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PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL E ATIVISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Wagner Romão; Françoise Montambeault; Frédéric Louault
Wagner Romão; Françoise Montambeault; Frédéric Louault
PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL E ATIVISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
INSTITUTIONAL PARTICIPATION AND ACTIVISM IN CONTEMPORARY BRAZIL
Caderno CRH, vol. 33, e020001, 2020
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos
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DOSSIÊ - INTRODUÇÃO

PARTICIPAÇÃO INSTITUCIONAL E ATIVISMO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

INSTITUTIONAL PARTICIPATION AND ACTIVISM IN CONTEMPORARY BRAZIL

Wagner Romão
Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Françoise Montambeault
Université de Montréal, Canadá
Frédéric Louault
Université Libre de Bruxelles, Belgium
Caderno CRH, vol. 33, e020001, 2020
Universidade Federal da Bahia - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - Centro de Recursos Humanos

Recepção: 01 Maio 2020

Aprovação: 07 Maio 2020

INTRODUÇÃO
Compreender o legado da participação institucional e os desafios da democracia brasileira

Ao longo do processo de redemocratização, o Brasil desenvolveu uma experiência única na ampliação dos canais institucionais de participação política e tornou-se uma espécie de laboratório da democracia participativa em nível mundial ( Fung, 2011 ; Garibay, 2015 ). As chamadas instituições participativas ( Avritzer, 2008 ) - operando a partir da Constituição de 1988 e da legislação originada a partir de seus princípios - floresceram em diversas modalidades e estiveram intimamente ligadas aos processos de formulação de políticas públicas ou ao controle dos orçamentos públicos.

Se a Constituição de 1988 forneceu o marco legal para o desenvolvimento da arquitetura de participação social no país, as disposições legislativas que concretizam os princípios constitucionais nas áreas de políticas públicas e os próprios mecanismos institucionais foram criados em relação íntima ao contexto político ( Montambeault, 2018 ). Deste modo, embora desenvolvidas como parte das instituições político-administrativas no país desde o final dos anos 1980, foi com a presença do Partido dos Trabalhadores no governo federal entre 2003 e 2016 que este processo se diferenciou e se aprofundou, tendo por base as experiências anteriores nos governos petistas nos níveis municipal e estadual por meio dos mecanismos de Orçamento Participativo e dos Conselhos municipais de políticas públicas.

O Brasil experimentou e logrou desenvolver novas modalidades de instituições participativas e renovar formas anteriores (conselhos, conferências, fóruns, mesas de diálogo entre outros mecanismos). Este desenvolvimento institucional foi um processo gradativo, com avanços e recuos, com dúvidas sobre a real efetividade da participação institucional ( Almeida, 2017 ), com questionamento no interior dos movimentos sociais da base do petismo sobre o quanto deveriam investir nestes espaços institucionais de participação. Assim, as altas expectativas geradas sobre a ampliação da democracia participativa não necessariamente foram satisfeitas.

Os impactos das grandes manifestações de junho de 2013 e do impeachment de Dilma Rousseff em 2016 colocaram o sistema político brasileiro e também esta estrutura institucional de participação sob pressão. A tentativa de se criar um sistema nacional de participação social, por meio de um decreto presidencial, ainda em 2014, foi rechaçada pelo Congresso Nacional. Em 2019, Jair Bolsonaro chega ao poder, com uma agenda de confronto aberto contra “todos os ativismos” e em abril daquele ano, com o Decreto 9759, promove a extinção dos conselhos de políticas públicas não previstos em lei. Provocado por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), promovida pelo Partido dos Trabalhadores, o Supremo Tribunal Federal amenizou os efeitos do decreto. No entanto, até o momento em que escrevemos, ainda não houve julgamento de mérito desta ADI.

A partir deste cenário, o Dossiê aqui apresentado busca primeiro refletir sobre as tensões entre a construção institucional e discursiva desta arquitetura participativa, bem como refletir sobre os sucessos, falhas e limites da participação institucional no Brasil. Também busca lançar luzes sobre as resistências e os ativismos que surgiram nestas ou em torno destas instituições após o impeachment da Dilma Rousseff.

O Dossiê se inicia com o artigo de Ana Claudia Teixeira, que recupera a trajetória discursiva da participação no Brasil desde os anos 1970 até os períodos de Luis Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff na presidência da República no Brasil. A democracia participativa é analisada como “uma construção histórica”, feita por atores concretos em busca de responder a problemas concretos. A autora identifica o desgaste das instituições participativas (IPs) no contexto pós-impeachment, tanto pela contrariedade de atores que delas participaram como por parte de novos movimentos sociais que não se enquadram em espaços como conselhos e conferências.

Logo Wagner Romão, Françoise Montambeault e Frédéric Louault propõem-se a considerar as instituições participativas sob a égide do que passou a ser denominado de lulismo. Após indicarem o debate sobre o conceito formulado originalmente pelo cientista político André Singer e utilizado de maneira multidimensional pela literatura acadêmica, os autores indicam o papel das IPs na inclusão de movimentos e agentes sociopolíticos antes ausentes dos debates sobre as políticas públicas, mas também apresentam as fragilidades e limites da participação institucional no período, próprias das contradições do lulismo.

A contribuição de Debora Rezende de Almeida atualiza a literatura sobre as relações entre Estado e sociedade civil no contexto das IPs, após o impeachment de Dilma Rousseff, em meio às resistências contra o desmonte institucional em diversas áreas de políticas públicas. Utilizando o conceito de resiliência institucional, a autora compara dois conselhos nacionais de políticas públicas - Saúde e Direitos da Mulher - e traz elementos explicativos para a permanência do primeiro e as mudanças e adaptações do segundo, explorando as variações na capacidade de agentes sociopolíticos em reinventar repertórios e defender conquistas.

O foco nos agentes permanece no artigo de Marie-Hélène Sa Vilas Boas, mas com um olhar direcionado aos burocratas da participação – chamados os “profissionais da participação pública” (PPP). Nesta mescla de ativismo e profissão, a autora mostra como os PPP operam projetos participativos nos governos locais e, com relativa autonomia de ação, são agentes fundamentais para determinar o alcance das instituições participativas em sua capacidade de inclusão política de grupos historicamente excluídos.

Michael Touchton, Natasha Borges Sugiyama e Brian Wampler utilizam um expressivo conjunto de bases de dados para relacionar democracia participativa, programas sociais e capacidade estatal em nível local. Os autores verificam como, além dos processos eleitorais que caracterizam a democracia representativa, a participação cidadã agrega fatores que, se analisados em conjunto, explicam a melhora de indicadores de bem-estar social nos municípios brasileiros.

Ursula Dias Peres e Bruna Barcellos Mattos agregam ao Dossiê uma dimensão pouco explorada nos estudos sobre democracia participativa: o conflito distributivo onde a disputa é mais dura e mais decisiva, ou seja, no próprio orçamento público. As autoras demonstram a virtual inviabilidade das experiências de Orçamento Participativo em um contexto político-institucional marcado pela setorialização das políticas públicas, de uma estrutura orçamentária frágil em nível municipal e do ínfimo espaço para investimentos públicos, o que restringe o escopo da arena decisória coletiva.

Benjamin Goldfrank e María Teresa González Esquivel comparam as instituições participativas brasileiras e venezuelanas, no período petista no Brasil e no contexto do chavismo na Venezuela. As diferenças entre as duas experiências na sua relação com a democracia representativa - complemento no caso brasileiro, antagonismo no caso venezuelano - aplicadas à força ou tibieza dos concorrentes locais do petismo e do chavismo são elementos explicativos dos fracassos políticos de ambas as experências.

Por fim, vale dizer que embora sejam muitos e diversos os limites políticos e institucionais da arquitetura de participação construída no Brasil, consideramos que é cada vez mais necessário que as ciências sociais se debrucem sobre esta experiência. As instituições participativas permanecem presentes nos municípios, estados e mesmo no âmbito da União, às vezes como espaços vivos de disputa política, às vezes em um momento de latência. A reconstrução de um ambiente democrático no país também depende de seu fortalecimento e aperfeiçoamento.1

Material suplementar
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Debora Cristina Rezende de. “Os desafios da efetividade e o estatuto jurídico da participação: a Política Nacional de Participação Social”, Sociedade e Estado, 32(3), p. 649-679, 2017.
AVRITZER, Leonardo. Instituições participtivas e desenho institucional: algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático. OpiniãoPública, v. 14, n. 1, junho, 2008.
FUNG, Archon. Reinventing democracy in Latin America. Perspectives on Politics, v. 9, n. 4, December, p. 857-871, 2011.
GARIBAY, David. Vingt-cinq ans après Porto Alegre, où en est (l’étude de) la démocratie participative en Amérique latine?. Participations, v.11, n. 1, p. 7-52, 2015.
MONTAMBEAULT, Françoise. “Uma Constituição cidadã? Sucessos e limites da institucionalização de um sistema de participação cidadã no Brasil democrático”, Revista Estudos Ibero-Americanos, 44(2): p. 261-272, 2018.
Notas
Notas
1 Os autores agradecem o apoio recebido pela parceria G3-Fapesp no projeto de cooperação internacional Participatory democracy and citizenship trajectories: citizens, militants and bureaucrats. Também agradecem as sugestões apresentadas pelos pareceristas anônimos.
Autor notes
Wagner Romão – Doutor em Sociologia pela USP. Professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp. Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Participação, Movimentos Sociais e Ação Coletiva (NEPAC/Unicamp). Desenvolve pesquisas sobre participação, democracia e políticas públicas. Suas publicações mais recentes são “Participation”, The Routledge Handbook to the Political Economy and Governance of the Americas, editado por Olaf Kaltmeier et. al. (2020); e “Democratic innovations in Municipalities” (com Brian Wampler), The Routledge Handbook of Brazilian Politics, editado por Barry Ames (2019).

Françoise Montambeault – Doutora em ciências politicas da Universidade McGill (Canada), Professora do Departamento de ciências politicas da Université de Montréal (Canada), titular da Cátedra de Pesquisa do Canada em Participação e Cidadania(s), Diretora da Equipe de pesquisa interuniversitária sobre inclusão e governança na América Latina (ERIGAL), desenvolvendo pesquisas na área de participação social, cidadania e democracia participativa. Suas mais recentes publicações são: “It was once a radical proposal: Theories of gradual institutional change in Brazilian participatory budgeting”, Latin American Politics and Society (2019, 61:1, p. 29-53); Legacies of the left in Latin America: The promises of inclusive citizenship (co-editora com Manuel Balán), Notre Dame University Press, 2019; The politics of participatory democracy in Latin America, Stanford University Press, 2015.

Frédéric Louault – Doutor em ciência política pela Sciences Po Paris (França), Professor do Departamento de ciência política da Université Libre de Bruxelles (Bélgica), diretor-adjunto do Centro de Estudos da Vida Política (CEVIPOL) et co-diretor do Centro Interdisciplinario de Estudos das Américas (AmericaS). Ele foi vice-decano da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da ULB em cargo das Relações internacionais (2016-2019). Suas pesquisas se focalizam nas areas da sociologia política e da política comparada (participação política, eleições, carreiras políticas na América latina).

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