Resumo: Este artigo reflete sobre o uso dos emojis, destacando a apropriação desses códigos na comunicação das marcas. Identificamos que os emojis são utilizados na publicidade de diferentes maneiras, com significados negociados de forma multidirecional, e com a crescente participação e colaboração do público. Assim, propomos uma tipologia para o entendimento do fenômeno, com uma classificação de usos de emojis na publicidade que tem como base a semiótica peirceana e que distingue as estratégias possíveis identificadas.
Palavras-chave: Emoji Emoji, Publicidade Publicidade, Linguagem Linguagem, Semiótica Semiótica, Cibercultura Cibercultura.
Abstract: This study discusses about the use of emojis, focusing on the appropriation of these codes by brand communication. We have identified that emojis are used in advertising in different ways, with meanings being negotiated in a multidirectional way, and with increasing participation and collaboration of the public. Thus, we propose a typology for the understanding of the phenomenon, with a classification of uses of emojis in advertising based on Peircean semiotics and that distinguishes the possible strategies identified.
Keywords: Emoji, Advertising, Language, Semiotics, Cyberculture.
Resumen: Este articulo reflexiona acerca del uso de los emojis, destacando la apropiación de esos códigos en la comunicación de las marcas. Identificamos que los emojis se utilizan en la publicidad de distintas maneras, con significados negociados multidireccionalmente y con la creciente participación y colaboración del público. Así, planteamos una tipología para la comprensión del fenómeno, con una clasificación de usos de los emojis en la publicidad basada en la semiótica peirceana y que distingue las estrategias posibles identificadas.
Palabras clave: Emoji, Publicidad, Lenguaje, Semiótica, Cibercultura.
Artigos
Emojis na publicidade e seus significados para marcas e consumidores: tipologias e questionamentos
Emojis in advertising and its meanings for brands and consumers: typologies and questions
Los emojis en la publicidad y sus significados para marcas y consumidores: tipologías y cuestiones

Recepção: 12 Abril 2018
Aprovação: 07 Maio 2018
As dinâmicas comunicacionais ocorrem atualmente de forma mais fragmentada, num cenário tecnológico no qual múltiplas informações, produtos e marcas circulam pelo ciberespaço, numa rede de indivíduos e organizações conectada permanentemente.
Nesse ambiente, do ponto de vista do consumo e da comunicação marcária, os significados dos bens transitam amplamente, sendo manipulados não só pelas estratégias das marcas, mas também pelas ações dos consumidores. Partimos do entendimento do consumo como um processo simbólico, utilizado pelo indivíduo em sua dinâmica de construção identitária, que atualmente ocorre sobretudo nas onipresentes redes sociais digitais que caracterizam a Web 2.0.
No contexto da cibercultura, as marcas adotam cada vez mais estratégias de comunicação focadas na proximidade, com o objetivo de influenciar o consumidor e aproveitar seu crescente poder de expressão para gerar maior visibilidade para os conteúdos da marca, com mecânicas que utilizem a lógica da interação e da participação em rede.
Por outro lado, o consumidor mais informado e crítico também se defende da comunicação das marcas e de suas possibilidades de vigilância e controle, assuntos emergentes nas relações de consumo na rede. Ele evita conteúdos que não lhe interessem – sobretudo a comunicação publicitária mais invasiva –, altera e manipula conteúdos de acordo com sua vontade, na forma de memes[1] e gifs[2], com resultados irônicos e humorísticos que podem suplantar em visibilidade os conteúdos originais e oficiais. Denúncias e mobilizações contra marcas também podem surgir de forma rápida e espontânea, provocando grandes transtornos, crises de reputação e exigindo rápidas respostas das empresas.
O foco deste artigo são as estratégias de comunicação desenvolvidas pelas marcas para ampliar e renovar as múltiplas camadas de significado relacionadas a um bem a fim de manter sua atratividade e frescor. Para isso, na linguagem, utilizam-se elementos reconhecidos e percebidos como relacionados à contemporaneidade, como os emojis. A escolha por esses elementos como objeto de estudo se deu porque eles representam uma das inúmeras alterações da linguagem desenvolvida pelos usuários na comunicação na rede, a fim de adequar-se ao ritmo, à velocidade e à instantaneidade exigidos pela comunicação via mensagem escrita, baseada na digitação do texto. São mediações relativamente novas, que se pautam em códigos também relativamente recentes, que exigem uma abordagem teórica complexa. Tendo a semiótica como um dos alicerces conceituais deste trabalho, destacamos o pensamento de Lucia Santaella (2004, p. 189), que diz:
No coração, no âmago, no cerne de quaisquer mediações – culturais, tecnológicas, midiáticas – está a linguagem, é justamente a linguagem, camada processual mediadora, que revela, vela, desvela para nós o mundo, é o que nos constitui como humanos.
É possível identificar diferentes estratégias adotadas e possíveis efeitos de sentido nessas práticas que envolvem os emojis por parte das marcas, principalmente em sua publicidade, e pelos consumidores. Por isso, propomos uma classificação inicial das estratégias de comunicação identificadas a fim de indicar um possível caminho para o assunto mais aprofundado sobre o assunto. Essa tipologia foi desenvolvida a partir de conceitos da semiótica peirceana, e acreditamos que ela possa nos auxiliar na organização e compreensão dos usos dos emojis na comunicação das marcas e na interação com os consumidores.
Os emojis são elementos visuais que surgiram no Japão na década de 1990, com a criação de um conjunto de desenhos que pudessem ser utilizados em troca de mensagens instantâneas. Essas figuras trouxeram como características a concisão visual e a rapidez na transmissão de significados convencionados, aos moldes dos ideogramas que compõem a linguagem escrita naquele país.
Sua popularização em nível mundial ocorreu a partir de 2011, quando foram introduzidos nos aparelhos com o sistema iOS (sistema operacional dos smartphones da Apple). A partir de 2013, foram introduzidos também no sistema dominante no mercado, o Android. Hoje, somente no Instagram – rede social móvel baseada em fotografias e, por isso, ambiente favorável para esse tipo de expressão –, metade das mensagens que circulam na rede pelo mundo contém algum tipo de emoji. Atualmente, há a possibilidade de usá-los nas hashtags que acompanham as fotos, criadas para classificar e facilitar a busca por determinado tipo de conteúdo (GARUN, 2015).
O uso dos emojis é impressionante: estima-se que mais de seis bilhões de figuras são enviadas diariamente no mundo via aplicativos móveis de mensagens instantâneas (WHO…, 2015). A rápida popularização pode ser explicada por diversos fatores: os emojis adicionam emotividade ao texto escrito (é comum a combinação de textos e figuras) e esclarecem o tom do que é digitado, como uma camada adicional de significado para o texto escrito para seu entendimento pleno. Da mesma forma que, com a popularização dos computadores pessoais nos anos 1990, a tipografia se transformou rapidamente na prosódia do texto escrito em cartazes, banners e outros materiais produzidos domesticamente (ROCHA, 2005), os emojis têm se revelado atualmente uma dimensão adicional de expressividade afetiva aos textos das mensagens.
Essas figuras são acordadas entre distintos desenvolvedores e sistemas operacionais, com possíveis revisões e constantes adições de novos elementos. Essa padronização também parece buscar certa universalidade de significados desses elementos. Ou seja: o emoji poderia também facilitar a amplitude no entendimento da mensagem que circula numa rede planetária. Podemos dizer que os emojis refletem uma determinada identidade coletiva em rede concretizada por uma linguagem compartilhada. Só que essa identidade coletiva, de pertencimento na rede, não suprime a identidade pessoal, muito pelo contrário, tendo o efeito de reafirmá-la de acordo com seu uso (CASTELLS, 2013).
Ainda que haja um conjunto “padrão” de emojis em cada sistema operacional, composto dos elementos mais frequentemente utilizados, há inúmeros outros pacotes, que podem ser baixados nos celulares e usados para ilustrar as conversas nos mais diversos aplicativos.
O uso e os significados associados aos emojis disseminam-se de maneira dinâmica, colaborativa e participativa. De certa maneira, todos podem sugerir novos emojis ou novos usos e significados para figuras já existentes. Indivíduos, grupos e organizações também podem criar seus próprios emojis, numa lógica aberta, pouco controlada, como é a cultura da rede como um todo. Nessa dinâmica, percebemos as novas lógicas de produção e propagação apontadas no contexto da cultura da convergência (JENKINS, 2009) e da conexão (JENKINS; GREEN; FORD, 2014), com a valorização do compartilhamento e do engajamento pelas comunidades de usuários.
A cultura digital parece estar sempre em movimento, num processo contínuo, o que mostra o desejo pelo consumo de novidades diárias, ou a adaptação às demandas dos usuários. Nesse sentido, são frequentes as revisões de emojis e criação de outros para conceitos que ainda não são representados. Um exemplo disso são as cores diferentes dos rostos e mãos (Figura 2) a fim de englobar a diversidade racial.

Em relação à criação de emojis pelas marcas, na tentativa de adicionar elementos exclusivos à sua identidade marcária, há diversos exemplos que se popularizam a partir de 2014. Um exemplo de grande visibilidade foi uma ação da Coca-Cola em parceria com o Twitter, ao criar uma hashtag com emoji para a sua campanha “Share a Coke” em 2015 (Figura 2). A empresa afirma que somente no primeiro dia, a hashtag #ShareaCoke com o emoji foi publicada 170.500 vezes globalmente (KAYE, 2015).

Outro exemplo que obteve grande repercussão foi a criação de um emoji pela Domino’s, rede de pizzarias dos Estados Unidos, também em 2015 (Figura 3). Nesse caso, o elemento tinha uma função específica, relacionada ao consumo do produto oferecido pela marca: tornar o processo de compra das pizzas mais rápido e instantâneo.

Um terceiro exemplo é o da empresa Durex, que propôs a criação de um emoji para simbolizar o preservativo sexual (Figura 4) em 2015. A marca apresentou o elemento e convidou os usuários a comentar o assunto com a hashtag #CondomEmoji para chamar a atenção para o assunto e para a marca.

Em outros casos, o diálogo entre marcas e emojis pode ocorrer de forma conflituosa, quando os significados desejados pela empresa divergem da convenção estabelecida na linguagem dos emojis. Recentemente, a Hershey, empresa americana de chocolates, criou um símbolo para sua identidade corporativa baseado no chocolate Kisses (Figura 5). Esse produto tem a forma de gota com uma fita na parte superior para facilitar a abertura da embalagem. Entretanto, a empresa teve que lidar com a semelhança do símbolo proposto com o emoji estabelecido e convencionado que representa algo muito diferente do que o símbolo da empresa desejava significar.

Nesses exemplos, percebemos a crescente interação entre os emojis e a comunicação das marcas, tanto no sentido de gerar visibilidade e repercussão para suas ações quanto para aproximar-se da linguagem cotidiana dos usuários por meio desses elementos tão populares.
A relação entre o texto escrito e as imagens, em conteúdos comunicacionais mercadológicos, nos remete inevitavelmente a Roland Barthes e a uma grande quantidade de autores que se dedicaram a compreender as complexas redes de significados que se estabelecem entre signos de naturezas diferentes. Para que não se alongue demasiadamente nessas referências, basta-nos destacar um dos pensamentos do autor francês:
A imagem é representação, isto é, ressurreição, e sabe-se que o inteligível é tido como antipático ao vivenciado. […] Ora, mesmo – e sobretudo – se imagem é, de uma certa maneira, limite do sentido, permite-nos, no entanto, voltar a uma verdadeira ontologia da significação. Como o sentido chega à imagem? Onde termina o sentido? E, se termina, o que existe além dele? (BARTHES, 1990, p. 27)
Mantendo fidelidade aos princípios epistemológicos adotados na base conceitual deste texto, lança-se mão da semiótica de vertente peirceana como ferramenta metodológica e referencial teórico para a proposta de tipologia que se apresenta a seguir. É no pensamento de Charles Peirce – principalmente na sua chamada gramática especulativa (PEIRCE, 1995) – e nos desdobramentos desenvolvidos por Lucia Santaella (2004) que se encontra respaldo para analisar as ações publicitárias que se valeram dos emojis, bem como para organizá-las de acordo com o tipo de apropriação da linguagem que é feita.
Considerando o material publicitário como signo – portanto com os emojis ocupando o espaço da expressividade da mensagem publicitária –, vamos encontrar diversos outros elementos como objeto – aquilo a que os emojis se referem. E dessa relação resulta uma série de efeitos de sentido – interpretante –, que são justamente o potencial resultado dessas ações publicitárias na mente dos consumidores. Na maioria dos casos, o que vai ocupar a dimensão do objeto é o próprio produto oferecido. Em outras palavras: quase sempre, os emojis usados ou produzidos pelas marcas anunciantes fazem referência ao seu próprio produto. Foi assim nos exemplos da Coca-Cola, da pizza e do preservativo, anteriormente mencionados.
Temos nesses casos o primeiro tipo de apropriação identificado: o da apropriação icônico-literal dos emojis, que se relacionam com seus objetos a partir do compartilhamento de qualidades. Esses emojis icônicos – a despeito de em alguns casos serem usados em estratégias mais de interação recíproca do que informação unidirecional – parecem apenas trazer para um universo estético em voga o que a marca normalmente oferece em seus anúncios. Se eu vendo chocolate, faço um emoji do meu chocolate; se eu vendo sabonete, transformo meu produto em emoji.
As duas imagens a seguir apresentam bons exemplos desse tipo de apropriação, cujo fundamento é a semelhança entre os próprios emojis e os produtos oferecidos. Na Figura 6A, temos uma representação bastante literal do taco produzido pela marca Taco Bell. Em 6B, há o conjunto de emojis desenvolvido pela marca Ikea, representando não apenas seus produtos, mas também elementos do seu universo semântico (casa, cartão de fidelidade, ferramentas etc.). Em ambos os casos, ainda que se notem diferentes níveis de estilização, o que predomina é o caminho da literalidade.


Trata-se, como se pode notar, de estratégia tão recorrente quanto simplificada, cujos ganhos em termos de sentido parecem ser também reduzidos. Vale-se de um padrão estético e de um código visual em evidência, no intuito de trazer atualização e, talvez, proximidade à marca. Mas isso não quer dizer que marca e consumidor estejam “falando a mesma língua”; nesse tipo de apropriação, não necessariamente estão.
O segundo tipo de apropriação que se consegue identificar é aquele que se baseia em uma relação de causalidade entre o emoji e aquilo a que ele se refere. Nesses casos, de apropriação indicial-circunstancial, encontramos usos mais criativos dos emojis, sugerindo uma relação mais direta e próxima entre a marca e o público consumidor. Da mesma forma, no dia a dia usa-se os emojis de expressão facial para indicar o tipo de sentimento ou sensação experimentada por algum dos interlocutores – alegria, raiva, medo, surpresa etc. –, não havendo necessariamente entre as duas coisas uma relação de semelhança e sim de causa-efeito. Os exemplos trazidos a seguir (Figura 7) parecem também representar os efeitos que a marca anunciante e seus produtos têm na vida e no cotidiano das pessoas.


No caso da marca de joias Vivara (7A), não houve a criação de nenhum emoji específico, tendo sido usados apenas os pictogramas já disponíveis na maioria dos sistemas operacionais. O que se destaca, em termos de estratégia sígnico-comunicacional, entretanto, é o uso desses emojis – sobretudo aquele que representa um anel, produto vendido pela marca. Sem querer se alongar na análise do anúncio – que já foi objeto de estudo em outra ocasião (POMPEU; SATO, 2015) –, vale a apena destacar os diferentes usos dos emojis. Na peça, eles não aparecem como representação literal e sim como indicadores de um contexto, de uma rotina, da trajetória de um namoro. No começo, tudo são flores, sorrisos e corações. Com o passar do tempo, brigas (bombas), desencontros (futebol) e descontração (cerveja) vão fazendo parte do cotidiano. Ao completar um ano de namoro, um anel (possivelmente de noivado) faz com que novamente voltem os corações, os beijos, os sorrisos e as flores. Ou seja: os emojis não são usados para representar literalmente algo que a marca oferece; são empregados como indicadores do efeito que a marca causa na vida das pessoas.
Lógica semelhante segue o pacote de emojis desenvolvidos pela marca de cosméticos Dove (7B). Nenhum deles faz menção direta aos produtos da marca, mas todos alcançaram imensa notoriedade à época do seu lançamento por destacarem o efeito que os produtos – e o posicionamento – da marca causam nas mulheres. Ao valorizarem os cabelos cacheados, tanto no que se refere ao tratamento desse tipo de cabelo em si quanto no tocante ao orgulho de se ter um cabelo crespo, os emojis assumem claramente uma função indicial, que sugere laços mais próximos e efetivos entre a marca e o consumidor.
Quando se trata de um emoji indicial, o significado potencialmente produzido deixa de estar centrado apenas no produto – o que qualquer outro tipo de publicidade já seria capaz de fazer – e passa a envolver na semiose a sua referencialidade, que nesses casos, são os impactos efetivos no contexto do consumidor.
Chegando, por fim, ao terceiro tipo de apropriação, que chamamos aqui de apropriação simbólico-cultural, encontramos uma relação entre o emoji e seu objeto baseada na arbitrariedade coletiva, na convenção cultural. Trata-se de uma apropriação em essência utópica, pois que é dependente de uma profunda compreensão dos valores vigentes em um determinado grupo de pessoas e ligada diretamente aos processos interacionais corriqueiros estabelecidos hoje em dia por meio da internet e da telefonia móvel.
Se entre um grupo de amigos, conhecidos, colegas ou familiares, determinados emojis (uma fruta, um carro, uma ferramenta, um instrumento musical) podem assumir significados específicos, distantes da sua iconicidade (sendo nesses casos usados, portanto, como símbolos), para as marcas não é tão simples de se alcançar essa mesma compreensão e esse mesmo tipo de vínculo. Na medida em que os emojis prestam-se muito mais aos restritos campos de comentários (das redes sociais), aos pequenos espaços de “fala” (dos aplicativos de conversa) e às reduzidas telas individuais (dos celulares), adaptá-los aos anúncios, aos banners e aos outdoors – todos eles massivos, eloquentes e unidirecionais – pode ser desafio ainda a ser vencido.
Recentemente, com o intuito de destacar sua presença no ambiente digital, com site, aplicativo e assistente virtual disponíveis a seus clientes, o banco Itaú lançou uma campanha publicitária que ficou famosa por usar emojis como elemento principal. Não se trata de descrever toda a campanha ou analisar a sua eficácia em termos de impacto – parte disso já foi feito em Pompeu e Sato (2015). O que estamos querendo destacar é que, quando se usam os emojis apenas pela sua dimensão icônica, como o Itaú fez, corre-se o risco de se passar ao largo do significado que, na prática cotidiana, tem sido aplicado ao pictograma em questão.
Enquanto o banco usava o emoji da chave para representar o acesso do jovem ao seu primeiro emprego (Figura 8A), valendo-se de um caminho associativo mais previsível e universal, jovens da periferia de São Paulo usavam a mesma figura para representar algo completamente diferente: uma aparência (dimensão estética), um comportamento (dimensão ética) e um estilo de vida (dimensão lógica) determinados, resumidos por eles nos termos “chavoso” ou “moleque-chave” – mas também sintetizados no pequeno emoji da chave (Figura 8B).


Dos exemplos de campanhas que têm usado emojis aqui analisados, nenhum nos parece ter atingido esse estágio de apropriação, que poderia representar um vínculo de sentido extremamente rico e positivo para as marcas. O emoji simbólico, no âmbito da publicidade, funcionando como um signo de fundamento convencional, altamente capaz de aproximar na mesma esfera semântica marca anunciante e público consumidor, é ainda algo a ser alcançado. E talvez nem venha a ser nos anúncios, nos vídeos ou nos formatos mais tradicionais que esse tipo de apropriação venha a acontecer de forma plena. Nos parece que é no espaço mais democrático das redes sociais que esse tipo de relação tem maiores chance de acontecer. Resta aos pesquisadores manter a atenção, para encontrar novos exemplos e levar a pesquisa adiante.
A proposta de tipologia apresentada não se pretende definitiva ou isenta de críticas ou contribuições, pelo contrário. Se a base conceitual da semiótica foi buscada, no sentido de se encontrar nela fundamentos gerais para classificar processos cognitivos, comunicacionais e de significação, a diversidade dos exemplos encontrados e a infinidade de outros que existem e que aqui não foram mencionados nos obrigam a uma classificação aberta, provisória, disponível ao que de mais novo surja – seja por iniciativa das marcas anunciantes, seja por ação espontânea dos consumidores.
É importante frisar que o consumo no ambiente digital ocorre com a aproximação ativa dos consumidores a determinados perfis de marcas, mesmo que fora da rede essa relação se mostre distante de qualquer transação monetária, como ocorre no caso de marcas de luxo, curtidas por milhões de pessoas bem distantes do público que de fato compra efetivamente seus produtos. É possível seguir e usufruir o conteúdo das marcas desejadas, tornando pública a preferência. Da mesma maneira, esses comportamentos podem inserir ou afastar o consumidor de determinados grupos que compartilham dos mesmos interesses de consumo.
Acreditamos que rituais de consumo absolutamente hodiernos – como os unboxing videos[3], os dubsmashs[4] e os memes de uma forma geral – podem também funcionar como mecanismos de transferência de significados, em um sentido inverso, indo dos consumidores aos produtos. E nesse contexto de comunicação difusa, em que todos estão minimamente habilitados e capacitados a produzir e difundir conteúdos, igualando-se aos emissores tradicionais (veículos e anunciantes), o fluxo dos significados fica também multidirecional. Se “a cibercultura faz a instância anunciante, de um lado, e o público em geral, de outro, estabelecerem um diálogo frenético, em que ambos se implicam contínua e intensamente,” (ATEM et al., 2014, p. 11), não é improvável que essas implicações afetem também a dimensão dos sentidos, sendo plausível falar em um fluxo semântico multidirecional.
As análises dos casos que se apresentam aqui procuram demonstrar como pode se dar essa diversidade de fluxos semânticos, a partir da apropriação inversa de significados, que partem do consumidor e chegam – chegam? – aos produtos. São casos de ações publicitárias – portanto com um anunciante-instituição bem definido – que se valem de uma nova prática linguageira, a dos emojis, tentando trazer do cotidiano do consumidor os significados que se quer para os produtos anunciados.
Expandindo a questão central deste texto, do campo da semiótica para o universo teórico do consumo e da comunicação, propomos a discussão do uso dos emojis também pela perspectiva do processo de transferência de significados proposto por McCracken (2003), no qual os significados culturais são incutidos nos bens por sistemas como o publicitário. Destacamos que a transferência de significados na cibercultura possui características próprias, além da lógica inicialmente apontada pelo autor, que postula um processo unidirecional no sentido emissor-receptor (marca-consumidor). Na rede, a transferência de significados ocorre também no sentido do consumidor para as marcas – com a manipulação ativa dos indivíduos nesse processo.
O que se tem, no fim das contas, é um panorama extremamente complexo e desafiador, marcado pela rapidez com que essas questões todas se transformam. E não resta ao pesquisador outra saída a não ser manter-se atualizado, procurando aproximar os saberes mais abstratos e conceituais das questões mais concretas e cotidianas. Assim, aproximando a semiótica, as teorias do consumo e os conceitos de comunicação das questões da publicidade, das novas tecnologias e das apropriações de suas linguagens, pretendemos dar continuidade a esta pesquisa, contando com a contribuição dos que também se interessarem pelo assunto.










