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O Pensamento Olavista sobre a Nova Ordem Internacional
The Olavo’s Thought about International New Order
Revista Tempo e Argumento, vol. 15, núm. 39, e0201, 2023
Universidade do Estado de Santa Catarina

Artigos


Recepção: 29 Dezembro 2022

Aprovação: 12 Março 2023

Publicado: 31 Agosto 2023

DOI: https://doi.org/10.5965/2175180315392023e0201

Resumo: Olavo de Carvalho foi um dos principais representantes da extrema-direita no Brasil, possuindo diversos seguidores e tendo influenciado membros do governo de Jair Bolsonaro (1919-1922), Utilizando como meios de divulgação de suas ideias as redes sociais, a mídia tradicional e os cursos de Filosofia ministrados por ele. O ideólogo construiu uma narrativa de base conspiracionista acerca da Nova Ordem Mundial, apontando para três grupos chamados de “globalistas” – a Rússia e a China; as elites financeiras do Ocidente; e o grupo A Fraternidade Islâmica -, que atuariam de forma conjunta, embora com projetos de dominação diferentes, contra a civilização judaico-cristã e a “verdadeira nação americana”, a grande representante dos valores ocidentais. O artigo objetiva analisar de forma crítica a narrativa olavista, realizando também uma discussão conceitual sobre os termos Extrema Direita e Tradicionalismo, de forma a contribuir para a compreensão da natureza do pensamento de Carvalho. Levando-se em conta que o autor residia nos EUA, o trabalho defende também que o seu discurso expressa uma visão de mundo pequeno-burguesa e representativa das insatisfações de uma camada média branca e cristã da sociedade norte-americana, que vem perdendo oportunidades de inserção econômica em decorrência de problemas existentes na economia americana, no contexto da concorrência interimperialista com o bloco russo-chinês. Assim sendo, é imprescindível apontar a correlação da narrativa olavista sobre a Nova Ordem Mundial com as disputas no campo da geopolítica atual, que colocam EUA em oposição à Rússia e à China na configuração da ordem internacional.

Palavras-chave: Extrema Direita, Tradicionalismo, Nova Ordem Mundial, Geopolítica.

Abstract: Olavo de Carvalho was one of the main representatives of the extreme right in Brazil, with several followers and having influenced members of the government of Jair Bolsonaro (1919-1922), using social networks, traditional media and Philosophy courses taught by him as means of disseminating his ideas. The ideologist built a conspiracy-based narrative about the New World Order, pointing to three groups called “globalists” – Russia and China; the financial elites of the West; and the group The Islamic Fraternity -, which would act together, in spite of different projects of domination, against the Judeo-Christian civilization and the “true American nation”, the great representative of Western values. The article aims to critically analyze the Olavist narrative, also conducting a conceptual discussion on the terms Extreme Right and Traditionalism, in order to contribute to the understanding of the nature of Carvalho's thought. Taking into account that the author lived in the USA, the work also stands that his speech expresses a petty-bourgeois and representative worldview of the dissatisfaction of a white and Christian middle level of North American society, which has been missing opportunities for economic insertion as a result of existing problems in the US economy, in the context of inter-imperialist competition with the Russian-Chinese bloc. Therefore, it is essential to point out the correlation of the Olavist narrative on the New World Order with the disputes in the field of current geopolitics, which places the USA in opposition to Russia and China in the configuration of the international order.

Keywords: Extreme Right, Traditionalism, New World Order, Geopolitic.

Introdução

A expansão da Extrema-Direita no mundo é um dos fenômenos mais intrigantes da História Contemporânea. Podemos vislumbrar a persistência de xenofobias, racismo, ódio a minorias sociais e aversão à diversidade e à alteridade em várias partes do mundo, ligados a uma Extrema-Direita, que não é, porém, um grupo monolítico, mas bastante variado, levando a debates acerca do uso de conceitos como Fascismo, Neofascismo, Pós-Fascismo, Alt-Right e Novas Direitas.

O presente artigo tem como objeto de estudo o pensamento de um dos expoentes da Extrema-Direita no mundo de hoje, Olavo de Carvalho, um dos principais ideólogos dos grupos extremistas no Brasil, falecido em 2022. Carvalho possui uma narrativa a respeito da chamada Nova Ordem Mundial, preocupando-se em “diagnosticar” a ameaça do que chama de “Globalismo” e defender as “tradições primordiais” da civilização ocidental judaico-cristã contra a “degeneração trazida pela modernidade”, construindo um discurso baseado na dicotomia entre o “bem” e o “mal” e apontando para as “vítimas” e os “algozes” do sistema internacional global.

O objetivo deste trabalho é analisar a narrativa olavista, usando como principal fonte um debate existente entre Carvalho e o ideólogo russo Aleksandr Dugin, publicado na obra Os EUA e a Nova Ordem Mundial. Um debate entre Alexandre Dugin e Olavo de Carvalho (s.d.), da Editora Vide, debate organizado por Giuliano Morais e Ricardo Almeida[1]. A análise será auxiliada pelo uso de outros textos escritos por Olavo e por parte do referencial teórico utilizado por ele para referendar suas concepções.

Para a compreensão do cerne do pensamento de Carvalho sobre a Nova Ordem Mundial, faremos uma discussão conceitual sobre dois conceitos de grande importância neste estudo: Extrema-Direita e Tradicionalismo. A análise da narrativa será feita de forma crítica, buscando apontar para as omissões, construções de estereótipos e interpretações de dados da realidade de forma descontextualizada com vistas a referendar um discurso de base conspiracionista. A narrativa olavista será também relacionada com o contexto atual das disputas geopolíticas contemporâneas.

Olavo de Carvalho fundou em 2002 o Movimento Mídia Sem Máscara, que visava combater o que ele chamava de “viés esquerdista” da grande mídia, e estava associado também à ministração de cursos de Filosofia, arregimentando adeptos de suas ideias por meio de suas aulas, embora não fosse graduado na disciplina, sendo mais um autodidata nas obras e questões filosóficas. Ele chegou a colaborar com jornais da grande mídia – como O Globo, Jornal do Comércio e Jornal do Brasil –, escrevendo artigos que contribuíram para torná-lo conhecido[2].

O cientista político Álvaro Bianchi afirma que Carvalho foi um intelectual de grande influência na opinião pública brasileira, exercendo atividade intelectual há várias décadas como articulista em jornais de grande circulação e nas redes sociais. Haveria “pouca verdade” na narrativa filosófica de Carvalho, porém, ela é persuasiva e eficaz por abordar “os medos e as inseguranças do homem comum perante as transformações do mundo contemporâneo” (Coletta, 2018). Bianchi diz ainda que Carvalho “reciclou”, para o contexto brasileiro, “de modo bastante eficaz”, o tema de um suposto marxismo cultural, que faz parte do discurso da direita nos Estados Unidos desde a década de 1970, sendo suas teses exemplos de teorias conspiratórias (Coletta, 2018).

Já Esther Solano afirma que Carvalho “soube se capitalizar com base no novo formato de comunicação: fácil, rápido, polêmico e combativo”, possuindo “um conteúdo muito simples e mastigado” (Coletta, 2018). Para Fabrício Pontin (2019), a narrativa conspiratória de Carvalho “dá um curto-circuito na tentativa de crítica”, ou seja, se alguém diz que Olavo está errado, tal crítico de seu pensamento passa a fazer parte da conspiração e estaria “trabalhando para manter todos iludidos”. Ele explorava “os delírios da ortodoxia da academia brasileira” que se fecha em grupos que não dialogam com a sociedade, enquanto Carvalho mantinha um diálogo aberto com os seguidores, respondendo e-mails, fazendo conferências com seus admiradores e atendendo às ansiedades dos seus seguidores. Carvalho teria se tornado então “o grande intérprete das ansiedades de massa no Brasil, um cara que foi capaz de ler as vulnerabilidades e demandas sociais muito melhor que muito crítico cultural marxista” (Pontin, 2019).

Olavo de Carvalho foi, sem dúvida, uma figura controversa e um dos grandes responsáveis pelo crescimento da Extrema-Direita no Brasil. Por isso, a compreensão de sua narrativa é imprescindível. Afinal, conhecer é fundamental para combater discursos que se contrapõem a uma sociedade democrática e respeitadora das diversidades e alteridades.

1. Os conceitos de Extrema-Direita e Tradicionalismo

Olavo de Carvalho compunha o espectro da extrema-direita, que se diferencia da direita tradicional. Segundo Schurster et al. (2014, p. 9), o campo da chamada “direita” é extremamente variado. Muitos grupos da direita aderem ao projeto das democracias liberais e aos seus valores. Possuem um aspecto regressivo na questão dos direitos sociais, mas não propõem a supressão da ordem representativa e nem da noção de “liberdade” no sentido liberal do termo, embora defendam uma “liberdade burguesa” baseada na defesa dos interesses dos setores dominantes da sociedade em detrimento dos setores populares.

O campo da extrema-direita (igualmente não homogêneo) rompe com o Estado liberal-representativo, adquirindo formas autoritárias e liberticidas, em muitos casos se aproximando do Fascismo, sendo anti-institucionais. São adeptos de práticas violentas – em nível do discurso ou da violência física –, e possuem um “agir político fascista” contra a alteridade, a diferença e a pluralidade (Schurster et al., 2014, p. 10-11).

Olavo de Carvalho pertencia a uma direita que é grande crítica do Estado e de sua intervenção, assumindo, inclusive, discursos dos neoliberais na economia e adotando o conceito de “totalitarismo” para se referir às economias dirigidas do “socialismo real”, expressando uma clara influência da perspectiva liberal em suas críticas ao socialismo. O discurso do anticomunismo é central em seu pensamento, chegando a reproduzir a narrativa dos Fascismos clássicos de associação entre os grandes capitalistas e os comunistas. A perspectiva da não intervenção do Estado restringia-se ao setor econômico, já que Carvalho era adepto da livre concorrência como forma de um “verdadeiro capitalismo”. No campo político, ele negava a alteridade de grupos sociais emergentes e os direitos individuais que vão contra as tradições. Neste caso, um Estado interventor moralizante e repressor das liberdades individuais seria apoiado.

Segundo Álvaro Bianchi (2021, p. 73), Carvalho pode ser inserido no conceito de “conservadorismo tradicionalista”, uma vertente cultural ampla que rejeita a ideia de modernidade e agrupa correntes de caráter místico e político. Carvalho possuía uma ligação com o Tradicionalismo, pois organizou um discurso baseado no confronto entre o Bem e o Mal, em linguagem místico-religiosa, apelando para figuras bíblicas e perspectivas escatológicas, insinuando que se trata de uma guerra de fundo espiritual. Tal narrativa faz parte de uma linguagem tradicionalista na interpretação dos processos históricos, pois insere elementos sobrenaturais nas explicações dos fenômenos políticos e sociais, saindo do escopo científico e racional.

O Tradicionalismo caracteriza-se pelos seguintes pilares: 1) rejeição da modernidade (entendida como um período histórico em que há um recuo da religião pública em favor da razão, um enfraquecimento do simbólico em favor do literal, um desinteresse pelo espírito, pelas emoções e pelo sobrenatural em favor de coisas materiais; fé no progresso e apelos por liberdade e igualdade; padronização da vida social em detrimento das especificidades culturais e espirituais de cada povo ou nação). 2) Visão cíclica do tempo (haveria um ciclo de quatro idades – ouro, prata, bronze e idade sombria), de forma que sempre se retorna à idade inicial após um cataclisma, e a decadência recomeça, o que significa uma visão pessimista e fatalista da história. 3) Visão hierárquica dos grupos sociais (a sociedade seria formada por castas diferentes de pessoas, com a era de ouro governada pela casta dos sacerdotes, cuja superioridade proveria de seu acesso ao mundo espiritual superior; a era de prata governada pelos guerreiros, baseados na noção de honra; a era de bronze liderada pelos comerciantes, com seus valores materiais e interesse no lucro; e a idade sombria governada pelos escravos, incluindo a classe trabalhadora, cujo materialismo seria ainda mais avançado). Em cada idade a casta governante ditaria seus valores para toda a sociedade e as eras seriam assim distribuídas: era de ouro – sacerdotes e teocracia; era de prata – guerreiros e Estado militar; era de bronze – comerciantes e plutocracia; era sombria – massas e democracia ou comunismo. A chamada kaliyuga em sânscrito (Teitelbaum, 2020, p. 20-22).

Para Sedgwick (2020, p. 55 e 505), o aumento da influência do tradicionalismo a partir da década de 1960 está relacionado à síntese específica realizada por Rene Guénon de ideias e elementos, em sua maioria, já parte do pensamento ocidental há séculos. Os elementos reunidos por Guénon em sua síntese tradicionalista são: 1) ênfase na inversão – a sabedoria estaria no Oriente, pois o Ocidente teria regredido; 2) perenialismo – as religiões possuiriam traços essenciais que remetem a uma Verdade Primordial; 3) conceito de iniciação – o contato com essa Verdade Primordial se daria por rituais iniciáticos ou práticas esotéricas. A partir dessa síntese, Guénon critica o Ocidente, o ápice da modernidade, a qual teria atingido, inclusive, a cristandade, que teria abdicado de práticas esotéricas em favor das exotéricas (dogmas, doutrinas e rituais seguidos pelas massas em busca da salvação da alma). O Oriente é visto como o local onde as práticas iniciáticas e esotéricas ainda eram encontradas, ao passo que o Ocidente é considerado como regressivo e contrainiciático. O tradicionalismo pode então ser entendido como originado pela síntese entre a teoria da inversão, perenialismo e iniciação (Sedgwick, 2020, p. 507).

Carvalho possuía Guénon como referência, mas se relacionava de forma crítica com o legado teórico do autor, não aceitando, por exemplo, a teoria dos ciclos, por não acreditar que só haja coisas ruins com o desenrolar do processo histórico. Para ele, enquanto “muitas coisas estão ruindo, outras estão se erguendo”. Segundo ele, “é impossível que tudo se deteriore ao mesmo tempo. A história é cheia de contradições e de movimentos opostos.” (Teitelbaum, 2020, p. 228).

Carvalho afastou-se do pensamento de Guénon por discordar da associação que ele faz entre o Ocidente e a decadência moderna, apontando para uma suposta contribuição das tradições judaico-cristãs nesse processo, devido à ausência de práticas esotéricas e sua limitação a práticas exotéricas. Carvalho defendia as tradições judaico-cristãs e não apoiava a ideia antiocidental de culpar o Ocidente como um todo da decadência trazida pela modernidade. Parte deste Ocidente e de suas tradições deveriam ser resgatados do processo de “decadência” em curso. Carvalho não aceitava, portanto, a teoria da inversão, pois ela baseia-se em uma dicotomia Ocidente-Oriente.

Carvalho não seguia também a concepção hierárquica rígida das castas e seus valores, percebendo que os indivíduos mais próximos da espiritualidade não necessariamente pertencem ao grupo dos sacerdotes, podendo incluir pessoas comuns e simples de grande religiosidade cristã. Para ele, o “povo pobre do Brasil” entende melhor as coisas do que os intelectuais; por terem um instinto da realidade e um sentimento religioso cristão, seriam o chamado “Brasil profundo”, assim como admirava a América rural (Teitelbaum, 2020, p. 227). Além disso, ele estabelecia grandes críticas aos setores militares brasileiros[3], ou seja, aos olhos de Carvalho, pertencer ao grupo dos “guerreiros” não torna esses indivíduos superiores aos demais elementos da sociedade.

Quanto ao perenialismo, Carvalho aceitava a ideia da existência de uma Verdade Primordial e que todas as religiões possuem em seu núcleo uma metafísica ligada a essa Verdade – reafirmando a tese da “unidade transcendente de todas as religiões”. Não acreditava, no entanto, que as religiões são todas equivalentes e igualmente boas para a “salvação da alma”, pois elas não expressariam de forma perfeita essa Verdade, a única exceção seria o Catolicismo ocidental, visto por ele como o representante dos ensinamentos de Jesus Cristo, símbolo máximo, para ele, dessa Verdade. A sua ligação com o perenialismo, portanto, não o levava a aderir por completo à tese perenialista guenoniana (Cruz, 2020).

Os elementos tradicionalistas são bastante fortes no discurso de Olavo de Carvalho. Segundo Cláudio Carvalho (2020, p. 120), ele estava entre os que “defendem uma agenda ativa de engenharia social, baseada em agressiva ação em redes sociais”, pregando contra tudo que se relaciona com as heranças da modernidade. A “guerra cultural” que ele punha em curso baseia-se em um discurso anti-modernidade.

2. A Nova Ordem Mundial. A narrativa olavista

As teorias conspiratórias sempre estiveram presentes nas ideologias da extrema-direita, os Fascismos clássicos são um exemplo. Ao analisarmos a visão de Olavo de Carvalho, o primeiro ponto a assinalar é então o quadro teórico utilizado por ele, baseado em autores ligados a teorias conspiracionistas antissemitas que falam de um suposto projeto de dominação mundial liderado por grandes financistas e comunistas, entre eles, Antony Sutton e Nicholas Hagger, abordados mais à frente.

Haveria uma “unidade estratégica” entre forças díspares, com o propósito de destruir a civilização judaico-cristã ocidental. O ideólogo aponta o marxismo comunista como um dos grandes responsáveis por essa unidade, pois teria ampliado seu objetivo de uma simples “guerra contra o capitalismo” para a guerra contra a “civilização judaico-cristã”, o que exigia “uma diluição do perfil ideológico do próprio movimento comunista”, absorvendo “todas as correntes antiocidentais as mais heterogêneas”. Tal feito só teria sido possível após o fim da URSS, quando teria sido construída uma “aliança mundial de neocomunistas, anarquistas, neonazistas, radicais islâmicos e até budistas contra os EUA e Israel, as últimas fortalezas da civilização condenada”. Algumas nações europeias ocidentais colaborariam para essa estratégia porque suas tradições cristãs se enfraqueceram devido ao fenômeno da “imigração maciça e por uma longa e incansável sabotagem cultural”. Haveria ainda a colaboração de “alguns grupos político-econômicos norte-americanos… enlouquecidos pela ambição de mandar no mundo por meio do Estado global em germe na ONU”. A suposta unidade estratégica explicaria a atuação conjunta de “Estados, partidos, facções e ONGs das mais diversas filiações nominais” que apoiam “todas as causas, mesmo inconexas em aparência, que sirvam para corroer as bases da civilização ocidental”: antiamericanismo, o anti-israelismo, o anticristianismo, as quotas raciais, o desarmamento civil, o casamento gay, o alarmismo ecológico, o abortismo, o “politicamente correto”, entre outros (Carvalho, 2003).

Embora fale de guerra contra uma civilização, Carvalho não utilizava como aporte teórico Samuel Huntington[4], pois sua tese não é adequada à colocação do Islã como aliado de forças políticas de doutrina “ocidental” como o marxismo (Carvalho, 2003). O autor que ele considera importante na discussão é John Fonte e sua obra Liberal Democracy vs. Transnational Progressivism, publicada em 2002. Fonte “denunciou” em seu escrito a atuação de ONGs americanas que, na preparação da UN Conference Against Racism, enviaram, em outubro de 2000, uma carta para Mary Robinson, a Presidente da UN Human Rights, em decorrência de suas demandas por políticas de combate à discriminação racial terem tido pouco efeito por meio do “processo normal da Democracia Constitucional Americana no Congresso”. O autor alega que tais ONGs passaram por cima da Constituição americana e apelaram para a ONU na tentativa de colocar em prática as políticas que defendiam (Fonte, 2002, p. 1)[5].

O uso do artigo de John Fonte corrobora a sua ideia central de luta contra a “Democracia Liberal” americana por movimentos sociais progressistas, os quais Carvalho considera como contrários à civilização judaico-cristã ocidental e aliados do “marxismo cultural”. Carvalho camufla a sua inclinação para a extrema-direita com uma suposta defesa da democracia liberal, a qual pressupõe a aceitação dos conflitos sociais em uma sociedade plural e diversa e a construção de canais de expressão política e representativa dos variados grupos e movimentos sociais e suas demandas e interesses.

No entanto, Carvalho não defendia a diversidade e a legitimidade de uma miríade de movimentos sociais e políticos, porque ele era adepto da construção de uma sociedade homogênea baseada nos princípios judaico-cristãos, demonizando “inimigos” a serem combatidos na defesa de tais princípios. Trata-se de uma narrativa típica de grupos de extrema-direita, e não de democratas liberais. Ao corroborar a ideia de John Fonte, Carvalho transforma a luta contra as falhas da Democracia liberal representativa – a limitação da efetivação dos direitos de todos devido à hegemonia dos grupos dominantes nas instituições representativas – em luta contra a própria democracia liberal, quando, na verdade, as ONGs recorreram à ONU não por lutar contra a democracia liberal, mas por ela não fornecer aquilo que promete.

O chamado “globalismo”, segundo Carvalho, seria a “imposição” de políticas e valores universalistas às nações e culturas por instituições globais, “ameaçando” as tradições nacionais. O multiculturalismo – convivência em um mesmo espaço de indivíduos de culturas e religiões distintas – contribuiria para enfraquecer e destruir as tradições religiosas e culturais de uma nação, por isso, o discurso contra a “imigração maciça”. A questão dos Direitos Humanos universais também entra no que chamam de “globalismo”, pois, para tais grupos e pensadores da extrema-direita, não existem direitos estendidos a todos os membros da humanidade, o que existem são povos distintos que não são resumíveis ao universalismo individualista e humanista. Concepção semelhante à que os fascistas clássicos defendiam, inspirados no que Zeev Sternhell (1995) chamava de “nacionalismo tribal”, surgido no século XIX.

Carvalho acusava os “Rockfellers e Soros” de serem representantes do projeto globalista (Carvalho, [2020?], p. 28). Para Olavo, não são os EUA os grandes articuladores do “globalismo” – argumento bastante presente na visão do ideólogo russo Alexsandr Dugin, por exemplo –, mas a Rússia em associação com a China, isentando os EUA de qualquer responsabilidade na construção de uma ameaça global.

Três grupos são citados com seus respectivos projetos de dominação global: o “russo-chinês”, o “ocidental” (confundido com “anglo-americano”) e o “islâmico”. Os agentes que representam esses três projetos seriam, respectivamente, a elite governante da Rússia e da China, a elite financeira ocidental – especialmente o Clube Bilderberg, o Council on Foreign Relations (CFR) e a Comissão Trilateral – e a Fraternidade Islâmica – lideranças religiosas de vários países islâmicos e alguns governos de países muçulmanos (Carvalho, [2020?], p. 29).

Carvalho diferenciava essas forças históricas, afirmando que Rússia e China são forças geopolíticas associadas a interesses nacionais e regionais, enquanto a elite ocidental seria transnacional. As concepções de poder global também seriam distintas e atenderiam a ideologias igualmente diferentes. Tais forças, portanto, não teriam os mesmos objetivos, embora pudessem usar as mesmas armas, citando como exemplo a guerra econômica (Carvalho, [2020?], p. 29-30).

As análises estratégicas priorizariam fatores diferentes, sendo o ponto de vista geopolítico e militar central para Rússia e China e o ponto de vista econômico crucial para as elites ocidentais. Carvalho fazia uso, inclusive, do temo “classes dominantes” – o que é espantoso para um autor extremamente antimarxista. Segundo ele, a “classe” dos financistas e banqueiros internacionais está por trás do projeto globalista “ocidental”; já a burocracia, agentes dos serviços de inteligência e oficiais militares – “herdeiros da nomenklatura comunista” – seriam os atores do projeto globalista russo-chinês (Carvalho, [2020?], p. 30).

A geopolítica atual não poderia, para ele, ser baseada na disputa entre nações, pois a nação americana não estaria associada às elites financeiras ocidentais, que são forças transnacionais. No entanto, o projeto russo-chinês estaria ancorado em interesses nacionais e aos agentes estatais e governamentais, porque o regime comunista vigorado nesses países teria eliminado os demais agentes (Carvalho, [2020?], p. 30). Ou seja, as nações russa e chinesa estariam envolvidas em todo o processo de dominação global, mas a nação americana não.

O discurso da contraposição entre interesses nacionais no projeto russo-chinês e interesses econômicos das elites financeiras no Ocidente é a tentativa de contrapor uma “nação americana” pura e um “povo russo” e um “povo chinês” maléficos, já que, no caso russo e chinês, seriam as respectivas nações como um todo as responsáveis pelo suposto projeto de dominação global, enquanto, nos EUA, a nação americana seria vítima tanto do projeto ocidental (das elites econômicas) como do projeto nacional russo e chinês. Trata-se de um escamoteamento da realidade de que as elites econômicas capitalistas atuam nos dois casos, sendo as verdadeiras vítimas as classes trabalhadoras de todo o mundo, aspecto este que Carvalho não considera, já que a vítima para ele é uma nação idealizada.

A seguir, analisaremos como Carvalho constrói sua narrativa a respeito de cada uma dessas supostas forças conspiracionistas.

3. O Projeto Russo-Chinês

O fato de a Rússia e a China serem atualmente dois Estados que se contrapõem aos interesses norte-americanos no mundo e, mais especificamente, a China ter se tornado uma grande concorrente na conquista de mercados e na exportação de capitais, alcançando, inclusive, o próprio mercado norte-americano e regiões que eram predominantemente dominadas pelo capital dos EUA – sendo um exemplo a América Latina –, torna as duas nações um alvo para a narrativa conspiracionista de Olavo de Carvalho.

Em artigo escrito por ele ainda em 2005, são apontados os prejuízos trazidos pela entrada maciça de produtos chineses no mercado americano. Carvalho procurou trazer para a discussão o questionamento que ele fazia da simples analogia entre livre mercado e interesse nacional americano feita por intelectuais e setores midiáticos, enfatizando que o livre mercado globalizado vem beneficiando a economia chinesa. Neste artigo, ele acusou o Estado chinês de beneficiar o crescimento do seu poder nacional, enquanto os EUA, por apostarem “tudo na liberdade econômica”, sairiam prejudicados (Carvalho, 2005).

No entanto, o contexto dessa discussão é a disputa interimperialista, um dos aspectos do sistema capitalista, que procura expandir a acumulação de capital cada vez mais, gerando a concorrência entre países capitalistas. A narrativa olavista, porém, não aponta o capitalismo como o responsável pelos problemas que ele coloca, e sim constrói imaginários em relação à cultura e às supostas intenções conspiratórias presentes em um dos lados da disputa, fortalecendo um discurso em que a “nação americana” é a vítima e o outro, o algoz. Ele recorre, inclusive, a estereótipos, afirmando que “os americanos apostam no sucesso de um sistema econômico”, enquanto os chineses “usam esse sucesso como meio provisório para crescer e vencer no campo das armas”. Para ele, os americanos “querem apenas dinheiro”, mas os chineses querem “o dinheiro e tudo o mais – a completa destruição cultural, política, militar e econômica do inimigo” (Carvalho, 2005). O problema não é o capitalismo, mas um povo cujas tendências são destruir o outro, neste caso, o povo chinês. Trata-se de um discurso capaz de gerar animosidade contra todo um povo e sua cultura[6].

Carvalho desconsidera que o sistema do capital, independentemente de sua origem, tende a destruir modos de vida e sociabilidades tradicionais onde quer que penetre, ou seja, o que ele chama de “espírito de comerciante” do americano também levou à dissolução de culturas e tradições nas periferias do sistema capitalista como um todo. Não existe a dicotomia que ele aponta entre o americano e o chinês, o que existe é o modo de produção capitalista, defendido por ele e idealizado em oposição a um “metacapitalismo” (conceito que será discutido adiante) inventado por ele.

A China não é vista simplesmente como uma concorrente comercial dos EUA, mas como uma potência que pretende subverter a civilização judaico-cristã. O seguidor de Olavo de Carvalho e ex-ministro das Relações Exteriores do governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, dizia que a China não queria apenas fazer negócios, mas exportar o seu modelo de sociedade contrário à liberdade e à democracia ocidental (Albuquerque; Ives, 2010, p. 13).

A Rússia, por sua vez, é vista como corrupta, o que seria herança do período comunista – um “antro de corrupção e maldade” –, empenhada em espalhar “seus erros pelo mundo” (segundo a “profecia de Fátima”), tendo sido o comunismo um desses erros. A Rússia já teria, no passado, se apresentado como a portadora “da grande mensagem espiritual salvadora” por duas vezes: no século XIX, através do pensamento eslavófilo, que via o Ocidente como a fonte de todos os males e a Rússia como portadora do “verdadeiro cristianismo” – resultando em fracasso, sendo um exemplo a vitória do “comunismo materialista” no país –, e através do próprio comunismo, prometendo “paz, prosperidade e liberdade”, mas criando, na realidade, um “inferno totalitário” (Carvalho, [2020?], p. 33-34).

Na fala de Carvalho, não foram as reformas liberais de Yeltsin que corromperam a sociedade russa, pois o governo soviético “viveu essencialmente do roubo e da extorsão… e corrompeu a população mediante o hábito institucionalizado das propinas, das trocas de favores, do tráfico de influência, sem os quais a máquina estatal simplesmente não funcionava”. Aponta ainda para a transformação de membros da nomenklatura em “bilionários da noite para o dia, sem cortar os laços que os uniam ao velho aparato estatal, especialmente à KGB” (Carvalho, [2020?], p. 31-32).

Existe, portanto, uma russofobia e uma chinofobia em seu discurso, associadas a um anticomunismo exacerbado, relacionando comunismo com corrupção. As reformas liberais de Yeltsin não poderiam ser atribuídas à entrada definitiva do capitalismo na Rússia, mas ao desvio moral de elementos comunistas e seu “espírito da corrupção” materializado no surgimento dos bilionários russos. O capitalismo sai incólume da análise de Carvalho. Rússia e China são, então, associadas com um projeto de destruição do Ocidente judaico-cristão para eliminar as tradições, a liberdade e espalhar o comunismo no mundo. Essa narrativa só faz sentido se compreendermos como Olavo de Carvalho define socialismo e comunismo, o que será explicitado mais adiante, quando discutirmos o conceito de “metacapitalismo”.

O projeto “Eurasiano” seria um complô envolvendo organizações terroristas do Oriente Médio, movimentos esquerdistas, fascistas e neonazistas, aos quais a China e a Rússia estariam atreladas (Carvalho, [2020?], p. 28). A ideia de uma conspiração envolvendo elementos tão díspares como esquerda, Fascismo e Neonazismo é uma estratégia narrativa que associa a esquerda ao Fascismo e ao Nazismo clássicos. Carvalho retira tais fenômenos do campo da extrema-direita para culpabilizar a esquerda socialista e ou comunista pelos horrores das experiências fascistas.

4. O Projeto das Elites Ocidentais

No que diz respeito ao “projeto de dominação global” no “Ocidente”, é importante esclarecermos primeiramente quem são, quando surgiram e quais os objetivos das organizações que Carvalho apresenta como as grandes artífices desse suposto projeto. O Clube Bildeberg é uma conferência anual privada, ocorrida pela primeira vez em maio de 1954, no Hotel de Bildeberg, em Oosterbeek, nos Países Baixos, que reuniu 150 especialistas em indústria, finanças, educação e meios de comunicação que fazem parte da elite política e econômica da Europa e da América anglo-saxônica. O motivo da conferência foi a preocupação com o crescimento do antiamericanismo na Europa Ocidental, e a reunião visou promover o atlantismo e a cooperação entre as culturas norte-americana e europeia em assuntos de economia, política e defesa.

O período era de Guerra Fria e o fortalecimento dos interesses do capitalismo ocidental frente à URSS também era um dos objetivos do grupo. O sucesso da conferência levou à criação de reuniões anuais – realizadas em diferentes países – e ao estabelecimento de um comitê diretivo permanente. Com o fim da URSS, um dos adversários do grupo passou a ser a Rússia de Vladimir Putin. A nata do capitalismo participa e financia as reuniões, assim como líderes políticos do mundo ocidental (Aubourg, 2003; Hatch, 1962)[7].

O Council on Foreign Relations (CFR) é um instituto de pesquisa especializado em política externa e relações internacionais dos EUA, fundado em 1921, que se autodeclara independente e não partidário, cujos membros incluem políticos, secretários de Estado, diretores da CIA, banqueiros, advogados, professores, diretores e CEOS de grandes empresas e representantes da mídia. O grupo possui uma publicação bimensal, o Journal Foreign Affairs, desde 1922, e auxiliou, inclusive, o então Presidente dos EUA, Wodrow Wilson, na formulação dos famosos 14 pontos para o pós-Primeira Guerra Mundial (Schulzinger, 1984; Wala, 1994).

Já a Comissão Trilateral é um fórum de discussão privado fundado em julho de 1973 por iniciativa de David Rockefeller. Atualmente, consiste em aproximadamente 300 a 350 cidadãos da Europa, Ásia/Oceania e América do Norte e existe para promover cooperação política e econômica mais íntima entre tais áreas. Os membros incluem presidentes de corporações, políticos dos maiores partidos, acadêmicos reconhecidos, presidentes de universidades, líderes de uniões de trabalhadores e ONGs envolvidas em filantropia exterior (Assmann et al., 1990).

Essas três instituições representam, de fato, os interesses dos grandes capitalistas no mundo, que financiam campanhas políticas que representem suas demandas e análises sobre questões de política externa e relações internacionais do ponto de vista dos interesses geopolíticos das grandes corporações. Mas a ideia de uma “grande conspiração” arquitetada para dominar o mundo, como se esses grupos formassem uma espécie de sociedades secretas, é evidentemente um grande exagero das teses conspiracionistas, inclusive, o CFR possui um site de divulgação dos seus objetivos e suas análises são públicas no periódico publicado pelo grupo.

Carvalho diferencia o “Ocidente” e a nação norte-americana e o Ocidente enquanto entidade cultural e valorativa e as “elites” localizadas no Ocidente. O termo ocidental aparece entre aspas, o que é um sinal de grande relevância na concepção olavista de ordem mundial. Ele se utiliza da transnacionalidade das grandes empresas e do fluxo contínuo de capital da era da globalização para dissociar a “verdadeira nação americana” de qualquer projeto de dominação global, afirmando que quando os interesses das elites colidem com os das suas nações de origem, tais elites voltam-se contra a própria pátria, a subjugam e a destroem, se preciso (Carvalho, [2020?], p. 31).

A categoria “classe social” aparece na narrativa de Carvalho, quando aborda o suposto projeto “ocidental”. Mas o ideólogo não usa o termo “classes dominantes” no viés marxista, pois, embora coloque a questão da dominação da elite financeira, não combate o capitalismo e a propriedade privada dos meios de produção. Para ele, as vítimas não são classes trabalhadoras, o algoz não é o capitalismo; as vítimas são nações, culturas, civilizações. Inclusive, o autor dissocia os banqueiros e os grandes capitalistas da própria ideia de capitalismo, vendo esse grupo como um desvio do ideal capitalista ou do “verdadeiro capitalismo” (o da livre concorrência, segundo ele), além de associar esse grupo aos comunistas, em uma reedição da visão antissemita do Fascismo clássico, que associava os comunistas e os banqueiros capitalistas através da figura do “judeu”.

Usando como aporte teórico Nicholas Hagger[8] e sua obra The Syndicate (2009) – termo que prefere substituir por “Consórcio” –, Carvalho ([2020?], p. 49) refere-se a uma “organização de grandes capitalistas e banqueiros internacionais, empenhados em instaurar uma ditadura mundial socialista”. O que seria o Consórcio, segundo ele? 1. Teria se formado por iniciativa da família Rothschild; 2. Reuniria centenas de famílias bilionárias para executar planos globais que assegurem a continuidade de seu poder; 3. Seria uma sucessão dinástica, com a continuidade de sua ação no tempo através da passagem da liderança de pais para filhos; 4. Atuaria por várias organizações espalhadas pelo mundo sem uma identidade jurídica, comandando processos econômicos, políticos, culturais e militares sem ser responsabilizado por seus resultados; 5. Seria uma entidade supranacional formada por famílias de nacionalidades diversas e independentes de qualquer interesse nacional (Carvalho, [2020?], p. 49).

Após definir o Consórcio, Carvalho aborda suas estratégias. Segundo ele, o Consórcio usa “os governos como instrumentos de planos que prejudicam as suas nações”, e depois acusa-os “de prepotência nacionalista e imperialista”; destroem o “poder, a economia e a soberania dos EUA por meio de medidas que depois serão atribuídas à motivação exatamente oposta e imputadas à ‘voracidade imperialista ianque’”. Dá como exemplo os acordos de Breton Woods, os quais não seriam a expressão da dominação da economia mundial pelos EUA, pois teriam levado os EUA a saírem da posição de credores para devedores (Carvalho, [2020?], p. 49).

Carvalho usa a situação de déficit na balança de pagamentos dos EUA no pós-guerra como uma “prova” de que não houve uma dominação da economia mundial pelos EUA. Na visão dele, os custos do processo de dominação norte-americana, no contexto da Guerra Fria, para manter a política de contenção ao comunismo (considerando-se que seus aliados europeus e japoneses não tinham condições econômicas de dividirem tais custos no imediato pós-guerra), deixam de ser projeto de dominação, como se este não fosse custoso, somente lucrativo.

A ocultação de que tais “prejuízos” americanos foram o resultado da política de contenção ao comunismo permite que Carvalho associe as ações das elites capitalistas dos EUA com o próprio comunismo, construindo uma ponte, do ponto de vista real, impossível de ocorrer entre comunistas e grandes capitalistas (ou metacapitalistas). Para explicar como é possível que socialismo (que seria propriedade estatal dos meios de produção[9]) e capitalismo (propriedade privada dos meios de produção) atuem em conjunto, Carvalho introduz um argumento cheio de subterfúgios.

Ele inicia definindo o que seria “propriedade dos meios de produção” – não seria mera posse, mas a propriedade legal reconhecida pelo Estado, que dá o direito do proprietário de dispor de sua propriedade como bem entender, dentro dos limites da lei. Porém, seria preciso investigar por trás da ordem legal as condições de controle real e prático, a estrutura de poder. Os burgueses seriam proprietários legais, mas o governo socialista seria “um controlador absoluto, independentemente e acima de qualquer ordem legal.” (Carvalho, [2020?], p. 51).

Em vários lugares o método socialista teria sido adotar a intervenção estatal cada vez maior na economia, “sem fazer do Estado o proprietário legal direto dos meios de produção, o que o tornaria sujeito a responsabilidades jurídicas e cobranças que poderiam retardar e obstaculizar a própria caminhada rumo ao socialismo”. Onde vigorou o que ele chama de “estrategia pacífica”, o Estado se isentaria de responsabilidades de um proprietário, mas subjugaria os proprietários legais “por meio de controles fiscais, trabalhistas, sanitários e técnicos até o ponto em que os capitalistas se tornariam simples gerentes a serviço do Estado, arcando, ao mesmo tempo, com as responsabilidades legais às quais o Estado se furtava” (Carvalho, [2020?], p. 51).

Além disso, o verdadeiro capitalismo não seria o de monopólios e oligopólios – monopólio é associado por Carvalho ao socialismo, nos casos em que ele se instaura através do monopólio estatal sobre a propriedade dos meios de produção. O verdadeiro capitalismo, por seu lado, seria baseado na concorrência. A concentração e a centralização de capital não fariam parte do desenvolvimento do capitalismo, mas seriam resultado de iniciativas de indivíduos maléficos, que só pensam em aumentar os seus lucros à custa da livre concorrência. Assim, o problema não estaria no sistema, mas na ética e na moral dos indivíduos. Nasce o conceito de metacapitalismo, desenvolvido por Carvalho para se referir aos empresários que não querem se submeter à livre concorrência. “A classe que transcendeu o capitalismo e o transformou no único socialismo que algum dia existiu ou existirá: o socialismo dos grão senhores e dos engenheiros sociais a seu serviço.” (Cruz, 2021, p. 252-253).

Carvalho relaciona ao socialismo a existência de grandes conglomerados transnacionais, que oligopolizam ou monopolizam o mercado. Assim, aquilo que pertence ao sistema capitalista por excelência é transferido para o campo do socialismo. O problema não é o capital, mas a ação de indivíduos maléficos, que possuem a mesma essência dos comunistas e que, por isso, com eles se associam para dominar o mundo. A ponte que Carvalho faz entre empresários oligopolistas e o socialismo/comunismo é através da categoria monopólio e do suposto combate à “sociedade verdadeiramente individualista e livre”. Por isso, uma das referências teóricas do ideólogo é Anthony Sutton, o qual afirma que houve apoio de banqueiros aos bolcheviques, e tal apoio teria ocorrido porque os bolcheviques lhes deram acesso ao poder, pois comungavam com eles a oposição à liberdade, principalmente a de mercado (Cruz, 2021, p. 253).

Antony Sutton (2011) é um economista e historiador britânico, cujo enfoque central era a suposta aliança entre as grandes finanças de Wall Street e da Europa e a Revolução Bolchevique, apontando para financiamentos milionários dos banqueiros ao movimento revolucionário russo. Tanto Hagger (citado anteriormente) como Sutton fazem parte de uma literatura conspiracionista de caráter antissemita muito utilizada pelo Fascismo clássico para ligar banqueiros e comunistas a um suposto projeto de dominação mundial.

Os metacapitalistas não seriam, portanto, anticomunistas, apenas os pequenos e médios empresários, a classe média e o povo em geral “que precisam da concorrência para crescer de status social”. Romantiza-se o capitalismo, definindo-o simplesmente como concorrência leal no mercado e lastreando as ações “éticas” dos verdadeiros capitalistas nas tradições cristãs; daí compreende-se a ideia que Carvalho faz da “verdadeira nação americana”, forjada pelos imigrantes cristãos brancos europeus que cresceram através do trabalho honesto, preservando-se a liberdade.

O objetivo político de romantizar o capitalismo, associando-o com o reino da liberdade e da individualidade, não permite que se aceite como parte inerente da realidade do capital os oligopólios e monopólios. Desconsidera-se, então, que a concorrência leva ao fim dela própria, em um movimento já descrito por Marx (1996, p. 255-258), ao analisar o fenômeno da centralização e da concentração de capitais como inerente ao capitalismo.

O conceito de metacapitalismo é, portanto, a tentativa de dissociar o fenômeno da concentração e centralização de capitais do sistema capitalista, transferindo-o para a responsabilidade de indivíduos de moral duvidosa e que teriam se afastado das tradições cristãs. A moralização do fenômeno o desloca do próprio sistema capitalista, que leva à necessidade da eliminação dos concorrentes no impulso de acumular taxas de lucro cada vez maiores, associado à formação do mercado mundial, que escapa à esfera das decisões de escopo individual (Cruz, 2021 p. 254).

A estratégia narrativa de Carvalho, ao defender que o socialismo e o comunismo são forças atuantes hoje no mundo, é definir o conceito de capitalismo não como a propriedade privada dos meios de produção garantidas pela lei, mas como a liberdade de dispor da relação capital-trabalho e de todo o lucro como bem entender. Qualquer tipo de intervenção estatal na economia e de políticas trabalhistas e fiscais que interfiram na liberdade do capital já seriam sinônimo de socialismo, muito embora grande parte dos lucros estejam concentrados em mãos privadas à custa da maioria da população.

Socialismo ou comunismo seriam simplesmente sinônimo de intervenção estatal, permitindo a Carvalho colocar todo e qualquer regime que adote algum tipo de intervenção do Estado na economia e na sociedade como sendo exemplo de dominação socialista ou comunista.

5. O Projeto da Fraternidade Islâmica

A Fraternidade Islâmica seria “uma organização transnacional: ela governa alguns países, em outros está na oposição, mas sua influência é onipresente no mundo islâmico” (Carvalho, [2020?], p. 31). Haveria um projeto de criação de um Califado Universal com pretensões de governar o mundo inteiro de acordo com os preceitos corânicos. Todos os Estados muçulmanos, ainda que possa haver divergências de interesses nacionais entre eles, estariam representados por esse projeto globalista, ou seja, Carvalho aponta para um grupo específico, mas mira no Islamismo e nos Estados muçulmanos como um todo, passando por cima de uma miríade de vertentes e projetos totalmente díspares dentro do chamado mundo islâmico.

Para a desconstrução dessa narrativa conspiratória, é importante enfatizar que o Islamismo é bastante diverso e multifacetado em termos teóricos e ideais centrais. São várias correntes de pensamento existentes dentro do Islã. Segundo Costa (2010, p. 1), há correntes com um caráter mais político, que atuam dentro das instituições políticas e constitucionais de um país; outras possuem um viés missionário e apolítico, visando apenas reforçar a fé e a conduta moral islâmica e educando os muçulmanos para a prática de um Islã tradicional; e existem também as correntes mais radicais, que usam estratégias de confronto com os regimes muçulmanos e o mundo ocidental. Muitos dos governos que Carvalho considera representados pelo Globalismo islâmico não são aceitos por vertentes dentro do Islã mais radical, o que invalida a tese de uma grande conspiração envolvendo todos esses regimes e outras forças políticas islâmicas.

A Fraternidade Islâmica ou Irmandade Muçulmana foi criada por Hassan al-Banna em 1928, no Egito, como resposta ao colonialismo e ao ocidentalismo vistos como corruptores da sociedade egípcia, e defendia que o Islã deveria ser o centro da organização política, social e econômica. O grupo é também a primeira “forma articulada do Islamismo político”, pois defendia o estabelecimento de um Estado islâmico como alternativa ao sistema político da época. Atualmente, no entanto, procura atuar através dos canais legais, sendo considerado, inclusive, um Islamismo moderado, pregando uma abordagem gradual da mudança e defendendo a islamização da base para o topo da sociedade, por meio da educação da população para a criação de um Estado islâmico. Inicialmente, o grupo contestava a legitimidade dos Estados resultantes da divisão do Oriente Médio pelas potências colonizadoras, mas acabou assumindo uma postura mais pragmática com o decorrer do tempo, demonstrando uma flexibilidade e uma capacidade de adaptação às novas circunstâncias (Costa, 2010, p. 9-10).

Os membros da Fraternidade Islâmica foram perseguidos durante as décadas de 1950 e 1960 pelo governo egípcio da época, causando a emigração de vários militantes do grupo para outros países. O principal ideólogo do movimento passou a ser Sayyid Qutb, considerado o padrinho dos islamistas radicais. A organização dividiu-se, então, em duas visões opostas: a reformista, representada pelo novo líder da organização a partir de 1951, Hassan al-Hudaybi, que defende a atuação política dentro do sistema; e a visão radical de Qutb, que rejeitava totalmente a ordem existente. As ideias desta última vertente se basearam no surgimento de outros grupos islamistas no Egito, entre eles, o Takfir w’al-Hijra[10], a Jamaat Islamiyya[11] e a Al-Jihad[12], que não hesitam em usar a força para desestabilizar a política e a economia da sociedade (Costa, 2010, p.10-11).

O chamado Jihadismo é um fenômeno recente dentro da tendência mais radical do movimento. Segundo Qutb, a jihad era uma revolução permanente contra os inimigos do Islã, considerados “usurpadores da soberania divina”. A partir daí, os jihadistas adotam a violência em nome da religião, com o propósito de tomar o poder e islamizar (“verdadeiramente”) a sociedade de forma autoritária (Costa, 2010, p. 15).

Atualmente, a Fraternidade Islâmica possui vários ramos em diversos países do Oriente Médio e do Golfo Pérsico, e tenta obter o poder nesses locais através de eleições e promover a construção de uma sociedade islâmica através da mobilização social, do apoio às camadas mais pobres da população e da difusão dos ideais islâmicos. Inclusive, a participação do grupo no sistema eleitoral levou a fortes ataques por parte de organizações mais radicais e de tendência jihadista (Costa, 2010, p. 11).

Quando Olavo de Carvalho associa a Fraternidade Islâmica com um projeto de dominação global, ele está se baseando nas práticas jihadistas dos vários grupos islâmicos de tendências mais radicais, sendo um deles, a vertente radical da própria Fraternidade Islâmica que, no entanto, é apenas uma parte do movimento. Os jihadistas tendem a se considerar uma espécie de vanguarda da ummah (comunidade islâmica), os detentores do monopólio da verdade e da moral e os únicos verdadeiros muçulmanos, com qualificações para impor o Islã autêntico aos infiéis. Eles fazem uma interpretação reacionária e seletiva dos cânones religiosos e tentam impor a sua interpretação ao Estado e à sociedade. As principais vítimas desses fundamentalistas islâmicos são os próprios muçulmanos que não seguem a visão radical desses grupos (Costa, 2010, p. 15).

Existem três variantes principais dentro do jihadismo: a) o jihadismo irredentista, que luta pela recuperação da terra do Islã, retirando-a de governos não muçulmanos ou de ocupantes externos (exemplos são as lutas no Afeganistão, na Chechênia e na Palestina); b) o jihadismo interno, cujos alvos são os governos muçulmanos considerados ímpios (como a Al-Jihad e o Grupo Islâmico no Egito); c) o jihadismo global, que luta contra o Ocidente, visto como inimigo do Islã e responsável pela existência do Estado de Israel, apoiando também regimes muçulmanos corruptos no Oriente Médio. A globalização do jihadismo data de meados da década de 1990, quando surgiu a organização Al-Qaeda e outros grupos associados (Costa, 2010, p. 16)[13].

Assim, o que se chama de Jihad global é a extensão das ações para os países do Ocidente, por sua interferência nas regiões de tradição islâmica e apoio a governos considerados ocidentalizados e corruptores dos ideais do Islã. Atua-se nas comunidades muçulmanas espalhadas pela Europa, no sentido de procurar fortalecer os ideais islâmicos em seu interior, podendo levar ao recrutamento nessas comunidades de militantes para a causa jihadista. Embora a jihad global estenda seu campo de atuação para o Ocidente, não significa a intenção de derrubar governos ocidentais, se apossar dos seus Estados e impor a sharia para todos os povos do Ocidente.

O discurso de Carvalho aponta para um projeto deliberado de “islamização da Europa”, cuja principal estratégia seria o movimento migratório de muçulmanos para o solo europeu. (Cruz, 2020, p. 359) Ele define o Islã como “por essência um projeto de sociedade, um código civil completo que regula todas as relações humanas”, que só aceitaria conviver com outras formas de sociedade “enquanto não se sente forte o bastante para islamizá-las de alto a baixo e banir do espaço público – e até mesmo da vida privada – tudo o que não seja expressamente determinado pelo Corão.” Islã seria sinônimo de autoritarismo e pretenderia a “dominação total” (Carvalho, 2013). Haveria também uma guerra cultural entre civilizações do “bem” e do “mal” (CRUZ, 2020, p. 361).

Carvalho omite as razões sociais e econômicas da imigração muçulmana para a Europa e o grande número de muçulmanos na Europa é interpretado como resultado de “conspirações islâmicas”, e não de processos históricos de caráter econômico e social. Transformam-se as populações muçulmanas, que muitas vezes vivem em situação precária e marginalizadas nos países europeus, em algozes da civilização judaico-cristã (Cruz, 2020, p. 363).

Há influências do pensamento neoconservador norte-americano[14] no pensamento olavista, que possui interligações ideológicas com a extrema-direita próxima ao Fascismo, por buscar uma sociedade harmoniosa, homogênea (étnica e cultural) e sem conflitos de classe, além de defender o resgate da sociedade tradicional, baseado nos princípios de família, religião e desenvolvimento da nação acima dos objetivos individuais (MILZA, 1992).

Carvalho acreditava ainda na existência de um projeto de formação de uma religião única para dominar o mundo, ligado ao “Anticristo”, usando como referências teóricas Lee Penn e Charles Upton[15]. Essa “religião mundial” seria o Islã, e haveria uma “colaboração íntima entre governos islâmicos e regimes comunistas no esforço antiocidental conjunto”, assim como o apoio da esquerda mundial à “ocupação muçulmana do Ocidente pela imigração em massa” (Carvalho, 2016).

Weber (2010) nos ajuda a refletir sobre o fenômeno da islamofobia. Ela parte de uma metáfora que vê a cultura islâmica como uma “besta” a ser combatida, construindo-se o sentimento do medo generalizado, com resultados coletivos. Já Pinto (2010, p. 21-22) relaciona a islamofobia com os discursos orientalistas, que constroem um imaginário cultural acerca do Islã como uma alteridade radical, dotando-o de qualidades negativas – irracionalidade, fanatismo, autoritarismo, opressão às mulheres, violência e tradicionalismo – em contraste ao “mundo ocidental” – permeado pela razão, tolerância, liberdade, igualdade e modernidade.

A ideia de dominação global ancora-se em um delírio conspiracionista, desconsiderando que as ações e discursos dos grupos mais radicais, ainda que tenham tomado uma dimensão global, limitam seus projetos de derrubada de governos às localidades em que tradicionalmente o Islã predomina historicamente, como no Oriente Médio, por exemplo, pois tais governos são vistos como traidores do verdadeiro Islã, enquanto a luta contra o Ocidente se restringe a ataques “terroristas” em cidades europeias e norte-americanas como forma de protesto contra as ações dos governos ocidentais em território que eles consideram como islâmicos, não havendo projetos de islamizar e controlar todos os governos do mundo.

As menções de Carvalho ao envolvimento de governos ocidentais com grupos políticos e governos islâmicos são baseadas na ideia de que o Consórcio das elites ocidentais metacapitalistas apoiam financeiramente e militarmente forças contrárias à civilização ocidental e à “verdadeira nação americana”, como grupos islâmicos e comunistas (Carvalho, [2020?], p. 103). A sua narrativa liga o Consórcio, os comunistas e o Islamismo, enquanto forças atuantes em conjunto para desestabilizar e destruir a civilização ocidental e a “nação americana”.

6. O contexto das disputas interimperialistas e o discurso Olavista

As ideias não brotam do nada, estão sempre inseridas em um contexto histórico e muitas vezes relacionadas a interesses e à visão de mundo de uma classe social. A narrativa olavista sobre a Nova Ordem Mundial não é plenamente inteligível se não nos atentarmos para as disputas interimperialistas que ocorrem no capitalismo contemporâneo, notadamente após a queda da URSS, a ascensão da economia chinesa no mundo e a recuperação do status de grande potência pela Rússia, sem contar com os problemas estruturais do capitalismo.

Analistas da geopolítica e da economia mundiais apontam para a existência de uma guerra comercial entre EUA e China. Se levarmos em conta o período do governo Trump, cujo principal assessor, Steve Bannon, mantinha contato com Olavo de Carvalho, perceberemos que os temores da extrema direita nos EUA com a perda de prestígio e poder da economia americana no mundo tiveram o seu eco no discurso olavista.

Por volta de julho de 2018, o governo Trump ameaçou tributar as importações chinesas no valor de 500 bilhões de dólares, com a justificativa da perda de empregos devido à concorrência das mercadorias chinesas no mercado americano e a um suposto roubo da tecnologia dos EUA e invasão de suas patentes e segredos industriais, além dos subsídios que a China forneceria para suas empresas, levando a uma concorrência desleal (Nadal, 2018).

No contexto das reformas de Deng Xiaoping, a China preocupou-se em não apenas abrir o mercado chinês para investimentos estrangeiros, mas em absorver tecnologias estrangeiras para o seu desenvolvimento nacional. Apesar de a OMC ter obrigado a China a não exigir das empresas que investissem em seu mercado a transferência de tecnologias, a estratégia chinesa não era ilegal porque o governo chinês restringiu os setores em que foi aceito o Investimento Estrangeiro Direto (IED) – os mesmos só seriam realizados em projetos envolvendo empresas conjuntas, em que eram legalmente permitidas pela OMC a transferência e a absorção de tecnologias (Nadal, 2018)[16].

A expansão da China na economia mundial ameaça a hegemonia americana até então existente, já em processo de declínio há algumas décadas. Escobar (2018) aponta para um contexto de “virada no Grande Quadro geopolítico e econômico” com o projeto Made in China 2025[17], que tornará o país uma usina geradora de alta tecnologia equivalente ou superando EUA e UE.

Os EUA começaram a reagir ao surgimento de concorrentes no cenário internacional (primeiramente, a Europa e o Japão, e depois o Leste e o Sudeste asiáticos), a partir da década de 1970, e a reestruturação do capitalismo internacional, depois de 1973, foi uma tentativa de manter a hegemonia americana na economia mundial (Gowan, 1999; Harvey, 2003). O Tesouro dos EUA e Wall Street eram operados pelo Estado americano para impulsionar o processo de globalização e forçar as economias periféricas a adotarem medidas neoliberais, ampliando as oportunidades de lucros e investimentos dos capitais (Harvey, 2003).

A China reorientou o capitalismo dentro de suas fronteiras, adotando uma espécie de “neoliberalismo com características chinesas” (Escobar, 2018). Para Harvey (2003), o programa de modernização massiva da China seria “uma versão interna de reorientação espaço-temporal” que vem drenando o capital excedente do Japão, de Taiwan e da Coreia do Sul e reduzindo os fluxos para os EUA.

As ameaças trumpistas de aumento das tarifas para os produtos chineses podem ter sido uma estratégia para forçar a cadeia de suprimentos das empresas americanas a diminuir a sua dependência da China. Porém, isso exigiria um fenômeno contrário à transnacionalização da produção, que realoca a parte industrial para zonas periféricas com mão de obra mais barata. Ou seja, as empresas deveriam “des-deslocalizar” a produção de volta aos EUA, conforme preconizava Trump (Escobar, 2018). Mas as empresas agem em busca de maiores lucros e menores custos de produção, e não de acordo com fatores geopolíticos ou voltados para projetos de desenvolvimento nacional, a não ser que possam obter altos lucros com isso.

Embora Carvalho “denuncie” os interesses lucrativos colocados acima de tudo pelas grandes empresas, dizendo que a elite financeira do Ocidente age contra a nação americana, ele não ataca o cerne do problema – o sistema capitalista –, e seu discurso é feito em nome dos setores que compõem, para ele, a “verdadeira nação americana”, as camadas médias brancas e cristãs da sociedade, prejudicadas com a desindustrialização do país e com a perda de empregos. Por isso, advoga a volta ao “verdadeiro capitalismo”, o de livre concorrência entre pequenas e médias empresas, como se quisesse resgatar um passado idílico, quando os primeiros imigrantes brancos e cristãos aportaram na América e venceram por seu próprio mérito em seus empreendimentos capitalistas de pequeno e médio porte.

A China vem adotando estratégias de deslocalização da alta tecnologia integrada com centros de excelência norte-americanos. Um exemplo é o Zhongguancun Development Group (ZDG), que estabeleceu vários centros de inovação fora da China[18]. Tais centros fornecem o capital e os laboratórios, estando integrados ao projeto “Um cinturão, uma rota” (One Belt, One RoadOBOR)[19] e ao objetivo de apreender a experiência de outros países. Um outro fator da expansão chinesa é o multipolarismo e tem a China como motor de integração da Eurásia (Escobar, 2018).

Alves (2018a) aborda o “triângulo estratégico que desafia o Ocidente e os EUA” – a Rússia, a Índia e a China (o RIC) –, apontando para “a mudança de hegemonia global e a ascensão do século asiático, liderado pela China”. Esse “triângulo” vem exercendo importante papel na governança global, sendo gigantes econômicos e políticos que possuem grande arsenal nuclear. O grupo RIC é formado pelos dois países mais populosos do mundo e o país mais extenso do globo, e os três países são os grandes atores da Eurásia – que abriga a maior parte da economia internacional. Portanto, “dominar a Eurásia é o primeiro passo para o domínio global do Planeta” (Alves, 2018a).

Alves (2018a) diz ainda que o grupo RIC está “reconfigurando um novo tipo de globalização com base em um projeto diferente do modelo da economia de mercado e da democracia liberal. Está em gestação o século da Ásia e a Orientalização do mundo”. Ou seja, enquanto Marx e Engels (1997) falavam da força do capitalismo ocidental, demonstrando como os preços baratos de suas mercadorias derrubavam até as muralhas da China, hoje são as mercadorias chinesas baratas que invadem os mercados mundiais. O país é hoje um grande ator imperialista no mundo, exportando capitais, comprando empresas e terras em várias partes do mundo e se destacando na transformação da matriz energética e na indústria dos carros elétricos. O chamado “imperialismo chinês” se apresenta também, segundo Helen Davidson – em artigo publicado no The Guardian, em 15 de maio de 2018, na “diplomacia dos livros de dívida”, um novo tipo de dependência sem ocupação e sem o colonialismo tradicional, mas que mantém os países sob sua influência, utilizando as enormes reservas chinesas para emprestar dinheiro para as nações carentes de recursos e infraestrutura (ALVES, 2018a).

Há ainda o processo de cooperação da China com a União Econômica da Eurásia – bloco comercial criado em 2015 entre a Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguizistão e a Federação Russa – com um mercado integrado de mais de 183 milhões de pessoas e um PIB (em termos de paridade de poder de compra) de mais de US$ 4 trilhões. Um acordo de cooperação comercial e econômica entre a China e a União Econômica Eurásia foi assinado em maio de 2018. “Este acordo é um divisor de águas e um avanço significativo nas ambições da China de levar as mercadorias chinesas por todo o continente Euroasiático” (Alves, 2018a).

A China vem fortalecendo sua aliança com a Rússia, buscando laços bilaterais mais estreitos através da venda de armas, de acordos de energia e desenvolvimento de forças armadas, tendo realizado com os russos exercícios navais combinados no sul da China, nos mares Bálticos e no Mar do Japão, áreas de grandes tensões com os EUA. Tanto a Rússia como a China tentam enfraquecer a ordem internacional construída sob o domínio dos EUA e de seus parceiros ocidentais (Alves, 2018a).

Outra iniciativa no campo da geopolítica atual é a Organização de Cooperação de Shanghai (OCS)[20], cujos membros plenos são China, Índia, Cazaquistão, Quirguistão, Paquistão, Rússia, Tadjiquistão e Uzbequistão, que representam mais de 60% do território eurasiático, quase metade da população global e cerca de 30% do PIB mundial (Alves, 2018a).

Segundo Pennaforte (2022), o mundo entrou na “Pós-Guerra Fria Tardia”, uma nova etapa na qual a supremacia estadunidense é superada pela nova realidade do país: o seu declínio geopolítico. A Rússia é mais uma grande ameaça à hegemonia norte-americana, pois recuperou-se do ponto vista econômico, social e militar, voltando a despontar (como nos tempos da URSS) como uma grande potência, notadamente após a ascensão de Vladimir Putin à Presidência. Rússia e China são dois atores antissistêmicos com projetos nacionais autônomos.

Segundo Camargo (2018), Putin tem dois projetos para a Rússia: consolidação do espaço da Heartland como condição de espaço vital do Estado; e o fortalecimento da Multipolaridade da Ordem Internacional. Já Meshcheryakov (2014) argumenta que a política externa da Rússia visa à consolidação de uma hegemonia local na Eurásia e enfatiza a eficácia de Moscou em construir um sistema de cooperação com a Ásia Central – com Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão sendo aliados russos e o Turquemenistão um parceiro estratégico –, e nenhuma dessas repúblicas são membros de organizações internacionais que contrariam a influência russa (como a OTAN, por exemplo).

A figura de Putin é emblemática, pois ele liderou a recuperação da Rússia como um ator de peso no sistema internacional, deixando para trás a época imediatamente posterior ao desmonte soviético, quando a Federação Russa se rebaixou econômica e geopoliticamente, em consequência das políticas de liberalização total da economia. A recuperação do status de grande potência, no sentido econômico e geopolítico, resultou na transformação da Rússia atual em um gigante euroasiático, que procura se aliar com uma China em expansão, reconfigurando a ordem internacional, gerando novos polos de poder em contraposição à hegemonia norte-americana.

A conclusão a que podemos chegar, diante do quadro de disputas interimperialistas entre EUA e o bloco Rússia e China, é que a crítica ao “globalismo”, presente na fala de Olavo de Carvalho e também do ex-Presidente Trump e de Steve Bannon, enquadra-se na percepção de que a ameaça da concorrência russo-chinesa exigiria medidas protecionistas, indo de encontro ao livre mercado globalizado, que vem permitindo que o mercado norte-americano seja dominado em grande parte pelos produtos chineses. Enquanto a economia dos EUA tinha a hegemonia mundial, tais preocupações não existiam ou eram ínfimas, mas a expansão da China e do bloco euroasiático acendeu o alerta, fazendo com que grupos de extrema-direita elaborem uma narrativa antiglobalista e construam imaginários fóbicos acerca do que consideram os “inimigos” da “verdadeira nação americana”, uma classe média branca e cristã, que percebe uma ameaça aos seus valores pelo multiculturalismo e à sua posição social, que os extremistas de direita capitalizam colocando a culpa simplesmente na concorrência chinesa e nas estratégias de transnacionalização da produção dos grandes conglomerados americanos.

No entanto, grande parte dos problemas do desemprego e da queda do nível de vida das classes trabalhadoras norte-americanas, incluindo os setores médios, não foi causada pela concorrência com a China, que levou à perda de 985 mil empregos industriais entre 1999 e 2011, “menos de um quinto da perda absoluta de empregos industriais ao longo desse período e uma fração ainda menor do declínio industrial de longo prazo”, segundo estudo citado por Michael Roberts (2016), para quem o problema está no próprio capitalismo, pois as empresas americanas ganharam em “eficiência”, graças aos processos de automação, destruindo vários postos de trabalho. Se os trabalhadores e setores médios da sociedade americana sofrem com o desemprego e a queda em seu nível de vida, não é porque os empregos estão indo para a China, mas porque o capital procura cortar seus custos e desenvolver tecnologias que poupam mão de obra, em busca do aumento de suas taxas de lucro.

A extrema-direita nunca enxergou o real problema, preferindo construir um discurso xenofóbico, intolerante e conspiracionista. Eis o que significa a narrativa de Olavo de Carvalho sobre a Nova Ordem Mundial.

Conclusão

Este texto se encerra trazendo uma característica do pensamento olavista que é a de apresentar dados da realidade incontestáveis como prova de que a sua interpretação conspiracionista para tais dados é verdadeira, mas tal interpretação é desprovida de qualquer análise contextual dos dados apresentados, preferindo fornecer ao público uma explicação simplista que valide a sua concepção da realidade.

A título de exemplo, o fato de haver investimentos de empresas americanas na China significam, para ele, que os metacapitalistas americanos são associados com os comunistas, já que a China é comandada ainda pelo monopólio do Partido Comunista Chinês. O contexto histórico em que as reformas capitalistas na China se inserem não são importantes em seu discurso. O raciocínio olavista parte do pressuposto que sempre há uma conspiração por trás de determinadas decisões geopolíticas e econômicas.

A narrativa de Olavo de Carvalho acerca da Nova Ordem Mundial tem como pilar central a ideia de que existem três grandes forças globalistas atuando em conjunto contra os interesses da verdadeira “nação americana” e contra a civilização ocidental judaico-cristã – as elites financeiras e capitalistas do Ocidente, o bloco Rússia e China e o projeto do Califado Universal da Fraternidade Islâmica. Da perspectiva de Carvalho ([2020?], p. 33-34), os EUA ou a “verdadeira nação americana” são os grandes resistentes ao projeto globalista, que ameaçaria as nações, tradições e espiritualidades e seria baseado no materialismo, individualismo e racionalismo, relacionados com a modernidade.

Carvalho insere-se, então, em uma corrente política de extrema-direita anti-moderna, que se pretende “revolucionária” ou antissistema – não do ponto de vista das condições materiais da existência, já que o sistema capitalista não é objeto de crítica. Ancora-se em um reacionarismo regressivo do ponto de vista dos valores, possuindo um forte cerne anti-iluminista.

Seu discurso da associação entre grandes capitalistas (ou metacapitalistas) e comunistas está estreitamente correlacionado com um anticomunismo exacerbado. A sua narrativa não é original, porque ela já fazia parte dos discursos fascistas nos anos 1920 e 1930. Um exemplo é o texto clássico do conspiracionismo antissemita, Os Protocolos dos Sábios de Sião, datado do século XIX, no qual judeus aparecem como globalistas que operam contra o Estado-nação – englobando grandes capitalistas e comunistas – e são retratados como agentes do secularismo, urbanos em contraste com a gente do interior e representantes da modernidade. É clara a correlação com a visão de Carvalho, que procura diferenciar a “verdadeira nação” americana como estando longe dos grandes centros urbanos, consubstanciada no povo simples que não está “contaminado” pelos valores modernos e cientificistas.

Esta contraposição entre o urbano e o rural (ou interior) aparece na narrativa olavista quando ele diz que o verdadeiro EUA é uma “fonte de tradição no mundo moderno”, e a população rural norte-americana seria a representante dos “ embaixadores globais da espiritualidade”. Para ele, os hábitos sociais dos americanos rurais representam algo sagrado, pois quanto mais o governo em Washington ficava afastado da sociedade americana, mais coesão, voluntariado e caridade ele via nela (Teitelbaum, 2020, p. 158).

O conceito de “metacapitalismo” é extremamente importante na compreensão do que é capitalismo e socialismo/comunismo para Olavo de Carvalho, e ajuda a fundamentar a sua narrativa anticomunista e a idealização do “verdadeiro capitalismo” que estaria nas origens das tradições e modos de vida ocidentais, havendo a dissociação dos grandes oligopólios privados do sistema capitalista e a centralização e concentração de capitais como consequência de desvios ético-morais resultantes do afastamento das tradições cristãs ocidentais.

Carvalho constrói estereótipos acerca dos russos e chineses e um imaginário positivo para o que seria a “verdadeira nação americana”, formada por uma camada média branca e adepta dos valores cristãos da caridade, cujo modelo ideal seria o capitalismo de livre concorrência (o “verdadeiro capitalismo”). Seu discurso fortalece a intolerância e não combate o cerne dos problemas sociais e econômicos do mundo atual, a expansão do capitalismo, preferindo enxergar uma dominação comunista inexistente. A imagem olavista da Nova Ordem Mundial é fruto do contexto das disputas interimperialistas entre os EUA em declínio de sua hegemonia e o bloco russo-chinês em ascensão, que tenta reconfigurar a ordem internacional em contraposição ao poder hegemônico norte-americano.

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Notas

1 A Vide Editorial é de propriedade de Silvio Grimaldo, que foi assessor especial de Ricardo Vélez Rodríguez – ex-Ministro da Educação no governo Bolsonaro –, entre janeiro e março de 2019. A editora já publicou mais de 150 obras de cunho conservador e faz parte de um grupo de pequenas e médias editoras impulsionadas por Olavo de Carvalho e alguns de seus alunos, e são dedicadas a publicar conteúdo conservador de escritores brasileiros e estrangeiros que ainda não têm suas obras traduzidas para o português. Os organizadores Giuliano Morais e Ricardo Almeida foram alunos de Olavo de Carvalho.
2 Um dos melhores estudos sobre a trajetória de Olavo de Carvalho encontra-se em PATSCHIKI, Lucas. Os Litores da nossa burguesia: o mídia sem máscara em atuação partidária (2002-2011). Dissertação (Mestrado em História) − Marechal Cândido Rondon, Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2012.
3 Carvalho criticava os governos militares brasileiros por aceitarem o comunismo como parte integrante das relações internacionais, estabelecendo parcerias com “as atuais e as antigas ditaduras comunistas em todo o mundo” (Teitelbaum, 2020, p. 160).
4 Huntington desenvolveu a teoria do Choque de Civilizações, segundo a qual as identidades culturais e religiosas dos povos seriam a principal fonte de conflito no mundo pós Guerra Fria. Sua tese encontra-se em HUNTINGTON, Samuel. Choque das civilizações? Política Externa, São Paulo, v. 2, n. 4, mar. 1994. O artigo original do autor data de 1993, e foi publicado na Revista Foreign Affairs.
5 Este artigo de John Fonte foi publicado no Hudson Institute Inc., uma instituição americana conservadora, com sede em Washington e fundada em 1961 em Croton-on-Hudson, em Nova Yorque, pelo teórico e estrategista militar Herman Kahn e seus colegas da Rand Corporation – uma organização americana não lucrativa criada em 1948 pela Douglas Aircraft Company (uma indústria aeroespacial da Califórnia, fundada em 1921) para oferecer às Forças Armadas americanas pesquisas e análises. John Fonte é membro sênior do Hudson Institute.
6 A narrativa de Carvalho é também ambígua, pois em outro trecho ele afirma: “Nada disso, é claro, resulta em benefício considerável para o povo chinês. Em volta de cinco cidades que prosperam em ritmo alucinante, estende-se um continente de misérias que o público ocidental mal pode imaginar” (Carvalho, 2005).
7 Entre os participantes estão banqueiros, políticos, diretores de grandes empresas e membros do conselho de grandes empresas de capital aberto, incluindo IBM, Xerox, Shell, Nokia, Daimler, Airbus, Alcoa, Alphabet (holding do Google), BP (a antiga British Petroleum), Deutsche Bank, Electrolux, Facebook, LinkedIn, Nestlé, Novartis, PayPal, Siemens e Telefónica.
8 Autor de origem inglesa, possui várias obras sobre literatura, misticismo, história, religiões comparadas, filosofia, relações internacionais e cultura. Seu trabalho é, em grande parte, baseado em teorias conspiratórias, pois busca a influência das organizações secretas na história e nas revoluções ocidentais.
9 Uma definição totalmente errônea do conceito de socialismo, baseada apenas no chamado “socialismo real”.
10 Grupo radical islâmico Jama'at al-Muslimin fundado por Shukri Mustafa, surgido no Egito, na década de 1960, como uma ramificação da Irmandade Muçulmana.
11 Movimento egípcio sunita dedicado a derrubar o governo do Egito para substituí-lo por um Estado islâmico, cujas ações nesse sentido, durante os anos 1990, foram apoiadas por governos do Irã e do Sudão e pela Al-Qaeda.
12 Grupo radical islâmico originado da Irmandade Muçulmana, na década de 1970. Seu objetivo era derrubar o governo egípcio e construir um Estado Islâmico. O ideólogo da Al-Jihad, Abd al-Salam Faraj, considerava a jihad (guerra santa) um imperativo para a derrubada dos governantes infiéis e para a implementação de um governo e um Estado verdadeiramente islâmico, sendo a prioridade o combate aos regimes locais corruptos (COSTA, 2010, p. 15).
13 Segundo Costa (2010, p. 16), a passagem para uma estratégia global da jihad ocorreu em um contexto internacional específico, marcado pela Guerra do Golfo, em 1991, pelo estabelecimento permanente de forças militares norte-americanas na Arábia Saudita e pelo fracasso de vários grupos islamistas no conflito de oposição aos seus governos, fazendo com que redefinissem a noção de inimigo.
14 Os neoconservadores podem ser caracterizados como políticos, funcionários de carreira da Casa Branca e intelectuais dos círculos dos Think Tanks de Washington D.C. que revolucionaram a Direita Americana quando repensaram os rumos da política externa dos EUA pós-Guerra Fria e reintroduziram na opinião pública, temas como patriotismo, valorização do poder americano e a viabilidade da unipolaridade no Sistema Internacional (Finguerut, 2008, p. 15).
15 Os autores escreveram, respectivamente, False Dawn: The United Religions Initiative, Globalism, and the Quest for a One-World Religion e The System of the Antichrist. Lee Penn é cristão oriental tradicional e Charles Upton é um poeta americano, pertencente ao sufismo islâmico, identificado com a escola perenialista e tradicionalista. Tais autores que Carvalho cita não dizem que o Islã seria essa “religião mundial”. Upton (2015), por exemplo, afirma que a suposta “religião universal” oprimiria todas as religiões existentes, incluindo o Cristianismo, o Judaísmo e o Islamismo. Ver: UPTON, Charles. O sistema do Anticristo: Terra celeste. [S.l.], 23 jul. 2015. Disponível em http://terracelleste.blogspot.com/2015/07/o-sistema-do-anticristo.html.
16 Um exemplo desses projetos em conjunto foi a ferrovia de alta velocidade. As empresas estrangeiras que obtiveram contratos para o fornecimento de trilhos para altas velocidades no mercado chinês foram obrigadas a se associarem com empresas estatais chinesas de ferrovias, tendo sido incluídos contratos para transferência da produção de partes chaves para o território chinês (Nadal, 2018).
17 O projeto tem por alvo 10 campos tecno estratégicos: tecnologia de informação, incluindo redes 5G e cibersegurança; robótica, aeroespaço; engenharia oceânica; ferrovias para vagões de alta velocidade; veículos movidos a novas energias; equipamento elétrico; maquinaria para agricultura; novos materiais; e biomedicina (Escobar, 2018).
18 O principal Centro ZGC de Inovação está instalado em Santa Clara, Califórnia, perto de Stanford e dos campi do Google e da Apple, além de um novo centro em Boston a distância de um grito de Harvard e do MIT (Escobar, 2018).
19 Iniciativa estratégica de desenvolvimento e integração da Eurásia, consistindo em uma nova rota da seda para reconfigurar a globalização de forma chinesa. Trata-se de investimentos e desenvolvimento de infraestrutura em países da Europa, Ásia e África. O superávit comercial obtido nas transações com os EUA nos últimos anos já seria suficiente para bancar o montante de recursos previstos para o projeto – cerca de US$ 1 trilhão em dez anos (Alves, 2018b).
20 A Organização de Cooperação de Shanghai (OCS) foi criada em 2001 para o fortalecimento e a segurança da região do globo que encobre Ásia Central e Eurásia. Foi fruto do grupo Shangai Five — que incluía todos os Estados citados acima, com exceção do Cazaquistão —, que se reuniram desde 1996 até a sua criação. A carta de operação da organização foi assinada em São Petersburgo, na Rússia, em 2002, e passou a vigorar completamente em 2003. Em 2017, Índia e Paquistão passaram a integrar a lista dos Estados membros (Caur, 2022).


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