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O consumo na américa latina e a formação de identidades transterritoriais
Signos do Consumo, vol. 8, núm. 2, pp. 113-115, 2016
Universidade de São Paulo

Resenhas


Recepção: 01 Junho 2016

Aprovação: 30 Junho 2016

Publicada em 1995, a obra Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização, de Néstor Garcia Canclini, apresenta onze ensaios (divididos em quatro capítulos) que buscam problematizar o modo como o consumo altera as possibilidades e as formas de exercer a cidadania, bem como assume papel fundamental na construção identitária dos sujeitos. Nesse sentido, o hibridismo na relação consumidor/cidadão – afetada pela globalização e outros fenômenos sociais – é o grande objeto de investigação do autor em trabalhos realizados prioritariamente na Cidade do México e que se tornaram referência em toda a América Latina.

Na introdução, intitulada “Consumidores do século XXI, cidadãos do século XVIII”, o autor levanta questionamentos sobre as transformações nos modos de participação coletiva, alegando que a descrença nas instituições públicas levou os indivíduos a buscarem respostas sobre suas próprias vivências e papéis sociais por meio do consumo privado de bens e dos meios de comunicação. Paralelamente, Canclini reforça que vivemos um constante processo de desintegração entre “o que é próprio e o que é alheio”, uma vez que os avanços tecnológicos de produção fizeram que as mercadorias perdessem fidelidade com seus locais originários, assim impulsionando a presença global das marcas. Enxergando no consumo um grande articulador cultural, o autor afirma que “a cultura é um processo de montagem multinacional, uma articulação flexível de partes, uma colagem de traços que qualquer cidadão de qualquer país, religião e ideologia pode ler e utilizar” (p. 17).

Em um segundo momento, o professor alerta que, para refletir sobre consumo e cidadania sob uma mesma perspectiva, é preciso desconstruir alguns julgamentos a respeito do comportamento dos consumidores. Para ele, o ato de consumir ainda está muito ligado à irracionalidade e ao supérfluo, ao mesmo tempo que a cidadania é reduzida a questões políticas.

Segundo Canclini, a partir do momento em que essas concepções forem repensadas e, enfim, a cidadania se aproximar do consumo e da comunicação de massa, será possível reconhecer os novos cenários de constituição do público e mostrar que para viver democraticamente “é indispensável admitir que o mercado de opiniões cidadãs inclui tanta variedade e dissonância quanto o mercado da moda, do entretenimento” (p. 34).

Abrindo o capítulo “Cidades em globalização”, o autor define o termo “globalização” como passagem das identidades modernas (territoriais e monolinguísticas) para as identidades pós-modernas (transterritoriais e multilinguísticas). Posteriormente, no ensaio “O consumo serve para pensar”, ressalta a inexistência de uma teoria sociocultural do consumo, e, por isso, torna-se de extrema importância que os esforços multidisciplinares – envolvendo comunicação, antropologia, sociologia e psicologia – caminhem rumo à conceituação dos processos de comunicação e recepção dos bens simbólicos.

A partir daí, somos apresentados a três linhas de trabalhos em que o consumo vem sendo problematizado ao longo da história. A primeira trata o consumo como lugar em que se completa o processo iniciado com a geração de produtos, expansão do capital e reprodução da força do trabalho. Na segunda, o consumo é visto como uma teoria mais complexa sobre a interação entre produtores e consumidores e entre emissores e receptores. Por fim, a terceira linha de pesquisa lida com o consumo enquanto lugar de diferenciação e distinção entre classes e grupos, contemplando aspectos simbólicos e estéticos da racionalidade consumidora. Para Canclini, “só através da reconquista criativa dos espaços públicos, do interesse pelo público, o consumo poderá ser um lugar de valor cognitivo, útil para pensar e agir significativa e renovadoramente na vida social” (p. 68).

No ensaio seguinte, “México: a globalização cultural numa cidade que se desintegra”, o autor deseja mostrar a vinculação entre a crise das megacidades e a crise do conhecimento social por meio de seus estudos realizados na Cidade do México (e parte em Buenos Aires e São Paulo). Para ele, a polifonia caótica das metrópoles influencia diretamente na construção discursiva e identitária do indivíduo, resultando em um processo de dissolução das monoidentidades. Essa constatação está no centro do embate entre a cultura transnacional desterritorializada e a resistência da intervenção estrangeira nas estruturas sociais locais. Neste momento, Canclini se apropria do termo “glocalização” para explicar as adaptações dos produtos globais às diferentes culturas locais a fim de compartilhar códigos comuns ao repertório dos sujeitos.

No terceiro capítulo, “Subúrbios pós-nacionais”, continua sua reflexão sobre a transnacionalização comercial e cultural projetada na construção de identidade, mas exemplifica suas afirmações por meio da submissão de países latino-americanos aos Estados Unidos. Nesse momento, Canclini traça um panorama histórico da indústria midiática americana – sobretudo do mercado cinematográfico – e reforça que essa hegemonia está totalmente atrelada à facilidade/agilidade de adaptação frente às mudanças tecnológicas e aos hábitos culturais. Além disso, relaciona a decadência audiovisual dos países latinos com o baixo grau de controle das redes de comunicação, desde a captação até a disseminação de conteúdo, e o despreparo para enxergar filmes enquanto produtos multimídias.

Por fim, no último capítulo, “Negociação, integração e desconexão”, Canclini disserta sobre um cenário de tríplice crise: na identidade, nas classes sociais e no popular. Para ele, os conflitos acontecem em diferentes níveis, e o contato do indivíduo com os produtos culturais populares torna-se negociável, superficial e passageiro. Como solução, vislumbra um “multiculturalismo democrático” a partir da compreensão e da modulação da cultura contemporânea junto a sua tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade. Ainda neste capítulo, o autor reforça a deficiência do Estado para lidar com os gradientes do consumo, da cultura e da cidadania que permeiam as relações humanas, afirmando que “as críticas às ações dos governos e as análises das mudanças socioculturais contidas neste livro buscam pensar a incapacidade das políticas para absorver o que está acontecendo na sociedade civil” (p. 247)

Em suma, o livro é um dos grandes referenciais teóricos para quem deseja trabalhar o consumo em paralelo ao exercício da cidadania sob uma perspectiva latino-americana. A proximidade com a realidade brasileira marcou um importante avanço no campo, trazendo grandes benefícios para o desenvolvimento dos estudos da comunicação e consumo, uma vez que pesquisadores se apoiavam principalmente em autores europeus cujo distanciamento dificultava a análise do objeto.

Apesar de ser um livro antigo, levando-se em consideração as inúmeras transformações sociais e tecnológicas na comunicação, é possível afirmar que os apontamentos de Canclini ainda são extremamente relevantes e conseguem dialogar facilmente com temáticas atuais. Cada vez mais, como o próprio autor coloca, os estudos de consumo não devem se concentrar nas diferenças, mas, sim, no caráter agregador, híbrido, que baliza as relações entre os indivíduos.

Referências

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro. Editora UFRJ, 1995. 268p.



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