Seção Temática - Infâncias e Juventudes: Perspectivas Transnacionais e Interseccionais

Nas páginas dos processos judiciais: crianças e adolescentes, suas vozes, participação protagônica e contraconduta1

In the pages of legal cases: children and teenagers, their voices, leading participation and counter-conduct

Elisangela da Silva Machieski
Universidade Estadual do Norte do Paraná, Brasil

Nas páginas dos processos judiciais: crianças e adolescentes, suas vozes, participação protagônica e contraconduta1

Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 36, 0202, 2022

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 11 Noviembre 2021

Aprobación: 16 Marzo 2022

Resumo: O presente trabalho visa articular algumas experiências do público infantojuvenil, encontradas em meio a processos judiciais, para compreender como crianças e adolescentes institucionalizados lidavam com as decisões tomadas pelos adultos, sejam eles familiares, funcionários do abrigo ou operadores do Direito. Para alcançar tal objetivo, parte-se das seguintes perguntas: Em que ocasiões as crianças/adolescentes abrigados foram escutados? Quem os escutava? Sobre o que falavam? O que os adultos faziam em relação ao que ouviam? E, quando não eram ouvidos, que estratégias utilizavam? A ideia é apresentar a perspectiva infantojuvenil, suas ações, estratégias, sentimentos, apontando-os como sujeitos históricos. Elegeram-se como fontes documentais 36 processos judiciais da Vara da Infância e Juventude de Criciúma, datados da década de 1990. Tal recorte temporal esteve pautado na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente e na premissa de compreender como e em quais situações as oitivas aconteciam. O Estatuto, Lei 8069/90, estabelecia que os adolescentes fossem previamente ouvidos e tivessem a sua opinião considerada em caso de colocação em família substituta. No entanto, os casos aqui analisados apontam para um cenário em que a oitiva não era uma prática constante nos primeiros anos da década de 1990, quadro que foi sendo alterado nos primeiros anos de 2000. Essa experiência de passado fez com que um novo horizonte, aos poucos, se fosse moldando, resultando na implementação da Lei 12.010/09; a partir daí, outros princípios foram incluídos no procedimento de oitivas do público infantojuvenil.

Palavras-chave: história da infância e juventude, participação protagônica, contraconducta, processos judiciais.

Abstract: This research aims to voice some experiences of the juvenile public found on legal cases in the '90s, to understand how institutionalized children and teenagers dealt with the choices taken by adults, whether they were relatives, shelter counselors, or legal professionals. To reach this goal, the following questions were asked. Which cases were the children and teenagers heard? Who did listen to them? What did the adults do about what they heard? And, when they were not listened to, what did they do? The main idea is to present the children and teenagers' perspective, their actions, strategies, and feelings, and to describe them as historical subjects and social actors of their time. From this perspective, this article was divided into three parts. In the first part, the concept of leading engagement and the relationship between the separate concepts of engagement and leadership were presented. In the second part, the focus was the analysis of the listenning process, where the children and teenagers spoke, and the adults listened; whether at legal hearings or everyday conversations. The last part focus in the refusal to listen, in the choices imposed by the adults, and in the children and teenagers' reactions accordingly to their field of experience and expectative horizon.

Keywords: history of childhood and youth, leading engagement, counter-conduct, legal cases.

Renato2, 10 anos, decidiu que não iria à escola naquela tarde de inverno. Essa ação, que aconteceu no dia 9 de julho de 2001, foi chamada por Renato de “fuga da escola”. Ao chegar a sua casa, a madrasta e o pai já o esperavam e lhe aplicaram, como punição, uma enorme surra. No dia seguinte, a professora, ao ver o corpo do menino cheio de hematomas, acionou o Conselho Tutelar; as conselheiras conversaram com o menino e o acompanharam até a Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança e ao Adolescente, para que registrasse um boletim de ocorrência.

No depoimento que deu aos representantes do Conselho Tutelar, o menino afirmou que quando chegou, depois de ter fugido da escola, o pai e a madrasta já o esperavam na frente da casa e pai lhe disse: “Se eu te pegar para bater, eu vou é te matar”3. A tarefa ficou com a madrasta, ela procurou uma cinta e não encontrou; então, pegou uma correia de bicicleta e foi com esse objeto que bateu no menino. Renato disse que a casa se encheu de gente para ver a cena e que ninguém fez nada. O menino acrescentou que, no dia dessa surra, o pai ficou sentado enquanto olhava a agressão.

No final desse mesmo dia em que houve a visita das conselheiras, o menino foi deixado no Abrigo do Menor. Renato recusou-se a dormir no abrigo; pediu que fosse levado para a casa de uma das merendeiras da escola onde ele estudava. As técnicas do abrigo não conseguiram negociar com o menino e tiveram que acionar o Conselho Tutelar; Renato foi levado para a casa de Marta (a merendeira) e lá dormiu. No dia seguinte, foi para a escola e acordou com as representantes do Conselho que ficaria na casa de sua avó. Entretanto, o menino não passou uma noite sequer na casa da avó, pois, naquele mesmo dia ela o encaminhou até a casa do pai. Renato não aceitou ficar institucionalizado; também não queria ficar na casa da avó. Voltou para a casa do pai e da madrasta e lá permaneceu.

Dois meses se passaram, quando no dia 9 de setembro foi realizada uma audiência que teve como pauta a agressão sofrida pelo menino. O pai, a madrasta e Renato foram escutados. O menino confirmou que fora vítima de violência, reforçou que o objeto utilizado foi uma correia de bicicleta e que nunca mais fora agredido. Até esse momento da oitiva, todos os depoimentos convergiam. Pai, madrasta e Renato haviam narrado os depoimentos de maneira semelhante. No entanto, perante o juiz, ao ser indagado sobre a presença do pai no momento da surra, Renato afirmou – ao contrário do pai e da madrasta – que “no dia que apanhou seu pai estava trabalhando [...] que naquele dia o pai não estava perto de casa”4.

Em relação à violência que sofreu, Renato foi ouvido em dois momentos. Em sua primeira fala à equipe do Conselho Tutelar, afirmou que o pai havia presenciado a agressão. Passados dois meses, Renato garantiu, em sua oitiva, que o pai não estava presente no momento da violência. O garoto deu duas versões diferentes sobre um mesmo fato. A conversa com as conselheiras tutelares aconteceu no calor do momento. Possivelmente, o menino se sentia com raiva ou injustiçado por ter sido agredido com tamanha violência e, por isso, falou a “verdade”. No entanto, percebeu, em seguida, que tal afirmativa resultou em seu abrigamento. O menino parecia ter consciência de que a mudança em seu depoimento seria uma maneira de ficar com a família. Talvez por isso, além de afirmar que seu pai não esteve no momento da agressão, ele repetiu essa informação por três vezes.

Renato – assim como as outras crianças e adolescente que fizeram parte desse enredo – foi abrigado5 em uma instituição da cidade de Criciúma6. A opção de iniciar este trabalho com a narrativa de um momento da vida de Renato visa apresentar um olhar diferenciado que permitisse perceber possíveis vontades, desobediências, tristezas, alegrias, decepções, conquistas de crianças e adolescentes institucionalizados. A ideia aqui foi dar ênfase às experiências do público infantojuvenil, encontradas em meio de processos judiciais datados da década de 19907, para perceber como as crianças e adolescentes lidavam com as decisões tomadas pelos adultos, sejam eles familiares – consanguíneos ou substitutos – funcionários do abrigo ou operadores do Direito.

Aqui, coube uma mirada cuidadosa para que a abordagem não ficasse apenas calcada nas crianças e adolescentes como meros receptores de regras e decisões de um mundo adultocêntrico. Era chegado o momento de pensá-los como atores sociais. Nesta perspectiva, buscou-se analisar diferentes matizes relacionados ao seu ato de fala e à recepção do mundo adulto por meio da escuta. Para alcançar tal objetivo, parte-se das seguintes perguntas: Em que ocasiões as crianças e os adolescentes abrigados foram escutados? Quem os escutava? Sobre o que falavam? O que os adultos faziam em relação ao que ouviam? E, quando não eram ouvidos, que estratégias foram utilizadas?

Por esse caminho, com base nessas indagações, o presente artigo foi dividido em três partes. Na primeira, busca-se descrever o cenário em que nasceu o conceito de participação protagônica e a relação estabelecida com os conceitos de participação e protagonismo. Na segunda, o foco foi ajustado para analisar o procedimento de escuta, no qual crianças e adolescentes falavam e os adultos ouviam; seja por meio das oitivas presentes nos processos judiciais ou por meio das escutas cotidianas registradas nos relatórios psicológicos e sociais. Em ambos os casos, o problema central foi analisar a relação entre o que a criança/adolescente falava e os encaminhamentos dados pelos adultos/profissionais para essas escutas. A última parte do artigo está focada nas ações do público infantojuvenil quando não escutado, ou que, quando escutado, não teve seus interesses priorizados. As crianças ou adolescentes, diante das decisões impostas pelos representantes do Poder Judiciário no cenário acima descrito, reagiram mediante seu campo de experiência e seu horizonte de expectativa.

Conceitos em debate: participação, protagonismo e participação protagônica

Renato nem havia nascido quando, em 1989, a Convenção sobre o Direito da Criança fora aprovada na ONU. Foi a partir daí que emergiu a possibilidade de crianças e adolescentes passarem a ser reconhecidos como sujeitos de direitos. O surgimento dessa nova perspectiva jurídica sobre infância oferecia ao público infantojuvenil a prerrogativa de participar. O texto da Convenção, embora não proporcione uma definição sobre participação, apresenta alguns artigos que permitem pensá-la como direito infantojuvenil. Exemplo disso são os Artigos 12, 13, 14 e 15, que tratam, respectivamente, da temática de liberdade: de opinião, de expressão, de pensamento e de associação. Esse conjunto de direitos rompia com o silêncio secular imposto ao público infantojuvenil, pois chegara para ele o momento de falar, e, principalmente, de ser escutado. A preocupação com esse novo cenário talvez explique a dedicação de estudiosos, ao longo da década de 1990, à temática da participação e protagonismo infantojuvenil8.

Protagonismo e participação foram conceitos precursores no processo de mudança – a partir da Convenção – na relação estabelecida entre crianças, adolescentes e adultos. No entanto, é preciso reforçar que, embora possam ser interpretados como conceitos que se complementavam, não eram, ao menos em grande escala, utilizados dessa maneira. Os grupos de investigadores optavam pelo emprego de um dos termos, justificando seu uso e apontando os problemas relacionados ao outro. Foi tendo em vista essa dualidade que surgiu a expressão participação protagônica, conceito que será utilizado no decorrer desta narrativa. Antes de apresentá-lo, convém realizar um pequeno trajeto entre os termos participação e protagonismo, para compreender o contexto, a apropriação e as dificuldades – ou dualidades – ao se utilizar cada conceito.

O termo participação, segundo Roger Hart, especialista em direito da infância, pode ser compreendido como processo de compartilhamento de decisões que afetam as esferas da vida particular e da comunidade em que cada criança e/ou adolescente está inserido. O autor destaca existirem divergências quanto ao grau de participação do público infantojuvenil. Foi assim que Hart apresentou a teoria da escada da participação, trabalho que acabou por se consagrar em um clássico sobre a temática.

Essa escada era composta por oito degraus, divididos em dois grupos: níveis de não participação e níveis de participação. Os três primeiros degraus faziam parte do que o autor denominou não participação; essa esfera englobava: a manipulação, a decoração e a participação simbólica. A segunda parte da escada era constituída por cinco níveis, que correspondiam aos degraus da participação: informação; consulta e informação; quando iniciada por adultos, com decisões compartilhadas entre um lado e outro: iniciado e dirigido pelo público infantojuvenil, ou iniciado por crianças e adolescentes, com decisões compartilhadas entre crianças e adultos (HART, 1993).

O conceito de participação infantil ganhava cada vez mais espaço na década de 1990. Afinal, essa era uma das ideias-chave da Convenção sobre os Direitos das Crianças. A participação infantil em suas variadas formas estava garantida por meio desse texto, que foi articulado durante toda a década de 1980. Foi assim que, em dezembro de 1998, um grupo de dirigentes da Unicef, vinculados à Save the Children/Rädda Barnen9 e a ONGs latino-americanas organizaram um seminário em Bogotá, capital da Colômbia. O objetivo do encontro foi articular, apoiar e discutir iniciativas relacionadas à participação infantojuvenil na América Latina.

Tal evento resultou em uma publicação intitulada La participación de niños y adolescentes en el contexto de la Convención sobre los derechos del niño: visiones y perspectivas. Esse documento, que apontava a participação infantojuvenil como um terreno de novidades, trouxe consigo outro conceito: protagonismo. O texto, de autoria do investigador social Ángel Gaitán, apontava o protagonismo infantojuvenil como um processo social, no qual crianças e adolescentes desempenhavam papéis principais no que se referia ao desenvolvimento de sua vida e ao seu entorno (GAITÁN, 1998).

Se, por um lado, os conceitos de participação e protagonismo foram de fundamental importância dentro do contexto em que surgiram, por outro, foram também alvo de problematizações de caráter epistemológico. Cada autor/a, ao eleger o conceito que utilizaria em suas investigações, apontava, além dos motivos pelos quais realizara a escolha, os problemas do outro conceito. Para exemplificar, utilizo, de um lado, Manfred Liebel e a problematização semântica da palavra participação, que, segundo o autor, é um conceito extremamente amplo e que poderia abarcar uma gama de significados.

Participação infantil, segundo Liebel, poderia variar de algo simplório, como ler um discurso que já estivesse pronto, quanto algo mais complexo, como participar de maneira democrática de uma decisão. Além disso, afirma que a participação pode ser ativa ou passiva, voluntária ou obrigatória, e que, embora tenha um caráter positivo, pode ser utilizada para algo abominável (LIEBEL, 2007). O sociólogo alemão, não muito distante do conceito apresentado por Gaitán, afirma que o protagonismo infantojuvenil se manifesta quando crianças e adolescentes se entendem como sujeitos sociais e se sentem capazes de interferir na realidade em que estão inseridos e transformá-la (LIEBEL, 2003).

Por outro lado, a psicóloga Yolanda Corona Caraveo e a pedagoga Maria Morfín Stoopen apontam o termo protagonismo infantil como problemático. Para elas, o protagonismo pode mascarar a participação de crianças e adolescentes em atos cívicos ou políticos que apenas propagam ideias já prontas. A ideia de protagonismo aponta para a utilização de crianças e adolescentes como “massa de manobra”, pequenos fantoches de um mundo adultocêntrico. Há, ainda, uma segunda vertente, que apresenta a concepção de protagonismo associada à decisão das crianças e adolescentes sem nenhuma interferência dos adultos, uma inversão do mundo adultocêntrico para a infantocracia (CORONA; MORFÍN, 2001).

A utilização dos conceitos de participação e/ou protagonismo infantojuvenil, entre possíveis equívocos e acertos, tem por objetivo principal (re)pensar o lugar do público infantojuvenil e sua relação com os adultos. Foi nesse cenário que surgiu o termo participação protagônica. Essa perspectiva teórica apresenta as crianças e adolescentes como atores sociais e, principalmente, aponta para uma nova perspectiva relacional entre os seres humanos, uma relação intergeracional planteada na horizontalidade. Assim, participação protagônica, segundo o educador peruano Alejandro Cussiánovich, não pode ser associada apenas ao campo político, mas também a uma expressão do social, manifestada em seu modo de vida, sua identidade, em sua maneira de ser e ver o mundo. O conceito de participação protagônica está relacionado ao amadurecimento e ao desenvolvimento de um projeto pessoal de vida que, por sua vez, constitui de maneira indissolúvel um projeto social coletivo (CUSSIÁNOVICH , 2009).

O conceito de participação protagônica nasceu, em meados de 2000, na América Latina, mais especificamente dentro do Movimiento de los Niños, Niñas y Adolescentes Trabajadores (NATs)10. O movimento buscava por meio da participação protagônica uma maneira de transformar as relações de poder comumente estabelecidas entre crianças e adultos. Assim, entre crianças e adolescentes trabalhadores, exploradas e marginalizadas – que buscavam estratégias para reivindicar seu reconhecimento como sujeitos de direitos –, surgiu esse conceito. Essas crianças e adolescentes se afastavam da função de apenas concordar ou consentir com determinadas situações para assumir o posto de atores sociais. Exatamente por isso, a utilização de referido conceito era mais que um simples atributo de adjetivação; a participação protagônica foi o pontapé inicial para uma ressignificação das relações estabelecidas com a infância.

Ao eleger o conceito de participação protagônica, além de superar o caráter difuso dos conceitos de participação e protagonismo, compactuo com a visão de que o projeto de vida idealizado pelas crianças e adolescentes abrigados deve ser considerado como relevante no processo de implementação e operacionalização das políticas sociais de abrigamento. Justifico, ainda, a seleção do conceito por ter sido idealizado pelo próprio público infantojuvenil. Diante dessa premissa, utilizo o conceito de participação protagônica com o objetivo de analisar as relações estabelecidas entre as crianças abrigadas e os adultos, com as outras crianças e com o seu entorno.

Aberta a audiência: crianças e adolescentes em oitivas

Um espaço extremamente formal: seguranças na porta principal, uma imensa circulação de pessoas, algumas com gravatas e maletas, outras com algemas nas mãos. Passado o impacto inicial daquele espaço completamente adulto, o fórum se tornava um lugar de curiosidade. Logo ouviam seu nome; significava que era chegado o momento da audiência. Adentravam em uma sala onde estavam algumas pessoas que lhes pediam para falar sobre sua vida, sua rotina, seu pai, sua mãe, seus irmãos, violência, amor, abusos, drogas, nova família. É importante recordar que tal prática, no âmbito do Judiciário, teve origem na Convenção sobre os Direitos das Crianças, que, no Artigo 12, passou a garantir às crianças e aos adolescentes o direito de exprimirem suas opiniões sobre questões referentes ao seu destino (BRASIL, 1990)11.

No caso brasileiro, a oitiva passou a ser um direito do público infantojuvenil em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A referida legislação prevê – no que tange especificamente aos casos de crianças e adolescentes abrigados – oitiva em três casos: a) em casos da suspensão ou perda do pátrio poder; b) em casos de colocação em família substituta, a opinião da criança ou do/a adolescente deveria ser ouvida, sempre que possível; c) e, por fim, no que se referia à colocação em família substituta, especificamente em processos de adoção que envolvessem adolescentes, maiores de 12 anos, devendo esses consentir ou não (BRASIL, 1990)12.

As oitivas aconteciam na presença do juiz de Direito, do representante do Ministério Público, de uma funcionária do abrigo e, em alguns casos, na presença de profissionais técnicos, tais como, psicólogas ou assistentes sociais. A transcrição das falas era realizada em terceira pessoa, constatando-se que, com bastante probabilidade, muitas palavras, frases e expressões das crianças e adolescentes se perdiam em meio ao linguajar técnico. De qualquer maneira, nesse espaço, por meio das histórias de crianças e adolescentes, foi possível compreender quais foram as demandas que resultaram em oitivas durante o processo jurídico e quais os resultados, leia-se, decisões do representante do Poder Judiciário após as escutas de cada criança e adolescente.

Ao realizar a leitura dos 36 processos, em 11 foram identificadas oitivas que envolveram dez crianças/adolescentes, que tiveram suas oitivas registradas durante o período em que estavam abrigados. Alguns foram escutados mais de uma vez, totalizando 18 oitivas: uma, referente à “devolução”; quatro relativas à adoção de adolescentes; uma sobre destituição do pátrio poder; seis relacionadas ao retorno/reintegração para a família consanguínea; seis sobre o processo de encaminhamento para famílias substitutas.

Catarina e Bárbara Angelim13, duas irmãs adolescentes, foram ouvidas juntas em três oportunidades. Nas duas primeiras vezes – em janeiro e dezembro de 2000 –, as oitivas estavam relacionadas a um possível retorno à família consanguínea. Catarina e Bárbara afirmaram que não se sentiam seguras em residir com nenhuma das duas irmãs adultas; ambas afirmaram que gostariam de permanecer no abrigo, pois “lá aprenderam a se educar e são tratadas com amor e carinho” 14. Também foi levantada a possibilidade de que as duas irmãs fossem transferidas para uma família substituta. A resposta das adolescentes foi direta e objetiva: “Somente se as duas fossem encaminhadas para uma mesma família”15.

A terceira oitiva das adolescentes ocorreu em março de 2003. Bárbara e Catarina foram novamente ouvidas juntas; dessa vez, sobre a possibilidade de serem adotadas pelos estrangeiros Ingrid e James, casal que já havia adotado, fazia dois anos, a irmã mais nova das adolescentes, Amanda. No dia 14 de março de 2003, logo depois do almoço, Catarina e Bárbara, acompanhadas por funcionárias do abrigo, partiram rumo ao Fórum da Comarca de Criciúma. As adolescentes entraram juntas na sala, Bárbara falou primeiro: afirmou que aceitava a adoção e que estava ciente do que se passaria em sua vida. Disse, ainda, que já havia passado alguns dias na presença do casal e que gostava deles. Catarina confirmou todas as informações prestadas pela irmã. Ambas manifestaram o desejo de que a adoção pretendida pela família Nogueira fosse concretizada.

Diante de tal informação, somada ao depoimento do casal, o promotor público se manifestou pelo deferimento da guarda provisória por um prazo de convivência familiar de 30 dias. A família encaminhou-se para a cidade de Florianópolis, local onde passaria o período de convivência com as adolescentes. Poucos dias depois, Bárbara mostrou-se muito confusa, ora queria morar no estrangeiro, ora alegava que não sairia do Brasil. Ingrid conversou com a adolescente e a decisão tomada foi que Bárbara voltaria para o abrigo. Fato que deve ter ocorrido antes do final de março, pois no dia 1º de abril de 2003, a adolescente voltou ao Fórum da Comarca de Criciúma e, dessa vez, afirmou que não gostaria de ser adotada e morar em outro país.

Catarina permaneceu com a família por mais alguns dias. Ao regressar a Criciúma, no dia 11 de abril de 2003, foi a sua vez de se apresentar diante do juiz de Direito para a oitiva. Nesse dia, Ingrid e Catarina relataram que não tiveram problemas de adaptação e que sentiam um carinho mútuo. Catarina afirmou que não tinha dúvida sobre a sua adoção, acrescentando, ainda, que a única dificuldade encontrada no relacionamento se devia ao idioma. Nesse mesmo dia, foi decretada a sua adoção e dias depois, mãe e filha partiam rumo ao subcontinente norte-americano, onde encontrariam Amanda e James, a nova família de Catarina.

Catarina, uma adolescente de 17 anos, consentiu com a sua adoção, conforme o Artigo 45 do Estatuto, diante do juiz e do promotor público. Bárbara, 15 anos, também consentiu com a sua adoção; no entanto, dias depois se arrependeu. Uma nova oitiva foi realizada, resultando na desistência da adolescente em relação a ser adotada. A opinião de cada uma das adolescentes foi considerada: Catarina partiu para o estrangeiro, Bárbara voltou para o abrigo.

Assim como Catarina e Bárbara, outros adolescentes foram escutados de maneira oficial pelo juiz da Vara da Infância. Beatriz, Daniel, Andrea e Renato tiveram o foco de sua oitiva pautado no direito à convivência familiar, ou seja, foram ouvidos sobre a probabilidade de regresso à família consanguínea e, em caso de impossibilidade, sobre o encaminhamento a uma família substituta.

Camila Andiroba, 12 anos, e Daniel Imbuía, 9 anos, compartilharam algumas semelhanças em suas trajetórias. Ambos foram abrigados, tiveram seus irmãos adotados enquanto eles entravam e saíam dos abrigos, inclusive por meio de fugas. Apesar desses pontos convergentes, os dois vivenciaram uma diferença fundamental durante suas oitivas. Enquanto Camila afirmou para o juiz, em janeiro de 2000, que, “se pudesse escolher, gostaria de ficar com suas irmãs que já foram adotadas e que moram em outra cidade”16, Daniel afirmara, em agosto do mesmo ano, que gostaria de voltar a viver com sua família consanguínea17.

Nas oitivas, tão importante quanto o falar das crianças/adolescentes, era o fato da escuta. Bárbara afirmou em oitiva que queria ser adotada pelo casal estrangeiro; depois desistiu do processo e em ambos os casos teve seu interesse respeitado. O contrário do que aconteceu em relação à Camila e Daniel. No caso de Daniel, pouco antes da sua oitiva, o pai, que já havia perdido o pátrio poder, demonstrou interesse em reaver a guarda do filho. Um relatório elaborado pelo Serviço Social Forense apontava para um processo de reestabelecimento dos laços familiares por iniciativa do pai18.

Ao que indicava a situação, logo Daniel estaria novamente com seu pai consanguíneo, pois, em julho de 2000, o promotor público apresentou um parecer favorável, afirmando ser “óbvio que, mesmo com a destituição do pátrio poder, nada impede que Daniel retorne ao convívio familiar, se este oferecer condições”19. Daniel falou e foi escutado, mas seu pai não. A ausência do pai do adolescente foi registrada nessa audiência e na seguinte, que deveria acontecer no dia 4 de abril de 2001. O Ministério Público indicou o encaminhamento o adolescente para adoção, o que foi acatado pelo juiz. As informações posteriores presente no auto não permitem identificar o destino de Daniel.

Camila, assim como Daniel, esteve diante de um juiz e um promotor. Ao ser indagada sobre um possível retorno para a casa de sua mãe consanguínea, respondeu que, como apontado nos parágrafos anteriores, gostaria de morar com as irmãs mais novas, que haviam sido adotadas há pouco tempo. Não se sabe ao certo como se deu o procedimento de adoção das irmãs, pois o processo de Camila apresenta algumas informações soltas sobre o caso. Em sua maioria, as menções relacionadas às irmãs aparecem nas falas da adolescente e em uma tentativa de contato realizada pela equipe do abrigo. Além do interesse de Camila e dessa tentativa frustrada de contato, não havia outro caminho; afinal, o Artigo 41 do Estatuto afirmava que, com a adoção, os vínculos anteriores se findavam. Diante de tal situação, a promotora pública afirmava ser “inexplicável que o grupo de irmãos tenha sido desfeito [...] portanto, agora cabe apenas remediar o que já foi feito”20. Camila foi encaminhada a uma família substituta, que nada tinha a ver com a família que havia adotado suas irmãs mais jovens.

No que tange às oitivas relacionadas ao retorno familiar, encontramos os casos vivenciados por Renato Ipê e Andrea Pitangueira, ambos foram escutados e encaminhados para suas famílias consanguíneas. Andrea, 15 anos, era irmã mais velha de Maria Clara, ambas separadas durante a permanência no abrigo. Enquanto a irmã mais nova foi encaminhada a uma família substituta, Andrea continuava no abrigo. A história da adolescente é marcada por violências. Sua mãe, quando jovem, havia sido abusada sexualmente pelo pai, resultando em uma gravidez. Foi assim que nasceu Andrea, que tinha no mesmo homem seu pai e avô. Ao adolescer, passou a ser abusada pelo pai/avô e, temendo que o mesmo acontecesse com sua irmã mais nova, resolveu denunciar os abusos aos quais era submetida. Assim, ambas foram encaminhadas para o abrigo.

Andrea ficou ali por dois anos, quando o abrigo iniciou um trabalho de reinserção familiar com sua tia/irmã, a única que poderia, segundo a equipe do abrigo, ter a guarda da adolescente. No dia 26 de abril de 2000, ela se apresentou no Fórum da Comarca de Criciúma para ser ouvida pelo juiz. Ao ser indagada sobre a possibilidade de ir morar com a irmã, a partir do mês de julho ou agosto daquele mesmo ano, afirmou que preferia “morar com a irmã imediatamente”, apesar de saber que “ela enfrenta algumas dificuldades”21. Em julho, Andrea passou a viver com a tia/irmã, o que durou aproximadamente um ano, quando se mudou para a casa do namorado.

Renato, como vimos no início desta narrativa, também foi ouvido quanto à possibilidade de continuar sob a guarda de sua família consanguínea. O menino, que tinha 10 anos, afirmou que gostaria de continuar a viver com seu pai e a madrasta. Em sua oitiva, ocorrida em 12 de setembro 2001, foi ouvido pelo juiz e afirmou “que levou uma surra da madrasta [...] e que depois que iniciou o processo, as coisas melhoraram em casa. [...] que não quis ficar com a avó porque prefere continuar morando com o pai”22. E assim aconteceu: pai e filho continuaram vivendo juntos.

O último caso a tratar sobre a temática de oitivas refere-se ao tema do encaminhamento a famílias substitutas. Beatriz Romã, 11 anos, foi encaminhada para viver em cinco famílias substitutas. O Artigo 28 do Estatuto, que aborda esse tipo de colocação, por meio de guarda, tutela ou adoção, afirma, em seu inciso primeiro, que, sempre que possível, a criança ou o adolescente deveria ser ouvido e ter sua opinião considerada. Dos cinco encaminhamentos à família substituta ocorridos com Beatriz, dois foram realizados pelo Poder Judiciário. Desses, apenas em um aconteceu oitiva, que resultou no encaminhamento de Beatriz para a casa de Amélia; essa era a segunda vez que a adolescente era encaminhada para a família. Todavia, a estada não teve desfecho positivo porque Beatriz não aceitava que sua irmã, adotada por Amélia, a chamasse de mãe. Para ela, a mãe delas era Cláudia, a mãe consanguínea de ambas.

Anteriormente a esse fato, Beatriz não fora escutada ao ser encaminhada a uma família de Porto Alegre, fator que talvez tivesse evitado que a menina passasse por mais uma “devolução”. Considerando seu caso, tão importante quanto pensar as oitivas, é problematizar os casos de adoção em que crianças e adolescentes não foram escutados. Dentre os processos que envolviam encaminhamento para família substituta e não ocorreram oitivas, estão os casos de Amanda Angelim, Letícia Figueira, Henrique Jerivá e as crianças da família Quaresmeira, mesmo quando tinham idade suficiente para se expressar com facilidade.

Amanda passou por duas famílias substitutas antes de ter concluído seu processo de adoção internacional. A menina tinha 7 anos e não foi escutada em nenhuma das ocasiões. Letícia viveu situação semelhante, pois contava 9 anos quando foi adotada por um casal de uma grande cidade de Santa Catarina e também não foi ouvida. Henrique, aos 4 anos, foi encaminhado a uma família substituta, junto com seu irmão Emanuel, que tinha 2 anos. Em função da sua idade, Henrique não foi escutado. No que se refere às crianças da família Quaresmeira, sabe-se que três das seis foram encaminhadas a famílias substitutas. Bianca tinha 7 anos quando foi encaminhada à família Jatobá; já seu irmão Marcos, aos 5 anos de idade, foi encaminhado à família Araçá. Nenhum participou de oitivas.

O que tinham em comum essas crianças, além de não serem escutadas no âmbito do Judiciário? Todas tinham idade inferior a 10 anos; talvez um ponto crucial a se analisar. Em relação ao grupo constituído por Catarina, Bárbara, Camila, Daniel, Beatriz, Andrea e Renato, em que consistia a diferença? Na faixa etária; enquanto o primeiro grupo era constituído por crianças de até 10 anos, o segundo era formado por adolescentes. Tal demanda pode estar associada ao chamado grau de amadurecimento.

O caso de Bianca parece comprovar a hipótese de que o Poder Judiciário considerava a faixa etária como um fator fundamental no que tange ao discernimento. Bianca tinha 7 anos quando foi encaminhada à família Jatobá. A menina não participou de nenhuma oitiva referente ao encaminhamento à família substituta, mas, aos 14 anos, participou de uma oitiva que teve como tema principal sua devolução pela família que tivera sua guarda nos últimos sete anos. A adolescente considerava a família Jatobá como sua – seu pai, sua mãe e seu irmão. Durante a oitiva, afirmou o seguinte: “que tinha no casal seus pais, mas que não queria mais viver sob seus cuidados, porque ali é chato [...]”; não conhecia seus irmãos biológicos e tinha “consciência que seria encaminhada para um abrigo”23. A menina, chamada de Lívia por sua família substituta, retornou mais uma vez para o abrigo como Bianca.

A oitiva constitui um direito, o direito de ser ouvido. Todavia, o foco aqui não está apenas no desejo de cada um, na escolha que fizeram, mas também em como o Poder Judiciário emprega seus depoimentos. Catarina, Bárbara, Beatriz, Bianca, Daniel, Andrea, e Renato foram ouvidos em audiência e manifestaram seus desejos relativamente a uma expectativa de futuro. Catarina queria ser adotada, e foi. Bárbara não tinha certeza: ora queria, ora não; foi ouvida duas vezes e, nas duas, sua vontade foi respeitada. Bianca afirmou que não queria mais estar com sua família guardiã, e embora a juíza considerasse uma afronta ao direito da adolescente, por perder o “melhor” período para adoção, considerou esse o melhor caminho, pois, poderia ser pior a tentativa de manter esse vínculo por obrigação. Renato, Daniel e Andrea estavam certos do que almejavam: o desejo era continuar em suas famílias consanguíneas. Camila falou que desejava ir morar com suas irmãs menores que haviam sido adotadas; no entanto, tal procedimento não poderia ser realizado, fato que fez com que o juiz a encaminhasse a uma família substituta.

Por meio dos casos listados e analisados, é possível afirmar que a “voz” dos infantes abriu espaço para uma participação protagônica. Fato fundamental no processo de garantia de direitos das crianças e adolescentes abrigados, principalmente pelo direito de expressão sobre questões que lhes diziam respeito, sobre demandas de suas vidas e do seu entorno. No entanto, cabe lembrar que nem toda participação é protagônica. Exatamente por isso, retomamos a teoria da escada proposta por Roger Hart. A oitiva, o ser escutado, é um direito garantido pelo Estatuto, principalmente nos processos que envolvem adoção de adolescentes, pois, de acordo com o Artigo 45, o consentimento nesses casos deve ser de ambas as partes, ou seja, de pais e filhos. Ainda nos casos relacionados ao encaminhamento à família substituta, o Artigo 28, em seu inciso 2º, afirma que sempre que possível a criança ou o adolescente deveria ser ouvido e ter sua opinião considerada.

A expressão “possível” retira o caráter de obrigatoriedade, repassando aos adultos o papel de decidir quais crianças seriam ouvidas. Percebe-se ser o fator etário fundamental para a consideração das querenças infantojuvenis. Mas, além disso, a seleção de quem vai ou não falar, e a condução da oitiva pelos adultos, fere consideravelmente a participação protagônica, fazendo com que o nível de participação localizado no último degrau da escada – no qual se localiza a participação protagônica, ou seja, ativa e com decisões compartilhadas entre crianças e adultos – caia para o primeiro ou segundo degrau, tornando algumas dessas crianças apenas partícipes.

Ainda relacionado às oitivas é importante pontuar que todas aconteceram entre o último ano da década de 1990 e os três primeiros dos anos 2000. Dentre os processos encontrados entre 1995 e 1998, nenhum apresentou oitiva. Posteriormente a esse período, em 1999, aconteceu a primeira oitiva; em 2000, ocorreram nove; no ano seguinte, apenas uma aconteceu; em 2002, foram cinco e, em 2003, duas oitivas.

A análise das informações retiradas dos processos da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Criciúma – anteriormente mencionadas –, apontavam para um determinado cenário: a oitiva não era uma prática constante nos anos iniciais da década de 1990.

Laudos técnicos e a escuta cotidiana de crianças e adolescentes

Era outubro de 1996, um dia depois da comemoração do Dia das Crianças, o Conselho Tutelar recebia uma ligação anônima que denunciava um caso de violência em um bairro de Criciúma. Uma conselheira tutelar se dirigiu até o local, e lá encontrou Ana Luiza Manacá24, de 10 anos. Depois de falar com a mãe, que confirmou a agressão física, a conselheira conversou com Ana Luiza e pediu que a menina levantasse a camiseta. Então, pôde constatar as marcas, e ouviu da menina que aquela não fora a primeira vez que a mãe a castigava daquele jeito. Por essa razão, os membros do Conselho Tutelar resolveram institucionalizar a menina, uma medida de proteção frente à violência sofrida.

O Ministério Público instaurou, com base no relatório elaborado pela conselheira tutelar, um processo de medida de proteção; Ana Luiza ainda se encontrava abrigada quando aconteceu uma audiência. Mariza, sua mãe, afirmou que já havia agredido a filha em outras oportunidades; no entanto, nunca de maneira tão violenta. Alegou que agiu de tal forma para educar a menina25. A mãe considerava a atitude uma forma de educação e completou o depoimento com a afirmação de que não se sentia arrependida: “Agredi e continuarei agredindo, pois quero a minha filha educada e não delinquente”26. No mesmo dia da audiência, 25 de outubro de 1996, foi deferido o desabrigamento de Ana Luiza, para sua reinserção na família consanguínea. A mãe foi advertida quanto às agressões e incentivada a se comprometer a não mais cometê-las.

Ana Luiza não participou de nenhuma oitiva, tampouco esteve em presença de juiz; no entanto, não deixou de ser escutada. Conversou com uma representante do Conselho Tutelar e narrou como havia sofrido a violência por parte de sua mãe. Tal diálogo foi registrado em documento elaborado pela conselheira tutelar. Esses subsídios por escrito são chamados de laudos, relatórios ou pareceres e foram confeccionados por uma pessoa ou por uma equipe, tendo como principal finalidade confeccionar documentos técnicos para informar e dar respaldo ao juiz na tomada de decisão27. A principal atuação nesses casos era da equipe forense, com destaque para os relatórios de estudos sociais. Mas os relatórios e pareceres produzidos pelas conselheiras tutelares e a equipe técnica do abrigo também eram considerados e anexados aos processos judiciários.

Nesse sentido, foram analisados os documentos produzidos por três grupos: conselheiras tutelares, assistência social forense e equipe técnica das instituições de abrigamento, tendo como eixo central da análise o registro de escutas de crianças e adolescentes. O caso de Ana Luiza pode ser interpretado como uma situação extrema, já que o processo de escuta envolvia um ato de violência física. No entanto, outros casos foram utilizados no sentido de demonstrar que as equipes técnicas realizavam escutas cotidianas sobre os mais diversos assuntos.

Em 1995, as crianças da família Amburana28 chegavam ao abrigo Lar Vida Nova pela primeira vez: Carla, Olívia, Karoline e Joel – possuíam 10, 7, 5 e 3 anos, respectivamente. As crianças permaneceram no abrigo por um mês, enquanto sua mãe realizava um tratamento psiquiátrico. O pai foi buscá-las, retirando-as da instituição no final do mês de junho daquele mesmo ano. Depois disso, em 1997, Carla foi abrigada pela segunda vez; o motivo estava associado a um ato de abuso sexual por parte do pai. No final do mês de agosto daquele mesmo ano, Carla retornou para casa com a autorização dos representantes do Conselho Tutelar, pois o pai havia sido enviado para o presídio.

Dias antes de Carla regressar à sua casa, Olívia era enviada à instituição, encaminhada pelo Conselho Tutelar por estar vagando pelas ruas da cidade noite adentro. Karoline e Joel chegaram ao terceiro dia de novembro, sendo retirados de casa devido à falta de higiene, fato identificado em uma visita realizada pelo Conselho Tutelar. As crianças ficaram no abrigo até o Natal, quando tiveram autorização para passar a festividade com a mãe. O acordo estabelecido era que as três crianças deveriam retornar ao abrigo logo após as comemorações natalinas, o que não aconteceu.

Elas somente retornaram ao abrigo no ano seguinte: Olívia e Joel, em meados de março, encaminhados pelo Conselho Tutelar. As crianças ficaram abrigadas durante o restante do ano de 1998. Com o final do ano e a chegada das festividades natalinas, as crianças em uma conversa com a equipe técnica afirmaram que não queriam visitar a mãe, pois ela não acatava os prazos estipulados. A equipe técnica respeitou a decisão das crianças e encaminhou cada uma para a casa de um voluntário do abrigo. Logo depois do episódio das festas de final de ano, uma carta escrita por Carla, possivelmente em meados de janeiro de 1999, chegava às mãos da juíza. Carla escreveu:

Eu gostaria de passar com a minha mãe, ficar lá algumas semanas e voltar no domingo. Juíza, eu prometo que se você deixar eu passar com a mãe, eu cuido dos meus irmãos. Um beijo, juíza29.

Por que Carla decidiu escrever para a juíza? De um lado, a informação encontrada em um relatório social de que Carla se sentia culpada por provocar sofrimento à mãe, pois, na concepção da adolescente, a prisão do pai era de sua responsabilidade; por outro, há a informação de que nenhuma das crianças passou o período natalino de 1998 com a mãe. No entanto, em pouco menos de um mês depois, Carla decidiu escrever uma carta à juíza solicitando estar com a mãe. O que teria levado a adolescente a tomar tal iniciativa? Por que não fez como nas vezes anteriores e conversou com a equipe técnica do abrigo?

Uma segunda informação importante encontrada em um relatório situacional elaborado pela psicóloga da instituição consta que a cada regresso para o abrigo, as crianças precisavam “reaprender novamente noções de higiene, comportamento e convivência”30. Há, então, a possibilidade de que as funcionárias do abrigo tenham informado às crianças que somente com a autorização da juíza elas poderiam passar alguns dias com a mãe. A resposta da missiva chegou no dia 5 de fevereiro e foi positiva. As crianças poderiam passar o final de semana com a mãe e deveriam retornar no dia 7 de fevereiro. No entanto, Karoline preferiu não visitar a mãe. A menina – com 8 anos, frequentava o pré-escolar –afirmou para as técnicas do abrigo que não iria para casa, pois sabia que a mãe não a traria para o abrigo novamente31. Karoline não foi para casa; ficou no abrigo, como era de sua vontade.

Para finalizar o caso da família Amburana, faz-se necessário um salto temporal. Era fevereiro de 2001, Olívia estava com 12 anos e voltou a ser abrigada. No início de 2002, Olívia informou para a psicóloga da instituição que estava preparada para ser adotada por uma ex-funcionária da Abadeus. Segundo o relatório, já existia afeição entre ambas, Olívia chegou a passar alguns finais de semana na casa de sua possível nova família para fortalecer os vínculos afetivos existentes. Mas, a possibilidade da efetivação da guarda não foi levada adiante.

Olívia, ainda em 2002, começou a passar os finais de semana com outro casal, para uma possível adaptação visando à adoção. No início do ano seguinte, em 9 de janeiro, foi encaminhado pelo abrigo um documento à Vara da Infância e Juventude, solicitando que a guarda da adolescente fosse concedida para o casal. No dia seguinte, saiu um despacho do juiz responsável, afirmando que o casal estava com a guarda provisória de Olívia32. A agilidade no procedimento judicial estava, provavelmente, associada ao fato de que Olívia já era uma adolescente de 13 anos. Uma adoção considerada tardia era difícil de ser concretizada, principalmente em âmbito nacional.

Ficou decidido que Olívia iria passar o restante das férias escolares na casa da família. Em abril, a adolescente desistiu da adoção e queria continuar no abrigo, nenhum documento trazia informações sobre os motivos. Em julho do mesmo ano, ela mudou de ideia, falando à equipe técnica da instituição de abrigamento que gostaria de ser adotada pelo casal, que gostaria de passar as férias de julho com eles e passar a morar lá no segundo semestre letivo de 2002. Em novembro, a assistente social da instituição encaminhou um relatório circunstancial à Vara da Infância, informando que Olívia havia, mais uma vez, desistido da adoção e, dessa vez, afirmava que tinha certeza sobre a decisão que tomara. Foram idas e voltas, decisões e desistências. Importa-nos aqui – menos a aparente insegurança – o ato da escuta da equipe técnica, que conversou e respeitou as vontades da adolescente no que se referia ao seu processo de encaminhamento a família substituta por meio de adoção.

A escuta pode ser considerada como uma maneira de criar laços, conectar a criança ou o adolescente que falava ao adulto que escutava; era como selar um compromisso. Ao menos isso foi perceptível nas escutas técnicas que aconteceram com Camila Andiroba e Daniel Imbuia. Os dois adolescentes, como afirmado anteriormente, tinham alguns pontos de sua trajetória em comum; no entanto, é possível afirmar que existiram ainda outros dois pontos convergentes: a escuta técnica e a oitiva. Daniel e Camila foram chamados para uma oitiva por conta de um relatório técnico, ou seja, em ambos os casos, a oitiva foi resultado de uma conversa entre o/a adolescente e um profissional. Camila e Daniel não apenas foram escutados, mas tiveram suas demandas consideradas pela equipe técnica; tal situação se evidencia pelo encaminhamento de ambos a oitivas junto à Vara da Infância e Juventude.

Camila foi escutada pela equipe técnica do abrigo. Em praticamente todas as conversas, a adolescente falou sobre suas irmãs mais novas. Camila ressaltava a saudade e o tamanho do vazio que havia em seu peito, causado pela ausência das irmãs. Seu desejo principal era que a senhora que adotara as meninas também a adotasse. No entanto, o procedimento – mesmo quando Camila afirmou na frente do juiz que desejava morar com as irmãs – não alcançou resultados positivos. A equipe técnica do abrigo, em tal situação, iniciou uma empreitada para que Camila pudesse visitar as irmãs. Era preciso localizar a família que havia adotado as meninas e isso foi feito, mas a mãe adotiva das meninas afirmou que não tinha interesse em tal aproximação.

Daniel estava no Abrigo do Menor quando recebeu a visita da assistente social forense. A intenção era ouvir o adolescente sobre a possibilidade de encaminhá-lo a uma família substituta, tendo em vista que seu pai e sua mãe tinham perdido o pátrio poder. Durante toda a conversa, Daniel afirmava que não queria viver junto de outra família que não fosse a sua. Afirmava que “tinha esperanças que seu pai iria buscá-lo”33. Um relatório pautado nesse diálogo foi emitido para o Ministério Público, que requereu a designação de uma audiência para ouvir pai e filho. O juiz designou o dia; Daniel foi ouvido, mas o pai não compareceu.

Em alguns momentos, a escuta pode ser interpretada também como uma maneira de buscar proteção. Esse, possivelmente, foi o caso de Cristina Figueira que ao compartilhar, com uma das cuidadoras do abrigo, o abuso sexual que sofrera de seu padrasto, pretendia dividir o peso do que havia vivenciado em sua última visita à casa da mãe. A cuidadora, em seu depoimento, afirmou que Cristina era uma criança fechada, porém, “não suportou sozinha o que aconteceu e resolveu relatar para alguém”34. A menina, depois de narrar toda a história para a cuidadora, relatou o mesmo episódio mais duas vezes: primeiro, para uma conselheira tutelar, e, depois para um servidor da Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança e ao Adolescente que lavrou o boletim de ocorrência. Cristina, mais uma vez, reviveu a violência sofrida, fazendo o mesmo relato por três vezes.

Situação semelhante foi vivenciada por Andrea Pitangueira, sexualmente abusada pelo pai/avô durante o ano de 1999. A adolescente por três vezes narrou a violência sexual da qual vinha sendo vítima. A primeira, para a mãe, que buscou ajuda no Conselho Tutelar. Ali, a adolescente narrou à experiência do abuso sexual pela segunda vez. Acompanhada pela conselheira tutelar, Andrea falou ainda outra vez. Dessa terceira narrativa é que se originou o registro do boletim de ocorrência na Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança e ao Adolescente. Nos dois casos, os abusadores foram considerados culpados e detidos.

É preciso atentar para outros dois fatos. Primeiro que ambos os casos tiveram como ponto central a escuta técnica – não desde o início como com Cristina, mas com instruções e acompanhamento da conselheira tutelar, no caso de Andrea. O segundo item foi o fato de que Andrea e Cristina tiveram que voltar a relatar a violação sofrida em distintos episódios e para diferentes pessoas.

As violências sexuais das quais as adolescentes Cristina e Andrea foram vítimas ficaram registradas por meio de boletim de ocorrência, respectivamente, em fevereiro de 1997 e setembro de 1999. Até chegarem à Delegacia de Proteção à Mulher, à Criança e ao Adolescente, elas falaram por três vezes – para a mãe/cuidadora do abrigo, para a conselheira tutelar e para a equipe da Delegacia. Em nenhum dos casos foi cogitada a possibilidade de que um único depoimento poderia ser suficiente, evitando o que, posteriormente, a partir dos primeiros anos da década de 2000, seria identificado como revitimização de criança ou adolescente.

Todos os casos aqui apresentados sobre escuta cotidiana de crianças e adolescentes por equipes técnicas foram exemplos sobre como fazer valer os seus direitos, isto é, o direito de falar, mas principalmente o direito de ser escutado e de que sua opinião e sentimentos fossem considerados. Isso representou uma mudança de perspectiva em relação às crianças e adolescentes, tornando-os sujeitos capazes de participar de decisões cotidianas sobre suas próprias vidas. O ato de falar e ser ouvido era, em algumas oportunidades, um intento de proteção, como nos casos de Maria Luiza, Cristina e Andrea. Além disso, era também uma forma de criar laços afetivos, compartilhar dores e sonhos. A equipe técnica, ao ouvir as crianças e depois buscar soluções que atendessem a seus pensamentos e vontades, convertia-se em instrumento para tornar a dor mais leve. Mas sua escuta deve ser interpretada, principalmente, como a garantia de algo que – para essas crianças e adolescentes – era um direito.

Fronteiras móveis: entre participação protagônica e contraconduta

Beatriz Romã, como vimos anteriormente, foi encaminhada ao abrigo Lar Vida Nova em maio de 1997. O fato de que seu pai e sua mãe eram dependentes alcoólicos fazia com que a menina passasse quase todo o dia e grande parte da noite vagando pelas ruas. Esse foi também o motivo principal para seu abrigamento, pois ambos estavam frequentemente embriagados e também por negligenciarem os cuidados cotidianos – como higiene e alimentação – e outras responsabilidades, como a matrícula e o acompanhamento escolar. No ano do abrigamento, por exemplo, a adolescente não estava frequentando a escola.

Antes do processo de abrigamento acontecer, Beatriz, cansada dessa situação, resolveu procurar o Conselho Tutelar. Na conversa com a conselheira, ela desabafou sobre seu pai e sua mãe; afirmou que os amava muito, mas que não sabia como lidar com o vício deles. Falou da quantidade de álcool que consumiam, da agressividade, da violência e do medo que sentia cotidianamente. Ao finalizar seu depoimento, pediu para ser levada para uma instituição de abrigamento35.

Quando foi até o Conselho Tutelar e conversou com a conselheira, apontando a possibilidade de solucionar os seus problemas por meio do abrigamento, a adolescente tentou estabelecer um exercício compartilhado de poder, uma tentativa de fazer valer seus direitos, assumindo uma iniciativa protagônica. Talvez sem saber, estabelecia uma ruptura entre a sua experiência e a cultura dominante em relação à infância e à adolescência. Beatriz, ao refletir, planejar e executar o ato de dirigir-se ao Conselho Tutelar, com a proposta de ser abrigada, alterava a dinâmica das relações de poder, até então estabelecidas.

A resposta da conselheira para a tomada de decisão – de abrigar ou não –, esteve pautada em relações de poder adultocêntrico: somente com a presença da mãe tal assunto poderia ser discutido. Para a conselheira tutelar o assunto deveria ser resolvido por adultos. Beatriz, além de não estar acompanhada pela mãe, pediu que sua irmã mais velha confirmasse seus relatos e angústias. Diante da recusa da conselheira tutelar e da imposição de somente dialogar na presença da mãe da adolescente, a atitude de Beatriz pode ser interpretada como uma tentativa de modificar as relações de poder entre adultos e crianças.

O exercício de poder foi um tema presente nas obras do filósofo Michel Foucault. O autor refere-se ao poder como uma rede de relações que se estabelecem em vários níveis. Além disso, o poder não deve ser interpretado como algo estático ou que atua somente em uma escala vertical. Poder é, antes que qualquer outra coisa, uma situação, algo que funciona em rede, que circula e nasce em relações multiformes (FOUCAULT, 2004).

Foucault, em meio ao debate sobre o exercício das relações de poder, apresentou, em uma das aulas proferidas em março de 1978 no Collège de France, a noção de contraconduta. Sua intenção se centrava na necessidade de ampliar o conceito de exercício de poder, relacionando-a ao deslocamento de poder-disciplina para a relação entre governo de si e dos outros. O conceito de contraconduta tornou-se um dos eixos centrais da noção de governabilidade, rompendo com a ideia de resistência como algo somente negativo. Contraconduta era um processo mais amplo, criativo e que se moldava diante do poder. Seu exercício resultava na não aceitação das leis porque eram consideradas injustas ou em não acolher como verdade tudo o que diziam as autoridades. Assim, o que Foucault chamou inicialmente de revolta de conduta36 – a vontade de ser conduzido de outra maneira – pode ser aplicado a relações entre adultos e crianças/adolescentes.

Mas, afinal: quando a atitude de uma criança/adolescente deixa de ser participação protagônica e passa a ser interpretada como contraconduta? Pautando-nos na experiência de Beatriz, a resposta a essa pergunta seria: se a participação protagônica é compreendida como um processo contínuo que deve considerar a opinião e os desejos das crianças e adolescentes sobre assuntos que os afetam, neste caso, numa relação dialógica – entre criança/adolescente e adulto –, a solução estaria em buscar o que seria melhor em determinada situação.

A ida de Beatriz ao Conselho Tutelar seria considerada participação protagônica, uma tentativa de estabelecer uma relação não verticalizada, mas que visava à busca compartilhada da solução de um problema. No entanto, ao não encontrar respaldo na conselheira, a adolescente respondeu com uma atitude de contraconduta, pois, além de não levar a mãe, foi acompanhada da irmã mais velha. O termo contraconduta, por outro lado, pode ser utilizado para descrever as atitudes e ações que procuram modificar as relações de poder, ou que visem a modificá-las. Nessa perspectiva, um sentimento de luta colocado em prática contra a maneira pela qual o adolescente é conduzido por outros, criando novas possibilidades de lidar com determinada situação.

A linha que separa participação protagônica de contraconduta parece tênue; no entanto, com um olhar mais atento, o que era quase imperceptível vai tomando outros contornos. Quer-se com isso afirmar que participação protagônica e contraconduta – quando relacionadas às crianças/adolescente abrigados – aparecem juntas, mas não de maneira simultânea; ao contrário, na maioria das vezes, apresentam-se em ordem sequencial. Primeiro, crianças/adolescentes buscam encontrar saídas junto com os adultos para resolver os problemas, em uma tentativa de estabelecer diálogos, ou seja, a participação protagônica. No entanto, quando percebem a não possibilidade de negociação, as crianças e adolescentes introduzem linhas de fuga que visam à garantia de ter suas vontades consideradas – as contracondutas.

Para exemplificar, retomo o caso de Beatriz, agora tendo como foco as suas cinco passagens pelas famílias substitutas. Antes de tudo, é importante reforçar a informação de que, se, por um lado, Beatriz desejava ser abrigada, por outro, os relatos presentes nos autos mostravam um forte vínculo da adolescente com sua família consanguínea. Possivelmente, o fato de solicitar a ida para o abrigo tenha sido uma maneira, idealizada pela adolescente, de fazer com que seu pai e sua mãe repensassem os seus problemas relativos ao alcoolismo. Embora isso seja apenas uma hipótese, os vínculos existentes entre Beatriz e seus pais consanguíneos era um fato evidenciado, algo real. Tanto que, durante o período em que esteve abrigada, em uma das conversas com a assistente social forense, afirmou que aceitava morar com alguém da família extensa ou continuar no abrigo, pois, assim, poderia manter contato com o seu pai e sua mãe.

O diálogo entre Beatriz e a assistente social pode ser interpretado como uma participação protagônica da adolescente. No entanto, representantes da instituição de abrigamento desconsideraram seu desejo, fato que desencadeou uma atitude de contraconduta da adolescente em relação ao encaminhamento a famílias substitutas. Essa relação de poder que se estabelecia entre a instituição de abrigamento e Beatriz – quando a equipe técnica encaminhava a adolescente a famílias substitutas sem considerar sua opinião e o forte laço que ela tinha com sua família consanguínea – permitiram o desenvolvimento, parte dela, de diferentes maneiras de demonstrar que não concordava com o procedimento.

Se a conduta se destinava a conseguir uma família substituta para a adolescente, a contraconduta de Beatriz se construía sobre pequenas desobediências, como a sua não colaboração nas atividades da casa, com o fato de ser grosseira e utilizar palavrões para se expressar com as pessoas. Se não podia ficar em sua casa, na casa de sua família consanguínea, ao menos voltaria para o abrigo, onde os seus pais consanguíneos poderiam visitá-la.

Foram cinco passagens da adolescente por famílias substitutas, sendo quatro com resultados considerados negativos do ponto de vista dos operadores do Direito brasileiro; ou seja, Beatriz acabava retornando para o abrigo. No caso da primeira família, ela não aceitava a ideia de que sua irmã consanguínea chamasse Amélia de mãe. Na última experiência adversa, a família vivia em Porto Alegre. Inicialmente, tudo parecia bem; no entanto, a rebeldia e a agressividade da adolescente surgiram depois de uma visita à família consanguínea, motivo alegado para a sua devolução. A terceira experiência foi tão rápida que os registros são escassos; no entanto, o mau comportamento foi novamente apontado como responsável pelo ato de devolução.

Nessas três experiências não houve adaptação por um motivo ou outro, sempre associado ao mau comportamento da adolescente. No entanto, é importante evidenciar que a contraconduta de Beatriz se fazia presente nas situações vividas em cada família. Essa afirmação pode ser percebida em relação à sua estada na família de Rosário, a segunda família substituta. Depois de usar os métodos corriqueiros – como desobedecer, falar palavrões, não tomar banho, não ajudar nas tarefas domésticas –, a adolescente percebeu que não havia atingido o objetivo e, diante da negativa de devolução, se reinventou. Beatriz chamou Rosário e disse: “Vou furar os olhos de sua filha se não me levar embora hoje”37. Para dar maior credibilidade à afirmação, a adolescente afirmou que sabia como fazer, pois já havia feito com um gato.

E assim, uma vez mais, Beatriz atingiu seu objetivo e retornou ao abrigo. O mau comportamento da menina nos lares substitutos pode ser interpretado como uma vontade de regressar à sua casa, principalmente pelo fato de que qualquer contato estabelecido com seus pais consanguíneos durante a sua estada nas famílias substitutas desencadeara uma série de atitudes consideradas rebeldes, que resultaram na devolução da adolescente ao abrigo. É possível pensar que Beatriz, em sua permanência nas famílias substitutas, se lembrasse da frase proferida por sua mãe: “minha filha é minha, não tem essa de adotar”38 e, apesar de todas as adversidades, Beatriz quisesse continuar sendo sua filha. Neste sentido, é possível perceber essas atitudes como uma maneira encontrada pela adolescente para falar/demonstrar que: sua mãe era aquela, sem essa de mãe adotiva.

Assim como Beatriz, o enredo principal nos casos de participação protagônica e contraconduta vivenciado por crianças abrigadas esteve relacionado ao retorno para casa, à permanência no abrigo ou ao encaminhamento para famílias substitutas. Renato Ipê e Karoline Amburana vivenciaram a participação protagônica, ou seja, almejaram algo e – cada qual à sua maneira – compartilharam suas preferências com algum adulto sobre suas expectativas de futuro. Em nenhum desses casos, crianças/adolescentes necessitaram pensar em estratégias de contraconducta; o contrário aconteceu com João Embaúba, que necessitou vivenciar as duas experiências, no entanto, em uma ordem inversa: primeiro, contraconduta e, posteriormente, participação protagônica.

A narrativa da trajetória de João Embaúba foi o inverso das de Karoline Amburana e Renato Ipê, pois o adolescente em momento algum foi escutado ou buscou conversar com a equipe técnica. Não foi possível perceber nenhuma tentativa de participação protagônica de sua parte. No entanto, ele buscou meios de mostrar o seu descontentamento: as fugas. João fugiu inúmeras vezes do abrigo em que estava: ingressava no abrigo, fugia, era encontrado na rua, voltava para o abrigo. Esse ciclo somente foi rompido quando o adolescente pode ser escutado e acordou com a conselheira que ficaria junto de seus irmãos mais novos. No caso de João, a contraconduta foi utilizada como um meio de estabelecer uma participação protagônica e decidir sobre uma expectativa de futuro: ficar próximo dos irmãos.

As histórias de Beatriz, Karoline, Renato e João se aproximam não apenas pelo fato de terem sido abrigados na década de 1990, mas por terem buscado de maneira ativa participar de decisões sobre suas vidas e suas expectativas de futuro. Quando essas crianças e adolescentes não estavam de acordo com as imposições e decisões de um mundo adultocêntrico, tentaram estabelecer uma relação dialógica menos verticalizada. E quando não a alcançavam, faziam uso das contracondutas, afastando-se da invisibilidade a que estavam submetidas enquanto crianças/adolescentes em busca da realização de estratégias que sugerissem novas possibilidades de futuro.

Considerações finais

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecia, desde a década de 1990, que os adolescentes fossem previamente ouvidos e tivessem a sua opinião considerada em caso de colocação em família substituta. A lei acrescentava, ainda, que, em casos de adoção de adolescentes, seria necessário o consentimento realizado a partir de oitiva. No caso das oitivas analisadas neste trabalho, todas aconteceram entre o último ano da década de 1990 e os primeiros dos anos 2000. Tal informação aponta para o cenário de que a oitiva não era uma prática constante nos primeiros anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi com o passar dos anos que a prática da oitiva passou a ser realizada com maior frequência.

As oitivas e a escuta cotidiana por parte da rede de proteção são direitos fundamentais. Todavia, não escutar ou ouvir apenas para cumprir um requisito da legislação pode gerar graves incidentes. O olhar adultocêntrico continua a predominar; exemplo disso foi a alteração da legislação que passou a conter, além do procedimento de escuta, a participação das crianças e dos adolescentes em relações às medidas protetivas que a eles se destinavam. A escuta de Beatriz Romã por parte da equipe técnica, por exemplo, possivelmente teria evitado os quatro encaminhamentos realizados para colocação em família substituta.

Essa experiência de passado, acumulado no decorrer das décadas de 1990 e 2000, fez com que um novo horizonte, aos poucos, se fosse moldando, resultando na implementação da Lei 12.010, em agosto de 2009. Com ela, outros princípios foram incluídos no procedimento de oitivas relacionado a crianças e adolescentes. Quando relacionadas ao processo de adoção, as oitivas continuaram com os mesmos preceitos prescritos no Artigo 28, que prescrevia: a) a criança ou ao adolescente deveria ser ouvido pela equipe interprofissional mediante o seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão e sua opinião deveria ser considerada; b) em casos de adolescente, o consentimento necessitaria ser colhido em audiência. A novidade consistia no alargamento da escuta por equipe técnica, bem como na possibilidade da oitiva para qualquer tipo – guarda, tutela ou adoção – de colocação em família substituta. Um novo horizonte se desenhava e o elemento participação era um fator basilar em sua estrutura.

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LIEBEL, Manfred. Infancia y trabajo: para una mejor comprensión de los niños y niñas trabajadores de diferentes culturas y continentes. [Lima]: Instituto de Formación para Educadores de Jóvenes, Adolescentes y Niños Trabajadores de América latina y el Caribe Mons germán Schmitz, 2003.

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MACHIESKI, Elisangela da Silva. Infâncias em processo: direitos, famílias, (des)abrigamentos. Santa Catarina, década de 1990. Tese (Doutorado em História) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2019.

Poder Judiciário. Processo de Adoção Internacional de Bárbara e Catarina Angelim, 2002.

Poder Judiciário. Processo de Destituição de Pátrio Poder de Cristina, Patrícia, Douglas, Fernanda e Letícia Figueira, 1997-2001.

Poder Judiciário. Processo de Guarda e Responsabilidade de Amanda Angelim, 1997.

Poder Judiciário. Processo de Guarda e Responsabilidade de Bianca/Lívia Quaresmeira, 1996-2003.

Poder Judiciário. Processo de Medida de Proteção de Ana Luiza Manacá, 1996.

Poder Judiciário. Processo de Medida de Proteção de Beatriz Romã, 1997-2004.

Poder Judiciário. Processo de Medida de Proteção de Daniel e Jônata Imbuia, 1996-2001.

Poder Judiciário. Processo de Situação de Verificação de Criança e Adolescente de Carla, Olivia, Karoline e Joel Amburana, 1997-1999.

Poder Judiciário. Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente de Andrea e Maria Clara Pitangueira, 2000-2002.

Poder Judiciário. Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente de Bárbara e Catarina Angelim, 2000-2002.

Poder Judiciário. Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente de Renato Ipê, 2001.

Poder Judiciário. Processo de Verificação de Situação de Risco de Camila Andiroba, 2000-2003.

Notas

1 O presente artigo faz parte de uma discussão apresentada em minha tese de doutoramento. Ver: MACHIESKI, 2019
2 Todos os nomes e sobrenomes utilizados neste artigo são fictícios. Os processos judiciais, utilizados como fonte documental, correm em “segredo de Justiça”, conforme Artigo 189, inciso 2º, do Código do Processo Civil. Nesse sentido, o referido procedimento teve por objetivo facilitar o entendimento da narrativa, como também preservar a identidade das pessoas envolvidas conforme prescreve a lei brasileira. Ver: BRASIL. Lei n 13.105, de 16 de março de 2015.
3 Poder Judiciário. Relatório do Conselho Tutelar (11/7/2001). Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente de Renato Ipê, 2001
4 Poder Judiciário. Relatório do Conselho Tutelar (11/7/2001). Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente de Renato Ipê, 2001
5 Os termos abrigo, abrigados/as e abrigamento eram expressões utilizadas na década de 1990. Em 2009, houve uma alteração na legislação através da Lei n. 12.010. Os termos utilizados para descrever a institucionalização de crianças e adolescentes foram alterados para: instituição e situação de acolhimento. É importante ressaltar que nesta narrativa optou-se pelos termos utilizados na década de 1990
6 Criciúma é uma cidade do Sul do Estado de Santa Catarina, cuja principal atividade econômica durante o século XX foi a extração do carvão. Segundo o censo demográfico, contava com uma população de 146.320 habitantes, em 1991, e de 158.482 em 1996. Nesse período, três instituições de abrigamento acolhiam as crianças e adolescentes da cidade: Abrigo do Menor, responsável pelo acolhimento do público masculino; Lar Vida Nova, que acolhia o público feminino; e Paraíso das Crianças que, embora fosse localizado na cidade de Urussanga, abrigou algumas crianças de Criciúma
7 Foram localizados no arquivo da Vara da Infância e Juventude, do Fórum da Comarca de Criciúma, 36 processos judiciais relacionados ao abrigamento e desabrigamento de crianças e adolescentes que tramitaram na década de 1990. Os referidos processos judiciais correm em Segredo de Justiça, o que dificultou o procedimento de acesso aos documentos. Em relação ao processo metodológico é importante registrar que não obtive autorização para folhear diversos processos judiciais. Nesse sentido, a sugestão oferecida pelo juiz responsável foi buscar, em alguns dos abrigos da cidade, nomes de crianças que haviam sido institucionalizadas no recorte temporal estipulado. Como resultado da pesquisa, criei uma listagem de aproximadamente 50 crianças/adolescente e, destes, me foram repassados 36 processos, todos aqui analisados
9 A Save the Children/Rädda Barnen é uma organização não governamental com sede na Suécia
10 O Movimiento de los Niños, Niñas y Adolescentes trabajadores surgiu em meados da década de 1970, organizado por meninos, meninas e adolescentes – na faixa etária compreendida entre 10 e 18 anos – que viviam em estado de extrema pobreza e, em sua grande maioria, trabalhavam nas ruas das cidades de maneira informal. Informações retiradas de: Revista Internacional desde los niños/as y adolescentes trabajadores. Año XIII, ago. 2009
11 Art. 12.º § 1º – Os Estados Partes garantem à criança, com capacidade de discernimento, o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhes respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração, de acordo com a sua idade e maturidade. § 2º – Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional (BRASIL, 1990)
12 Respectivamente: Artigo 161, inciso 2º: se o pedido importar em modificação de guarda, será obrigatória, desde que possível e razoável, a oitiva da criança ou adolescente; Artigo 28: colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. § 1º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada; Artigo 45: A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando. § 2º Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento (BRASIL, 1990)
13 A construção narrativa sobre a família Angelim esteve pautada nos seguintes processos judiciais: Processo de Adoção Internacional de Bárbara e Catarina, 2002; Processo de Guarda e Responsabilidade de Amanda, 1997; Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente, 2000-2002
14 Poder Judiciário. Termo de Audiência de Bárbara e Catarina Angelim (5/12/2000). Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente, 2000-2002
15 Poder Judiciário. Termo de Audiência de Bárbara e Catarina Angelim (5/12/2000). Processo de Verificação de Situação de Criança e Adolescente, 2000-2002
16 Poder Judiciário. Termo de Declaração de Camila (20/1/2000). Processo de Verificação de Situação de Risco de Camila Andiroba, 2000-2003
17 Poder Judiciário. Termo de Declaração de Daniel (28/8/2000). Processo de Medida de Proteção de Daniel e Jônata Imbuia, 1996-2001
18 Poder Judiciário. Relatório Social Forense (14/7/2000). Processo de Medida de Proteção de Daniel e Jônata Imbuia, 1996-2001
19 Poder Judiciário. Parecer do Promotor de Justiça (16/7/2000). Processo de Medida de Proteção de Daniel e Jônata Imbuia, 1996-2001
20 Poder Judiciário. Vistas do Ministério Público (7/6/2000). Processo de Verificação de Situação de Risco de Camila Andiroba, 2000-2003
23 Poder Judiciário. Termo de Assentada de Bianca/Lívia (5/8/2003). Processo de Guarda e Responsabilidade de Bianca/Lívia Quaresmeira, 1996-2003
24 A construção narrativa sobre o caso foi pautada pelo Processo de Medida de Proteção de Ana Luiza Manacá, 1996
25 A incidência da prática de violência para educar foi, ao longo da história, estimulada por diferentes instituições de caráter laico ou religioso; em algumas situações, inclusive, pelo Estado. Sobre essa temática, ver: NEVES, Anamaria Silva. Família no singular, histórias no plural: a violência física de pais e mães contra filhos. Uberlândia: EDUFU, 2009
26 Poder Judiciário. Relatório do Conselho Tutelar (16/10/1996). Processo de Medida de Proteção de Ana Luiza Manacá, 1996
27 Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe são reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico. BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, Art. n 151
28 A construção narrativa sobre a família Amburana esteve baseada no Processo de Situação de Verificação de Criança e Adolescente de Carla, Olívia, Karoline e Joel, 1997-1999
32 Poder Judiciário. Certidão de Guarda e Responsabilidade de Olivia Amburana, 10/1/2003
33 Poder Judiciário. Relatório Situacional Serviço Social Forense (31/3/1999). Processo de Medida de Proteção de Daniel e Jônata Imbuia, 1996-2001
34 Poder Judiciário. Termo de Declaração da cuidadora do Abrigo Paraíso da Criança (24/2/1997). Processo de Destituição de Pátrio Poder referente às crianças da família Figueira (Cristina, Patrícia, Douglas, Fernanda e Letícia), 1997-2001
35 Poder Judiciário. Relatório do Conselho Tutelar (5/8/1997). Processo de Medida de Proteção de Beatriz Romã, 1997-2004
36 O autor problematiza o uso da expressão revolta de conduta, afirmando ser algo muito forte e preciso para certas formas de resistência, tímidas e sutis. Em sentido contrário estaria a expressão desobediência, considerada fraca para alguns tipos de enfrentamentos, com oposição demarcada e evidente. O autor justifica a seleção do vocábulo contraconduta pautado no sentido contrário da palavra conduta. Ver: FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população: curso dado no Collège de France (1977-1978). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008
37 Poder Judiciário. Relatório Situacional Lar Vida Nova (16/9/1999). Processo de Medida de Proteção de Beatriz Romã, 1997-2004
38 Poder Judiciário. Relatório de visita familiar Lar Vida Nova (14/1/2002). Processo de Medida de Proteção de Beatriz Romã
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