A INFLUÊNCIFA DOS PAIS NO COMPORTAMENTO DOS JOVENS
PARENTAL INFLUENCE ON THE BEHAVIOR OF YOUNG PEOPLE
A INFLUÊNCIFA DOS PAIS NO COMPORTAMENTO DOS JOVENS
International Journal of Developmental and Educational Psychology, vol. 2, núm. Esp.1, pp. 115-124, 2018
Asociación Nacional de Psicología Evolutiva y Educativa de la Infancia, Adolescencia y Mayores
Resumo: Enquadramento: Os Comportamentos Hostis em Crianças e Adolescentes são um problema da atualidade. Diversos estudos epidemiológicos revelam uma primordial importância da relação parental para o desenvolvimento psicossocial do indivíduo. Objetivos: Determinar a prevalência dos comportamentos hostis em crianças e adolescentes; Identificar as variáveis sociodemográficas e de contexto familiar que influenciam os comportamentos hostis em crianças e adolescentes; analisar o modo como a perceção face ao conflito interpa- rental se relaciona com os comportamentos hostis. Métodos: Estudo quantitativo, não-experimental, transversal, descritivo-correlacional e explica- tivo, envolvendo uma amostra de 2728 crianças e adolescentes, (idade média=14,73 e Dp=+/- 2,3). A recolha de dados inclui o questionário de dados sociodemográficos e contexto familiar, Escala de Perceção face ao Conflito Interparental e Inventário de Hostilidade de Buss-Durkee. O tratamento de dados foi efetuado com o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 24 para Windows. Resultados: Quanto maior a Perceção face ao Conflito Interparental, maior o Comportamento Hostil em Crianças e Adolescentes. O conflito Interparental influencia o Comportamento Hostil nosjovens e se recorrente e intenso, existe grande probabilidade de se tornar um adulto com compor- tamentos antissociais. Conclusão: Com a elaboração deste estudo pretendemos que a divulgação dos resultados obtidos sejam uma mais-valia para o qualidade de vida das Crianças e Adolescentes, tentando diminuir os potenciais riscos para o problema dos Comportamentos Hostis.
Palavras-chave: parentalidade, crianças, adolescentes, comportamentos hostis, conflitos interparentais.
Abstract: Background: The Hostile behavior in children and adolescents is a problem of today. Several epidemiological studies reveal a primordial importance of parental relationship to the psychosocial development of the individual. Objectives: Determine the prevalence of hostile behavior in children and adolescents; identify the sociodemographic and family background variables that influence the hostile behavior in children and adolescents; examine how the perception against the parental conflict relates to the hostile behavior. Methodology: Quantitative study, non-experimental, transverse, descriptive and correlational and explanatory, involving a sample of 2728 children and adolescents (mean age = 14.73 and Dp =+/- 2.3). The data was gathered through a questionnaire that evolves dimensions such as Sociodemographyc Data, Family Context Data, Children’s Perception of Interparental Conflict Scale, Buss-Durkee Hostility Inventory. The data was processed with the SPSS program (Statistical Package for the Social Sciences) version 24 for Windows. Results: The greater perception against the Conflict Interparental, the greater the Hostile behavior in children and adolescents. The Conflict Interparental influences Hostile behaviour in young people. If the Hostile behaviour in children and adolescents is recurrent and intense, exist a potential risk to will be an adult with antisocial behaviours. Conclusion: With the preparation of this study we intend to disseminate the results obtained are an added value to the quality of life of teenagers, trying to reduce the potential risks to the problem of Hostile Behavior.
Keywords: parental, children, adolescents, hostile behavior, interparental conflict.
INTRODUÇÃO
Os pais e cuidadores precisam ter sensibilidade para oferecer espaço ao seu filho para que possa exercitar a sua autonomia e liberdade de expressão, mas ao mesmo tempo oferecer limites e contenção externa. O equilíbrio entre contenção e autonomia dará segurança e norteará os filhos a prosseguir com suas iniciativas.
A família tem a função de educar com base em normas e rotinas de afeto, sociais e protetoras. O filho tem necessidade da sua independência, de correr riscos, do grupo de pares e de violar normas para se sentir adulto mas, precisa de um “porto de abrigo”. Precisa daqueles que apesar de o criticarem estão com a porta aberta e um abraço. Esses são a sua família (Collins & Sprinthall, 2008).
Estranhamente assistimos com frequência a comportamentos familiares de distanciamento dos pais em relação aos filhos, ou recriminatórios das atitudes do adolescente como se tratasse de uma relação não de pais para filhos mas entre rivais. Estes comportamentos parentais não denotam atitudes educativas protetoras e emocionalmente ricas mas de rejeição, oposição e marginalização e até de revolta que inclui lamentos para outros adultos, sugerindo um pedido de desculpa social pelo sentimento de incompetência no cumprimento do mandato da parentalidade (Cruz, 2014).
No que diz respeito à perceção da criança e do adolescente face ao conflito interparental, este pode afetar negativamente o seu comportamento. Percebendo a conflitualidade entre os pais, o filho poderá sentir-se ameaçado, formulando um conjunto de representações relativas à sua causa, levando-o a suspeitar que ele é o motivo do conflito. Neste contexto, surge o sentimento de culpabilização pela assunção da responsabilidade face ao conflito interparental, censurando-se por nada conseguir fazer para evitar os acontecimentos, experienciando sentimentos intensos de vergonha e culpa (Sani, 2004; Oliveira, 2005).
As dimensões dos comportamentos hostis abordadas no Inventário Hostilidade de Buss-Durkee são a violência, hostilidade indireta, irritabilidade, negativismo, ressentimento, receio, hostilidade verbal e culpa. Estes comportamentos podem iniciar-se ao longo da infância e desenvolverem-se até à adolescência tornando-se cada vez mais hostis e disfuncionais, principalmente perante figuras de autoridade. É frequente iniciarem-se por volta dos 8 anos e a sua prevalência aumenta com a idade, encontrando-se relacionados com níveis sócioeconómicos mais desfavorecidos ou estruturas familiares frágeis, coexistindo muitas vezes com patologias do comportamento ou desenvolvimento (Ferreira, Nogueira & Fernandes, 2011).
Face a esta problemática é do nosso interesse saber qual a prevalência dos comportamentos hostis em crianças e adolescentes; Quais as variáveis sociodemográficas e familiares que afetam os comportamentos hostis em crianças e adolescentes? De que modo a perceção face ao conflito interparental influencia os comportamentos hostis?
METODOLOGIA
Estudo quantitativo, não-experimental, transversal, descritivo-correlacional e explicativo. A amostra, não probabilística intencional por conveniencia é constituída por 2728 crianças e adolescentes que apresentam a idade mínima de 10 anos e a máxima de 19 anos, sendo a idade média de 14,73 anos (sv=±2,30 anos). O grupo etário mais prevalente (64.3%) situa-se nos adolescentes com idade entre os 14 e 17 anos, sendo 52,9% do sexo feminino e 47,1% do sexo mas- culino. Apurámos que 14,0% das crianças e adolescentes frequentam o 2º ciclo, 22,6 % o 3º ciclo e 63,4% o ensino secundário, sendo 65.9% do sexo feminino. Habitam na cidade (57,5%) e a maioria da amostra coabita com os pais (78,7%) que na sua maioria têm companheiro (84,2%).
As habilitações literárias dos progenitores são semelhantes entre ambos, localizando-se em maior percentagem nos que possuem até o 3º ciclo e ensino secundário, no entanto a posse de curso superior é mais evidente nas mães (21,8%). A maioria dos estudantes considera o rendimento mensal dos pais como médio alto, e quer o pai quer a mãe exercem maioritariamente uma ativida- de profissional inserida no grupo 4 (Operacional).
A recolha de dados inclui o questionário de dados sociodemográficos e contexto familiar, Escala de Perceção face ao Conflito Interparental e Inventário de Hostilidade de Buss-Durkee. O tratamento de dados foi efetuado com o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 24 para Windows.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
A trajetória de vida é fortemente marcada pelas experiências precoces que dependendo da sua qualidade poderão colocar o jovem em situação de extrema vulnerabilidade emocional e possível envolvimento com consumo de drogas, delinquência e agressividade (Pacheco, Alvarenga, Reppold, Piccinini & Hutz, 2005).
As causas dos comportamentos hostis não estão completamente identificadas, no entanto, parecem estar ligadas a uma série de fatores biológicos, psicológicos e sociais e também a perturbações do humor (Cruz, 2014).
Face a esta problemática interessamo-nos por conhecer a prevalência dos comportamentos hostis nas suas diversas dimensões. Apuramos que 79,5% das crianças e adolescentes têm tendência para a Violência e percentuais similares são encontrados para o Ressentimento e Receio, Hostilidade verbal (90,2%) e Hostilidade global (95,9%). Apenas 4,1% da totalidade da amostra não manifesta Receio, 72,1% não apresenta Hostilidade indireta e o Negativismo não é encontrado nos participantes do estudo.
Ao procurarmos saber que variáveis sociodemográficas e de contexto familiar têm efeito significativo sobre os Comportamentos Hostis em crianças e adolescentes.
As raparigas, com 18 anos e mais, apresentam índices médios mais elevados de Comportamentos Hostis mais acentuados nas dimensões: Violência, Hostilidade indireta, Irritabilidade, Negativismo, Ressentimento, Hostilidade verbal e Hostilidade global, enquanto os rapazes revelam índices médios mais elevados na Culpa e iguais valores médios no Receio, assu- mindo igualdade de variâncias para o Ressentimento, Receio, Hostilidade Verbal, Culpa e Hostilidade global, sem diferenças estatísticas significativa para todas as dimensões.
Ferreira et. al. (2011), afirmam que a diferença de género não está totalmente esclarecida, afirmando que antes da adolescência, as raparigas podem manifestar Comportamento Hostis de uma forma dissimulada, sobretudo no contexto das relações utilizando a intriga e a exclusão social, recorrendo mais à agressão verbal e passiva em detrimento dos comportamentos destrutivos ou da agressão física.
Um estudo intitulado «Violência: uma realidade» Díaz Galvis, Peña Olvera, Suárez Reynaga e Palacios Cruz (2004) apresenta razões para a predominância de Comportamento Violento no Sexo masculino, referindo que o temperamento, as características hormonais, a serotonina, noradrenalina e a dopamina influenciam este tipo de comportamento.
Os alunos que frequentam o ensino secundário são os que apresentam valores médios mais ele- vados em todas as dimensões dos comportamentos hostis exceto para a Irritabilidade (p=0.053), com diferenças estatísticas altamente significativas (p=0,000).
Alguns investigadores acreditam que um elevado nível de escolaridade atua como fator de proteção, auxiliando jovens de alto risco a não se envolverem em Comportamentos Hostis enquanto os jovens com baixo nível de escolaridade têm maior probabilidade de serem mais violentos do que os de maior escolaridade (Meichenbaum, 2001).
No que diz respeito á relação entre o local onde residem os jovens e os comportamentos hostis, constatamos que os que vivem na aldeia evidenciam valores mais elevados em todas as dimensões de Comportamentos Hostis, com exceção para a Hostilidade indireta, Receio e Culpa que são mais acentuados entre os residentes da Cidade. No entanto apenas a Violência apresenta diferenças estatisticamente significativas (p=0,048).
A respeito do comportamento violento e a zona de residência, Amaro (2004), refere a grande Lisboa é uma das regiões onde se verifica a maior percentagem de comportamento violento em adolescentes, atingindo os 16,9% do total de núcleos familiares. Considera ainda que o meio urbano é o meio mais propício para o desenvolvimento de Comportamentos Hostis sendo o stresse vivenciado no meio urbano responsável pelo aumento constante da violência presencial nos diversos meios urbanos. A cidade onde se desenvolveu este estudo é uma pequena cidade do interior do país, com acentuadas características de ruralidade, relativamente calma e por tal facto não pode ser comparada com os níveis de stresse sentidos em cidades de maiores dimensões como Lisboa ou Porto. Face aos resultados encontrados da relação da coabitação dos jovens com os comportamentos hostis, constatamos que os que coabitam só com um dos progenitores manifestaram menor Hostilidade indireta e Hostilidade verbal e maior Hostilidade global. Os que coabitam com ambosapresentam valores mais elevados de Culpa, menos Irritabilidade, Negativismo e Receio.
Estes resultados não se configuram com a opinião de Del Barrio et. al. (2009), quando afirmam que famílias monoparentais onde, por exemplo, o jovem que vive só com o pai, perante situações desagradáveis, apresenta reações primárias de agressividade e hostilidade sendo os rapazes mais agressivos, tanto no que se refere à agressão física como verbal e com o aumento da idade aumenta também o comportamento agressivo, principalmente a agressão verbal. A monoparentalidade é considerada um dos fatores de risco para o desenvolvimento de Comportamentos Hostis.
A respeito do rendimento familiar, Ferreira et. al. (2011) consideram que os Comportamentos Hostis se encontram relacionados com níveis sócioeconómicos mais desfavorecidos, tendo muitas vezes início em idades precoces, aumentando a sua prevalência com a idade. Hawkins et. al. (2000), reforçam esta ideia ao afirmarem que comportamentos violentos são duas vezes mais prováveis entre adolescentes pobres do que em adolescentes de classe média. No entanto os resultados do nosso estudo apontam para Comportamentos Hostis mais expressivos em todas as dimensões, nos jovens cujo rendimento familiar é alto, exceto a Culpa que apresenta valores mais elevados nos jovens cujo rendimento familiar é médio-baixo.
Ao estudarmos a relação entre a profissão dos progenitores e os comportamentos hostis, apu- ramos que os filhos de pai com profissão «Operacional» apresentavam valores mais elevados de Comportamentos Hostis, exceto a Irritabilidade que é mais evidente nos filhos de pai cuja profissão é «Técnica», Receio nos filhos de pai cuja profissão é «Intelectual» e Culpa nos filhos de pai cuja profissão é «gestor». Estes resultados encontram algum paralelismo com a profissão exercida pela mãe. Encontramos valores mais elevados de Negativismo nos jovens cuja mãe exerce a profissão«Intelectual», Culpa nos jovens em que a mãe que exerce a profissão «Gestor», todos os restantes comportamentos hostis são mais evidentes nos pais com a profissão «Operacional». O estudo rea- lizado indicia que os jovens cujos pais possuem até ao 3º ciclo manifestaram mais Comportamentos Hostis, exceto Receio que é maior nos jovens cujos pais têm o ensino secundário e Culpa nos filhos cujos pais que têm o ensino superior, com significância estatística em todas as dimensões exceto para a Irritabilidade e Ressentimento.
Os jovens cujas mães possuem até ao 3º ciclo apresentam Comportamentos Hostis em todas as dimensões exceto na Hostilidade Indireta que é mais evidente nos filhos cujas mães não sabem ler. A Irritabilidade tem valores mais elevados nos filhos cujas nas mães têm o ensino secundário e Culpa nos filhos cujas mães possuem o ensino superior.
As crianças e adolescentes que realizam atividades extracurriculares apresentam valores mais baixos de Comportamentos Hostis exceto na dimensão Culpa.
Ao pretendemos conhecer a relação entre a perceção das crianças e adolescentes face ao Conflito Interparental e Comportamentos Hostis, constatamos que o grupo etário dos 14-17 anos (60,8%) apresenta uma elevada perceção face ao conflito interparental (67,1%). Um estudo intitulado «Vinculação aos pais, divórcio e conflito interparental» realizado com 310 jovens com idades compreendidas entre os 14 e 18 anos, dos quais 54,8% eram raparigas e 45,2% rapazes a frequentarem do 9º ao 12º ano de escolaridade, em que se utilizou o Inventário The Children’s Perception of Interparental Conflict Scale (CPIC), veio revelar que as raparigas apresentavam uma perceção de conflito mais elevado entre a díade parental e valores superiores de perceção de amea- ça do que os rapazes.
As raparigas percecionam mais os conflitos entre os pais e se sentem mais ameaçadas por esse conflito. Investem mais nos relacionamentos interpessoais estando emocionalmente mais próximas dos pais, o que as poderão tornar mais sensíveis perante acontecimentos de vida negativos. As raparigas necessitam de uma maior proximidade emocional e encontram-se mais dependentes do relacionamento com os pais, para além de serem mais sensíveis ao conflito entre eles.
Relativamente à idade, não foram encontrados efeitos significativos no conflito interparental (Moura& Matos 2008).
Os estudantes do 2º ciclo têm uma menor perceção face ao conflito interparental global, enquanto os estudantes do secundário são os que têm uma maior perceção face ao conflito interparental global. Estes resultados mostram claramente que a perceção ao conflito interparental tem significados psicológicos diferentes quando estamos perante níveis de desenvolvimento intelectual e matu- ridade diferentes. Assim, denota-se que os de maior escolaridade sentem mais esses conflitos.
Na relação entre local de residência e perceção face ao conflito interparental, aferimos que os jovens residentes na Cidade apresentam valores mais elevados de perceção ao conflito interparental em todas as dimensões comparados com os residentes da Vila e da Aldeia, não havendo diferenças estatísticas significativas entre eles.
No que diz respeito à relação entre coabitação e a perceção da criança e adolescente face ao conflito interparental o nosso estudo demonstrou que os que vivem com os dois progenitores apresentam maiores valores nas três dimensões da perceção face ao conflito interparental. Por sua vez os jovens que vivem com os pais com companheiro/a apresentam valores mais baixos nas três dimensões da perceção face ao conflito interparental. As diferenças entre os grupos são altamente significativas (p=0,000), o que permite afirmar a relação de dependência entre coabitação e a per- ceção dos filhos face ao conflito interparental.
Ao nível das habilitações literárias dos progenitores sinalizamos valores mais elevados de perceção ao conflito interparental, nos jovens cuja escolaridade dos pais é até ao 3º ciclo. O conflito interparental tem sido identificado com uma dimensão chave do sistema familiar, associado a uma grande variabilidade de problemas em crianças e adolescentes, prejudicando o seu funcionamento psicológico e o relacionamento com as figuras parentais, independentemente da estrutura familiar em que estão inseridos.
A família que mantém a união conjugal não é imune a conflitos interparentais e a vivência destes, não está necessariamente vinculada a prejuízos para a família, pois pode possibilitar mudanças benéficas para as relações conjugais e parentais (Rocha, Mota e Matos, 2011) De acordo com os resultados auferidos neste estudo apuramos que crianças e adolescentes que coabitam só com um dos progenitores têm uma perceção média do conflito interparental, sendo os jovens que coabitam com ambos os progenitores que têm uma perceção mais elevada do conflito interparental (global). Um estudo com o objetivo de analisar a contribuição da estrutura familiar (intacta e divorciada), conflito interparental, apego aos pais e aos pares para a autoestima da criança e adolescente realizado por Moura & Matos, (2008) numa amostra constituída por 403 jovens, entre os 14 e os 19 anos de idade em que foi utilizado o Childrens’ Perception of Interparental Conflict Scale (Grych, Seid, & Fincham, 1992, revelou que as variáveis apego, associadas a uma elevada qualidade dos laços aos pais e pares têm uma crescente importância na predição da autoestima, quando comparados com a estrutura familiar da criança e adolescente. Também a este respeito Hetherington e Elmore (2003) sugerem que os conflitos podem ser os melhores preditores de bem-estar do que o divórcio, sendo que jovens de famílias intactas com elevados níveis de conflito sentem mais desconforto do que os jovens que vivem no seio de famílias divorciadas. Esta afirmação parece reiterar os resultados por nós obtidos quando verificamos que os filhos de pais viúvos têm uma perceção positiva do conflito interparental. Todavia é entre os filhos de pais solteiros que a perceção da crian-ça e adolescente face ao conflito interparental é menor.
Além de afetar a disponibilidade parental para com os filhos, a exposição aos episódios de conflito conjugal, gera estados afetivos internos de intenso sofrimento psíquico, sentimentos de ameaça, culpa e stresse e transformações emocionais e fisiológicas dos filhos (El-Sheik & Harger, 2001citados por Benetti, 2006). Por outro lado, a exposição direta e indireta a diversos tipos de violência no seio das famílias, é apontado como fator de risco para o aparecimento de problemas de agressão e violação de regras. (Fowler et. al, 2009 citados por Sá et. al. 2009). Esta situação pode ser entendida ao considerarmos que um ambiente familiar violento serve de modelo para a aprendizagem de padrões comportamentais e sociais caracterizados pela violência (Margolin, 2005 citado por Sá et. al., 2009).
Estudos recentes assinalam a perceção de ameaça e culpa, que a criança e adolescente desenvolve a partir do conflito entre os pais, mediadores da associação entre o conflito interparental e o ajustamento psicossocial nas crianças e adolescentes (Grych, Fincham, Jouriles & McDonald, 2000; Grych, Harold & Miles, 2003; McDonald & Grych, 2006).
Assim, a experiência de uma grande ameaça e medo perante o conflito entre os pais e a auto culpabilização da criança e adolescente sobre a existência desse conflito pode potenciar o desenvolvimento de sintomas externalizantes (agressividade e comportamento anti-social), (Grych et. al., 2003) e de sintomas internalizantes (tristeza, culpa e vergonha) (Dadds et. al., 1999; Grych et. al., 2003; Kerig, 1998; McDonald & Grych, 2006).
A respeito do impacto dos conflitos conjugais ao nível do ajustamento da criança ou adolescente, Osofsky (1998) citado por Rodrigues (2008) afirma que a exposição dos filhos à violência interparental afeta-os profundamente a nível do desenvolvimento da sua personalidade e afetos. Comparativamente ao impacto sofrido pela exposição à violência noutros contextos, o testemunho de violência entre os pais, dado o contexto onde ocorre e a proximidade afetiva com os interve- nientes, tem efeitos mais devastadores no desenvolvimento da criança e adolescente.
Esta exposição pode traduzir-se em comportamentos de agressividade, fobias, insónia, depres- são, baixos níveis de competência académica e na resolução de problemas, com efeitos observáveis a curto ou a longo prazo (Bodnarchuk, 1999; Rossman, 2001 citados por Sani, 2003). A curto prazo as consequências podem traduzir-se em dificuldades emocionais significativas, tais como agressividade, ansiedade, baixa autoestima, confusão, culpa, depressão, insegurança, isolamento, medo, reações de evitamento, e vergonha (Burrington, 1999; Sudermann & Jaffe, 1999 citados por Sani, 2003) e a longo prazo, com problemas de saúde mental, comportamentos de abuso de substâncias e ofensas criminais, resultantes da exposição à violência (Fergusson & Horwood, 1998 citados por Sani, 2003).
A perceção da criança e adolescente face ao conflito interparental é preditora da Violência, Hostilidade indireta, Irritabilidade, Negativismo, Ressentimento, Receio, Hostilidade verbal e Hostilidade global, estabelecendo uma relação negativa. Já as propriedades do conflito e a culpa predizem negativamente a Violência, enquanto a Ameaça estabelece uma relação direta com o Negativismo e inversa com a Culpa.
Com base nestes resultados podemos afirmar que uma inadequada perceção dos jovens ao conflito interparental, corresponde uma maior incidência de Comportamentos Hostis.
CONCLUSÕES E SUGESTÕES
Após análise e discussão dos dados recolhidos sobressaem as seguintes evidências:
O comportamento Violento foi encontrado em 79,5% das crianças e adolescentes e percentuais similares registaram-se nos comportamentos de Ressentimento, Receio, Hostilidade verbal e Hostilidade global;
O sexo não influencia significativamente os Comportamentos Hostis;
Os adolescentes com idade igual ou superior a 18 anos revelam maior Comportamentos Hostis, exceto a Culpa;
É nos adolescentes do secundário que se denotam mais Comportamentos Hostis, exceto para o comportamento de Culpa que se regista nos adolescentes que frequentam o 2º ciclo;
Os adolescentes residentes da Aldeia apresentam índices mais acentuados de Comportamentos Hostis, exceto a Hostilidade indireta, Receio e Culpa;
Os resultados comprovam que o local de residência, o estado civil dos pais e o rendimento fami- liar influenciam os Comportamentos Hostis em adolescentes;
No que concerne à relação das diversas dimensões dos Comportamentos Hostis com as dimensões do Conflito Interparental inferimos:As variáveis independentes associaram-se aos Comportamentos Hostis dos adolescentes, sendo a qualidade da relação parental determinante para o desenvolvimento global do adolescente. Podemos afirmar que as relações com os progenitores caracterizadas por Conflito Interparental não resolvido, são prejudiciais para o comportamento do jovem, levando-o a desenvolver Comportamentos Hostis, que se recorrentes e intensos, implicarão comportamentos de risco, comenorme probabilidade de se constituir um adulto marginal, desinserido socialmente.
Neste contexto consideramos que os resultados que apuramos poderão servir de suporte a futuras linhas de investigação que a seguir propomos:
-Para um melhor conhecimento desta realidade consideramos que será de todo o interesse, perceber a perspetiva de outros atores como pais e professores, através de entrevistas individuais ou de grupos de discussão (focus group). Tais procedimentos metodológicos não foram praticáveis no nosso estudo, face ao tamanho da amostra;
-Prosseguir esta linha de investigação no sentido de averiguar se os Comportamentos Hostis em crianças e adolescentes se relacionam com perturbações do humor, ansiedade e depressão, pois como podemos constatar algumas dimensões dos Comportamentos Hostis se perpetuadas e inten- sas podem constituir sintomas destas perturbações;
-Apoiar a implementação de um programa de intervenção entre a Escola, Criança, Adolescente e Família incentivando os pais e toda a comunidade educativa para uma relação assertiva em prol da promoção de comportamentos saudáveis em crianças e adolescentes;
-Acentuar a necessidade de que futuras investigações que analisem a relação entre os Comportamentos Hostis e o rendimento escolar das crianças e adolescentes, para compreendermos se esses comportamentos influenciam a progressão académica dos estudantes;
Esperamos que a divulgação deste estudo constitua um contributo valioso para a qualidade de vida dos jovens, ao nível da prevenção primária, sustentando uma intervenção pedagógica articula- da com as estruturas de apoio social, diminuindo os riscos potenciais desta problemática com repercussões nefastas na vida adulta e para a sociedade em geral.
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