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Os indesejados do século XXI: crianças desacompanhadas detidas na fronteira México-EUA1

The unwanted of the 21st century: unaccompanied children detained at the US-Mexico border

Glaucia de Oliveira Assis
Universidade Vale do Rio Doce (Univale), Brasil

Os indesejados do século XXI: crianças desacompanhadas detidas na fronteira México-EUA1

Revista Tempo e Argumento, vol. 14, núm. 36, e0302, 2022

Universidade do Estado de Santa Catarina

Recepción: 18 Agosto 2021

Aprobación: 21 Febrero 2022

Resumo: Observa-se, no final do século XX, um aumento da percepção, na comunidade internacional, com relação à circulação de trabalhadores migrantes, a fluxos de pessoas em busca de uma vida melhor e que se deparam com políticas migratórias cada vez mais restritivas. Neste cenário, tem-se notado um crescimento de crianças que migram sozinhas ou desacompanhadas dos pais, retidas nas fronteiras. Assim, embora, em termos demográficos, não possamos falar de uma ampliação dos fluxos migrantes, pois as taxas internacionais giram em torno de 3%, as narrativas midiáticas acerca desses fluxos constroem discurso de “invasão”, da ameaça, disseminando pânico moral em relação aos imigrantes, contribuindo para que sejam tratados com preconceito e discriminação. Assim, imigrantes e refugiados, dentre eles as crianças desacompanhadas, constituem uma “nova” categoria de indesejáveis que emerge neste início de século. O objetivo deste artigo é compreender, a partir da produção que cruza perspectivas da História Transnacional, da Antropologia das Mobilidades e da Sociologia, o medo do “outro”, que se traduz em sistemas de vigilância cada vez mais duros e restritivos, que levaram ao aumento do encarceramento de crianças e adolescentes desacompanhados nas fronteiras. O artigo analisa crianças separadas de suas famílias na fronteira do México com os Estados Unidos, em abrigos e centros de trânsito, em que são colocadas em situação análoga à das prisões, pois ficam encarceradas. As fontes são levantamento bibliográfico sobre crianças desacompanhadas, matérias na encontradas na imprensa, dados da OIM e da ONU sobre o encarceramento de crianças, através das quais buscamos compreender os contextos nas sociedades de acolhimento que produzem hierarquias entre os migrantes desejáveis e os indesejáveis.

Palavras-chave: migração internacional, crianças, fronteiras México-Estados Unidos, imigração, migração não autorizada.

Abstract: At the end of the 20th century, there was an increase in the perception, in the international community, of the movement of migrant workers, of flows of people in search of a better life and who were faced with increasingly restrictive migratory policies. In this scenario, there has been a growth in children who migrate alone or unaccompanied by their parents, held back at the borders. Thus, although, in demographic terms, we cannot speak of an expansion of migrant flows, as international rates are around 3%, the media narratives about these flows build a discourse of “invasion”, of threat, spreading moral panic in relation to these flows. to immigrants, contributing to their being treated with prejudice and discrimination. Thus, immigrants and refugees, including unaccompanied children, constitute a “new” category of undesirables that emerges at the beginning of this century. The objective of this article is to understand, from the production that crosses perspectives of Transnational History, Anthropology of Mobilities and Sociology, the fear of the “other”, which translates into increasingly harsh and restrictive surveillance systems, which led to the increased incarceration of unaccompanied children and adolescents at borders. The article analyzes children separated from their families on the border between Mexico and the United States, in shelters and transit centers, where they are placed in a situation similar to that of prisons, as they are incarcerated. The sources are a bibliographic survey on unaccompanied children, articles found in the press, IOM and UN data on the incarceration of children, through which we seek to understand the contexts in host societies that produce hierarchies between desirable and undesirable migrants.

Keywords: international migration, children, borders Mexico-United States, Immigration, unauthorized migration.

Introdução

Inicio este artigo homenageando os mortos da pandemia, aqui no Brasil e no mundo. A cada vez que retomo este texto, tenho que atualizar os dados. Quando iniciei sua escrita - em meio de julho de 2021 -,2 o Brasil registrava 275.105 mil mortes e o mundo, 2. 641.778. Hoje (junho de 2022), os dados são ainda mais dramáticos: 533 mil vidas no Brasil e 4.03 milhões de mortes no mundo. Dentre as vítimas – entre homens e mulheres, indistintamente -, predominam os mais velhos, embora a doença acometa cada vez mais os jovens e, em número crescente, crianças. Neste momento inicial, presto minha homenagem a todos os que perderam alguém considerado importante em suas vidas: amigo/a, pai, mãe, filho/a, sobrinho/a, primo/a.

Neste cenário pandêmico, os imigrantes se tornam ainda mais vulneráveis, pois foram os primeiros a perder o emprego, tiveram e ainda têm dificuldades para acessar programas de auxílio, e ainda maior dificuldade em transitar entre os países, pois as medidas sanitárias de contenção da doença afetaram a mobilidade transnacional. É a partir desta temática - do medo do outro - que inicio a reflexão, pois os imigrantes nas fronteiras continuam sendo vistos, mais uma vez, com desconfiança e temor do contágio. Este artigo não irá abordar diretamente a pandemia da Covid-19 e seus impactos na migração, mas destacar como esse mal coletivo contribuiu para a maior precariedade da vida desses imigrantes, para o aumento do preconceito e das restrições de circulação nas fronteiras. A pandemia contribuiu, também, para acentuar a vulnerabilidade de crianças, mulheres e homens que tentavam chegar aos Estados Unidos pela fronteira sul do México, vindos, principalmente, de Honduras, Guatemala e El Salvador.

Conforme observaram Magalhães et al. (2020), uma das primeiras ações públicas realizadas pelos Estados-nação em relação à pandemia, em todo o mundo, foi o fechamento de suas fronteiras nacionais e o aumento do controle fronteiriço, a partir da construção da imagem do/a migrante como vetor de contaminação, como um risco. Entretanto, as fronteiras são espaços vivos, concentradores de práticas sociais, econômicas e culturais cotidianas, e seu fechamento tem um impacto relevante nas vidas, corpos e economias (locais, nacionais e globais).

No Brasil, as fronteiras terrestres foram fechadas no início da pandemia, em março de 2020; em 25 de janeiro de 2021, foram novamente fechadas pela Portaria nº 652, que estabeleceu restrições à entrada de estrangeiros no País.3 No entanto, é interessante destacar que tais fechamentos de fronteira são seletivos. No Brasil, foram fechadas as entradas por rodovia, por meios terrestres e transporte aquaviário, mas se mantiveram abertas as fronteiras aéreas, o que significou a restrição da entrada dos imigrantes na fronteira norte do País, o que atingiu os venezuelanos, e também na região da tríplice fronteira, a dos brasiguaios. Vários países no mundo não estão permitindo a entrada de brasileiros e pessoas oriundas de países com altos índices de contaminação pelo vírus - como se pode constatar em algumas matérias que circulam na imprensa acional e internacional.4 No caso da fronteira México-Estados Unidos, durante o governo do presidente Donald Trump (2017-2021), utilizou-se da emergência sanitária para tornar ainda mais duras as regras nas fronteiras e deportar sumariamente imigrantes,5 mesmo os que cruzaram as fronteiras e se entregaram às autoridades pedindo asilo, caso de muitos imigrantes da América Central.

O fechamento das fronteiras devido à crise sanitária não é um fenômeno novo. As fronteiras e as políticas migratórias dos Estados-nação estabeleceram, no passado, e as mantêm no presente, regulamentações e políticas restritivas que determinam quem são os migrantes desejados e quais, num cenário de crise sanitária mundial, os indesejáveis. A gripe espanhola, que assombrou o mundo em 2018 e que, ao chegar ao Brasil em navios que vinham da Europa, rapidamente se espalhou pelo país (SCHWARCZ; STARLING, 2020), foi assim chamada porque a Espanha foi o primeiro país a relatar os casos. A gripe, no entanto, teve vários nomes, conforme os países que atingia, indicando que era o “outro”, o estrangeiro, quem trazia a doença. Da mesma forma, a pandemia da Aids, na década de 1980, e, mais recentemente, o Ebola. Todas representaram crises sanitárias internacionais que impuseram maiores controles fronteiriços (VENTURA, 2020). Seja por causa das crises sanitárias - como as que ocorreram no passado e ocorrem no presente -, seja devido às crises políticas, ou às ameaças à segurança nacional em função do contrabando, ou das ameaças de terrorismo, as fronteiras são lugares em disputa que estabelecem quem pode e quem não as pode atravessar. Nestas camadas de tempo, percebe-se que, em outros contextos de pandemia, também se restringiu a entrada aos imigrantes.

Neste ponto, é interessante destacar que ao que estou trazendo para reflexão a noção de camadas de tempo, a qual Koselleck (2014, p. 25) se refere como a “[...] aquilo que, na linguagem cotidiana podemos definir como longo, médio e curto prazos, exige uma complexa teoria dos tempos históricos.” O autor observa que a condição para a historicidade dos eventos é a percepção de uma estrutura de repetição e nos convida a apreender a experiência histórica a partir da identificação de três modos distintos: a experiência singular ou primordial, que acontece como surpresa; a repetição da experiência acumulada, modificada, produzida e compartilhada por contemporâneos; e, por fim, as experiências diacrônicas, só possíveis de serem compreendidas em longa duração. Compreender a migração contemporânea a partir dessa perspectiva e, dentro dela, formas como os controles de fronteira, no passado e no presente, é o que nos permite entender como se estabeleceu quem podia e quem não podia circular, evidenciando o quanto as experiências migratórias são atravessadas por múltiplas camadas temporais.

A fronteira de México-Estados Unidos é um espaço de múltiplas experiências de atravessamento, de trânsitos, hibridismos e trocas culturais, além de também marcadas por exclusão, violência e securitização. Neste cenário, pretendo compreender as crianças desacompanhadas ou separadas de seus pais e encarceradas na fronteira. A fronteira, como espaço de experiência no sentido de Koselleck (2006, p. 309), ou seja, “[...] passado atual, aquele no qual acontecimentos foram incorporados e podem ser lembrados”, é um lugar onde as múltiplas camadas de tempo são acionadas pelas experiências de atravessamentos e são sentidas, lembradas e acionadas por aqueles que buscam cruzá-la.

Assim, as notícias e relatos de imigrantes mortos na fronteira entre o México e os Estados Unidos, ou dos que tentam chegar à Europa, oferecem um quadro dramático do que seja circular no mundo globalizado. Mais recentemente, o aumento do encarceramento de crianças e jovens, como parte da política migratória estadunidense, a política da tolerância zero adotada pelo governdo de Donal Trump, (2017-2020), evidencia como, a despeito da globalização, a circulação no mundo global é seletiva. Esses migrantes e refugiados constituem uma categoria de indesejáveis no mundo contemporâneo.

No tempo presente, esse medo do outro, a xenofobia e as construções sobre o risco e perigo são direcionados ao estrangeiro, ao imigrante, principalmente aos que tentam cruzar as fronteiras sem documentos, aos migrantes que fogem de situações de violência e crises políticas e/ou econômicas em seus países de origem. Estes imigrantes, dentre eles um crescente número de mulheres e crianças, quando tentam ultrapassar os limites, as bordas entre os países, deparam-se com sistemas de vigilância cada vez mais sofisticados. Desta forma, a despeito da queda do Muro de Berlim em 1989, desde o final do século passado e ao longo das duas primeiras décadas do século XXI, apesar do discurso de um mundo globalizado e sem fronteiras, os muros voltaram a crescer, demarcando fronteiras.

Rogério Haesbert ressalta que:

mais do que um fechamento dos territórios num sentido clássico, de um fechamento por ‘todos os lados’, como numa prisão, neste mundo de grande fluidez talvez o termo mais adequado seja contenção, criar barreiras, um tipo de ‘barragem’. (HAESBERT, 2009, p. 58)

Didier Fassan (2011) ressalta que, a despeito do discurso de um mundo sem fronteiras, muros são erguidos para conter as migrações, produzindo migrantes ilegais nos países do Norte global e, além disso, ao contrário da promessa de incorporação dos imigrantes às sociedades de imigração, os que chegaram recentemente são racializados e estigmatizados como minorias. Nesse contexto, são submetidos a controles cada vez mais restritos. Nas fronteiras é que se impõe o controle das migrações, controle a que o autor denomina de ‘biopolítica da alteridade’. Ainda segundo Fassan, essa biopolítica articula políticas de fronteiras e limites, temporalidades e espacialidade, estados e burocracias, detenção e deportação, asilo e humanitarismo com que se controlam os corpos que cruzam as fronteiras.

Assim, os muros tentariam conter as migrações, ou, pelo menos, aquelas consideradas indesejadas. Conforme destaca o historiador Frye, “cercas de segurança, com arame farpado ou elétricas, detectores de movimento e blocos de concreto emergem no horizonte e se estendem pela paisagem por centenas de quilômetros” (FRYE, 2019, p. 290).

Os imigrantes internacionais e refugiados, portanto, além de enfrentar políticas migratórias restritivas que dificultam sua circulação, o preconceito e a xenofobia nas sociedade de acolhimento, enfrentam também a ampliação do sistema de vigilância nas fronteiras, que se traduz em mais muros, cercas, faixas militarizadas e campos de recolhimento ou confinamento para migrantes e refugiados. Podem-se citar, como exemplos concretos, os muros que se ergueram entre os Estados Unidos e o México, a Espanha e Marrocos, Israel e Palestina, Índia e Paquistão, Índia e Bangladesh, Geórgia e Ossétia do Sul, Coréia do Norte e do Sul, Bulgária e Turquia, Botsuana e Zimbábue, Malásia e Tailândia ou Marrocos e Saara Ocidental (VELASCO, 2019).

Neste artigo, as crianças e os jovens desacompanhados serão analisados numa perspectiva de história transnacional, a da antropologia das mobilidades6 e da sociologia – o que permite evidenciar a construção do medo do “outro”. Neste contexto, nas sociedades de acolhimento se produzem hierarquias entre os migrantes desejáveis e os indesejáveis e tornam as crianças e os jovens desacompanhados passíveis de serem presos e encarcerados como migrantes indocumentados ou ilegais. Estes vivenciam situações traumáticas, ocasionadas por um processo de migração involuntária.7 A noção de migração involuntária pode ser pertinente para entender as crianças e adolescentes que partem, dos países da América Central, fugindo de situações de violência e crise, para chegar, após uma longa e arriscada viagem de travessia do México, à fronteira dos Estados Unidos.

As fontes deste artigo são notícias veiculadas na imprensa virtual de 2018 a 2020. A busca foi realizada no jornal Folha de São Paulo, a partir das palavras-chave: “fronteira”; “México”; “USA”, “crianças-fronteira”, “crianças desacompanhadas”. A pesquisa localizou 49 matérias, que me ajudaram a reconstruir as narrativas acerca do encarceramento das crianças na fronteira. Além destes dados, busquei levantar os dados disponíveis sobre crianças imigrantes coletados na Divisão de População da ONU, na CBP - U. S. Customs and Border Protection,8 e na Organização Internacional das Migrações (OIM), que abordam a temática da criança e do adolescente migrante, afora outras fontes oficiais sobre a questão das crianças migrantes e das prisões na fronteira. Este artigo faz parte de uma investigação mais ampla sobre famílias transnacionais e se propõe, num de seus tópicos,9 compreender os trânsitos recentes de brasileiros através das fronteiras e a intensificação da presença de crianças nesse processo.

Crianças imigrantes: final do século XIX e início do século XX

Imigrantes, estrangeiros e indesejáveis são categorias com que se qualificam ou identificam deslocamentos humanos ao longo da história. A historiadora Lena Menezes (1996) lembra que, no Brasil da virada do século XIX para o XX, “indesejáveis” era uma categoria que se aplicava em diversos contextos aos que eram considerados perigosos ou nocivos à sociedade. Assim, o termo se aplicava tanto a estrangeiros, quanto a anarquistas e comunistas, muitas vezes expulsos do país por suas posições políticas e acusados de causar desordem. Esse termo era aplicado também a desordeiros e criminosos variados. Da mesma forma, segundo Schwarz (2012), se construiu a noção de estrangeiro desejável na América Latina, no contexto das novas repúblicas emergentes na virada do século XIX e início do seculo XX. Assim, ao mesmo tempo que se criava uma abertura para a chegada de alguns imigrantes considerados portadores da civilização e da ética do trabalho, como os europeus que migraram para os Estados Unidos e a Argentina, também se estabeleciam atos restritivos a imigrantes considerados perigosos, doentes, vagabundos, ou a pessoas sem profissão definida, como prostitutas, doentes, epiléticos, loucos ou outros que fossem considerados ameaça ou sobrecarga aos novos estados emergentes. Todos esses se incluíam na categoria de indesejáveis e não tinham sua entrada ou permanência aceita nos países em que tentavam ingressar.

Um aspecto interessante, destacado por Giralda Seyrferth (2008), é a sobreposição de sentidos entre as palavras ‘estrangeiro’ e ‘imigrante’, evidenciando como, muitas vezes, são tomadas como sinônimas. Segundo a autora, ‘estrangeiro’ é considerado aquele que é natural de outro país, o que não é natural, nem cidadão do país onde se encontra. A autora nos demonstra que o estrangeiro é chamado também de alienígena, termo que aparece muitas vezes nas legislações migratórias do início do seculo XX.

Assim, naquele momento - início do século XX -, o medo do outro se traduzia em leis migratórias que estabeleciam cotas para imigrantes e a expectativa de que se “assimilassem” à sociedade nacional. O discurso assimilacionista dominante nas teorias e nas políticas migratórias invisibilizava as diferenças entre os grupos imigrantes, entre suas especificidades culturais e outros marcadores sociais de diferença, como gênero e geração. A migração, por muito tempo, foi narrada como branca e masculina, não aparecendo nessas narrativas nem mulheres, nem crianças e adolescentes.

Nesse cenário, as políticas migratórias estabeleciam, além dos imigrantes preferenciais, quais, dentre eles, pertenciam às faixas etárias que eram admitidas. Como as crianças apareciam nesses discursos e nos dados sobre migração?

Bassanezi (2013) mostra que as “crianças acompanhavam suas famílias na travessia do oceano, atraídas pelas políticas imigratórias brasileiras e paulistas, que visavam solucionar o problema de mão de obra para a cafeicultura em expansão, privilegiando a imigração familiar”. A autora enfatiza que os dados e registros sobre essa população migrante são precários e provêm de fontes diversas.10 No entanto, destaca que, embora a maioria dos imigrantes fosse constituída de homens, um número menor de mulheres e crianças, com mais de doze anos, compuseram esse contingente de braços trazidos para as lavouras paulistas de café.

Entre 1886 e 1902, no Brasil, período em que a imigração, principalmente a subsidiada, foi mais volumosa, os menores de doze anos que entraram no estado de São Paulo pelo porto de Santos, representavam mais de 30% do conjunto das entradas (cerca de trezentas e cinquenta mil crianças11). Estas viveram as difíceis condições de vida e trabalho nas lavouras de café ou nos nascentes centros urbanos. Muitas morreram na viagem, ou de doenças causadas pelas condições de higiene e saúde nas lavouras de café, ou nos nascentes centros urbanos.

Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, as crianças, ao aportar em Ellis Island, no século XIX e até meados do seculo XX, chegavam com suas mães que vinham encontrar seus maridos, ou toda a família. Entre 1892 e 1954, mais de 12 milhões de imigrantes passaram por Ellis Island. Muitos deles eram crianças que acompanhavam suas famílias em busca de uma vida melhor.

Estas crianças imigrantes, provenientes de diferentes origens nacionais, não encontraram nos países de imigração políticas públicas específicas destinadas a elas. As crianças e adolescentes tinham um acesso precário à escolarização e, muito cedo, entravam no mercado de trabalho (FORNER, 2000).

Em ambas as situações, as crianças migravam acompanhando suas famílias e vivenciavam diferentes processos de inserção na sociedade de acolhimento. Havia uma expectativa de que, com o passar do tempo, o processo de assimilação ocorreria. No entanto, a almejada assimilação não aconteceu da mesma forma para todos os grupos imigrantes, nem nos EUA, nem no Brasil. Os contextos de recepção e os marcadores sociais de gênero, raça/etnia, nacionalidade e religião segmentaram esses imigrantes em grupos étnicos, fato que delimitava suas oportunidades de inserção no trabalho, na escola, nos espaços de sociabilidade que marcaram suas trajetórias de inserção nas sociedades de acolhimento. É importante destacar que, nesse processo, as crianças imigrantes chegavam acompanhadas aos países de imigração para também trabalhar, estudar - quando havia possibilidade - e buscar oportunidades no país de acolhimento. No entanto, assim como as mulheres, permaneceram invisíveis nos estudos de migração e nas estatísticas. A inserção da questão das mulheres e crianças migrantes na agenda latino-americana data do inicio do seculo XXI (MARTINEZ, 2014). Segundo o autor, um conjunto de documentos elaborados pela ONU e a Unicef indicava aumento da participação de crianças nos fluxos. Podem-se classificar, ainda segundo Gaitan (2008 apud MARTINEZ, 2014 p. 239), as crianças que migram em quatro categorias: 1) as que se deslocavam junto com suas famílias; 2) os filhos de imigrantes que nasciam no país de destino; 3) os que migravam sozinhos; 4) os que ficavam no país de origem ao migrar com um ou ambos os pais.

Segundo o documento Declaração dos Direitos das Crianças Migrantes, elaborado pela Organização Internacional das Migrações, em conjunto com o Instituto de Política Públicas e Direitos Humanos do Mercosul:

La categoría niñez migrante comprende a los niños, niñas y adolescentes que migran por motivos diversos que, muchas veces, se conjugan. Entre estos motivos se cuentan la reunicación familiar, la búsqueda de mejores condiciones económicas, sociales o culturales, el escape de la pobreza extrema, la degradación ambiental, la violencia u otras formas de abuso y persecución, etc.12 (PALUMMO; VACCOTTI, 2016, p. 7)

Segundo dados da Corte Interamericana de Diretos Humanos, em 2013 existiam 231.522.215 migrantes no mundo, 61.617.229 dos quais seriam provenientes das Américas. Deste total, estima-se que cerca de 6.817.466 eram menores de 19 anos. Segundo dados de 2013, havia cerca de 806.000 pessoas refugiadas e pessoas em situação similar à de refúgio. Nesse ano, registaram-se mais de 25.300 solicitações de asilo individuais de crianças e adolescentes não acompanhados ou refugiados.13Pavez Soto (2017) aponta para o crescimento do número de crianças migrantes provenientes da América Latina - Nicarágua, Bolívia e Colômbia -, destacando o aumento das desacompanhadas. A autora destaca o caso de crianças provenientes do México, que têm migrado sozinhas na fronteira dos Estados Unidos, muitas delas fugindo de situações de violência no país de origem. Desta forma, embora grande parte das crianças migre acompanhando os pais, tem crescido o número das que migram desacompanhadas.

Pavez Soto (2017, p. 101-102) chama a atenção para o fato de as crianças migrantes se haverem tornado um novo ator nos fluxos migratórios globais, e também na América Latina. Nesta categoria, incluem-se as crianças que participam de migração familiar, que nascem no país de imigração, que participam de projetos transnacionais e migram desacompanhadas ou retornam ao país de origem. A autora sugere que essas crianças ocupam certos espaços no contexto migratório. A isso, denomina de ‘estratégia de resistência’, situação que pode ser compreendida como exercício de seus direitos. Desta forma, Pavez Soto percebe as crianças migrantes como sujeitos de direito; no entanto, no caso das desacompanhadas, como veremos a seguir, essa percepção de sujeitos de direitos, presente nas convenções sobre direitos das crianças, não tem impedido o encarceramento e a deportação de crianças migrantes.

O gráfico 1, extraído do “Departament of Economic affairs, Division de Population”, mostra o número de imigrantes internacionais por faixa etária, evidenciando o crescimento do contingente de crianças e jovens abaixo de 18 anos nos fluxos internacionais.

Número de migrantes por idade - 1990-2019
Gráfico I
Número de migrantes por idade - 1990-2019
Nações Unidas, Departamento de Assuntos Económicos e Sociais, Divisão de População, Tendências de Estoque de Migrantes Internacionais, 2019, p. 22.

O crescimento da migração de crianças e jovens menores de 18 anos tem criado desafios para os organismos de proteção internacional e para as políticas migratórias, pois, conforme observado por Curci:

[...] Apesar de teoricamente os direitos humanos se aplicarem a todas as faixas etárias, os mais jovens se encontram em uma situação de vulnerabilidade diferente dos adultos, e por isso exigem direitos específicos que reconheçam suas particularidades. Todavia, apesar de teoricamente garantidos, eles também sofrem com as violações, como pela falta de moradia, com os abusos e negligências, doenças que poderiam ser evitadas, desigualdades no acesso à educação, etc. (CURCI, 2020, p. 47)

Desta forma, as crianças imigrantes vivenciariam uma situação considerada como de “dupla” vulnerabilidade, conforme Babha (2007): a combinação entre a idade e o status migratório exigiria uma proteção específica e adequada de seus direitos por parte dos estados (de origem, trânsito e destino dos migrantes), afora outros atores envolvidos. No entanto, não é o que se tem observado, seja na fronteira México-Estados Unidos, seja nas fronteiras europeias, que não consideram esses condicionantes no momento de acolher aqueles que chegam às suas fronteiras sem documentação e, muitas vezes, requerentes de asilo.

Mas, afinal, como compreender a criança migrante? Martuscelli (2017), discutindo o tema, aponta as dificuldades de tentar circunscrever a questão. Para a autora, as formas como as crianças são representadas podem colocá-las em posições ambíguas. Por um lado, a criança é vista como em risco, pois é descrita como aquela que acompanha o fluxo e é vulnerável e passiva. Por outro, é vista apenas por seu status migratório, destacando-se o caráter ilegal/irregular do movimento, passando a ser percebida como ameaça, como alguém que no momento que se desloca desacompanhada, o faz com certa autonomia ou agência, sem perceber os riscos e as dificuldades que conduziram essas crianças a se arriscarem as travessias. Por isso, quando os estados são chamados a pensar a questão das crianças migrantes, a posição é ambivalente. Por um lado, reconhece-se a sua vulnerabilidade; por outro, o risco e o perigo que oferecem ao Estado-nação a tornam um outro - criança ilegal, sem documentos.

Juffer (2016, p. 96) nos traz uma reflexão importante para compreender a mobilidade das crianças através das fronteiras, quando as reconhece como “sujeitos precários que precisam da assistência de adultos, mas que também são capazes de expressar suas experiências e, em certas condições, são capazes de tomar decisões com base em suas expressões”.

Desta forma, ao invés de os estados tratarem as crianças, primeiro, como crianças e sujeitos de direitos, e, depois, como migrantes, o que as levaria a serem incluídas no sistema de assistência social - com os mesmos princípios que acolhem as crianças nativas -, as crianças migrantes desacompanhadas são expostas às mesmas leis rígidas destinadas aos adultos indocumentados (BHABHA, 2007, p. 208). É o que se observa na recente política de detenção de crianças na fronteira do México.

Fronteira México-Estados Unidos: encarceramento de crianças imigrantes no tempo presente

No final do século XX, e principalmente após os atentados de 11 de Setembro de 2001, ocorreu uma intensificação nos sistemas de vigilância e controle nas fronteiras, pois a questão migratória passou a ser analisada pelo governo estadunidense como uma questão de segurança nacional (XX, 2008). Tal situação contribuiu para o aumento do smuggling, tráfico de imigrantes, pois homens, mulheres e crianças migrantes buscam estratégias - o que significa correr risco pagando a “coiotes”14 para fazer a travessia e conseguir entrar nos países para os quais desejam migrar em busca de trabalho e de melhores condições de vida.

A fronteira México-Estados Unidos é uma faixa que se estende por 3.145 quilômetros entre o Oceano Pacifico e o Golfo do México. Nesta vasta fonteira, encontram-se grandes áreas urbanas, terrenos e uma vasta extensão de deserto. Além dessa extensão de terra, a fronteira do Golfo do México segue o curso do Rio Grande até a fronteira com a cidade de Juarez, Chihuahua e El Passo, no Texas. A oeste de El Paso-Juárez, há extensões de desertos a atravessar, de Chihuahua e Sonora até o Delta do Rio Colorado e San Diego–Tijuana, antes de chegar ao Oceano Pacífico. No entanto, mais do que uma fronteira física, trata-se de uma fronteira simbólica, que cruza experiências, histórias, expectativas, um lugar de trânsito. Essa região fronteiriça representa uma área de trânsito, de disputa, de busca de oportunidades, uma região de hibridismo, pois é atravessando as cidades fronteiriças, ou pelo Rio Bravo, que milhares de mexicanos e outros latino-americanos tentam cruzar a fronteira em busca do chamado “sonho americano”. Segundo Gloria Anzaldua:

La frontera Mexico Estados Unidos Y Mexico es una herida abierta donde el tercer Mundo se araña contra el primero mundo Y sangra, Y antes de que se forme costra, vuelve la hemorragia, la savia vital de dos mundo se funde para formar un tercer pais, una cultura de frontera. Las fronteras están deseñadas para definir los lugares que son seguros y los que no lo son, para distinguir el Us (nosotros) del them (ellos). Una fontera es una linea divisoria, una fina raya a lo largo de un borde empinado. (ANZALDUA, 2007, p. 42)15

A fronteira México-Estados Unidos é um local de disputa desde que os mexicanos perderam parte de seu território e os acordos que envolveram essa derrota asseguraram grande parte da região, que hoje esta na fronteira sul, aos Estados Unidos. Essa experiência histórica, transfronteiriça, forja um campo social transnacional, no qual mexicanos circulam historicamente. Segundo Glick-Schiller (2015, 2018), para compreender esses trânsitos, faz-se necessária uma abordagem multiescalar, que analise a experiência migratória além dos limites do Estado-nação. Neste sentido, Glick-Shiciller (2015) observa que local, regional, nacional, pan-regional e global não são níveis separados de análise, mas fazem parte da constituição mútua, institucional e de redes pessoais, de poder desigual, dentro das quais as pessoas com e sem histórias de migração vivem suas vidas sustentadas por redes sociais. Estas redes são recursos informais que garantem informações e atenuam os riscos para quem pretende atravessar a fronteira, tentar a vida na migração de longa distância. Tais práticas - as de cruzar as fronteiras - estão estabelecidas há décadas por redes sociais, imaginárias e/ou de saberes que fazem parte das vidas transnacionais dessas comunidades.

Nessas camadas de tempo, as medidas restritivas de aumento da vigilância nas fronteiras não conseguem barrar os fluxos; apenas levam os imigrantes a desenvolver novas estratégias migratórias, utilizando-se das redes sociais ou recorrendo às recentes caravanas de imigrantes, estratégia usada para enfrentar a vigilância nas fronteiras. É importante destacar que as relações históricas desenvolvidas nessa região fazem com que migrantes e não migrantes compartilhem um campo de relações transnacionais que faz com que circulem notícias, projetos e imaginários sobre a vida nos EUA. A despeito das dificuldades, os imigrantes continuam a tentar atravessar os sistemas de vigilância, seja pelos postos de controle, seja pelo deserto, seja pelo Rio Bravo.

Conforme observa Kempadoo (2005), políticas mais restritivas que produzem maior controle e vigilância fronteiriça têm ocasionado nos países de emigração a constituição de um mercado clandestino de serviços migratórios. Este mercado inclui tráfico de pessoas através da fronteira, compra de passaportes falsificados e casamentos arranjados. No entanto, o tráfico de mulheres e crianças sensibiliza a opinião pública e os formuladores de políticas públicas, e provoca a percepção desses sujeitos como vítimas. No caso das crianças presas ou mortas na fronteira, devido à condição indocumentada e ao tratamento dado pela polícia da fronteira, muitas vezes se invisibilizam ou se tornam comuns as cenas de violência e morte.

Por crianças desacompanhadas, estou considerando, assim como outros pesquisadores, aquelas que se encontram fora de seu país de origem e estão separadas de ambos os pais, ou de outros parentes, e não estão sob os cuidados de um adulto que se responsabilize por elas. Por outro lado, crianças separadas de seus pais são as que estão separadas de pai e/ou mãe, mas não necessariamente de outros parentes (MARTUSCELLI, 2017).

Desta forma, segundo Babha (2007), as crianças que hoje buscam asilo sozinhas nos Estados Unidos estão presas em um sistema complexo e inconsistente, que é prejudicial às suas necessidades. Com o objetivo de proteger aqueles que fogem da perseguição, as políticas atuais frequentemente têm o efeito oposto. Elas submetem as crianças a procedimentos traumáticos que, muitas vezes, são aterrorizantes e injustos.

O crescimento do número de crianças detidas na fronteira vem ocorrendo desde 2008. Segundo Jacqueline Bhabha e Susan Schmidt (2008), nas últimas décadas, muitas crianças desacompanhadas têm tentado chegar aos Estados Unidos em busca de asilo. Viajando fora de qualquer contexto de reassentamento, chegam à fronteira sul dos Estados Unidos. Elas vêm fugindo principalmente de situações de guerra e violência na América Central e Caribe, mas também de outras regiões.

Katherine Donato (2017), analisando o crescimento do número de crianças que chegam às fronteiras, chama a atenção para o fato de que se deve olhar quais são as suas condições na sociedade de origem, bem como as características das crianças e de seus pais que as impelem a fazer sua primeira viagem migrante para os Estados Unidos. O crescimento do número de crianças detidas na fronteira ocorre num contexto de aumento da migração proveniente da América Central.

Em março de 2018, chegava a Tijuana uma caravana de imigrantes composta por um número significativo de mulheres e crianças que tentavam atravessar a fronteira e pedir asilo. Essa notícia foi publicada no jornal Folha de São Paulo, em 27 de abril de 2018, sob o título: “Caravana com imigrantes da América Central chega a Tijuana sob ameaças”. Parte vai transcrita abaixo:

Quando os ônibus com centenas de imigrantes da América Central chegaram ao longo de toda esta semana a Tijuana, uma cidade mexicana na fronteira com os Estados Unidos, autoridades ali talvez já tivessem visto alguns daqueles rostos na televisão [...] desde que essa caravana partiu, há um mês, de um povoado na divisa do México com a Guatemala, imagens dos migrantes que fogem da violência em seus países e vêm pedir asilo em solo americano passaram a circular no noticiário. Entre os espectadores mais assíduos dessa jornada, está o presidente Donald Trump, que vem chamando de "desgraça" o movimento e pedindo que a polícia barre a entrada de todos na fronteira. (MARTI, 2018)

As notícias veiculadas evidenciam a situação de vulnerabilidade daqueles que buscam cruzar a fronteira, bem como seus esforços em se organizar em caravanas (como forma de enfrentamento dos coiotes e as violências no trajeto), além das medidas restritivas, da ação dura do governo americano e do próprio governo mexicano, que trabalha no sentido de coibir as caravanas rumo aos Estados Unidos. No entanto, elas não cessam e, com elas, continuam chegando crianças desacompanhadas.

Segundo Cohn, Passel e Gonzalez-Barrera (2017), o crescimento do número de imigrantes vindos de El Salvador, Guatemala e Honduras foi de cerca de 25% entre 2007 e 2015 em relação aos provenientes do México, cujas taxas declinaram no mesmo período. Para estes autores, o aumento da migração do chamado triângulo norte está relacionado às condições de vida nestes países. Além da crise econômica, as altas taxas de homicídio, a atividade de gangues e outros tipos de violência doméstica levaram milhares de pessoas, principalmente mulheres e crianças, a migrar em busca de asilo. Além destes fatores, os imigrantes também procuram as oportunidades de vida e trabalho e se juntar aos parentes. Por fim, como outros fluxos estabelecidos, as remessas enviadas pelos imigrantes são importantes para as economias desses países.

Desde 2014, há um aumento de famílias que emigram a partir da América Central, em busca de asilo nos Estados Unidos. Destes, mais de 90% são provenientes de El Salvador, Guatemala e Honduras. O relatório divulgado pelo Departamento de Segurança Nacional mostra que o número de apreensões na fronteira entre o Texas e o México chegou a 223.263 entre outubro de 2018 e maio de 2019. O dado representa aumento de 124% em relação ao mesmo período no ano anterior. Das apreensões no período, quase 24 mil capturaram menores desacompanhados dos pais – aumento de 62% na comparação com o ano fiscal de 2017-2018 (COHN; PASSEL; GONZALEZ-BARRERA, 2017). Este crescimento fica mais visível quando se analisam os dados de 2014 a 2020).

Segundo dados da U. S Customs and Border Protection (CBP),16 de 2014 a 2020 é significativo o aumento de crianças na fronteira México-Estados Unidos. Em 2014, foram encontradas nas fronteiras 15.364 crianças vindas do México; 16.404 de El Salvador; 17.057 da Guatemala e 18.244 de Honduras. Esses números cresceram entre 2014 e 2020, sendo os anos de 2018 e 2019 os que registraram o maior número de crianças desacompanhadas retidas na fronteiras, fato registrado na mídia de “crise migratória” de crianças desacompanhadas na fronteira. Em 2020, ano em que a Covid-19 assombrou o mundo e fechou as fronteiras, houve uma queda, devido às medidas restritivas adotadas pelo governo estadunidense, mas, em 2021, os números voltaram a subir, como demonstrado na tabela 1, abaixo, extraída da CBP.17

Tabela 1
Crianças estrangeiras desacompanhadas, retidas na fronteira sul México-EUA - por país (2014-2020)
Crianças estrangeiras desacompanhadas por país de origem
País 2014201520162017201820192020
El Salvador16,4049,38917,5129,1434,94912,0212,189
Guatemala17,05713,58918,91314,82722,32730,3298,390
Honduras18,2445,40910,4687,78410,91320,3984,454
México15,63411,01211,9268,87710,13610,48714,359
U.S. Border Patrol, 2021

Em 2021, os números de imigrantes provenientes da Guatemala, de Honduras, El Salvador, México e outros países da América Latina, dentre eles o Brasil, voltaram a crescer e cresce o número de crianças desacompanhadas na fronteira, assim como o de famílias e o de outros imigrantes adultos. Os imigrantes, na expectativa de que a saída do republicano Donald Trump da presidência dos EUA e a entrada de Joe Biden (Partido Democrata) representasse uma outra política imigratória, voltaram a partir em massa para entrar nos Estados Unidos, o que até o momento não tem revelado mudança significativa.

O encarceramento de crianças nas fronteiras

Numa reação ao crescimento do número de imigrantes que tentam atravessar a fronteira e temendo as caravanas de imigrantes vindas da América Central, Donald Trump decretou, em abril de 2018, a política de tolerância zero, que significou a prisão dos imigrantes que tentavam cruzar a fronteira e a separação das famílias de seus filhos menores de 18 anos, enviados a abrigos temporários. Enquanto os jornais destacavam a política de tolerância zero e o aumento das medidas restritivas em relação aos imigrantes, as imagens chocantes de crianças encarceradas divulgadas na midia (CARAZZAI, 2018), algumas bem pequenas, detidas atrás de grades parecidas com “jaulas”, chorando e gritando por seus pais, em presídios e abrigos do Texas, chocaram a opinião pública, políticos, ativistas. Na reportagem da BBC, reproduzida no jornal Folha de São Paulo, a repórter afirma que um deputado democrata, Peter Welch, chamava os centros de detenção de "nada menos que uma prisão" (COMO SÃO..., 2018). Entre abril e maio de 2018, foram enviadas duas mil crianças para centros que, embora devessem ser abrigos, funcionaram como espaços de detenção, pois as crianças ficavam em espaços encarceradas. Destas, muitas eram menores de três anos.

A medida foi criticada pelos democratas, pelos ativistas de direitos humanos, por organizações imigrantes e até mesmo por republicanos, como demonstrou o artigo de opinião de Laura Bush, mulher do republicano George W. Bush, que, em artigo no “Washington Post”, disse que a separação das crianças “parte seu coração” (BUSH, 2018). Ela também acrescentou: “Eu moro em um estado fronteiriço ao “Texas”. Eu aprecio a necessidade de cumprir a lei e proteger nossas fronteiras; mas esta política de tolerância zero é cruel. É imoral” (BUSH, 2018).

A política evidencia como as crianças migrantes se tornam “outro”, uma ameaça, e deixam de ser vistas como sujeitos de direitos. Como os imigrantes indesejáveis do século XIX, tornam-se os indesejáveis do século XXI. A chegada das crianças é recebida com medidas restritivas. Quando vemos suas imagens nas matérias analisadas, percebemos o medo e a vulnerabilidade em que se encontram.

Aquino (2015) nos fala do medo, que é um sentimento sempre presente entre imigrantes que vivem na ilegalidade ou indocumentados, pois o temor de ser deportados está sempre presente quando cruzam a fronteira e chegam aos Estados Unidos. O medo a que a autora se refere é maior quando os imigrantes são recém-chegados, mas é também muito presente nas mulheres que têm filhos nos Estados Unidos e que temem ser deportadas e não saber o que ocorrerá com os filhos. Acrescenta, entre os motivos para o medo, a consciência de sua situação de ilegalidade, por sempre se considerarem como em falta, e portanto em perigo de deportabilidade, resultante de sua classificação como “ilegalidade estatutária potencial” (FASSIN, 2001, p. 265 apud AQUINO, 2015, p. 75). Nesse artigo, o medo está presente nas imagens veiculados nos jornais, na face de crianças e jovens separados de seus pais ou responsáveis; sua deportabilidade está em seus corpos encarcerados, enquanto aguardam uma decisão sobre seu destino ou o reencontro com seus pais.

Em 2015, a imagem de Aylan Kurdi, criança de três anos, que foi encontrada numa praia turca após se afogar no Mar Egeu, com seu irmão, sua mãe e outros nove refugiados, rapidamente ganhou as manchetes de todo o mundo e sua morte sensibilizou a opinião pública para a questão do refúgio. No entanto, passados quase seis anos, essa imagem vai ficando distante. Crianças e jovens continuaram a morrer, tentando chegar ao continente europeu e aos Estados Unidos.

Nas matérias jornalísticas, são convocadas a falar autoridades, senadores de ambos os partidos, ativistas. Figuras como Laura Bush e Melaine Trump se manifestaram contra a separação de crianças de seus pais. A política migratória adotada – a da tolerância zero -, no entanto, teve efeito contrário ao esperado pelo governo estadunidense: ao invés de desestimular a migração, aumentou o número de crianças e adolescentes que, sozinhos, cruzavam as fronteiras. Danielle Brant (2018), numa reportagem com o título “EUA mantêm 12.800 crianças migrantes em abrigos em setembro”, escreve:

[…] Pessoas familiarizadas com o sistema de abrigo americano afirmam que a política de tolerância zero, adotada em abril, e que inclui a separação de famílias flagradas tentando entrar ilegalmente nos EUA, teve um efeito diferente do esperado. Em vez de desestimular as migrações de uma maneira geral, desencorajou apenas os pais e amigos das famílias a acompanhar as crianças. Os números de agosto do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras dos Estados Unidos também apontam para o baixo impacto da política de tolerância zero sobre os imigrantes ilegais ao país. (BRANT, 2018)

Nestas matérias, poucas vezes aparecem as vozes das crianças. O governo estadunidense, quando liberou a entrada da imprensa, não autorizou os jornalistas a conversarem com as crianças e adolescentes. No entanto, curiosamente, uma das reportagens se intitula “Desenhos de crianças mostram os centros de detenção como prisões”(DESENHOS..., 2019). Continua a matéria, Sara Goza, declarou a respeito dos centros de detenção nos quais se encontram as crianças: "Eu os descrevo quase como gaiolas de cachorros, mas com pessoas em cada uma delas", afirmou. "E o silêncio era muito duro de se ver" (DESENHOS..., 2019). Na matéria, Sara Goza, futura presidente da Sociedade Americana de Pediatria, mostrou os desenhos dos locais como se fossem jaulas ou prisões.

A fronteira México-Estados Unidos continua sendo essa ferida aberta. A presença de crianças em centros de detenção, sem acesso a direitos, é uma das facetas mais cruéis dessa política migratória. Mesmo assim, não há como não pensar em possíveis pontes. A instalação realizada na fronteira pelo arquiteto Ronald Rael18 sinaliza uma tentativa de reencontro. Ao instalar uma gangorra entre as fendas dos muros na fronteira e colocar para brincar crianças e seus parentes, a obra de arte sugere o encontro e a necessidade de compreensão da migração como um direito humano e a percepção das crianças imigrantes como sujeitos de direitos.

Considerações finais

Os migrantes, como os que chegam à estação de trem, ou aos aeroportos, partem e chegam, movem-se através das fronteiras. As viagens contemporâneas tornaram-se mais rápidas e mais baratas ­­- parece que o mundo ficou um pouco menor (BAUMAN, 1999) com a melhoria dos transportes e da comunicação. Atualmente, as pessoas chegam, seja aos aeroportos internacionais, como viajantes ou turistas, quer seja aos portos, às vezes, esperando desesperadamente por asilo em uma frágil embarcação, como temos assistido barcos infláveis que tentam cruzar o Mediterrâneo, aqui representado nas trágicas imagens de corpos que chegam à costa do Mar Egeu, como ocorreu com o menino Aylan, ou como ocorre com os jovens desacompanhados que tentam, caminhando, atravessar a fronteira, como o fazem milhares de mulheres, crianças e homens que vêm da América Central. Nessa caminhada, juntam-se ao movimento migratório de mexicanos, em busca de asilo ou de uma oportunidade nos Estados Unidos.

A migração internacional talvez seja uma das facetas mais complexas do mundo globalizado: em um mundo onde circula o capital, através de mercados transnacionais, onde circula a informação pela internet e pela TV a cabo, circulam também imigrantes, viajantes, turistas e empresários. Nesse mundo de intensa movimentação, no entanto, os imigrantes são os que maiores dificuldades encontram para circular. A migração contemporânea tem levantado questões significativas para a cidadania em um mundo que aparentemente aboliu as fronteiras nacionais, mas onde nunca foi tão difícil cruzar as fronteiras. Tornar-se “cidadão do mundo” talvez seja possível para pessoas que podem circular livremente, com passaportes com vistos dentro do prazo de validade e autorização para trabalhar no exterior - o que ocorre com profissionais muito qualificados ou atletas -, mas não para os milhares de trabalhadores indocumentados e que procuram ou pedem por asilo. Estes arriscam-se a chegar nos países de destino - Europa ou Estados Unidos - como turistas, para depois trabalhar, ou cruzam fronteiras sem documentos, como no caso da fronteira do México-EUA.

Quando pensei ser essa comunicação muito marcante ou impressionante pelas imagens recentes e dramáticas de crianças mortas por cruzar as fronteiras e, mais ainda, por sua separação de seus familiares e presas na fronteira México-Estados Unidos, às suas imagens se acrescentavam as imagens das migrações recentes no Brasil, pela situação dramática vivenciada, primeiro, por haitianos e, mais recentemente, por venezuelanos, em suas fronteiras. Todas estas situações nos falam de formas como os Estados-nação no mundo globalizado estabelecem legislações que impactam, controlam e selecionam aqueles que podem entrar e circular nos países e demonstram como se constroem narrativas que contribuem para criminalizar e selecionar os migrantes.

Assim, no tempo presente, permanecem indesejáveis no mundo contemporâneo aqueles e aquelas que buscam alternativas de vida, fugindo seja de condições adversas, assolados por crises econômicas e políticas, guerras, desastres ambientais ou em busca, com a inserção no mundo do consumo, de condições que não encontram em seus países de origem. No entanto, são transformados pelos discursos anti-imigrantistas em “outro”, em indesejáveis no exterior. A migração indocumentada torna aqueles e aquelas que cruzam as fronteiras sem documentos “um outro”, perigoso, visto como ameaça às fronteiras, ao trabalho, ao modo de vida local. Assim, a ideia de cruzar o mundo e o mundo sem fronteiras esbarra no medo do outro; o multiculturalismo celebrado nos discursos de globalização esbarra nas fronteiras, nos muros, na militarização e criminalização das migrações. Conforme destaquei no início do texto, as múltiplas temporalidades que perpassam a experiencia migratória evidenciam - como na fronteira México-Estados Unidos, a experiência transfronteiriça -, que os conflitos e a contenção da migração são eventos que atravessaram o século XX e continuam no século XXI. As camadas de tempo vão trazendo novos atores, agora crianças e jovens desacompanhados, para velhos conflitos. A fronteira permanece local em disputa e cruzá-la constitui um desafio.

Em 2001, os atentados de 11 de Setembro marcaram uma maior securitização nas fronteiras e um discurso que colocava os imigrantes como suspeitos ao cruzar as fronteiras. O medo, o terrorismo e a ideologia da segurança nacional reforçaram as fronteiras em vários locais do mundo. Assistimos os muros serem reforçados ou reerguidos e os controles migratórios se acentuarem. Quando caiu o muro de Berlim, em 1989, havia 11 muros que separavam fronteiras; em 2017, já contávamos 70 muros ao redor do mundo! Dentre eles, o muro entre os Estados Unidos e a fronteira do México. Iniciado na administração de George W. Bush, foi mantido na administração de Barack Obama e teve sua ampliação e maior securitização dos sistemas de vigilância e, principalmente, o encarceramento de crianças e jovens desacompanhados de seus pais ou responsáveis, no governo de Donald Trump.

Portanto, apoiados na securitização e no medo do outro, os migrantes, os refugiados são personificados como estranhos e se tornam alvo de preconceito, discriminação, xenofobia. No caso das crianças e adolescentes desacompanhados, ao invés de serem percebidos no âmbito da declaração Universal dos Direitos das Crianças como sujeitos de direitos, são vistos como gente indocumentada, encarcerada e separada de seus familiares.

Migrar é um direito humano, mas, para milhares de pessoas, dentre elas as crianças, esse é um direito não reconhecido, negado, cerceado, um fenômeno a ser contido, encarcerado.

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Notas

1 Este artigo é resultado da comunicação apresentada na Mesa Redonda Mobilidades Contemporâneas e o medo do outro no IV Seminário Internacional História do Tempo Presente, realizado de 17 a 19 de março de 2021. Agradeço aos comentários e sugestões que forma incorporados a versão final do texto. A pesquisa que fundamenta esse artigo teve recursos do Edital CAPES/DAAD 2018, projeto famílias transnacionais gênero e educação e do edital PAP/UDESC 2021/2022 do Laboratório de Relações de Gênero e Família.
2 Embora, ao longo de 2021, o avanço do processo de vacinação no Brasil tenha ocasionado uma redução no número de casos e no número de mortes, ainda temos no País, em maio de 2022, 31 milhões de casos e 663 mil mortes; no mundo, 6,29 milhões. Tendo-se passado quase um ano da apresentação deste artigo, ainda sentimos os efeitos da epidemia no País e no mundo.
4 Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/06/14/covid-3-criterios-para-mundo-voltar-a-abrir-portas-para-turistas-do-brasil.ghtml; https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56360055 Covid-19: piora da pandemia no Brasil leva países vizinhos a reforçarem medidas nas fronteiras; Covid-19: Brasil restringe fluxo de estrangeiros por via terrestre e aquaviária.
5 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/03/fechamento-da-fronteira-com-mexico-deixa-imigrantes-no-limbo-em-ciudad-juarez.shtml. Fechamento da Fronteira México deixa imigrantes no limbo na Ciudad de Juarez. 24.03.2020. Mundo Folha.
6 Segundo Marc Augé (2010, p.20), no mundo contemporâneo vivemos a era da mobilidades, em que “as aparências da mundialização e da globalização recobrem muitas desigualdades” , destacando, nesse cenário, as fronteiras que estabelecem quem pode cruzá-las, distinguindo entre turistas, homens de negócios e migrantes, ou seja, determinam quem pode cruzar um mundo sem fronteiras. Neste sentido, assim como Piscitelli, Olivar e Assis (2011), estou empreendendo uma análise a partir da perspectiva das mobilidades com vistas a superar dicotomia entre turistas e migrantes, entre migrantes temporários e permanentes, buscando destacar o caráter muitas vezes circular desses movimentos, a despeito das dificuldades de cruzar as fronteiras. Assim, uma Antropologia das Mobilidades busca considerar esses movimentos de população numa perspectiva mais ampla, enfatizando também seu caráter transnacional.
7 Segundo Martins-Borges (2013), a migração involuntária está associada ao deslocamento forçado de refugiados, que não planejaram a sua partida , diferentemente das migrações consideradas voluntárias, em que os indivíduos escolhem migrar. Para Martins-Borges, o migrante involuntário, “contrariamente ao migrante voluntário, além de não ter planejado sua partida, também não planejou sua transição entre o país de origem e o de acolhida, nem pretendeu se projetar nesse novo lugar. Essa distinção não deve ser considerada apenas como um detalhe que distingue os dois tipos de migração. Nela também estão implícitas outras diferenças, dentre as quais há que se destacar o tipo de trabalho psíquico que o processo de migração involuntária exigirá da pessoa, assim como o impacto desse trabalho sobre a saúde mental do refugiado” (MARTINS-BORGES, 2013, p. 153).
8 https://www.cbp.gov
9 Projeto de Pesquisa Famílias transnacionais: Gênero e Educação contemplados com bolsa Produtividade CNPq e ainda na vigência de um projeto CAPES DAAD que analisava a questão de Gênero e famílias transnacionais. Este projeto analisa a ampliação do fluxo de brasileiros e a formação de famílias transnacionais. A questão do encarceramento das crianças é um recorte temático na análise das famílias transnacionais, que emergiu a partir dos casos de prisão de crianças nas fronteiras e da separação dessas de seus pais.
10 Relatórios da Secretaria dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Estado de São Paulo, da Secretaria dos Negócios do Interior do Estado de São Paulo, Estatísticas Demógrafo-Sanitárias do Serviço Sanitário do estado e outras estatísticas e relatos da época. Basssanezi, 2013.
11 Cabe destacar que no início do século XX no Brasil as crianças e adolescentes não eram percebidas como sujeitos de direitos, eram considerados sob uma legislação que lhes atribuía uma categorização social: o menor, sob o qual cabia a tutela e vigilância do estado, principalmente sobre as crianças pobres. Conforme destaca Vianna (2007) essa categorização estabelecia lugares hierárquicos para os menores no Brasil no início do século XX.
12 A categoria criança migrante compreende meninos, meninas e adolescentes que migram por motivos diversos que, muitas vezes, se conjugam. Entre estes motivos, encontram-se a reunificação familiar, a busca por melhores condições econômicas, sociais e culturais, escapar da pobreza extrema, da degradação ambiental, da violência e de outras formas de abuso e perseguição. (Tradução nossa)
13 Corte Interamericana de Derechos Humanos, Opinión Consultiva OC-21/14. Derechos y garantías de niñas y niños en el contexto de la migración y/o en necesidad de protección internacional, 2014.
14 Os “coiotes” são, em geral, mexicanos que cobram para atravessar imigrantes sem documentos do México para os Estados Unidos através da fronteira – num tráfico de migrantes que tem crescido à medida que crescem as medidas restritivas à migração e em têm aumentado a vulnerabilidade e o risco para os imigrantes, principalmente mulheres e crianças, pois muitas estão sujeitas a rapto, morte e violência nas travessias.
15 A fronteira México, Estados Unidos e México, é uma ferida aberta onde o Terceiro Mundo arranha o Primeiro Mundo e sangra, e antes que uma casca se forme, a hemorragia volta, a seiva vital do mundo se derrete para formar um terceiro país, uma fronteira cultural. As fronteiras são projetadas para definir os lugares que são seguros e aqueles que não são, para distinguir os nós (nós) deles (eles). Uma fronteira é uma linha divisória, uma linha fina ao longo de uma borda íngreme. (Tradução da autora)
17 U.S. Border Patrol Southwest Border Apprehensions by Sector Fiscal Year 2020 | U.S. Customs and Border Protection (cbp.gov)
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