiliza uma série de mitos do tempo do colonialismo na Nova Inglaterra, associando o povo dos Estados Unidos à escolha divina e, consequentemente, à missão de liderar o mundo; o “nascimento da América”, que enaltece os feitos da Revolução Americana (1776), seu ineditismo histórico e vanguarda política, bem como a sapiência dos “pais fundadores”.

A segunda grande narrativa é a que apela para a excelência das instituições e do modelo perfeito de democracia[4]. É muito frequente ao longo da história do país, especialmente quando os presidentes quiseram afirmar um “retorno à ordem”, ao “original”, à “perfeição” que em algum momento se perdeu. Ao mesmo tempo, essa abordagem deixa sempre muito clara uma realidade de mau uso da máquina pública, desvirtuamento dos valores fundacionais, negligência com os problemas sociais do país, desigualdades de raça, classe e gênero, agressões no sistema interestatal e corrupção.

A terceira grande narrativa é a que demonstra a América como nação necessária no mundo[5], que apresenta o país como principal motor do progresso global, capaz de reorganizar o sistema interestatal e atuar como superpotência, defendendo e expandindo os valores ocidentais e tornando o mundo um lugar “seguro” para o capitalismo.

É no âmbito da segunda grande narrativa, mais especificamente sobre a subnarrativa da “união mais perfeita ameaçada”, que se encontra a discussão que será apresentada neste artigo. Temos por objetivo debater que, do sangrento conflito e da posterior “Reconstrução”, restaram “feridas abertas” e processos “inacabados” da história dos Estados Unidos, especialmente a manutenção das profundas desigualdades de raça no país e da postura negligente e, muitas vezes conivente, do Estado em relação a essas questões. Desde a ascensão de Trump à presidência, essas inconclusões ficaram mais claras no debate público. No dia da invasão do Capitólio, mais uma vez, ideais supremacistas foram defendidos por pessoas que atentaram contra as instituições democráticas do país.

Este artigo está organizado em outras três seções, além desta introdução. Iniciamos debatendo os eventos ocorridos em janeiro de 2021 – a invasão do Capitólio e a posterior posse do presidente Biden –, enxergando-os como ilustrações de processos inacabados e inconclusos na história do país, que em virtude de sua incompletude, consolidaram-se na longa duração.

Na sequência, defendemos que a inconclusão desses processos tem impactado diretamente a composição da democracia representativa dos Estados Unidos, que historicamente tem buscado manter o status quo racial. Para sustentar esse argumento, apresentamos o fato de que, durante o século 19, os conflitos políticos e raciais percorreram um longo caminho discursivo até eclodirem como Guerra Civil e que, na Reconstrução, foram priorizados os acordos entre as elites brancas em detrimento de fazer valer a igualdade racial preconizada pelas 13ª, 14ª e 15ª Emendas. Desse modo, ao invés de impulsionar mudanças estruturais na política e na sociedade dos Estados Unidos, os desfechos da Guerra Civil e da Reconstrução mantiveram as desigualdades de raça, na medida em que institucionalizaram a discriminação racial e perpetuaram a segregação por mais um século.

Concluímos o texto debatendo os eventos de 2021 como ilustrações de um importante trauma da Guerra Civil e da Reconstrução, que opera para perpetuar o racismo estrutural e institucional e coloca em risco a solidez do Estado e da democracia nos Estados Unidos.

“União mais perfeita ameaçada”: o fantasma de 1865 assombra a democracia dos Estados Unidos

Em 20 de janeiro de 2021, o 46º presidente dos Estados Unidos, Joseph Biden, não pôde deixar de comentar os horrendos e pitorescos ataques no Capitólio por seguidores de Donald Trump, inconformados, assim como seu ídolo, com a derrota nas eleições presidenciais de 2020. As grotescas cenas ocorreram poucos dias antes da posse, em 06 de janeiro, quando Biden teve sua vitória ratificada pelas duas casas legislativas. O evento foi considerado uma tentativa de golpe no sistema democrático do país e assim foi tratado pelo presidente em seu discurso. Ambientada em uma pandemia que, até a sua posse, já havia ceifado as vidas de mais de 400 mil estadunidenses, sua fala ressaltou a necessidade da defesa da democracia, apelou pela unidade do povo e pediu o abandono da intolerância.

Hoje, celebramos o triunfo não de um candidato, mas de uma causa, a causa da democracia. A voz do povo foi ouvida e a vontade do povo foi atendida. Aprendemos novamente que a democracia é preciosa. A democracia é frágil. E nesta hora, meus amigos, a democracia prevaleceu. Então, agora, neste solo sagrado, onde há poucos dias a violência tentou abalar os alicerces deste Capitólio, nos reunimos como uma nação, sob Deus, indivisível, para realizar a transferência pacífica de poder como temos feito por mais de dois séculos. (UNITED STATES, 2021b, tradução nossa, grifo nosso)

Apelos pela unidade e pela defesa da democracia e da Constituição dos Estados Unidos são recorrentes nos inaugurais, mas o fato que motivou Biden a mobilizar a subnarrativa do “nascimento da América” e usar a expressão “novamente” foram os ataques feitos, dias antes, às instituições e à sucessão ordenada de poder.

No dia da invasão ao Capitólio, o então presidente Donald Trump vociferou contra a “união mais perfeita” quando emitiu comentários direcionados às pessoas que se concentravam em frente e dentro da sede do Congresso Nacional. Como já vinha fazendo, Trump insistiu na retórica de que as eleições de 2020 teriam sido fraudadas e, de uma forma um tanto dissimulada, pedia que as pessoas “voltassem para as suas casas” ao mesmo tempo que legitimava as atitudes antidemocráticas. Em sua fala, tentou apagar o fogo usando gasolina.

Eu conheço sua dor. Eu sei que vocês estão feridos. Tivemos uma eleição que foi roubada de nós. Foi uma eleição esmagadora e todos sabem disso, especialmente o outro lado, mas vocês têm que ir para casa agora. Precisamos ter paz. Precisamos ter lei e ordem. Temos que respeitar nosso grande povo na lei e na ordem. Não queremos que ninguém se machuque. É um momento muito difícil. Nunca houve um tempo como este em que tal coisa aconteceu, em que eles pudessem tirar isso de todos nós, de mim, de vocês, de nosso país. Esta foi uma eleição fraudulenta, mas não podemos fazer o jogo dessas pessoas. Precisamos ter paz. Então vão para casa. Nós amamos vocês. Vocês são muito especiais. (UNITED STATES, 2021a, tradução nossa)

Tanto o evento da invasão do Capitólio quanto o inaugural de Biden trouxeram à tona um dos momentos mais emblemáticos da história do país. As feridas da Guerra Civil, frequentemente lembradas nos discursos políticos, mostraram-se ainda abertas, mesmo passados mais de 150 anos daquele evento. Tanto em 2021 quanto em 1861, salvas as devidas proporções, a sucessão ordenada de poder e as instituições foram atacadas. Mais do que isso, os dois eventos escancararam que o principal problema social do país é a desigualdade racial e que, mesmo passado mais de meio século da aprovação dos Direitos Civis, grupos organizados com pautas racistas continuam agindo sem muitos empecilhos nos Estados Unidos, pregando a supremacia branca.

Foram vistas bandeiras do “Kekistão”, país virtual criado por supremacistas brancos; forcas, que simbolizam a ameaça de punição àqueles que não defendem a supremacia branca; bandeiras dos Confederados, símbolo dos estados que lutavam pela permanência da escravidão durante a Guerra Civil; grupos de milícias como o Proud Boys, que defende a supremacia branca; o grupo negacionista QAnon, que protagonizou a icônica cena do rapaz vestido com chapéu de chifres, sem camisa, que acredita que Trump está lutando contra uma conspiração de pedófilos democratas adoradores de Satanás (CHADE, 2021). Ou seja, hordas enraivecidas que parecem ter saído diretamente de uma produção cinematográfica de gosto duvidoso.

Relembrar a Secessão parece ser inevitável para interpretar o que aconteceu entre os dias 06 e 20 de janeiro de 2021. Em texto escrito para o jornal The Washington Post no dia 08 de janeiro de 2021, os historiadores Gregory P. Downs e Kate Masur afirmaram que “sim, a insurreição de quarta-feira é quem somos” (2021, tradução nossa). Eles contradisseram a fala de Biden no dia dos ataques ao Capitólio, gravada a partir da sede da equipe de transição, em Wilmington, Delaware, que disse que as cenas de caos no Capitólio não refletiam a verdadeira “América” e que os estadunidenses não eram assim. Para os historiadores, um exame mais cauteloso do passado pode oferecer outra interpretação:

Mas isso não é bem verdade, e Biden pareceu reconhecer esse fato na quinta-feira [07 de janeiro de 2021], quando, ao nomear um procurador-geral, lembrou aos americanos que o Departamento de Justiça foi criado em 1870 ‘para fazer cumprir as Emendas aos direitos civis que surgiram da Guerra Civil - as 13ª, 14ª e 15ª Emendas. Para enfrentar a Klan. Para enfrentar o terrorismo doméstico.’ (DOWNS; MASUR, 2021, tradução nossa)

Downs e Masur enfatizaram que os eventos ocorridos em 06 de janeiro lembraram, claramente, que as “as tensões antidemocráticas e racistas de nosso passado permanecem conosco” e que essas tradições fazem parte do tecido social dos Estados Unidos, ressaltando que “[...] devemos abordá-las se quisermos evitar que moldem nosso futuro, como moldaram nosso passado”. Os historiadores apontaram para um dilema antigo: “É razoável que as autoridades eleitas se preocupem em construir consenso e elevar os melhores ideais desta nação, mas não podemos alcançar esses ideais sem confrontar os aspectos mais vergonhosos de nossa história compartilhada.” (DOWNS; MASUR, 2021, tradução nossa).

A ascensão de Trump ao poder se deu, entre vários outros fatores, graças ao apelo entre as hordas que defendem a supremacia branca e isso fez com que os símbolos e narrativas sobre a Guerra Civil passassem a ter mais evidência no debate público, incentivando o revisionismo histórico. A historiografia sobre a Guerra Civil tem buscado combater a visão antiga que considerava o conflito como um momento de significativas mudanças. A recente coletânea de artigos sobre o tema, organizada pelos historiadores Masur e Downs, vincula-se ao movimento de reconsideração que contesta o legado libertário da Guerra (DOWNS; MASUR, 2015).

No rescaldo da invasão do Capitólio, em 14 de janeiro de 2021, Karen Cox (2021) publicou um texto na série Five myths do jornal The Washington Post, em que apresenta “cinco mitos sobre a causa perdida” e os relaciona aos ataques de 06 de janeiro. Os cinco mitos desmentidos por Cox são: 1) a Guerra Civil não foi travada pela escravidão; 2) o Sul perdeu simplesmente porque o Norte tinha mais recursos; 3) Robert E. Lee abominava a escravidão; 4) monumentos confederados só recentemente se tornaram controversos e; 5) a remoção de um monumento confederado está apagando a história.

Em relação ao mito 1, a historiadora combate a ideia de que a motivação para a secessão foi travada pelo direito dos estados contra as usurpações do Governo Federal. Cox resgata o documento Cornerstone Address, proferido por Alexander Stephens, o vice-presidente da Confederação, em 21 de março de 1861, dezessete dias após a posse de Lincoln, e ressalta que Stephens “disse que não só a escravidão constituiu a ‘pedra angular’ da fundação sobre a qual o novo governo confederado foi lançado, mas também que foi a ‘causa imediata da ruptura tardia e da revolução atual’” (COX, 2021, tradução nossa). Ela aponta que as declarações das causas dos estados seccionais também deixam isso claro.

Em relação ao mito 2, Cox afirma que quem costuma insistir na narrativa de que a vitória do Norte se deu em virtude da superioridade de recursos desconsidera a grande quantidade de deserções e o processo de libertação de pessoas escravizadas. Em relação ao mito 3, ela enfatiza que Robert E. Lee, um dos mais exaltados personagens da Confederação, não abominava a escravidão e, por meio de seu casamento, uniu-se a uma das maiores famílias escravistas da Virgínia. Em relação ao mito 4, Cox (2021, tradução nossa) argumenta que “a verdade é que há tempos os monumentos são controversos e desprezados pelos sulistas negros, para quem essas estátuas simbolizam sua cidadania de segunda classe”.

Em relação ao mito 5, a historiadora diz que a remoção de monumentos confederados não apaga a história, que essas estátuas representam apenas um ponto de vista e que ao longo de sua existência foram usadas para enfatizar novamente o status quo racial. Cox informa que a maioria foi construída na era Jim Crow e que “a história dos monumentos confederados pode ser conhecida por meio de fotografias, cartões postais, discursos de dedicação e, o mais importante, livros escritos por historiadores.” (COX, 2021, tradução nossa).

A relação feita entre os eventos de janeiro de 2021 e a memória da Guerra Civil mostra que a recorrência de discursos de supremacia branca ainda é uma ferida aberta na história estadunidense, um horrendo trauma que atormenta um enorme número de pessoas e faz mal à sociedade como um todo. O trauma da Guerra Civil somou-se ao da escravidão. A abolição da escravidão, que poderia ter sido um primeiro passo para o enfrentamento desse trauma, não incluiu as pessoas negras na plena cidadania nos Estados Unidos. A despeito da 13ª, 14ª e 15ª Emendas, o trauma da Secessão está na constatação de que pouco importa a letra do Estado e da Lei. Seguiram acontecendo violências físicas, psicológicas e institucionais contra a população negra, mantendo à força o status quo racial do país. Isso permite que, assim como vimos em 06 de janeiro de 2021, esse trauma seja rememorado e a sociedade estadunidense continue a conviver com discursos e ações racistas – e em muitos aspectos, tolerá-los.

A guerra civil e a reconstrução: processos inacabados e traumas políticos no tempo presente

As relações estabelecidas entre os eventos de 2021 e o trauma político da Secessão são ilustrações da força das estruturas sociais vistas em perspectivas de longa duração. A manutenção de um sistema de desigualdade racial, primeiro na escravidão e depois na forma das leis segregacionistas, tem sido uma constante ao longo da história dos Estados Unidos e, mesmo após 1964, tem se mostrado evidente nas enormes desigualdades econômicas e sociais entre brancos e negros, no tratamento desigual que as diferentes raças recebem do poder público no país e como (e quando) foram incluídos na política institucional[6]. O historiador Alexander Keyssar apresenta uma síntese do tortuoso processo de construção da democracia dos Estados Unidos, mostrando os diferentes empecilhos impostos à população negra, às mulheres e aos mais pobres em diferentes tempos. Segundo ele:

Até a década de 1960, a maioria dos afro-americanos não podia votar no Sul. As mulheres eram impedidas de votar na maioria das jurisdições até 1920. Por muitos anos, os imigrantes asiáticos foram privados do direito de voto porque não podiam tornar-se cidadãos, e era muito mais frequente a ausência do mesmo direito entre os próprios nativos americanos do que sua existência. Além disso, no início do século XIX os estados geralmente concediam o direito de voto apenas para os proprietários de imóveis, e por boa parte do século XX, o voto quase sempre era proibido aos pobres. (KEYSSAR, 2014, p. 21)

Na sua origem grega, democracia é uma palavra formada por outras duas: demos, que significa comunidade política, e kratos, que significa poder. Para Wood (2011), na tradição ocidental, democracia é fundamentalmente a forma de governo em que o povo detém o poder de selecionar não somente os seus governantes, mas de agir diretamente nas decisões da comunidade política. Ela apresenta que a principal diferença entre o modelo clássico de democracia grega e o modelo moderno que passou a ser forjado nas sociedades anglo-americanas dos séculos 17, 18 e 19 não é somente o aspecto representativo deste segundo, em que o poder de decisão passou a ser cada vez mais delegado para um conjunto de representantes eleitos, mas passa cada vez mais a compreender uma história da democracia baseada em instituições não dominadas pelo jugo colonial, da soberania e autonomia nacional, da possibilidade de se elaborar e editar leis em um território visto como livre e independente. Assim, a história da democracia estadunidense teria origem em documentos como a Carta de Independência de 1776, a Constituição de 1787, e a Carta de Direitos de 1791 (WOOD, 2011).

O grande tema das discussões que criaram os documentos citados por Wood não era a participação popular nas decisões de governo, muito menos os direitos das parcelas escravizadas da população, ou constituída por mulheres e indígenas, mas a concretização da participação política como privilégio de raça, gênero e classe. O principal ponto do debate político do país no seu primeiro século de existência foi a dificuldade de se constituir uma União Federal que conseguisse administrar as divergências entre as elites dos estados do Norte, que permaneceram na União, e dos estados do Sul, que vieram a formar os Estados Confederados da América.

Na tentativa de consolidar a democracia representativa dos Estados Unidos ao longo do século 19, optou-se por acomodar interesses de elites locais e delinear, com cuidado, os limites da liberdade dos estados em criar suas próprias leis, mesmo que nelas estivesse expressa a liberdade de escravizar pessoas. Na segunda metade do século 19, as acomodações de interesses feitas na Constituição de 1787 chegaram ao seu limite e os eventos desenrolados a partir dali – Secessão, abolição, Reconstrução, contexto das leis segregacionistas – escancararam as divergências sobre a existência, o status jurídico e as condições de cidadania das pessoas negras como a principal fissura da sociedade estadunidense. Em torno disso, a União quase sucumbiu.

O desfecho desses eventos mostrou que novas acomodações foram feitas para perpetuar ideias e práticas de inferiorização da população negra, com forte anuência das instituições e do poder público. Ou seja, deixaram inconcluso o processo de inclusão da população negra na democracia estadunidense, pois permitiram que, a despeito da 13ª, 14ª e 15ª Emendas, essas pessoas continuassem sendo vítimas de estratagemas de poder pautados na ideia de supremacia branca. Mesmo após a conquista dos Direitos Civis, em 1964, as feridas da Secessão não foram de fato cicatrizadas. Essas feridas, ainda abertas, consolidaram-se como o principal trauma político do país e seus fantasmas seguem assombrando o presente.

O conceito de trauma está sendo compreendido com base no estudo de Soares (2022, p. 36), que, recorrendo à Psicologia, o apresenta “como um evento intenso e marcante, pontual ou progressivo, do passado, que estende seus efeitos de devastação ao presente e ao futuro”. Soares (2022) aponta que, ao se instalarem os efeitos do primeiro evento, novas situações traumáticas rememoram a experiência vivida e trazem angústia e sofrimento à pessoa, família ou grupo social, tornando-se, portanto, históricos[7].

No caso da população negra dos Estados Unidos, as inconclusões da Guerra Civil frequentemente aparecem para rememorar a escravidão, a violência e o suportar diário de se viver em uma sociedade em que pessoas negras seguem sendo vistas por muitas pessoas e instituições como cidadãos de segunda classe. O trauma só permanece vivo e operando porque ainda existem os algozes. Em outras palavras, o trauma é composto não só pelas lembranças do grupo social que sofreu e sofre com a violência, mas também pela rememoração do ódio branco, do opressor cruel, que há séculos regurgita discursos de ódio contra pessoas negras a despeito da proibição do Estado, que pouco ou nada faz para coibi-lo. Ou seja, um trauma político dessa magnitude não pode ser visto como resultado de um evento isolado. É preciso analisar o processo que antecede o evento-símbolo do trauma, a gota d’água que transborda o copo e põe abaixo as acomodações de interesses que tinham sido feitas até então.

Antes da secessão, um longo caminho discursivo

As divisões e controvérsias que inspiraram a Secessão percorreram um longo caminho antes da deflagração do conflito. Em meio à expansão para o Oeste, a adoção da escravidão nos novos territórios conquistados intensificou os desentendimentos entre as elites dos diferentes estados da União. A polêmica da adoção da escravidão nos novos estados de Kansas e Nebraska, em 1854, levou a um racha no partido Whig, dividido entre partidários e não partidários da escravidão. Dessa separação nasceu o Partido Republicano, naquela época defensor do abolicionismo. O partido cresceu rapidamente e, em 1860, conseguiu eleger Abraham Lincoln para a presidência. Dali em diante, Carolina do Sul, Alabama, Mississippi, Geórgia, Flórida, Texas e Louisiana declararam a União dissolvida. Os quatro estados que se juntaram à Confederação após a Batalha de Fort Sumter[8] foram Virgínia, Arkansas, Carolina do Norte e Tennessee.

Como ilustração das causas para a secessão, apresentamos trecho do documento “Declaração das causas da secessão do Estado da Geórgia”, publicado em 29 de janeiro de 1861, que aponta para a centralidade da escravidão na formação dos Estados Confederados da América, além de evidenciar que esse debate acontecia calorosamente desde a construção da União[9].

A questão da escravidão foi a grande dificuldade no caminho da formação da Constituição. Embora a subordinação e a desigualdade política e social da raça africana fossem totalmente reconhecidas por todos, era evidente que a escravidão logo desapareceria do que hoje são os estados não-escravistas dos treze originais. A oposição à escravidão era então, como agora, geral nesses estados e a Constituição foi feita com referência direta a esse fato. (CONFEDERATE..., 2008a, tradução nossa)

Analisando os discursos inaugurais dos presidentes do período entre 1789 e 1869, as constantes abordagens sobre o tamanho do poder federal em relação aos estados mostram que a União já nasceu controversa e confirmam que o sistema escravista estava no âmago dos conflitos entre as elites políticas. Mostram que, por muitos anos, o compromisso que mantinha a União intacta era justamente o fato de não interferir na escravidão onde ela já existia. Enaltecer a excelência das instituições e o modelo “perfeito” de democracia representativa adotado pelos Estados Unidos foi uma estratégia discursiva usada por todos os presidentes do período para se oporem às ideias de secessão sustentadas pelas elites de alguns estados.

Os discursos inaugurais dos presidentes até o período da Guerra de Secessão apresentam uma Federação ainda não acomodada, que apesar de sua contínua e evidente centralização, sofria com rupturas entre defensores da autonomia dos estados, que ameaçavam a integridade da União. Com o passar dos anos, as divergências foram crescendo e se delineando, mostrando-se cada vez mais evidentes na medida em que se observava o constante processo de centralização política, de expansão territorial, acumulação de capital e o aumento considerável do poder do Executivo.

No seu discurso de despedida, George Washington (UNITED STATES, 1796, tradução nossa), permitiu-se deixar conselhos “descompromissados”, tendo em vista sua iminente aposentadoria. O presidente tratou de justificar a escolha pela centralização na União, abordando pontos que lidavam diretamente com os interesses nacionais que vinham sendo construídos. Para ele, a União era um “pilar principal no edifício da independência real” do povo dos Estados Unidos, “o apoio de sua tranquilidade em casa, de sua paz no exterior, da sua segurança, da sua prosperidade, da liberdade que tanto valoriza”. Falou que um povo que professava a mesma religião, dotado de boas maneiras, hábitos e princípios políticos deveria ver a si e aos compatriotas como irmãos, unidos em um mesmo propósito e destinados ao mesmo triunfo.

Embora tenha clamado pela necessidade da unidade política, Washington reconheceu e apontou as oposições regionais do país e solicitou que se compreendessem as condições de interdependência econômica entre os estados. Ao insistir na interdependência das diferentes regiões, condenou os discursos que visavam a desqualificar a capacidade de governo da União e solicitou de seus espectadores que apostassem na efetividade do sistema de governo adotado. “Existe alguma dúvida se um governo comum pode abraçar uma esfera tão grande? Deixe a experiência resolvê-lo”, disse ele e, ao que parece, foi atendido.

A partir de então, os inaugurais passaram a abordar apelos à defesa da União Federal. Na busca pela sistematização desse conjunto de discursos, é possível dividi-los em dois períodos: do inaugural de George Washington, 1789 ao de Martin Van Buren, 1837; e deste último até o de Ulysses Grant, 1869, já durante a Reconstrução. Ao longo dos dois períodos, a defesa da União e da centralização política foi sustentada por argumentos de diferentes pontos de vista[10].

O discurso de Martin Van Buren pode ser visto como uma grande síntese dos debates presentes nos discursos anteriores, ao mesmo tempo em que já tocou, explicitamente, na principal fissura entre as elites dos estados, ponto que ocupará bastante espaço nos discursos do segundo período: é o primeiro que expõe as políticas sobre a escravidão como a principal fissura na sociedade estadunidense, “a última, talvez a maior das fontes proeminentes da discórdia.” (UNITED STATES, 1837, tradução nossa). Ou seja, ele dá encerramento e abertura aos períodos organizados para essa argumentação.

Martin Van Buren mobilizou fortemente a subnarrativa do “nascimento da América” e ofereceu uma réplica a um dos conselhos do presidente Washington, no discurso proferido quase meio século antes. Relembrando as dúvidas que pairavam sobre os projetos de construção da União no tempo dos “pais fundadores”, Van Buren sistematizou cinco décadas de centralização política e apresentou-se entusiasmado. Reconheceu ter responsabilidades para com um território muito maior, em franca prosperidade, seguro interna e externamente e gozando do respeito das demais potências (UNITED STATES, 1837).

Van Buren evocou a grandiosidade do legado deixado e discursou glorificando o passado para enfrentar o crescente clima de tensão entre a classe política estadunidense. Disse acreditar que o projeto político dos “pais fundadores” havia superado expectativas e que todos os maus cenários prognosticados por uma série de críticos se dissiparam com o tempo.

Há cinquenta anos, seu fracasso foi corajosamente previsto. Latentes e incontroláveis causas de dissolução foram supostas até mesmo pelos sábios e bons, e não apenas os teóricos hostis ou especulativos anteviam para nós o destino das repúblicas passadas, mas os medos de muitos patriotas honestos superavam suas esperanças otimistas. Relembre esses pressentimentos, não apressadamente, mas com relutância, e veja como, em todos os casos, eles falharam completamente. (UNITED STATES, 1837, tradução nossa)

A prosperidade econômica advinda das conquistas territoriais também serviu de argumento para Van Buren defender a perpetuação da União. Disse ele que “novas e inesgotáveis fontes de prosperidade geral foram abertas.” (UNITED STATES, 1837, tradução nossa) e que o espírito inventivo do povo havia evitado os efeitos da distância. Mais ainda, assim como fez Washington em 1796, afirmou a interdependência econômica das populações das diferentes regiões dos Estados Unidos. Assim como seus antecessores, discursou pela necessidade de observar e vigiar os limites do Poder Executivo federal em relação ao poder dos estados, do Congresso e da justiça. Van Buren apontou para um equilíbrio perfeito, necessário, uma centralização ótima do poder na União, desde que a autonomia dos estados estivesse resguardada.

Embora o tom conciliador, procurando exaltar as vantagens da manutenção da União, seja também característica dos sucessores de Van Buren, os inaugurais a partir de 1837 deixaram claro que a principal fissura entre as elites dos estados, que fomentavam as críticas à centralização do poder na União, referia-se à extensão ou não da escravidão para os territórios que vinham sendo conquistados a Oeste. Van Buren destacou a “delicadeza” do assunto e o apresentou como um debate antigo, que remonta os anos iniciais da República:

A última, talvez a maior, das fontes proeminentes de discórdia e desastre que se escondem em nossa condição política foi a instituição da escravidão doméstica. Nossos antepassados ficaram profundamente impressionados com a delicadeza desse assunto, e trataram-no com uma tolerância tão evidentemente sábia que, apesar de todos os sinistros pressentimentos, nunca até o presente período perturbou a tranquilidade de nosso país comum. (UNITED STATES, 1837, tradução nossa, grifo nosso)

A tensão entre as elites dos Estados Unidos foi aumentando até se converter em Guerra Civil. A partir de William Henry Harrison, em 1841, o tom sobe consideravelmente. Apesar de ter falecido de pneumonia cerca de um mês após sua posse, sua breve passagem pela Casa Branca expôs as feridas da elite política estadunidense de uma forma não vista até então em discursos inaugurais (UNITED STATES, 1841). As falas posteriores seguiram defendendo a manutenção da União e clamaram pelo necessário apaziguamento das tensões políticas. No que diz respeito à manutenção da União e da escravidão, os discursos inaugurais entre 1841 e 1869 se caracterizam por falas ásperas e apaixonadas, deixando evidente o crescimento da tensão política e a possibilidade concreta de uma ruptura institucional. Isso fez com que James Buchanan discursasse em 1857, solicitando uma especial ajuda para a reconstrução da harmonia do país:

Ao entrar neste grande ofício, devo humildemente invocar o Deus de nossos pais, em busca de sabedoria e firmeza, para executar seus elevados e responsáveis deveres, de modo a restaurar a harmonia e a antiga amizade entre os povos dos diversos estados e preservar nossas instituições livres. (UNITED STATES, 1857, tradução nossa)

Para manter as instituições livres, Buchanan evidenciou a conivência do governo federal com a manutenção do status quo racial. Abordou longamente a questão da extensão da escravidão aos territórios que seriam transformados em estados (Kansas-Nebraska). Mesmo assim, fez questão de apoiar suas palavras no espírito de liberdade que emanava dos escritos da Constituição e discursou defendendo que a vontade das pessoas fosse respeitada. Sua suposta neutralidade sobre o assunto ficou expressa:

Que feliz concepção, então, foi o Congresso aplicar esta regra simples, que a vontade da maioria governará, para resolver a questão da escravidão doméstica nos Territórios. O Congresso não é para legislar a escravidão em nenhum território ou estado, nem a excluir, mas deixar seu povo perfeitamente livre para formar e regular suas instituições domésticas à sua maneira, sujeitas apenas à Constituição dos Estados Unidos. (UNITED STATES, 1857, tradução nossa)

O presidente fez questão de citar decisões anteriores do Congresso dos Estados Unidos, no sentido de apaziguar conflitos políticos que se arrastavam havia décadas. Mais ainda, afirmou que a continuidade das agitações colocaria em risco a segurança e a prosperidade do país, descrevendo um cenário de enormes perdas econômicas caso existissem hostilidades entre os diferentes estados. Para evitar isso, a União deveria ser preservada e as vozes destoantes do status quo, caladas.

Até 1861, os presidentes definiram a questão como sendo assunto de cada estado, num grande ato coletivo de “lavar as mãos” em busca da manutenção do capital político. O discurso de Abraham Lincoln, de 04 de março de 1861, retratou um país que já sucumbia (UNITED STATES, 1861). Com a finalidade de tentar acalmar os ânimos daqueles que temiam que uma administração republicana viesse a operacionalizar o fim da escravidão nos estados, Lincoln fez questão de lembrar palavras que já havia dito publicamente em ocasiões passadas:

Não tenho nenhum objetivo, direta ou indiretamente, de interferir com a instituição da escravidão nos estados onde ela existe. Acredito que não tenho o direito legal e não tenho nenhuma inclinação para fazê-lo. Aqueles que me nomearam e elegeram fizeram com pleno conhecimento que eu havia dito isso em muitas declarações semelhantes e nunca me retratado; e mais do que isso, eles colocaram na plataforma para minha aceitação, e como uma lei para si e para mim, a resolução clara e enfática que eu agora leio: ‘Resolveu-se que a manutenção inviolável dos direitos dos estados e especialmente o direito de cada Estado de ordenar e controlar suas próprias instituições domésticas de acordo com seu próprio julgamento exclusivamente, é essencial àquele equilíbrio de poder do qual depende a perfeição e resistência de nosso tecido político; e denunciamos a invasão pelas forças armadas do solo de qualquer Estado ou Território, não importa que pretexto, como entre o mais grave dos crimes.’ Agora reitero esses sentimentos e, ao fazê-lo, apenas peço a atenção do público cuja evidência mais conclusiva é suscetível de que a propriedade, a paz e a segurança de nenhuma parte devam estar de alguma forma ameaçadas pela administração que está entrando. (UNITED STATES, 1861, tradução nossa)

Assim como seus antecessores, Lincoln foi buscar na subnarrativa do “nascimento da América” a inspiração para rechaçar as ideias de secessão, que agora estavam prestes a devastar o país. Recordou a perpetuidade da União e como ela era, na verdade, mais antiga do que a própria Constituição e que a Secessão tiraria seu caráter “perfeito”.

Resulta dessas opiniões que nenhum Estado, por sua própria mera moção, pode sair legalmente da União; que ‘resoluções’ e ‘ordenanças’ para esse efeito são legalmente nulas e que atos de violência dentro de qualquer estado ou estados contra a autoridade dos Estados Unidos são insurrecionais ou revolucionários, de acordo com as circunstâncias. (UNITED STATES, 1861, tradução nossa)

No seu segundo inaugural, poucos meses antes de sua morte, Lincoln apelou para a subnarrativa da “providência divina” e pediu o fim da Guerra Civil. Buscando argumentar sobre a necessidade de união do povo e dos estados, o presidente fez referências a Deus e afirmou que os “Seus” julgamentos seriam justos e verdadeiros. Reiterou que o povo estadunidense deveria se esforçar para terminar a “obra em que estamos, para curar as feridas da nação, para cuidar daquele que deve ter suportado a batalha e por sua viúva e seu órfão, para fazer tudo o que possa para alcançar e nutrir uma paz justa e duradoura entre nós e com todas as nações.” (UNITED STATES, 1865a, tradução nossa).

Ao assumir após a morte de Lincoln, em 1865, Andrew Johnson disse que era necessário restabelecer os princípios dos Estados Unidos em bases mais sólidas (UNITED STATES, 1865b). No mesmo sentido, Ulysses Grant, discursando em 04 de março de 1869, relembrou a recente Guerra Civil e apontou para os desafios que emergiram como novidades para o seu e para os próximos governos. Para reunificar a nação, pedia calma, abandono do preconceito e o fim das animosidades seccionais (UNITED STATES, 1869).

Os primeiros 80 anos da República dos Estados Unidos, sob a ótica dos discursos inaugurais, evidenciaram a insistência pela valorização da União como garantidora dos interesses nacionais e da manutenção do status quo do poder das elites políticas. De 1789 a 1837, os discursos inaugurais foram, paulatinamente, comunicando o delineamento do Estado e o tom de seu funcionamento, não só do Poder Executivo, mas das diferentes instituições. Os motivos da discórdia apareceram como questões de maior ou menor grau de autonomia dos estados, que envolveram os receios perante a centralização do poder na capital federal, mas sem explicitar a grande fissura da sociedade dos Estados Unidos. De 1837 a 1869, o crescimento populacional, territorial e econômico dos Estados Unidos foi acompanhado da intensificação do debate político em torno da ampliação ou não dos territórios escravistas e do controle sobre os territórios recém-adquiridos. As feridas da União, que foram apenas referenciadas no primeiro período, ficaram mais expostas e os discursos passaram a refletir isso. Manteve-se, na medida do possível, o discurso apaziguador.

A Reconstrução e sua inconclusão na história estadunidense

Após a Guerra Civil, novos desafios se colocaram à frente da democracia representativa estadunidense. Os destinos da população negra ocupavam centralidade para o enfrentamento desses desafios, pois a nova legislação preconizava a inclusão de mais de 4 milhões de pessoas na posição de cidadãos eleitores ou mesmo de representantes eleitos. Três emendas foram promulgadas na Constituição dos Estados Unidos: a 13ª, de 1865, para acabar com a escravidão em todo o território nacional; a 14ª, de 1868, garantindo igualdade entre negros e brancos perante a lei; e a 15ª, ratificada em 1870, coibindo discriminações raciais no direito ao voto. Durante a Reconstrução, em 1875, foi aprovada a Lei de Direitos Civis, que estabelecia a garantia de que todos, independentemente de raça, cor ou condição prévia de servidão, tinham direito ao mesmo tratamento em serviços públicos, como hotéis, transporte público, teatros e outros locais de recreação.

O que se conhece como “Reconstrução” compreende o período entre o final da Secessão, em 1865, e o início da presidência de Rutherford Hayes, 1877, em que os estados da Confederação derrotada estiveram sob intervenção militar e somente poderiam reingressar na União mediante o cumprimento das três emendas. Em 1877, com a finalidade de receber o reconhecimento de sua vitória numa eleição bastante acirrada, Hayes concordou em dar fim à Reconstrução e, através do Compromisso de 1877, encerrou a intervenção militar no Sul.

Os democratas acabaram por recuperar o poder nos estados sulistas e passaram a criar leis conhecidas como Jim Crow[11], resultando na diminuição da participação política da maioria dos negros e de muitos brancos pobres. Em 1896, a decisão da Suprema Corte[12] de derrubar a Lei dos Direitos Civis legitimou uma série de leis estaduais que separavam fisicamente pessoas brancas e negras. O argumento da Corte foi que a 14ª Emenda não proibia a discriminação por indivíduos ou empresas privadas, declarando a lei inconstitucional. Essa decisão abriu espaço para que a segregação virasse uma política comum em muitos estados do país.

Como exemplo do que foi exposto acima, cabe citar o caso da Louisiana no imediato pós-Guerra Civil. Tendo tomado o lado dos Confederados, o estado foi invadido por tropas da União, que garantiram a transição do trabalho escravizado para o livre, bem como uma considerável ampliação da participação política e cidadã da comunidade negra local. De acordo com Scott (2005), isso permitiu que ex-escravos atuassem pela primeira vez na condição de eleitores e candidatos, sendo que nas eleições de 1867, para uma nova Assembleia Constituinte, o Partido Republicano venceu em praticamente todos os distritos, e metade dos 98 assentos foram ocupados por cidadãos com alguma ascendência africana. Tal conquista permitiu que uma nova Constituição Estadual fosse publicada, que garantia que todos os cidadãos, a despeito de raça, desfrutassem dos “mesmos direitos e privilégios civis, políticos e públicos, e fossem sujeitos às mesmas penalidades” (SCOTT, 2005, p. 42, tradução nossa).

Entretanto, por mais que a Constituição de 1868 tenha ampliado o sufrágio universal, permitido casamentos inter-raciais e universalizado direitos a despeito da cor ou raça dos cidadãos, ela teria sido uma “criança linda que morreu jovem” (SCOTT, 2005, p. 46, tradução nossa). O sucesso eleitoral da comunidade negra na Louisiana, que chegou a eleger deputados e senadores, gerou uma resposta de milícias formadas por supremacistas brancos que, com a redução da presença das tropas da União no estado, foram crescendo e espalhando terror e violência. Os últimos pregos no caixão dessa breve experiência democrática foram martelados com a promulgação das leis Jim Crow, a partir de 1877, e a imposição de novas dificuldades para a participação eleitoral da comunidade negra.

Entre a aprovação da 13ª Emenda, em 1865, e a Lei dos Direitos Civis de 1964, há uma conjuntura em que os destinos da população negra foram bastante presentes nos inaugurais: do primeiro inaugural de Ulysses Grant, em 1869, até a posse de William Taft, em 1909[13]. A maioria das falas citou diretamente a situação das pessoas negras, solicitando o cumprimento da 15ª Emenda, debatendo o livre exercício do sufrágio e vinculando-o a requisitos de alfabetização, renda e outros impeditivos. Além disso, pediam união e compaixão entre as raças e demonstravam a inércia do governo federal em fazer valer, de fato, todos esses preceitos[14]. Os dez discursos inaugurais selecionados para essa etapa da análise nos permitem debater cinco temas.

O primeiro tema refere-se à retórica da obrigação dos estados em cumprirem a 15ª Emenda. Isso foi reiterado por Grant, 1869, Garfield, 1881, Cleveland, 1885 e 1893 e Harrison, 1889. Sobre esse tema, serve como ilustração a fala de Garfield, que mobilizou a subnarrativa do “nascimento da América” para solicitar a obediência às emendas e apontou que isso faria desaparecer o fantasma da Secessão:

A vontade da nação, falando com a voz da batalha e por meio da Constituição emendada, cumpriu a grande promessa de 1776 ao proclamar a ‘liberdade em toda a terra a todos os seus habitantes’. A elevação da raça negra da escravidão aos plenos direitos de cidadania é a mudança política mais importante que conhecemos desde a adoção da Constituição de 1787. NENHUM homem sério pode deixar de apreciar seu efeito benéfico sobre nossas instituições e nosso povo. Ela nos libertou do perigo perpétuo de guerra e dissolução [...]. Tanto quanto minha autoridade pode legalmente estender, eles devem gozar da proteção plena e igual da Constituição e das leis. (UNITED STATES, 1881, tradução nossa)

Quase três décadas depois de Garfield, a questão não estava resolvida. Em uma longa fala, o presidente Taft, em 1909, deixou claro que o alcance das 14ª e 15ª Emendas estava longe da população negra. O presidente lembrou que “embora a Décima Quinta Emenda não tenha sido geralmente observada no passado, deveria ser” e afirmou que “a legislação sulista hoje é em direção à promulgação de qualificações eleitorais que se enquadrarão nesta emenda.” (UNITED STATES, 1909, tradução nossa). O presidente discursou de forma otimista: para ele, tanto o cumprimento da lei quanto sua justa aplicação eram apenas uma questão de tempo.

O segundo tema diz respeito à desobrigação do governo federal em fazer valer a aplicação dessas emendas: apesar da insistência pela obediência à 14ª e 15ª, as falas de Grant, 1873, Hayes, 1877, Harrison, 1889 e Taft, 1909 demonstraram que o governo federal deixou a questão para ser resolvida pelo “bom senso” dos estados. Além disso, explicitaram que a União faria pouco ou nada para fazer valer os direitos da população negra. Isso ficou claro na fala de Grant, em 1873, ao dizer que “a igualdade social não é um assunto a ser legislado, nem devo pedir que nada seja feito para melhorar o status social do homem de cor, exceto para dar uma chance justa de desenvolver o que nele há de bom.” (UNITED STATES, 1873, tradução nossa).

Hayes, em 1877, enfatizou que, embora o governo federal tivesse a “obrigação moral de empregar seu poder constitucional e influência para estabelecer os direitos das pessoas que emancipou e protegê-las no gozo desses direitos”, os males que afligiam os estados do Sul somente poderiam ser resolvidos localmente (UNITED STATES, 1877, tradução nossa). O que o presidente se propôs foi “usar toda influência legítima em favor de um governo local honesto e eficiente como o verdadeiro recurso desses estados”. Para que esse esforço chegasse a um bom resultado, contava com a usual “cooperação cordial de todos os que prezam pelo bem-estar do país, confiando que os laços partidários e o preconceito de raça serão livremente renunciados em nome do grande propósito a ser realizado.” (UNITED STATES, 1877, tradução nossa). Ao mesmo tempo em que mostrava nada mais do que uma suposta boa-vontade para fazer valer o cumprimento das Emendas Constitucionais, o presidente Hayes destacou a importância da restauração econômica do Sul e que o assunto merecia “o cuidado atencioso do Governo Nacional dentro dos justos limites prescritos pela Constituição e economia pública sábia”. Dessa forma, o presidente se mostrava empenhado na recuperação do desenvolvimento material da região, numa sinalização positiva para as elites sulistas.

Harrison, em 1889, seguiu insistindo na retórica do cumprimento das emendas, mas voltou a afirmar que o sucesso de suas aplicações só não aconteceria por questões de administração local. O presidente disse que “somente a ineficiência das leis estaduais ou uma administração partidária injusta poderiam sugerir um afastamento dessa política.” (UNITED STATES, 1889, tradução nossa).

O terceiro tema é o da unidade. Normalmente mobilizado para tratar de conflitos sociais, apareceu de forma mais detalhada nos discursos de Hayes, 1877, Garfield, 1881, McKinley, 1901 e Taft, 1909. A unidade foi apontada como solução para que os sentimentos racistas e suas consequências sumissem. Hayes proferiu palavras extremamente distantes da realidade de seu país, ao pedir esforços de ambas as raças, movidas por sentimentos “de simpatia e consideração mútua.” (UNITED STATES, 1877, tradução nossa). Garfield foi ainda mais longe: prenunciou um futuro próximo em que as diferenças raciais estariam totalmente superadas:

Meus compatriotas, não diferimos agora em nosso julgamento a respeito das controvérsias das gerações anteriores, e daqui a cinquenta anos nossos filhos não estarão divididos em suas opiniões a respeito de nossas controvérsias. Eles certamente abençoarão seus pais e o Deus de seus pais pela União ter sido preservada, que a escravidão foi derrubada e que ambas as raças foram igualadas perante a lei. Podemos apressar ou retardar, mas não podemos impedir a reconciliação final. Não é possível para nós agora fazer uma trégua com o tempo, antecipando e aceitando seu veredicto inevitável? (UNITED STATES, 1881, tradução nossa)

Vinte anos depois, McKinley foi ainda mais longe. Anunciou que as controvérsias estavam superadas e que o país estava pacificado, ao afirmar que “o seccionalismo desapareceu” e que as velhas diferenças “perturbam cada vez menos o julgamento.” (UNITED STATES, 1901, tradução nossa). Em 1909, Taft imaginou um cenário idílico em que as relações entre as pessoas nos estados do Sul haviam melhorado. Mesmo tendo citado a relutância dos governos do Sul em cumprir a 15ª Emenda e das populações brancas em aceitar pessoas negras em cargos federais na região, o presidente disse que muitos cidadãos brancos do Sul tinham interesse no bem-estar da população negra. Para ele, a comunidade negra poderia basear suas esperanças “nos resultados de sua própria atividade, autocontenção, economia e sucesso nos negócios” e que, certamente, “poderiam contar com a ajuda, conforto e simpatia que possam receber de seus vizinhos brancos do sul.” (UNITED STATES, 1909, tradução nossa).

O quarto tema trata das mudanças no processo eleitoral e na articulação entre eleição e alfabetização como estratégia para conter a participação da população negra na política dos estados. O tema é tratado por Grant, 1873, Hayes, 1877, Garfield, 1881, Harrison, 1889 e Taft, 1909. Pode ser exemplificado pela fala de Hayes, que defendeu a educação universal como solução para o problema, mas deixou as responsabilidades com os estados e, somente se necessário, “complementadas por ajuda legítima da autoridade nacional.” (UNITED STATES, 1877, tradução nossa, grifo nosso).

Garfield, ao mesmo tempo em que pareceu condenar as restrições que seguiam sendo impostas às populações negras, corroborou os argumentos daqueles que tinham a intenção de manter os negros afastados da participação política. O presidente apontou que em muitos lugares um governo local honesto é impossível se a “massa de negros sem educação tem permissão para votar.” (UNITED STATES, 1881, tradução nossa). Em sua visão, isso traria consequências sérias para o sistema político dos Estados Unidos. Para isso, defendeu que “o perigo que surge da ignorância do eleitor não pode ser negado” e que a questão “abrange um campo muito mais amplo do que o sufrágio negro e a condição atual da raça.” (UNITED STATES, 1881, tradução nossa).

Alertando para os males do analfabetismo, Garfield disse ser este um problema que não deveria somente preocupar em relação aos negros, mas sim a toda a população: “O censo já fez soar o alarme nos números assustadores que marcam o quão perigosamente a maré de analfabetismo tem aumentado entre nossos eleitores e seus filhos.” (UNITED STATES, 1881, tradução nossa). Ainda, o presidente disse que para o Sul essa questão era ainda de maior importância, mas que a responsabilidade recaía sobre as populações de todos os estados.

Benjamin Harrison também deixou clara a necessidade do país em ter um eleitorado “qualificado” e que a extensão dos votos aos “ignorantes” poderia ser desastrosa para todos. Para isso, insistiu na educação como salvaguarda: “Se em algum dos estados a segurança pública é considerada ameaçada pela ignorância dos eleitores, o remédio óbvio é a educação.” (UNITED STATES, 1889, tradução nossa).

Vinte anos depois, com William Taft, essa questão ainda estava sendo debatida. Durante esse tempo, muitos estados do Sul aprovaram leis que dificultavam a participação política das pessoas negras. Afirmando não ter “o menor preconceito ou sentimento racial”, o presidente destacou que “o exercício de direitos políticos por aqueles desta raça que são inteligentes e prósperos será consentido e o direito de voto será negado apenas aos ignorantes e irresponsáveis de ambas as raças.” (UNITED STATES, 1909, tradução nossa).

A alfabetização, como vista, foi reiterada pelos presidentes como forma de “qualificar” o eleitorado, ampliado no país após a Guerra Civil. Para as pessoas negras, passou a significar um dos caminhos para a liberdade plena. Eric Foner, historiador e pesquisador da Universidade de Columbia, explica que mesmo antes da Guerra de Secessão, escolas clandestinas já operavam na educação dos negros e foi dessa estrutura que o ensino público passou a se expandir nos estados do Sul. Segundo ele, durante a guerra muitas escolas foram criadas pelo exército da União, inicialmente alfabetizando os soldados negros. Foner também cita a ação do Freedmen’s Bureau, instituição de duração efêmera criada pelo governo dos Estados Unidos para dar suporte variado para os libertos, que entre outras atividades, repassava recursos materiais, financeiros e fornecia transporte para os professores das escolas para negros (SCHOOLS…, 2021).

Foner afirma que, mesmo com a aprovação da 15ª Emenda, as escolas foram segregadas tanto no Norte quanto no Sul e muitas das que atendiam a população negra sofriam atentados, assim como estudantes e professores. Ao mesmo tempo, ressalta que apesar da enorme demanda por educação, a grande maioria da população não encontrava vaga nas poucas escolas que existiam (SCHOOLS…, 2021).

Butchart (2020) também sinaliza para o papel do Bureau na educação negra no Sul do país, mas reconhece que, no estado da Geórgia, o ímpeto primário e a força de sustentação já existiam. Ele destaca que as primeiras escolas do pós-guerra eram antigas escolas clandestinas, operando abertamente a partir de janeiro de 1865. Homens e mulheres negras alfabetizados abriram novas escolas autossustentáveis. Segundo ele, a demanda por educação era enorme entre a população negra, pois os adultos buscavam a educação para si assim como buscavam para seus filhos. Para atender à demanda dos adultos que não podiam frequentar as aulas regulares, os professores organizaram escolas noturnas e aos finais de semana. Ao longo da Reconstrução, os professores relataram que os adultos frequentemente constituíam um terço de seus alunos.

A desigualdade de recursos das escolas é também mostrada pelos documentos digitalizados pelo Virginia Museum of History and Culture, na seção Beginnings of black education (BEGINNINGS…, [2021]). A instituição informa que as escolas negras do Sul muitas vezes dependiam de financiamento de governos estaduais e locais antipáticos à causa e controlados por brancos, o que resultava em programas de educação com menos recursos para alunos e professores. O museu deixa à disposição uma série de fotografias das escolas do final do século 19 na Virgínia, registros da enorme disparidade de recursos materiais entre as escolas para brancos e para negros.

A resistência das pessoas negras por meio da educação tinha inimigos poderosos. Especialmente entre 1890 e 1910, dez dos onze estados que faziam parte dos antigos Estados Confederados da América, começando com o Mississippi, aprovaram novas constituições ou emendas que privaram da participação política a maioria dos negros e dezenas de milhares de brancos pobres, por meio de uma combinação de impostos, testes de alfabetização e compreensão de textos escritos, juntamente com requisitos de residência fixa e de inscrição prévia.

O quinto tema é a violência contra as pessoas negras, consequência direta da forma como os outros quatro foram sendo tratados pela União. A violência é abordada de forma explícita por McKinley, 1897, mas também de forma mais sutil nas falas de Grant, 1873, Hayes, 1877, Garfield, 1881 e Taft, 1909. McKinley, em 1897, marcou a questão dizendo que “os linchamentos não devem ser tolerados em um país grande e civilizado como os Estados Unidos; os tribunais, não as turbas, devem executar as penalidades da lei.” (UNITED STATES, 1897, tradução nossa).

Anos antes, Ulysses Grant, mesmo de forma sutil, havia destacado um outro problema que as populações negras enfrentavam e ainda enfrentariam por muitas décadas: a insegurança ao trafegar pelo país. Em seu segundo inaugural, Grant solicitou o cumprimento da 15ª Emenda para que o “homem de cor” pudesse ter, “quando viajar, [...] a certeza de que sua conduta regulará o tratamento e a tarifa que receberá”. (UNITED STATES, 1873, tradução nossa). Hayes deixou claro que as pessoas negras permaneciam tendo seus direitos “violados e assaltados.” (UNITED STATES, 1877, tradução nossa) e Garfield abordou as denúncias de que os negros estavam sendo impedidos de votar (UNITED STATES, 1881).

Taft foi o primeiro presidente do país a afirmar que os negros “agora são americanos”. O presidente mobilizou a história da escravidão e disse que a população negra ainda sofria com forte discriminação. Enfatizou que os ancestrais das pessoas negras “vieram aqui anos atrás contra sua vontade, e este é seu único país e sua única bandeira”. Acrescentou que estavam ansiosos por “viver e morrer por isso” e que poderiam contar com “nossa profunda simpatia e ajuda na luta que estão travando.” (UNITED STATES, 1909, tradução nossa). Apesar de suas palavras, nada de fato tinha sido levado a cabo pelo governo federal para combater a violência contra a população negra.

As consequências da negligência do poder público em relação às violências sofridas pelas pessoas negras, especialmente no Sul do país, foram amargas. Um dos horríveis casos de violência contra as pessoas negras completou um século de impunidade em 2021 e poderia ser confundido com um roteiro de filme de horror. O fato aconteceu no distrito de Greenwood, bairro que abrigava uma proeminente comunidade negra, apelidada de Black Wall Street, na cidade de Tulsa, Oklahoma.

Segundo Ellsworth (1982), o episódio que provocou o massacre em Greenwood ocorreu em 30 de maio de 1921. Dick Rowland, um engraxate negro de 19 anos, entrou em um elevador e a ascensorista, uma jovem branca chamada Sarah Page, gritou. De acordo com Ellsworth, não se sabe o que causou a reação da moça, mas a explicação mais comum é que Rowland pisou no pé de Page ao entrar no elevador, fazendo com que ela gritasse. O rapaz foi detido e, no dia seguinte, o jornal Tulsa Tribune noticiou que ele havia tentado estuprar Page e informou que seu linchamento aconteceria naquela noite. Uma multidão de brancos se concentrou em frente à cadeia, exigindo que o xerife entregasse o rapaz para linchamento. Ao saber disso, dezenas de homens negros de Greenwood, muitos deles veteranos da Primeira Guerra Mundial que estavam armados, dirigiram-se até a cadeia para ajudar a proteger Rowland. A ajuda foi recusada pelo xerife. Quando os homens negros estavam indo embora, um homem branco tentou desarmar um veterano negro e um tiro foi disparado.

Iniciado o tumulto, frustrados por não terem conseguido linchar Rowland, brancos armados começaram a atacar negros aleatoriamente, atirando contra pessoas e casas. As autoridades pouco fizeram para conter o conflito, concentrando-se em proteger bairros com moradores brancos que não estavam sob ataque (ELLSWORTH, 1982).

Mas o horror se espalhou pela madrugada e resultou na queima de casas e estabelecimentos comerciais em Greenwood, além de uma chacina de proporções gigantescas. Sobreviventes relataram ter visto homens, mulheres e crianças mortos a tiros ao tentar escapar das chamas, entre eles A. C. Jackson, renomado cirurgião negro, que foi alvejado ao sair de sua casa, com as mãos para cima, para se render a um grupo de homens brancos. O Corpo de Bombeiros não respondeu aos chamados de emergência. Os horrores só pararam no dia seguinte e as seguradoras não quiseram arcar com os prejuízos (ELLSWORTH, 1982).

De acordo com o Tulsa Historical Society and Museum, foram vinte e quatro horas de violência. Na esteira da violência, 35 quarteirões da cidade eram ruínas carbonizadas, mais de 800 pessoas foram tratadas por ferimentos e os dados oficiais indicavam 36 mortes. Porém, há diversos relatos locais sobre valas clandestinas que foram abertas para dar sumiço aos corpos. Os historiadores agora acreditam que cerca de 300 pessoas podem ter morrido. O museu apresenta informações do Race Riot Commission, criado em 2001 para investigar o acontecido. Segundo as informações, houve omissão por parte das autoridades e muitos funcionários públicos brancos estiveram envolvidos no massacre.

Como era uma comunidade próspera, muitas casas e estabelecimentos comerciais foram saqueados antes de serem queimados. O relatório informa ainda que nenhum desses atos criminosos jamais foi processado pelo governo em qualquer nível: municipal, condado, estadual ou federal. Mesmo após o restabelecimento da ordem, era política oficial libertar um detido negro mediante solicitação de uma pessoa branca e, então, apenas se essa pessoa branca concordasse em aceitar a responsabilidade pelo comportamento subsequente do detido. A publicação também destaca a atuação da Cruz Vermelha na assistência aos feridos e que as autoridades locais não ofereceram recursos para a reconstrução do distrito, ao contrário, tentaram obstruí-la (THE ATTACK…, 2021).

Considerações finais

A vitória do Norte pode ter restabelecido a União, mas não conseguiu pacificar a sociedade. A resistência das elites sulistas em cumprir com as emendas que instituíram a liberdade e preconizaram os direitos políticos das pessoas negras foi tão forte que a União pouco ou nada fez para conter a reação conservadora e a promulgação de uma série de leis segregacionistas. E, talvez o mais importante para as reflexões deste artigo, parece razoável afirmar que no decorrer de sua história, o Estado estadunidense parece não ter tido verdadeiro interesse em criar instrumentos fortes e sólidos o suficiente para erradicar a presença de grupos supremacistas e antidemocráticos no seio da sua sociedade, ou mesmo dentro da própria democracia representativa. Ou seja, do sangrento conflito e da Reconstrução restaram “feridas abertas” e processos “inconclusos”. Desde a ascensão de Trump à presidência, essas inconclusões ficaram mais evidentes e voltaram para assombrar o debate público. Os eventos de 06 de janeiro de 2021 são uma ilustração de que essas inconclusões retratam um trauma profundo para a população negra dos Estados Unidos. Isso pode ser explicitado, principalmente, em três aspectos.

Primeiro, o racismo estrutural nos Estados Unidos é tão forte que foi/é responsável por conferir lentidão ao processo de consolidação da democracia representativa. Ambos os eventos, tanto em 1861 quanto em 2021, demonstram que as ideias de supremacia branca são capazes de desencadear ações de desmonte de um sistema político que, salvas todas as suas contradições, apresenta-se historicamente como sólido e consolidado, tanto que foi responsável por conferir às elites estadunidenses a capacidade de direcionar os rumos da história.

O segundo deles diz respeito à consolidação do racismo institucional. Os acordos políticos em nome da manutenção do poder das elites e do status quo conseguiram se sobressair aos ideais de igualdade e cidadania preconizados nas Emendas à Constituição. A tolerância com as leis Jim Crow e com a violência demonstram que, a despeito de toda a agitação política da segunda metade do século 19 e da primeira década do século 20, a “perfeição” da democracia representativa manteve seu caráter discriminatório e elitista, cristalizando no país um modus operandi cruel em relação à população negra. O país se “reconstruiu” sobre as mesmas bases e os Estados Unidos continuariam – e continuam – sendo palco de horrorosas cenas de violência racial. Isso tem enormes consequências para a sociedade estadunidense, pois atitudes antidemocráticas e racistas permanecem fortes – e normalizadas – no tecido social dos Estados Unidos até o tempo presente.

O terceiro aspecto é que os traumas causados à população negra estão consolidados na longa duração, ou seja, seguem sendo reproduzidos e ressignificados geração após geração. Isso permite que as gerações que não viveram a escravidão e a Secessão sigam vivenciando cruéis casos de violência racial. Entre as mais recentes, no dia 25 de maio de 2020, ganhou destaque global o covarde assassinato de George Floyd, homem negro, pelo policial branco Derek Chauvin, na cidade de Minneapolis. O crime faz parte de um conjunto de abusos e violências de ordem institucional sofridas pela população negra durante séculos. Tais fatos evidenciam uma cidadania ainda incompleta, frágil e recorrentemente violada. Entretanto, as manifestações do movimento antirracista Black Lives Matters, dentro e fora dos Estados Unidos, em combate ao racismo estrutural e institucionalizado, colocam a democracia representativa estadunidense em debate.

As falas dos presidentes no “dia da inauguração” embasam o exposto acima. A receita para a superação dos conflitos foi sempre a mesma: unidade. Apesar de citarem a permanência da violência e da segregação, quando os presidentes insistiam em “soluções locais” para os problemas, deixavam nítido o descaso com a sorte daquela população. Isso potencializou o crescimento e o estabelecimento de grupos supremacistas que aterrorizavam pessoas negras com a conivência das autoridades locais e das populações brancas, que pouco ou nada fizeram para interromper a escalada da violência após a Guerra Civil. Essas atitudes foram responsáveis por consolidar o racismo estrutural no seio da democracia estadunidense e, como diria Braudel (1990, p. 14), torná-lo uma daquelas estruturas “dotadas de uma vida tão longa que se convertem em elementos estáveis de uma infinidade de gerações”.

Assim, a história segue passando lentamente na maior potência que o mundo já conheceu e seu Estado continua servindo à perpetuação de privilégios de raça, gênero e classe. O discurso de Gettysburg, proferido pelo presidente Lincoln durante a Guerra Civil, em 1863, atestava a necessidade do país se unir em uma democracia construída do povo, pelo povo e para o povo. Em 2022, grande parcela da população negra dos Estados Unidos ainda aguarda o seu momento de participar de forma ativa do “sonho americano” e, quem sabe, torná-lo algo mais próximo da realidade cotidiana de pessoas historicamente excluídas.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Os inaugurais são os discursos feitos pelos presidentes nas cerimônias de suas posses, conhecidas como Inauguration Day. Normalmente são proferidos após o juramento para o exercício do cargo. Todos os documentos estão disponíveis on-line, graças aos esforços das pessoas que trabalham em dois projetos: o The American Presidency Project, da Universidade da Califórnia – Santa Bárbara, e o The Avalon Project, da Universidade de Yale.
2 Estamos utilizando aqui as diferentes durações do pensamento braudeliano. Para Braudel (1990), o tempo breve, “a mais caprichosa, a mais enganadora das durações” (p. 11), diz respeito aos acontecimentos, é o tempo “do cronista, do jornalista” (p. 10). As conjunturas, segundo ele, dizem respeito ao conjunto de algumas décadas, um movimento geral que aglutina uma série de acontecimentos e que, de certa forma, representa um todo, um ciclo. A longa duração diz respeito às estruturas sociais, “indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitetura; mais ainda, uma realidade que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar. Certas estruturas são dotadas de uma vida tão longa que se convertem em elementos estáveis de uma infinidade de gerações: obstruem a história, entorpecem-na e, portanto, determinam o seu decorrer” (BRAUDEL, 1990, p. 14).
3 Ao contrário do que ocorre nas outras duas grandes narrativas em relação às suas subnarrativas, na grande narrativa do “panteão político-religioso incontestável” as duas subnarrativas não estão ligadas a conjunturas específicas. Ou seja, têm sido utilizadas ao longo do tempo pelos presidentes, principalmente quando a intenção é construir e justificar políticas domésticas e externas sobre os acontecimentos de seus tempos, buscando sustentar-se na unidade do povo em torno desses valores (ROCHA, 2021).
4 Possui duas subnarrativas conjunturais: “união mais perfeita ameaçada”, do início da República ao desfecho da Secessão; “renovação americana”, dos Direitos Civis até o presente (ROCHA, 2021).
5 Possui duas subnarrativas conjunturais: “América como liderança inspiradora”, das décadas finais do século 19 aos anos 1960, período em que o país esteve à frente da liderança da economia-mundo; “América como superpotência”, insistida do início do século 20 aos anos 1960, ilustrando a força do país no desenrolar das Guerras Mundiais e nos anos iniciais da Guerra Fria (ROCHA, 2021).
6 Rocha (2021) apresenta uma discussão ampliada sobre como a população negra nos Estados Unidos figura, juntamente com os nativos americanos, nos piores indicadores econômicos e sociais do país e que, historicamente, o Estado estadunidense é conivente com a manutenção das desigualdades de raça.
7 Segundo Soares (2022, p. 36), “esse processo foi definido como transmissão intergeracional, que permite que acontecimentos traumáticos sejam comunicados àqueles que não o vivenciaram, por intermédio de comunicação verbal e não verbal [...]. Existem duas formas de transmissão do trauma histórico: a transmissão intergeracional e a transmissão transgeracional; ambas podem provocar modificações profundas no funcionamento do grupo e de seus indivíduos, com a consequente retraumatização dos seus membros. Dessa forma, a violência sofrida pelos membros de um grupo social pode ser retransmitida, de maneira simbólica, aos indivíduos das gerações subsequentes, que atualizam não só o núcleo do trauma, como produzem a sintomatologia correspondente”.
8 A batalha de Fort Sumter (12 a 14 de abril de 1861), foi o confronto inicial da Guerra Civil, na entrada do porto de Charleston, na Carolina do Sul. Embora o Fort Sumter não tivesse nenhum valor estratégico para o Norte – estava inacabado e seus canhões voltados para o mar em vez de para as baterias da costa confederada –, ele tinha um valor enorme como símbolo da União (BATTLE..., 2020).
9 Outro exemplo é caso do Texas, o documento “Uma declaração das causas que impelem o estado do Texas a se separar da União Federal”, publicado em 02 de fevereiro de 1861, afirmou a escravidão como natural e divina (CONFEDERATE..., 2008b).
10 Em Rocha (2021), tem-se uma análise detalhada dos discursos inaugurais do primeiro século de existência da República. Os discursos foram marcados pela constante referência às divergências entre as elites políticas dos estados e sobre o questionamento dos limites do poder da União Federal. Os discursos mostram que, à medida que avançava o processo de conquista territorial a Oeste, mais calorosas eram as referências a essas tensões. A partir de 1837, apontam diretamente para o perigo seccional derivado dos debates sobre a existência e a expansão do sistema escravista. Os trechos trazidos para o presente artigo ilustram essas situações.
11 O termo tem origem na década de 1820, quando o comediante branco Thomas Rice criou a personagem Jim Crow. Esta personagem estereotipada tornou-se uma figura comum nos espetáculos teatrais de comédia – e um apelido amplamente usado para descrever pessoas de ascendência negra (BLAKEMORE, 2020).
12 Plessy v. Ferguson (de 1896) foi um caso marcante para o contexto, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu sobre a constitucionalidade do direito dos estados da União em impor a segregação racial em locais públicos sob a doutrina do separate but equal (BROWN..., [2021]).
13 Entre o inaugural de Wilson (1913) e John Kennedy (1961), falas sobre a situação das pessoas negras praticamente desapareceram dos discursos. O tema volta com força a partir do inaugural de Lyndon Johnson, em 1965, e permanece frequentemente abordado até o presente. Rocha (2021) analisa a conjuntura entre 1965 até o presente como a subnarrativa da “renovação americana”, dentro da segunda grande narrativa da identidade estadunidense, da “excelência das instituições e do modelo perfeito de democracia” (ROCHA, 2021).
14 São dez falas: Ulysses Grant (UNITED STATES, 1869; UNITED STATES, 1873), Rutherford Hayes (UNITED STATES, 1877), James Garfield (UNITED STATES, 1881), Grover Cleveland (UNITED STATES, 1885; UNITED STATES, 1893), Benjamin Harrison (UNITED STATES, 1889), William McKinley (UNITED STATES, 1897; UNITED STATES, 1901) e William Taft (UNITED STATES, 1909).
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