Resumo: O livro Primeiras experiências com o racismo: crianças negras, práticas parentais e midiatização coloca no centro do debate a necessidade da constante reflexão acerca da diversidade e do combate ao racismo. Utilizando metodologicamente as técnicas da grounded theory construtivista, os autores propõem um diálogo entre teorias da midiatização e os relatos de agentes parentais diante das primeiras experiências de seus filhos com o preconceito, traçando uma reflexão sobre as consequências intergeracionais e seus efeitos na sociedade.
Palavras-chave:RacismoRacismo, Diversidade Diversidade, Grounded theory Grounded theory, Midiatização Midiatização.
Abstract: The book Primeiras experiências com o racismo: crianças negras, práticas parentais e midiatização places the need for constant reflection on diversity and the fight against racism at the center of the debate. Using methodological techniques from the Constructivist Grounded Theory, the authors propose a dialogue between mediatization theories and the reports of parental agents in the face of the first experiences of their children with prejudice, reflecting on intergenerational consequences and their effects on society.
Keywords: Racism, Diversity, Grounded theory, Mediatization.
Resumen: El libro Primeiras experiências com o racismo: crianças negras, práticas parentais e midiatização pone en el centro del debate la necesidad de la constante reflexión acerca de la diversidad y del combate al racismo. Utilizando metodológicamente las técnicas de la grounded theory constructivista, los autores proponen un diálogo entre teorías de la mediatización y relatos de los agentes parentales ante las primeras experiencias de sus hijos con el prejuicio, trazando una reflexión sobre las consecuencias intergeneracionales y sus efectos en la sociedad.
Palabras clave: Racismo, Diversidad, Grounded theory, Midiatización.
Resenha
Ampliando o debate sobre diversidade: contribuições do livro Primeiras experiências com o racismo
Expanding on the debate about diversity: contributions of the book Primeiras experiências com o racismo
Ampliando el debate sobre diversidad: contribuciones del libro Primeiras experiências com o racismo

Recepção: 19 Agosto 2018
Aprovação: 14 Abril 2019
Em tempos em que a pauta da diversidade, por um lado, vem sendo questionada e até proibida no âmbito governamental, no ambiente midiático ela nunca esteve tão em foco, sobretudo quando se trata das representações marcárias de consumo (CUNHA, 2019). Estar atento aos desdobramentos e às consequências desse debate se torna uma condição necessária para refletir sobre as transformações sociais e os processos de interpretação da cultura na atualidade. Em consonância com essa questão, o livro Primeiras experiências com o racismo: crianças negras, práticas parentais e midiatização apresenta o esforço em entender de que forma o racismo se perpetua no cotidiano e como as narrativas midiáticas contribuem ou invalidam as representações de negros a partir dessas discussões presentes na mídia e na sociedade. Para tal, os pesquisadores Francisco Leite e Leandro Leonardo Batista se debruçam sobre uma metodologia qualitativa bem estruturada a fim de relacionar os diversos fatores que constituem o imaginário sobre essas construções sociais da diversidade racial.
Os autores conduzem uma discussão acerca da temática racial e da propagação do preconceito a partir das experiências de sujeitos negros ao refletir sobre suas famílias e suas atividades como pais de crianças negras diante das vivências com o racismo. Através de um diálogo entre teorias da comunicação, sobretudo com foco em midiatização e consumo, e os relatos encontrados em uma aplicação prática de coleta de dados, o livro, em síntese, coloca no centro de suas discussões o modo como as narrativas midiáticas contribuem para os processos de percepção e perpetuação de preconceitos por agentes parentais, diante das relações com seus filhos, crianças em idade escolar.
Para isso, o livro nos apresenta e indica a utilização metodológica da grounded theory (LEITE, 2015, 2018), que propõe a criação de uma teoria substantiva a partir da seleção de discursos agrupados por mecanismos que dialogam nas mediações entre os envolvidos. Neste caso específico, para a coleta de dados, a técnica utilizada foi a de entrevistas em profundidade apoiadas pela técnica de observação (já típica da metodologia) (LEITE; BATISTA, 2018, p. 138), a fim de propor maneiras de se pensar as narrativas encontradas a partir de categorias de análise, em um processo dialógico entre pesquisador e pesquisado. Para esta pesquisa, foram realizados encontros com 22 famílias, sendo que, dentre essas, 27 agentes parentais participaram das entrevistas (Ibidem, p. 134). O foco do estudo, portanto, não está unicamente no indivíduo, mas em suas ações, experiências, eventos e questões, ou seja, se apresenta na relação intersubjetiva dos dados que são fornecidos pelo sujeito para a construção da teoria.
Em diálogo com autores como Vander Casaqui (2011), os pesquisadores utilizam estímulos midiáticos, principalmente a publicidade, como fator de análise e ponto de partida para a reflexão nas entrevistas com os sujeitos que participaram da pesquisa. Ainda que, em um olhar mais genérico, a publicidade possa ser reduzida a um fenômeno puramente comercial, nota-se que atualmente ela está inserida em um âmbito mais complexo, articulada com a sociedade e seus valores sociais e culturais (CASAQUI, 2011). Nesse sentido, as produções publicitárias são um importante instrumento que pode ser utilizado para investigar as relações sobretudo com a cultura, por sua tentativa em oferecer representações para a sociedade, atuando como tradutora de necessidades e desejos e criando pontos simbólicos entre produtos e consumidores. Assim, em consonância com o debate sobre a diversidade na mídia, a escolha da publicidade se apresenta como artefato cultural na construção de valores e ponto de contato para as representações sociais de negros no universo midiatizado.
Contudo, ao focar a investigação nos agentes parentais encontra-se, neste cenário, desdobramentos que vão muito além do problema da representação midiática, como os estereótipos, por exemplo (LEITE, 2008; LEITE; BATISTA, 2011). Os relatos colocam em destaque as angústias dessas figuras paternas ao se depararem com os problemas enfrentados por seus filhos e filhas diante de uma sociedade estruturalmente racista, ao mesmo tempo em que revivem memórias da própria opressão. Esse é o ponto que vai permear toda a discussão sobre o preconceito e as possibilidades de debate sobre o racismo e a diversidade na forma proposta por Leite e Batista (2018). Levando isso em conta, ao formular a categoria central a partir dos relatos dos agentes parentais para a construção da teoria substantiva, a narrativa principal foi a de “afetos solidários ao (re)viver pelas primeiras experiências de crianças negras a dor do racismo” (Ibidem, p. 161). É a partir dela que vai figurar na obra toda a discussão sobre o processo de racismo nos pais e em seus filhos, bem como essa categoria pauta a construção de outras subcategorias que apresentam seus desdobramentos específicos também a partir dos relatos dos sujeitos, mas sempre com foco nas experiências na sociedade e seus desdobramentos. De maneira geral, as dimensões dessa categoria tentam abarcar todos os sentimentos que configuram as ações dos agentes parentais ao perceber que as crianças negras sobre seus cuidados são impactadas pelo racismo cotidianamente.
Nesse sentido, a obra vai além das reflexões teóricas, dando voz aos sujeitos e colocando na centralidade suas experiências e angústias – fatores que vêm representados com uma carga emocional muito forte, humanizando ainda mais as narrativas. Esse fator dialoga muito bem com o conceito de “lugar de fala”, debatido pela filósofa feminista Djamila Ribeiro (2017), que coloca a comunicação como mecanismo de manutenção do poder. Segundo a autora, ao dar voz e espaço para grupos socialmente minorizados, quebra-se essa lógica de poder e pode-se refletir com muito mais complexidade sobre as questões sociais recorrentes na sociedade, pois “ao promover uma multiplicidade de vozes, o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal” (Ibidem, p. 39). Isso é justamente o que livro propõe, a partir das experiências individuais relatadas na pesquisa, entender o lócus social (RIBEIRO, 2017) que esse grupo de agentes parentais negros ocupa e quais as suas restrições sociais a partir dessa identificação. Permitir que pais reflitam sobre as experiências preconceituosas e discriminatórias vividas durante suas vidas a partir das expectativas que possuem em relação aos diversos tipos de preconceitos que seus filhos, crianças negras, convivem ou poderão conviver cotidianamente, é, assim, quebrar essa lógica sistemática e colocar em questão a visão desses agentes parentais enquanto sujeitos pertencentes ao mundo social.
Os relatos encontrados na obra permitem ainda observar os impactos dessas narrativas, pensar possibilidades de futuro, construções histórico-sociais, e avaliar as consequências para as crianças e seus agentes parentais, bem como seus efeitos intergeracionais. Dessa forma, ao oferecer a palavra aos sujeitos alvos do preconceito e dialogar com as teorias propostas na análise bibliográfica, o livro, no fundo, faz-nos refletir sobre a incapacidade da sociedade em lidar com o problema das expressões do racismo, inclusive entre os próprios indivíduos negros alvos dessas expressões. Por isso, chama a atenção para a importância do constante debate sobre a diversidade.
Ainda que o fator observado pelos pesquisadores neste caso seja o racismo, a estrutura teórico-metodológica da obra convida também ao debate sobre outras formas de repressão e preconceito. Como é pontuado no próprio livro, “a construção desse modelo teórico substantivo sobre a temática em pauta também pode servir como referência para orientar e instrumentalizar outros estudos e pesquisas no campo comunicacional brasileiro” (LEITE; BATISTA, 2018, p. 34), como estudos de gênero, sexualidade, classes socioeconômicas, entre outros, levando-se em conta suas particularidades.
Por fim, considerando toda a discussão proposta pelos autores, podemos afirmar que o trabalho desenvolvido levanta duas grandes pautas que devem ser observadas. Por um lado, é fundamental para os profissionais da mídia que se atentem a sua responsabilidade ao criar as narrativas, reduzindo estereótipos que promovam preconceitos e o apagamento de determinados grupos sociais, pois a publicidade, enquanto artefato cultural, deve conectar suas linhas estratégicas e criativas aos esforços de discursos que orientam ao respeito e à diversidade identitária e multicultural. Ao mesmo tempo em que, para a sociedade, faz-se necessário um posicionamento de centralidade para o debate de formas de acabar com o preconceito e valorizar a diversidade, para que as histórias narradas na pesquisa sejam outras, onde haja predomínio de um discurso plural e inclusivo. Como demonstra a frase destacada na dedicatória da obra – “Para todos aqueles que acreditam na construção de dias melhores” –, a fundamental contribuição do livro de Leite e Batista (2018) é, portanto, fazer ecoar a discussão sobre a importância dos estudos de diversidade na transformação da sociedade.