Artigos
Diversidade, gênero e consumo: estudos contemporâneos
Diversity, gender and consumption: contemporary studies
Diversidad, género y consumo: estudios contemporáneos
Diversidade, gênero e consumo: estudos contemporâneos
Signos do Consumo, vol. 11, núm. 1, pp. 97-107, 2019
Universidade de São Paulo

Recepção: 01 Outubro 2018
Aprovação: 03 Dezembro 2018
Resumo: Em que consiste a intensidade da experiência contemporânea? Este texto articula uma reflexão ensaística sobre diversidade, gênero e consumo, ao considerar as dinâmicas estratégicas no campo contemporâneo da comunicação, exemplificadas a partir do videoclipe brasileiro Corpo fechado (2018), de Johnny Hooker. O percurso metodológico equaciona uma abordagem qualitativa e empírica de observar, descrever e discutir, cuja base teórica efetiva-se pelos estudos contemporâneos. Como resultado, enunciados desafiadores impactam a mensagem mercadológico-midiática na atualidade.
Palavras-chave: Diversidade, Gênero, Consumo, Estudos contemporâneos.
Abstract: What does the intensity of contemporary experience consist of? This study articulates an essay reflection on diversity, gender and consumption, by considering dynamic strategies in the contemporary field of communication, exemplified from the Brazilian music video Corpo Fechado (2018), by Johnny Hooker. The methodological route equates a qualitative and empirical approach of observing, describing and discussing, in which the theoretical basis is effected in contemporary studies. As a result, challenging statements influence the current market-mediatic message.
Keywords: Diversity, Gender, Consumption, Contemporary studies.
Resumen: ¿En qué consiste la intensidad de la experiencia contemporánea? Este texto articula una reflexión ensayista sobre diversidad, género y consumo, al considerar dinámicas estrategias en el campo contemporáneo de la comunicación, ejemplificadas a partir del videoclip brasileño Cuerpo cerrado (2018), de Johnny Hooker. El recorrido metodológico se corresponde con un enfoque cualitativo, empírico, de observar, describir y discutir, cuya base teórica se efectúa por los estudios contemporáneos. Como resultado, enunciados desafiantes impactan el mensaje mercadológico-mediático en la actualidad.
Palabras clave: Diversidad, Género, Consumo, Estudios contemporáneos.
A fronteira é lugar de relação,
região de encontro, cruzamento e confronto.
Ela separa e, ao mesmo tempo,
põe um contato culturas e grupos
Zona de policiamento
é também zona de transgressão e subversão.
Fonte: (LOURO, 2004, p. 19)
INTRODUÇÃO
A comunicação e a cultura transversalizam-se em uma discussão profícua de elementos da produção audiovisual brasileira (o videoclipe), inclusive mediante novidades acerca de diversidade, gênero e consumo. Esses três temas juntos abrem um debate provocativo a respeito de questões contemporâneas, em particular na área de comunicação. E tal premissa orienta a divulgação de produto, marca e/ou serviço atrelada à experiência humana, sem se vincular direto à compra.
Da (dis)junção de oportunidades cada vez mais pluralizadas, as incongruências de qualquer fronteira alcançam extremidades representacionais de uma perspectiva cultural. A epígrafe neste trabalho indica a fronteira (re)dimensionando territórios e espaços, em circunstâncias flutuantes, as quais permeiam a versatilidade de um corpo estranho (LOURO, 2004). A fronteira, sem dúvida, deve ser abolida para operacionalizar a interação do sujeito e as coisas do mundo.
Como problema de pesquisa, instaura-se uma pergunta: em que consiste a intensidade da experiência contemporânea?
Dos resultados da pesquisa Diversidade, Imagem e Cultura (2016-2018), este texto articula uma reflexão ensaística sobre diversidade, gênero e consumo, ao considerar dinâmicas estratégicas no campo contemporâneo da comunicação, exemplificadas a partir do videoclipe brasileiro Corpo fechado[1](2018), de Johnny Hooker com participação especial de Gabi Amarantos.
Trata-se de um audiovisual – divulgado no site YouTube como dispositivo da enunciação – (de)marcado por enfrentamento, coragem e ousadia, ao destacar idiossincrasias e derivações performativas. E tal leitura, ao longo do texto, elege a transgressão desse videoclipe, o qual subverte o hegemônico ao enfatizar a força da diversidade sexual e de gênero, cuja perplexidade ancora-se na contrariedade opulenta de estar bem, sobretudo no Brasil.
O percurso metodológico equaciona uma abordagem qualitativa e empírica de observar, descrever e discutir, cuja base teórica efetiva-se pelos estudos contemporâneos (AGAMBEN, 2009; CANCLINI, 2016; GUMBRECHT, 2015). Esses estudos organizam-se na aproximação dos estudos culturais (EAGLETON, 2005; ESCOSTEGUY, 2016) com as tecnologias emergentes (GARCIA, 2005; VILLAÇA, 2018).
Disso, instaura-se um exercício ensaístico a respeito do trânsito flexível da cultura do consumo a partir de anotações cotidianas, as quais elencam uma produção de conhecimento. No empenho da leitura de qualquer objeto de pesquisa, o caráter científico permeia o ensaio. Este último pode ser considerado como método, conforme Canclini (2016). Ou seja, ensaiar ideias implica recorrer ao pensar, de acordo com as necessidades. A articulação desse tipo de debate acerca da diversidade, gênero e consumo pode – e deve – ser flexibilizada pelo formato ensaio. Ensaiar, então, seria (re)constituir situações que testem, examinem, avaliem e tentem comprovar as informações estendidas em determinado contexto. O rigor científico, portanto, surge diante dos critérios de leitura a respeito do tema abordado, para aprofundar a perspectiva reflexiva que enunciam dinâmicas estratégicas no campo contemporâneo da comunicação.
Realizadas tais predicações iniciais, este texto está dividido em cinco partes: o contemporâneo, a diversidade, o gênero, o consumo e a discussão. São instâncias distintas que se complementam por abordagens, embates e discussões, em uma oscilação de categorias discursivas e/ou políticas.
A QUESTÃO DO CONTEMPORÂNEO
Como lidar com a frenética realidade brasileira?
Há um movimento potente que conduz os interesses de pronunciamentos recorrentes da atualidade. São abordagens da comunicação e da cultura a ponderar práticas socioculturais do sujeito na intensidade da experiência humana para mediar a condição adaptativa de ser/estar. Essa experiência contemporânea inscreve-se com ênfase em um clima de sobrecarga de agenda e compromisso, pois são muitas opções e escolhas que geram seleção e preferência. Verifica-se, agora, o sujeito ocupado, sem tempo para pausa e lazer.
Quanto ao presente ampliado, Gumbrecht (2015, p. 12) afirma:
[…] não é possível “fugir” dos ritmos e das estruturas que constituem o nosso presente globalizado, nem de suas formas de comunicação; mas, ao mesmo tempo, é importante agarrarmo-nos firme à possibilidade de o conseguir, na medida em que isso nos dá uma alternativa àquilo que aceitamos demasiado rápido como “normal”.
Por isso, vale a pena evitar a regularidade formal da norma, visto que o cotidiano auxilia no desenvolvimento da produção de conhecimento, na atualidade, relacionada à produção de subjetividade. Do saber ao sentir (e vice-versa), tais produções ajudam na produção de informação e na produção de imagem, bem como na produção de conteúdos na rede mundial de computadores – a internet. O conjunto produtivo (de conhecimento, subjetividade, informação e imagem), ainda, relaciona a produção de intensidade – vide o volume excessivo de experiências cada vez mais recorrentes – e a produção de efeito. Esse último aponta para a sofisticação tecnológica do artifício da cultura contemporânea digital. Ou seja, a fugacidade do efeito torna-se tão superficial quanto descartável, mas surgem nuances a operacionalizar a atmosfera de uma epifania (GUMBRECHT, 2015).
De um lado, a contemporaneidade solicita atenção para modificações necessárias, quando se confirma um panorama conflitante com as desigualdades sociais no mundo globalizado (CANCLINI, 2016). Evidente que isso (re)dimensiona os valores sociais, incluindo a brutalidade do capitalismo impregnada pela cultura digital, com seus views e clicks de entretenimentos, os quais determinam a relevância do conteúdo na internet (GARCIA, 2005; VILLAÇA, 2018).
De outro, tal contemporaneidade provoca efeitos de mudanças com a atualização e a inovação na condição humana, ao (des)territorializar discursividades coabitadas por determinada publicização da informação (AGAMBEN, 2009). Assim, a noção de contemporâneo promove maior flexibilidade e estratifica as contingências da representação para alcançar não somente o sentido, mas os desdobramentos de feixes de efeito (GUMBRECHT, 2015).
Para discutir questões que compreendem o contemporâneo, instaura-se parâmetros contraditórios e, ao mesmo tempo, antagônicos, pois seria quase impossível discernir-se daquilo em que se está inserido. Se a experiência agora depende da produção de intensidade sobre os corpos, as relações humanas estabelecem-se na emergência de uma cultura diversificada, a prevalecer as “novas/outras” formas de produção contemporânea.
A QUESTÃO DA DIVERSIDADE
Diante da intensidade da experiência que contempla a diversidade, como valorizar a condição adaptativa relacionando gênero e consumo?
Essa questão aflora “novas/outras” instâncias díspares, ao provocar uma discussão a respeito de matizes que não se assentam no lugar comum. Múltiplos elementos (re)configuram fluxos transitórios atuais (GUMBRECHT, 2015) para dar vasão aos desafios da expressão latina diversus – aquilo que se diversifica e, portanto, não se assemelha. O pressuposto da diversidade converge na novidade e a(di)ciona o diversus como ampliação da percepção do mundo. E mostra uma preocupação com a maneira de se expressar no campo contemporâneo da comunicação, o qual se torna mais atrativo e acessível com a cultura digital e as derivações de dissenso.
Para Canclini (2016, p. 52), dissenso
não é apenas o conflito de interesses e aspirações de diferentes grupos. Baseia-se em uma diferença no sensível, uma discordância sobre os dados da situação, sobre os objetos e sujeitos incluídos na comunidade e sobre os modos de uma inclusão.
Ou seja solicita flexibilidade para ponderar o dissenso como diversidade, que se soma a outros caminhos, pois não seria uma controvérsia, mas uma divergência a ser debatida, investigada e/ou implementada, talvez.
Há diversas formas de desenvolver uma leitura contemporânea a respeito de uma produção audiovisual, no Brasil e no mundo. No entanto, aqui, a expectativa seria observar, descrever e discutir um recorte específico da obra Corpo fechado (2018), evidenciando o olhar acerca do que se constata na cena inicial. Longe de buscar sentido, examina-se o efeito, conforme já indicado neste trabalho.
Em câmera lenta, plano geral, o prólogo anuncia o despertar de Hooker e seu par romântico (o ator e modelo Thiago Tenório), em um momento relaxado de descanso no sofá, na intimidade da casa. Um quase silêncio traz acordes lentos de guitarra elétrica, ao fundo sonoro. Os amantes se acariciam e se beijam levemente. Ruptura. Eis um desacordo entre ambos. Dissenso.
Mudança de plano, o rapaz arruma a camisa e sai rápido do enquadramento. Há um breve espaço de solidão. Sete acordes curtos de guitarra. Nessa breve introdução, surge na tela o nome da música Corpo fechado, simulando o lançamento do título de um filme. A protagonista dirige-se a um altar místico, enfeitado para rituais sagrados, ajoelha (se curva), a rezar diante da divindade alegórica da Santa Gabi. Pede ajuda e proteção para ficar com o boy-magia. Entre pausa e concentração, raios de neon lilás saem dos seios da boneca no altar, em direção ao pedinte, na metáfora de uma epifania sagrada. Alegorias.
E o videoclipe abusa da composição musical/visual – tanto da canção quanto da performance – para criar uma empatia a respeito de diversidade e gênero, com uma lição provocante de empoderamento LGBTQIA+. Seria fundamental e, ao mesmo tempo, instigante discutir o encontro de diversidade, gênero e consumo que gera visibilidade – em especial às comunidades LGBTQIA+ – e revigora na atualidade como mediação do sujeito.
Em um universo de contingências, alteridade e diferença somam-se à diversidade e, com isso, atravessa um número intenso de experimentações cotidianas, acelerando a vida. Alternam-se variáveis a desestabilizar a ordem do dia. Assim, traços identitários tentam equilibrar uma mensagem profícua que possa constituir a pluralidade atual. Ou seja, a diversidade confere um fluxo recorrente de instabilidades. Seria, quem sabe, a abertura de variantes efêmeras – com alternativas deslizantes de projeção e identificação, capazes de incrementar a experiência humana, seja qual for a circunstância.
Entre a teoria e a política da diversidade, a (des)construção de tais variáveis intervalares, como espaço intermediário e híbrido, acumula informações e inflama qualquer manifestação do sujeito na atualidade. A sociedade hoje se reconhece mais por efeitos performativos – portanto provocativos – do que se desenvolve suas combinatórias táticas. Essa situação de sobrevivência (re)articula (re)invenções (FOUCAULT, 2011) semelhantes à intensidade da experiência das coisas no mundo.
De fato, a diversidade parece ser uma proposta conveniente, sobretudo para as chamadas minorias, pois multiplicam e, paralelamente, reforçam mais informações, imagens etc. O que pulveriza resultantes provisórias. O desconforto, talvez, pode surgir com o estranhamento sob o desconhecido com o leque da diversidade (de opção, seleção, escolha e/ou preferência), cujas interpelações associam mais informações que se misturam em abundâncias. Isso acrescenta “novos/outros” fatores que extrapolam a diversidade, para além do senso comum.
Sem metáfora, são realidades cotidianas a serem desvendadas por uma investigação criteriosa a respeito de conflitos, enfrentamentos e superações que perpassam a diversidade. Longe de qualquer arranjo e/ou articulação estratégica, a diversidade efetiva sua pluralidade como paradoxo do pensamento contemporâneo.
A QUESTÃO DE GÊNERO
Como a pluralidade do sujeito aparece na sociedade atual?
Tal pergunta coloca em xeque os critérios de leitura sobre corporalidades transversais (EAGLETON, 2005), as quais especulam os fatores de empoderamento e visibilidade da diversidade sexual e de gênero no Brasil e no mundo. Sem dúvida, a ideologia de gênero requer atenção para um debate mais profundo como resistência da diversidade. Paradoxalmente, há a necessidade de configurar um posicionamento intelectual e prever as coordenadas sincréticas desse sujeito.
O empoderamento da lógica feminina no Brasil, por exemplo, (re)vela uma prioridade para se atentar à “nova/outra” proposição de mundo, cujo pensar enaltece a emancipação do sujeito hoje. Esse ato de se empoderar (fortalecer e superar as dificuldades) lança uma resposta imediata ao sistema hegemônico, incapaz de reconhecer a plenitude do/a outro/a. Mais que subalternidade da mulher (SPIVAK, 2010), a identidade de gênero ressalta a discussão acerca do lugar de fala (RIBEIRO, 2017), contra a enorme violência do feminicídio no Brasil.
Ao discutir a respeito da virada para o século XXI e a prática dos feminismos, Escosteguy (2016, p. 76) afirma:
[…] a retomada tanto do movimento feminista – principalmente pela juventude, mediante novas práticas de ativismo político na blogosfera – quanto o renovado interesse por temas associados à diversidade teórica que marca o feminismo contemporâneo na academia, cá e lá, são indícios esperançosos de que o ruído teórico causado pelo feminismo no âmbito dos estudos culturais e, em especial, na crítica de mídia tem muito a repercutir. E a questão da identidade, problemática fundamental nas reflexões de Stuart Hall, permanece ocupando um lugar central na mesa dos estudos feministas e em sua prática política.
Ou seja, se esse empoderamento expõe uma posição de mundo, de acordo com a performance de gênero de Butler (1993), distante de uma perspectiva essencialista, verifica-se a necessidade de agenciar e/ou negociar a representação da mulher, bem como das minorias sexuais. Para essa autora, a identidade de gênero (re)organiza-se de acordo com cada performatividade.
No videoclipe, outra modificação de cenário sinaliza uma cena externa, noturna, de um corredor profundo, em tons de luzes verdes. Inicia-se a letra da canção. O protagonista ao centro da imagem interpreta a música, de modo suave. Com o corpo retilíneo, rebola e faz pose (GARCIA, 2005), em uma dança opulenta na disposição coreográfica. São gestos extravagantes que oferecem os corpos como provocação transgressiva/subversiva e de resistência da diversidade sexual e de gênero. O clima, ainda, inicial (calmo e misterioso), reflete o gesto sedutor de Hooker que, também, abrange o corpo queer (LOURO, 2004; SALIH, 2015) dos/as bailarinos/as. Essa constatação pode ser vista/lida diante da reiteração da cena, que se repete para confirmar os traços expostos, de forma estranha.
Até aqui, somente 45 segundos iniciais do videoclipe arquitetam esse processo de criação cuidadoso de detalhes cênicos, a introduzir a performatização do amor homoerótico, no formato peculiar caliente, de uma brasilidade efervescente, tropicalista (TREVISAN, 2018). Entre projeção e identificação, o ar pictórico registra a assinatura com o brega e o cliché para assentar o estilo alegórico, cafona e divertido. Sim, a cena é bastante contagiante. Entre o melodramático e o romântico, contata-se uma citação aberta à dramaturgia da telenovela brasileira.
Na atualidade, a (re)dimensão flexível do gênero ressalta o estado democrático de igualdade, em que se observam mudanças fundamentais para rever a frágil distinção binária entre masculino versus feminino (SALIH, 2015), mediante a condição de transgêneros (LOURO, 2004; PRECIADO, 2014). Logo, já não há mais categorias fechadas para masculino e para feminino. Valem as pluralidades que se multiplicam por direitos. Isso (re)direciona as singularidades humanas em caprichos estéticos de alteridade, diferença e diversidade, cuja imagem reitera a subversão e a transgressão contra o sistema hegemônico (FOUCAULT, 2011).
Nessa espetacularidade, o aceno (hiper)midiático na performance de gênero (BUTLER, 1993) envolve a inscrição sensível no consumo de informação e/ou entretenimento. Assim, a (re)dimensão de gênero no campo contemporâneo da comunicação necessita de atenção para se estabelecer como dinâmica estratégica. Em Corpo fechado, por exemplo, faz emergir um rol de possibilidades eloquentes para experimentar, atuar e agir. Afinal, criatividade e versatilidade ali são registradas. Além disso, a performatividade exibe um figurino tenaz, trabalhado em detalhes diferenciados.
A QUESTÃO DO CONSUMO
Como divulgar produto, marca ou serviço?
Quando se trata da publicidade, da propaganda e/ou do marketing, a ideia de divulgar pauta situações complexas (re)desenhadas na contemporaneidade. Um exercício crítico desdobra táticas na cultura do consumo, mediante as circunstâncias da sociedade (CANCLINI, 2016). São abordagens do campo contemporâneo da comunicação que acenam expressões da linguagem e sua flexibilidade criativa de atualizações e/ou inovações. Afinal não seria divulgar para…, mas divulgar com… Essa mudança de ação reflete a necessidade de compartilhar a experiência que aguça o/a consumidor/a.
A lógica de consumo mudou diante do modo de produção e circulação da informação, visto que sua disseminação influencia a sociedade. Dito de outra forma, as propriedades do consumo, atualmente, proporcionam um discurso de armadilhas sedutoras constituídas pela persuasão enunciativa, ao tentar conduzir o/a consumidor/a a um universo lúdico. Isso provoca uma motivação de satisfação em relação à compra e à aquisição (VILLAÇA, 2018).
Ainda, Canclini (2016, p. 69) atesta:
A novidade contemporânea é não poder ser estrangeiro. Ao menos no sentido em que isso foi praticado pelas maiorias, encontrando algum tipo de equilíbrio entre não pertencer totalmente e construir para si o próprio lugar. Para ser estrangeiro é necessária, além da diferença, a intimidade. Em um mundo onde nossa vida privada é armazenada para ser usada comercial e politicamente, não importa tanto a diferença, mas a informação sobre o que imaginávamos que nos fazia diferentes e que é organizada para nos agrupar como consumidores de certos alimentos, filmes e mensagens políticas. Não podemos esconder nem o que pensamos sobre o que consumimos, nem as dores ou deficiências que nos impedem de pertencer a uma comunidade.
Mediante adversidades insurgentes, o consumo está presente na experiência do cotidiano, ao investir a atenção do público acerca de feixes de efeitos. São estados (inter)subjetivos, pois elenca o sujeito e sua sujeição do sentir. Portanto, vale a decisão do/a consumidor/a. Dessa forma, o consumo perfaz mediações entre sujeito e mercadoria.
Todavia, os efeitos mercadológico-midiáticos correlacionam diversidade e gênero. O que parece projetar determinada sensibilidade queer (LOURO, 2004; SALIH, 2015), agenciada/negociada pelo empoderamento nessa agenda de discussão. A expectativa de explorar o consumo na divulgação instiga o desejo do consumidor/a, tendo diversidade e gênero como artimanhas para estimular pontos atrativos de sedução e persuasão. Sem dúvida, diversidade e gênero não deveriam ser mercantilizados como brinde promocional, ainda que sejam.
De acordo com a letra da música de Johnny Hooker, o embate na narrativa videográfica prevalece como atitude de criar autonomia, emancipação e/ou independência. Para enfrentar as adversidades do amor, a canção indica que o choro, o sofrimento ou a inveja precisam ficar para trás. Do que há de pior, a vida parece melhorar com a ausência do seu par – no videoclipe. Nesse caso, subjuga-se o/a outro/a para tentar crescer novamente.
Se
depender do seu ódio
Eu não morro mais
Se depender da sua inveja
Eu não morro mais
Se depender do seu veneno
Eu não morro mais
Vai me
ver dançando
Vai me ver amando
Vai cair pra trás
Já me
desenganei desse amor marginal
Cê não vale um real
Pelos bares que andei
De você me livrei
Cê não vale um real
Então
Chora, chora, chora, Não
Diz que vai embora, Não
Tá com inveja, aceita, Não
Vai cair, já deita, Não (bis)
Se
depender da sua empáfia
Eu não morro mais
Se depender da sua arrogância
Vai sofrer demais
Se depender do seu veneno
Eu não morro mais
Pensou
que ia chorar por você
Me apagar por você
Me fazer sofrer
Quero ver você se fu-!
Pensou que ia chorar por você
Me apagar por você
Me fazer sofrer
Quero é ver você se
(Quero é ver você se foder)
Então
Chora, chora, chora, Não
Diz que vai embora, Não
Tá com inveja, aceita, Não
Vai cair, já deita, Não (bis)
Chora,
chora, chora
Deita, deita, deita
Diz que vai embora
Vai cair, já deita
Chora, chora, chora
Deita, deita, deita
Diz que vai embora
Vai cair, já deita
Aí, Gaby,
me ajuda
Pra todo lugar que eu olho, mulher, só tem boy lixo
Me arranja umas ervas, uma coisa assim
Aí, migo,
calma
Toma um xiri da bôta e canta na cara desse boy assim, ó
Nem vem
com esse papo, que eu sei bem quem tu és!
Tu já levou farelo, chora nos meus pés
Tô pouco me lixando em te ver correndo atrás
Não te faz de doido, só te digo uma coisa
Vai me
ver dançando
Vai me ver amando
Vai cair pra trás (bis)
(Vai
cair, é?)
Como disputa, cada vez mais o mercado-mídia articula experiências e representações, as quais propiciam referências na cultura do consumo contemporâneo. Ao consumir, o sujeito está legitimado com um diferencial que o coloca em destaque. Por isso, há discrepâncias no mundo capital, na inevitável instabilidade de aproximações que se equivalem de novidades no mercado-mídia atual. E, agora, mais vale o número de clicks e views na internet.
DISCUSSÃO
Como ver/ler um videoclipe hoje?
A articulação dos conceitos de diversidade, gênero e consumo imbricam decorrências inomináveis (EAGLETON, 2005), ao considerar as dinâmicas estratégicas no campo contemporâneo da comunicação. A intensidade da experiência consiste em fluxos recorrentes de alternativas. Por conseguinte, elementos inusitados do contemporâneo desafiam a linguagem ordinária.
De modo geral, diversidade, gênero e consumo estão presentes na sociedade contemporânea com a habilidade de agregar valor, uma vez que essas dinâmicas estratégicas alargam o estado de mediação do sujeito. Por assim dizer, mediar requer equilíbrio e parcimônia, cuja narrativa do videoclipe envolve e impulsiona o/a espectador/a, de forma contundente, com a música dançante. Há uma intrigante performatividade que conclama à festa, à dança. De maneira cativante, convoca à participação de um corpo em evidência, a descortinar possibilidades com sua espetacularização.
No videoclipe, a explosão dançante acelera a cena. O baile começa em ritmo de Carimbó recheado de um swing percussivo, cuja musicalidade contagia o público. As artimanhas audiovisuais são acrescentadas em voluptuosas passagens fragmentadas. Recortes eletrizantes dos conteúdos visuais e sonoros determinam uma narrativa não-linear, sobreposta de rápidas e curtas tomadas, em flashes videográficos. O que causa vertigem pela rapidez visual.
Do ponto de vista da comunicação, desafios afetivos de enfrentamentos surpreendem o modo de pensar e agir no cotidiano, uma vez que a escolha do videoclipe exemplificado adequa-se às necessidades urgentes da realidade brasileira. Tais enfrentamentos devem estar na agenda de debates, os quais relacionam mídias e práticas socioculturais.
Do ponto de vista da cultura, isso inclui as alegorias emblemáticas do sagrado ao profano (e vice-versa) entre o Carimbó, a Umbanda, o Candomblé, o Xamanismo etc. Ou seja Corpo fechado reage à essa brasilidade antropofágica, pois consegue circular como produção cultural desdobrada em produção de conteúdo nas redes sociais. Disso, o referido objeto de investigação cause, talvez, desconforto e/ou inquietude para determinado consumidor/a, entre estardalhaços e escândalos, que busca o singular em sua própria voz diversificada.
Do ponto de vista transideológico, a plasticidade (figural, icônica, visual) do videoclipe destaca tanto o/a protagonista quanto os/as bailarinos/as LGBTQIA+, em uma proposição transideológica, para além do lugar comum (PRECIADO, 2014). Como ideário, a intensidade dessa experiência, a partir do videoclipe, atualizam aspectos econômicos, identitários socioculturais e políticos.
Do ponto de vista político, o videoclipe é um grito da diversidade, no Brasil e no mundo. Seria a máxima abertura do diversus: o que escapa. Distante de elencar-se como vulnerabilidade, tal diversidade reitera o empoderamento das comunidades LGBTQIA+, para se sentir forte e tentar superar as dificuldades. Isso interpela a ordem do comum e provoca transformações – em um território fértil de extensões discursivas. Em outras palavras, há uma extrema necessidade de ampliar o olhar sobre as coisas no mundo, inclusive quanto se trata de identidade sexual e de gênero, cujas instâncias recursivas atropelam as dicursividades do mercado–mídia para atropelar o consumismo da sociedade contemporânea.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas dinâmicas estratégicas no campo contemporâneo da comunicação, a relevância deste tema tratado está na sua emergência que solicita aprofundamento reflexivo de um tom aplicável ao cotidiano. Mais que isso, a pertinência da referida temática confere uma sintonia com a sociedade hoje. Nossa sociedade pratica o consumo, em larga escala, para atingir não apenas as necessidades imediatas de alcançar a felicidade, mas também corresponder ao interesse do desejo a fim de suprir a ansiedade e se preencher de satisfação. O gozo, assim, parece estar afetado por experiências e imagens inimagináveis.
Como resultado, a viabilidade do videoclipe torna-se oportuna mediante enunciados desafiadores, os quais impactam a mensagem mercadológico-midiática na atualidade. O mercado–mídia evidencia valores globalizantes, que ampliam as chances de manifestação da diversidade ao propiciar novos hábitos e comportamentos a partir de questionamentos providenciais.
Em síntese, Corpo fechado demonstra uma ação estridente em sua poética de resistência. A diversidade solapa a estabilidade. Afinal, tentar preservar valores conservadores e/ou tradicionalistas implica não assegurar o que há de mais simples na vida humana: a liberdade!
Vai cair,
é?
Referências
AGAMBEN, G. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
BUTLER, J. Bodies that matter: on the discursive limits of “sex”. New York: Routledge, 1993.
CANCLINI, N. G. O mundo inteiro como lugar estranho. São Paulo: Edusp, 2016.
FOUCAULT, M. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
EAGLETON, T. Depois da teoria: um olhar sobre os estudos culturais e o pós-modernismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
ESCOSTEGUY, A. C. Stuart Hall and feminism: revisiting relations. MATRIZes, v. 10, n. 3, p. 61-76, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2M3HBQA. Acesso em: 20 set. 2018.
GARCIA, W. Corpo, mídia e representação: estudos contemporâneos. São Paulo, Pioneira Thomson Learning, 2005.
GUMBRECHT, H. U. Nosso amplo presente: o tempo e a cultura contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2015.
HOOKER, J. Corpo fechado, 2018. Disponível em: https://bit.ly/2spFm0J. Acesso em: 27 set. 2018.
LOURO, G. L. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PRECIADO, P. Manifesto contrassexual. São Paulo: n-1 edições, 2014.
RIBEIRO, D. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento, 2017.
SALIH, S. Judith Butler e a teoria queer. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
SPIVAK, G. C. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: EdUFMG, 2010.
TREVISAN, J. S. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2018.
VILLAÇA, N. O consumo da cultura: comunicação e performance. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2018.
Notas