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MARCAS, PUBLICIDADE E VALORES RELATIVOS À PERIODIZAÇÃO DA VIDA: POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DA MATURIDADE ADULTA[1]
Brands, advertising and amounts related to periodization of life: Reframing possibilities of adult maturity
Marcas, publicidad y valores relacionados con la periodización de la vida: Posibilidades de resignificación de la madurez adulta
Signos do Consumo, vol. 7, núm. 1, pp. 22-28, 2015
Universidade de São Paulo

Artigos



Recepção: 11 Dezembro 2014

Aprovação: 20 Abril 2015

DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v7i1p22-38

Resumo: O presente artigo tem o propósito de refletir sobre a periodização da vida, com ênfase na velhice, por meio de representações das marcas e suas expressões na publicidade, discorrendo sobre a noção de cultura-mundo; apresentam-se aspectos da periodização da vida ao longo de múltiplos períodos históricos e análise semiótica, na perspectiva da semiótica peirceana, de uma campanha publicitária. A relevância deste artigo está em mostrar que a publicidade coloca a velhice em evidência, uma vez que as marcas propõem a fragilização de fronteiras entre idades, em geral, bem como apresenta a tecnologia como potencial para promover a aproximação entre idosos e adolescentes.

Palavras-chave: publicidade, marca, periodização da vida, velhice, análise semiótica.

Abstract: This article is intended to reflect on the periodization of life, with an emphasis on old age, through representations of the brands and their expressions in advertising, discussing the notion of culture-world; we present aspects of periodization of life across multiple historical periods and the semiotic analysis, from Peirce's semiotics, of an advertising campaign. The relevance of this article is to show that advertising puts the old age in evidence, since the marks suggest the weakening of boundaries between ages in general, as well as the technology has the potential to promote closer ties between elderly and teens.

Keywords: advertising, brand, periodization of life, old age, semiotic analysis.

Resumen: El presente artículo tiene el propósito de reflexionar sobre la periodización de la vida, con énfasis en la vejez, por medio de representaciones de las marcas y sus expresiones en la publicidad, discurriendo sobre la noción de cultura-mundo; se presentan aspectos de la periodización de la vida a lo largo de múltiples periodos históricos y análisis semiótico, en la perspectiva de la semiótica peirceana, de una campaña publicitaria. La relevancia de este artículo está en demostrar que la publicidad pone la vejez en evidencia, una vez que las marcas proponen la fragilidad de fronteras entre edades, en general, asimismo como presenta la tecnología como potencial para promover la cercanía entre ancianos y adolescentes.

Palabras clave: publicidad, marca, periodización de la vida, vejez, análisis semiótico.

1. INTRODUÇÃO: ASPECTOS DA PESQUISA

Este artigo apresenta resultados de pesquisa que tem como tema a relação entre marcas e a periodização da vida em infância, adolescência, juventude, idade adulta e maturidade adulta ou velhice. Os temas sobre os diversos períodos da vida retornam às mídias, desde o início dos anos de 1990, como marcadores de diferenciação e conflito, uma vez que, segundo Freire Filho (2008:44) “houve esvaziamento heurístico de categorias como classe social”, o que também se aplica aos marcadores clássicos etários.

Na pesquisa, partimos do pressuposto de que, no contexto contemporâneo, os relacionamentos entre as pessoas, que ocorrem vinculados aos objetos que as rodeiam, envolvem também valores e sentidos propostos pelas marcas, via manifestações ou expressões da marca, entre elas a publicidade. Há, de fato, relação entre as manifestações das marcas e a cultura, pois como explica Lipovetsky e Serroy (2011:10), “o cultural se difrata enormemente no mundo material, que se empenha em criar bens impregnados de sentido, de identidade, de estilo, de moda, de criatividade, através das marcas, de sua comercialização e de sua comunicação”. As marcas firmam-se, neste contexto, difundindo sentidos e valores acatados, de modo geral, mundialmente.

Com o objetivo geral de compreender como as marcas, via publicidade, propõem sentidos e valores vinculados à periodização da vida, peças publicitárias, com marcas vinculadas à moda, às tecnologias, às produções artísticas e à saúde e bem-estar, dispostas em duas amostras constituíram o corpus da pesquisa. A primeira delas, denominada amostra de interesse - com três peças, duas veiculadas na TV e outra impressa -, pois elas mostraram-se profícuas para argumentarmos sobre os valores atrelados à periodização da vida. A outra, por peças publicitárias impressas, veiculadas em 2012, que constam do BIP - Banco de Imagens Publicitárias da ECA/USP, selecionadas por meio das seguintes palavras-chave: criança, adolescência, juventude, idade adulta, terceira idade, velhice e periodização da idade. As cinquenta e seis peças desta amostra foram distribuídas em seis grupos, seguindo as etapas de periodização da vida em infância, adolescência, juventude, idade adulta e velhice.

Entre as diversas etapas da vida, neste artigo, enfatizamos a maturidade adulta, ou velhice. Com o objetivo de explicitar valores atrelados à maturidade adulta propostos pelas marcas, via publicidade, selecionamos uma das peças publicitárias que compõem a amostra de interesse para análise. Seguem, anteriormente à apresentação da análise da peça publicitária, reflexões sobre o conceito de cultura-mundo, na perspectiva de Lipovestsky e Serroy (2011), bem como aspectos da periodização da vida, conforme Ariès (2010).

2. AS MARCAS E A PUBLICIDADE NO CONTEXTO DA CULTURAMUNDO

Lipovetsky e Serroy (2011) estabelecem três momentos diferentes para a relação da cultura com as práticas sociais. O primeiro, o momento tradicional da cultura, se dá em meio às relações tribais, políticas, religiosas, mágicas ou parentais. Todas as manifestações culturais caminham de geração a geração e as relações sociais se mantêm pela fidelidade, com a reprodução idêntica dos modelos vindos dos ancestrais ou dos deuses. O modo de vida é regido por normas coletivas e não há questionamentos acerca dos seus princípios e relatos.

O segundo momento, transformador para a cultura, se instaura com as democracias modernas, que preconizavam os valores de igualdade, de liberdade, de laicidade. No terceiro momento, que se estabeleceu há duas ou três décadas, proclamase o retorno ao passado, ao autêntico, com novos valores em foco, notadamente relativos à religião e aos processos de construção de identidade. As novas tensões e as contradições estabelecem-se com o triunfo e a difusão da cultura do mercado que reorganiza os domínios da vida social e cultural.

Assim, conforme Lipovetsky e Serroy (2011), uma cultura de marca constrói-se com o marketing e a publicidade, sendo que o marketing se sobrepõe à esfera da produção, o branding se coloca adiante do produto e os aspectos que constroem valores para a marca ganham olhares diferenciados. Esta ambiência em que as marcas, por meio de suas manifestações – símbolo da marca, peças publicitárias, embalagem, produtos, publicidade – estabelecem relações, tanto com outras marcas como com os consumidores/usuários, constitui o universo estético por elas delineado. “A dimensão estética da marca é lida além da publicidade, pois a própria marca se deixa ver através dos produtos cujo design e embalagem são pensados em termos estéticos”. (Lipovetsky e Serroy, 2011:97)

A cultura da marca, tanto para sua difusão quanto para sua comunicação, demanda a participação de designers, publicitários, arquitetos e outros profissionais tanto para a elaboração do projeto como para zelar pelas atualizações ou manifestações da marca. Para a publicidade, portanto, não é o produto que ela divulga ou difunde que está em foco, mas a construção de uma ambiência para a marca ou o produto, um processo de estetização da comunicação, a valorização de um modo de vida ou de um imaginário. “Inovar, surpreender, divertir, fazer sonhar, comover, criar um mito, e isso pela utilização de efeitos especiais, de imagens sublimes, de jogos rítmicos e de montagem, de sinais de cumplicidade e de interpretações não literais”. (Lipovetsky e Serroy, 2005:96-7)

Assim, a publicidade exige-se criativa, para que os valores ou sentidos propostos pela marca ou produto transcendam as diferenças sociais, instaurem tribos diversificadas. Os alvos ampliam-se, portanto, para todo corpo social e segmentam-se devido à inclusão em universos específicos de consumo. Em relação à estetização do mundo e o papel das marcas nesse movimento, seguem as palavras de Lipovetsky e Serroy (2011:11):

O imaginário cultural não é mais um véu acima do mundo “real”, e o mercado integra cada vez mais em sua oferta as dimensões estéticas e criativas. Sem dúvida, o econômico jamais foi totalmente externo à dimensão do imaginário social, sendo o mundo da utilidade material ao mesmo tempo produtor de símbolos e de valores culturais.

Neste aspecto, com a análise semiótica, coletamos pistas sobre tal movimento de valores relativos às etapas da vida na peça selecionada, após algumas ideias sobre periodização da vida.

3. PERIODIZAÇÃO DA VIDA E A MATURIDADE ADULTA

Em linhas gerais, o curso da vida nas sociedades contemporâneas é marcado por três etapas: a pré-modernidade, quando a idade não é relevante na determinação do grau de maturidade e controle do poder; a modernidade que, de certo modo, institui a cronologização da vida e a pós-modernidade que opera uma desconstrução do curso da vida.

Em Ariès (2010), podemos constatar o quanto estes períodos da vida são construídos socialmente. Vale enfatizar que a consciência da juventude, como exemplo, tornou-se um fenômeno geral e banal após a guerra de 1914, em que os combatentes da frente de batalha se opuseram em massa às velhas gerações de retaguarda. “Daí em diante, a adolescência se expandiria, empurrando a infância para trás e a maturidade para a frente. (...) Assim, passamos de uma época sem adolescência a uma época em que a adolescência é a idade favorita”. (Ariès, 2010: 14-5)

Contudo, enquanto a juventude toma a cena, a velhice sai dela. Nas sociedades antigas, a velhice começava cedo, podia começar com a queda dos cabelos e o uso de barba. Quando a velhice sai de cena, o ancião passa de respeitável para decrépito e dá lugar à imagem do homem integral, que nos séculos XVI e XVII, era a de um homem jovem, categoria de idade entre a infância e a velhice, que no século XVIII, passou a ser denominada juventude.

A cada época correspondia uma idade privilegiada e uma periodização particular da vida humana, sendo que a juventude foi a idade privilegiada do século XVII; a infância, do século XIX, e a adolescência, do século XX.

Os degraus da idade serviram, portanto, para materializar um discurso que desde os tempos relatados por Ariès (2010), estabelecem lugares e práticas adequadas ou próprias para cada etapa da vida. Na sociedade moderna, cabe ao Estado, o papel de gestor das idades da vida também. A idade passa a ser uma dimensão fundamental para a organização social.

Daí vem o termo cronologização da vida que, conforme Debert (1999), define e separa os estágios da vida com fronteiras determinadas pela idade cronológica. Com isto, ou seja, com a institucionalização do curso da vida, as dimensões do mundo familiar e do trabalho, bem como a organização do sistema produtivo, das instituições educativas, do mercado do consumo e das políticas públicas cada vez mais são focadas em grupos etários específicos.

Beauvoir (1990) explica que a criança e o adolescente têm sempre uma idade, pois os direitos e deveres a que estão submetidos e o comportamento do outro, em relação a eles, baseado neste conjunto de direitos e deveres, não permite que eles a esqueçam. Os adultos, por sua vez, nem se lembram da idade, pois impelidos para o futuro, deslizam insensivelmente de um ano a outro, enquanto na velhice, ela é particularmente difícil de assumir. A idade vem de surpresa e o idoso experimenta, então, um sentimento de injustiça que “traduz-se numa quantidade de revoltas e de rejeições. A pessoa idosa considera-se vítima do destino, da sociedade, de seus parentes; todos a prejudicaram, não cessam de prejudicá-la” (BEAUVOIR, 1990: 584).

Geralmente o rancor do velho não se evidencia tão abertamente, nem com tanta virulência: mas fica incubado nele. O idoso sente-se excluído de seu tempo, sobrevive mais do que vive. Vê posto em discussão tudo aquilo que quis, que amou, tudo aquilo em que acreditou: revolta-se contra essa perda radical. (BEAUVOIR, 1990: 585)

Explica ainda Beauvoir (1990) que a decadência e a desconfiança do velho provocam no idoso, certa insensibilidade em relação ao outro e também hostilidade, sendo que os sentimentos mais calorosos e mais felizes da pessoa idosa são as nutridas por seus netos.

Ainda resta algum respeito pela velhice, nos dias atuais, no entanto, ela desapareceu como objeto. Os termos ancião, velho ou idoso são frequentemente substituídos por “homem de certa idade”, e por “senhores e senhoras bem conservados”. Esta última, uma noção ainda burguesa, mas que tende a se tornar popular, uma vez que a “ideia tecnológica de conservação substitui a ideia ao mesmo tempo biológica e moral da velhice”. (Ariès, 2010: 16)

Vejamos o que a peça publicitária selecionada propõe acerca da velhice.

4. SOBRE AS ESTRATÉGIAS DE ANÁLISE E RESULTADOS...

A análise semiótica será realizada na perspectiva da semiótica peirceana. Optamos por esta semiótica, ou lógica, uma ciência geral dos signos, pois em um dos seus ramos, a gramática especulativa, há definições e classificações de signo, de onde é possível extrair estratégias metodológicas de análise de processos empíricos de signos. Tais estratégias, que constam em Santaella (2002), também aplicadas em Drigo e Souza (2013), tomam como guias gerais de análise, os três fundamentos do signo, ou seja, os três aspectos que fazem com que qualquer coisa, qualquer objeto, possa se fazer signo, ao afetar uma mente - humana, no caso-, e produzir efeitos, ou gerar interpretantes. Os fundamentos são os aspectos qualitativos, os existenciais e os que têm caráter de regra, convenção ou norma.

Conforme Peirce (CP 1.339), o signo “‘representa’ algo para a ideia que provoca ou modifica. Ou seja, é um veículo que comunica à mente algo do exterior. O ‘representado’ é o seu objeto; o comunicado, a significação, a ideia que provoca, o seu interpretante”. Assim, a definição de signo em diagrama (FIG. 1) mostra a relação triádica entre o signo, o objeto e o interpretante.


Fig. 1
A definição de signo em diagrama.
Drigo (2007:63)

O vínculo do signo com o objeto, o que está representado no signo, permite interpretações atreladas ao real, ou seja, dá ao signo o poder de gerar interpretantes, bem como insere o intérprete no processo pela sua experiência colateral com o objeto. Assim, a peça publicitária se faz signo e isto se deve a três de seus aspectos: os qualitativos, vinculados à forma, a textura, as cores, ou o jogos construídos com esses elementos; os referenciais, que vinculam a peça a existentes e os de caráter de lei, convenções, compartilhados culturalmente.

A análise semiótica se dá com três tipos de olhar: o contemplativo, o observacional e o generalizante. O primeiro envolve os aspectos qualitativos que contribuem para avaliarmos o poder de sugestão da peça publicitária. O poder de indicar um existente e de representar ideias abstratas e convencionais culturalmente compartilhadas vêm com o segundo olhar, o observacional. A análise semiótica, com esse olhar, nos permite compreender aquilo que as mensagens indicam, aquilo a que se referem ou se aplicam. Devem-se desenvolver considerações situacionais sobre o universo no qual o signo se manifesta e do qual é parte. Deve-se observar aquilo que faz dele único em contextos socioculturais que estão fora dele, mas que o determinam. O terceiro olhar, o generalizante, leva-nos ao exame dos efeitos que os elementos apreendidos até então podem provocar no intérprete - emocionais, os reativos e os que levam às reflexões e, no decorrer do tempo, a mudanças de hábitos, que correspondem ao interpretante dinâmico, nas suas três possibilidades: o emocional, energético e lógico, respectivamente.

Optamos, nas análises, por não nos deter em classificações. Ao dispensamos uma série de terminologias não comprometemos o rigor e a abrangência das análises. A análise semiótica se faz pertinente por inventariar interpretantes, ou elencar possíveis efeitos do signo. O analista, portanto, é um intérprete particular, mas que pelo olhar construído com as estratégias semióticas, se põe no lugar de possíveis intérpretes. No entanto, ele não esgota todas as possibilidades, apenas elenca um rol deles.

5. DAS INTERPRETAÇÕES...

Entre as peças selecionadas no You Tube, que compõe a amostra de interesse mencionada, esta divulga o Windows 7, da empresa Microsoft Brasil, tem duração de 30 segundos e foi veiculada na TV aberta. A peça mostra o cotidiano familiar, com dois personagens idosos (avós), navegando na internet, e outro, o neto adolescente.

Considerando as ideias de Aumont e Marie (2013), sobre a análise de um filme, aqui adaptada à peça e integrada com o método semiótico, quando na tomada de cenas ou na segmentação para análise, vale observar certo encadeamento lógico, coerente com a narrativa. Assim, dividimos a peça em três momentos: 1) Descontração; 2) Suspensão e 3) Assentimento. Delas tomamos alguns recortes.


Fig. 2
Momento Descontração: Idosos navegando na internet
< http://www.youtube.com/watch?v=pImraX38vlI> Acesso: 05 mar. 2013.


Fig. 3
Momento Suspensão: Prova de cumplicidade
< http://www.youtube.com/watch?v=pImraX38vlI> Acesso em: 05 mar. 2013.


Fig. 4
Momento Assentimento: Ajuda bem-vinda!
< http://www.youtube.com/watch?v=pImraX38vlI> Acesso em: 05 mar. 2013.


Fig. 5
Momento Assentimento: Transgressão
< http://www.youtube.com/watch?v=pImraX38vlI> Acesso em: 05 mar. 2013

Consideramos que o usuário/intérprete, inicialmente, identifica que se trata de uma peça publicitária que exibe o produto Windows 7. Assim, ela prepondera como um signo de lei, pois as regras, normas e convenções relativas à publicidade permitem a identificação. A peça, na sua materialidade, é um sinsigno, réplica ou manifestação do signo de lei.

Iniciemos pelos aspectos qualitativos. As cores branca e marrom e tonalidades de bege compõem o cenário exibido nas imagens (Fig.2, Fig. 4 e Fig. 5). Considerandose que, conforme Farina, Perez e Bastos (2006), o marrom pode ser associado, afetivamente, ao vigor, a resistência, mas também a melancolia, enquanto a cor branca, à pureza, paz, infância e harmonia, então a combinação das cores presentes na cena, pode remeter o usuário/intérprete a sensações de vigor, leveza, tranquilidade. Os objetos pequenos arredondados e na cor branca acentuam a leveza, enquanto a textura suave dos tecidos e a textura lisa e densa da madeira, tornam o ambiente mais aconchegante. O som - rock and roll – impregna o ambiente com movimento, descontração e alegria.

A cor azul embora seja propícia à contemplação e à profundidade, uma vez que ela tende a diluir as formas, no caso, não interfere no efeito que a parte branca, em forma retangular, com uma fotografia e frases - em caixa alta, com letras na cor preta -, localizada no canto inferior esquerdo da tela (Fig. 3) exerce sobre o usuário/intérprete. Ela incita o olhar. Assim como os idosos, o usuário/intérprete também fica atento à mensagem, o que é uma reação, ou um interpretante. A frase postada pelo avô, em caixa alta, na linguagem da internet, sugere que ele está falando alto, bem como mostra certa aflição ou constrangimento por ser apanhado fazendo algo não “recomendável” (à sua idade), na opinião do neto talvez.

Assim que a avó recebe a mensagem, ocorre uma troca na trilha sonora. O rock é substituído por uma música clássica, nitidamente a música traz os vínculos de sentido entre juventude-movimento, velhice-tranquilidade. A idosa retira o fone de ouvido e coloca os óculos, minimiza as páginas abertas e maximiza uma página de receitas de bolos. Reação consumada, portanto. Agenor, por sua vez, fecha o notebook, rapidamente abre um livro e coloca os óculos. O idoso coloca o livro bem próximo dos olhos. Outra reação consumada.

O tom azul que prepondera na cena (Fig. 5) – no azul da camisa e na cadeira, ao fundo da sala-, sugere afeto, fidelidade, retoma a harmonia para o ambiente, isto porque, conforme Farina, Perez e Bastos (2006:102), a cor azul pode ser associada afetivamente à serenidade, intelectualidade, confiança e fidelidade. A música clássica toma conta da cena, lenta e suavemente, contribuindo para propiciar a sensação, no usuário/intérprete, de calma, harmonia e certa continuidade. Os avós trocam um olhar de cumplicidade, a idosa pisca para o idoso (ou para o telespectador), enquanto o neto mostra suas habilidades com o computador.

Assim, os interpretantes dinâmicos, predominantes nestes momentos, os emocionais, oscilam entre sensações vinculadas à descontração, alegria, apreensão, tranquilidade e afetividade. Num primeiro olhar contemplativo, podemos inferir que os efeitos provocados no usuário/intérprete estão relacionados às sensações de leveza, harmonia e descontração. Em seguida, vem certa apreensão, pela expectativa quanto às reações dos idosos. Por fim, os interpretantes gerados também podem estar vinculados à afetividade, à convivência em família, onde o respeito aos idosos (nos moldes estereotipados) ainda persiste.

Mas, um olhar observacional, atento, capta novas pistas que podem reforçar os efeitos emocionais, reativos ou desencadear interpretantes lógicos. Ao desviar o olhar dos aspectos qualitativos, pelo recorte (Fig. 2), identifica-se um casal de idosos, numa sala com cortinas leves e floridas, em tons suaves, móveis de madeira e bibelôs diversos, que reportam o usuário/intérprete a um ambiente de uma casa tradicional, antiga. A idosa (avó) simula que está tocando guitarra - o áudio corresponde a esta encenação -, e o Agenor (o avô), dançam acompanhando o ritmo da música. Esta ambiência permite constatar que os idosos estão descontraídos e alegres. Nestes momentos, os efeitos da peça (ou o recorte dado) estão vinculados à constatação. O usuário/intérprete identifica também a marca.

As cortinas, em tom suave amarronzado, são floridas. A flor é tida, em muitas culturas, como o elixir da vida, bem como, segundo Chevalier e Gheerbrant (2008), identifica-se ao simbolismo da infância e, de certo modo, ao estado paradisíaco. Assim, as cortinas floridas, em tecidos transparentes e em tons suaves, bem como o vaso com flores, além de agregar leveza e harmonia ao ambiente, pode reportar o usuário ao universo da infância, da doçura e atribuir ares de “travessura de criança” aos atos dos idosos. Há uma transgressão brincalhona permeando a cena.

A idosa (Fig.1, Fig. 4 e Fig. 5) tem sua feminilidade enfatizada, não só pelo tom pastel da roupa como pelos brincos e pulseira com pérola, “símbolo lunar, ligado à água e à mulher”, conforme Chevalier e Gheerbrant (2008:711). Ela também usa fone nos ouvidos, objeto que provoca estranhamento no usuário/intérprete, quando o comparamos com outros objetos que compõem o cenário, pois considerando-se a idade das pessoas e a força de estereótipos vinculados aos períodos da vida, que podem estar presentes no repertório dos usuários/intérpretes, de modo geral, seria mais pertinente que entre os objetos encontrássemos um rádio, ou toca-discos. No entanto, os idosos se valem de armazenamento da música nos computadores pessoais e de games. E ainda, valem-se do rock and roll, que supostamente não faria parte do gosto musical de um idoso, uma vez que este gênero de música tem, nas suas origens, a marca da transgressão, da juventude. Isto porque, conforme explica Janotti Jr. (2006:8-9):

É possível notar uma relação entre o rótulo musical e um suposto gosto do ouvinte, o que pressupõe uma certa afirmação sobre quem são os ouvintes para quem determinada música é dirigida. Em termos virtuais, os gêneros e suas configurações nas canções, descrevem não somente quem são os consumidores, mas também as possibilidades de significação de um determinado tipo de música para um determinado público. Na rotulação, está presente um certo modo de partilhar a experiência e o conhecimento musical.

Assim, o rock and roll pode ser associado a estilos de vida, à moda, a atitudes e a uma linguagem específica. Esta cena, considerando-se a análise realizada para um recorte (Fig. 2), pode levar o usuário/intérprete a considerar que estes idosos estão descontraídos e felizes, bem como transgredindo padrões de comportamento considerados pertinentes a este período da vida. Eles podem conquistar a simpatia do usuário/intérprete e provocar admiração, um interpretante emocional.

Nestes momentos, como legissigno, a peça gera interpretantes, ou seja, desencadeia reflexões sobre o produto, a marca ou sobre os idosos e que, com o transcorrer do tempo, podem incorrer em mudanças de concepções relativas aos idosos, bem como em relação ao produto ou à marca.

No entanto, com o transcorrer das cenas, outros efeitos podem sobrepor-se a estes ou reforçar um ou outro. Vejamos outro recorte (Fig. 3), no qual os modos como os idosos usufruem da internet não seria, possivelmente, bem aceito pelo neto. Nas cenas que seguem aparecem as telas que estão abertas no notebook de ambos. Em um próximo momento, Agenor (o avô) aparece assustado ao ouvir o barulho da chave abrindo a porta. A expressão facial do idoso sugere certo temor. Em um gesto de cumplicidade, Agenor manda uma mensagem no Messenger para a vovó: "PERIGO NETO CHEGANDO".

O neto que entrou na sala percebe a ‘dificuldade’ da avó em manusear o mouse e passa a ajudá-la (Fig. 4). Estas cenas, de um lado, sugerem, por meio da visão do neto, o quanto somos guiados por estereótipos do idoso. Na peça, isto fica evidente em relação à modalidade de entretenimento adequada e a possível dificuldade de navegar na internet. De outro, mostra também que os idosos têm ciência dessa visão estereotipada – no caso, posta em cena pela visão do neto, o adolescente-, o que fica evidente para o usuário/intérprete quando a avó aceita a sua ajuda.

O neto, por sua vez, se veste como um adulto (Fig. 4), usa camisa em padronagem xadrez, tal como o avô. A camisa, para Chevalier e Gheerbrant (2008:172),

“símbolo de proteção”, pelo xadrez em tons azulados e acinzentados, sugere adesão a um grupo, a capacidade de compartilhar regras, adesão à sociedade. Os tecidos axadrezados, que derivam do tartã, tecido de lã de trama fechada, formado por listras diferentes que se cruzam criando desenhos em xadrez de várias larguras, foram utilizados pelos escoceses, desde o início do século XVIII, para diferenciar seus clãs. Nos anos de 1970, os punks utilizaram o xadrez como detalhes com o objetivo de ironizar e romper com padrões culturais, exigindo mudanças sociais e comportamentais. Nos anos de 1980, a estilista Vivienne Eastwood lançou calças nessa padronagem, ressignificando seus sentidos, agora com maior ousadia.

Entre adesão às regras de um grupo ou rompimento com padrões estabelecidos, a camisa xadrez, nesta cena, leva o usuário/intérprete a considerá-la como sinal de um tempo com fronteiras bem demarcadas entre as idades. Enquanto os idosos aderem a prática comum entre crianças e adolescentes, o neto, vestido com camisa xadrez e com os cabelos compridos e densos, demonstra seriedade, um modo de ser pertinente a um adulto.

A próxima cena, vista pelo recorte (Fig. 5), mostra a idosa olhando para a câmera (e para o idoso) e piscando com um olho. Interpretações da linguagem corporal, do senso comum, traduzem o piscar de olhos como um convite para se guardar um segredo. Este gesto sinaliza para a cumplicidade entre os idosos ao negar, ao neto e ao telespectador, que se tornaram hábeis usuários da internet, o que parece ir além das habilidades possíveis e adotadas estereotipicamente, para os idosos em geral. Neste sentido, há superação, mas ela permanece velada, para que a harmonia seja preservada e para que, aparentemente, não haja transgressão ou rompimento entre as práticas adequadas a estas periodizações da vida.

Poucos segundos antes da assinatura da marca (Microsoft - Windows 7), o lettering no imperativo sobrepõe-se à imagem dos idosos: “Crie, compartilhe e superese". A peça publicitária mostra o produto como cúmplice dos idosos, nesta tarefa, que demanda criatividade– tal como a de uma criança –, compartilhar – ou seja, conectar-se tal como os adolescentes, ou o que se concebe como a principal característica da geração dita digital – a dos jovens visceralmente conectados a aparelhos, conforme menciona Freire Filho (2008) -, por fim, superar-se – ou seja, com o auxílio da ferramenta, o idoso pode transpor limites – principalmente aqueles firmados com os estereótipos para esta idade.

Outros interpretantes lógicos... A marca se mostra com potencial para propiciar o desenvolvimento de habilidades com o uso do computador, ou da internet, para o entretenimento, também para o idoso. Pelo transcorrer das cenas – seguindo os recortes analisados – podemos inferir que o usuário/intérprete, predominantemente, pode considerar que os idosos lidam com a situação com sabedoria, com perspicácia e conquistam a simpatia do usuário/intérprete. Elo de simpatia que se estabelece entre a marca e o consumidor, possivelmente.

A marca, via peça publicitária, revela a fragilização das fronteiras entre a adolescência e a idade adulta, tanto pela imersão de uma em outra, por meio de práticas, atividades consideradas adequadas a cada uma delas, como por possibilitar reflexões sobre estereótipos de uma ou outra idade.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim como em tempos remotos as idades da vida não eram vivenciadas, agora, estamos diante de uma nova modalidade de periodização da vida, que institui fronteiras movediças, dadas pelos sonhos, pela fantasia, pelo desejo de ser jovem e suas vivências. Se antes as condições demográficas e socioeconômicas não permitiam que algumas etapas não se concretizassem, agora, as marcas, via publicidade, constroem ambiências em que somente a infância e a juventude dão o tom. A infância enquanto sinônimo de leveza, imaginação – idealizada, portanto – e a juventude, enquanto modo de vida a ser concretizado, com todos os seus valores.

No entanto, a tendência à descronologização se acentua, pois os papéis sequenciados e divididos por idade entram em embates com a fluidez da contemporaneidade. Não podemos dizer que as divisões serão abolidas, mas adquirem maior flexibilidade e levam as pessoas a incorporarem aspectos de diversas idades, antes limitadas ao desenvolvimento físico, psíquico, aos aspectos sociais e econômicos de determinadas faixas etárias. O domínio das tecnologias, o bem estar físico ou o corpo saudável, atividades sociais e grupais, antes limitadas a determinadas faixas etárias, agora são bem vindas às mais diversas idades.

Ao retomar as peças publicitárias que representam idosos, encontramos pistas para orientar novas pesquisas no sentido de compreender se estamos entrando em um período em que a velhice tomará a cena e será ressignificada. A velhice pode ser privilegiada nas próximas décadas deste século? Em caso afirmativo, como ela se dará esta ressignificação? E no caso desta pesquisa, o que podemos inferir das análises realizadas?

Dois são os aspectos que corroboram para a afirmação de que a velhice tomará a cena. O primeiro aspecto refere-se ao papel da marca neste contexto, ao propor a fragilização de fronteiras entre idades, ao mostrar que as atividades consideradas de difícil acesso para uma etapa da vida estão acessíveis a outras. Isto contribui para diminuir as barreiras impostas à velhice. O segundo, o vínculo do idoso com as tecnologias, pois a convivência deste com adolescentes ou crianças – exibidas nas peças selecionadas-, se dá graças ao envolvimento, por parte do idoso, com a tecnologia. Neste sentido, vale avaliar, em pesquisas futuras, em que medida a tecnologia, via publicidade, contribui para o rompimento das fronteiras impostas à velhice. As concepções acerca da velhice podem ser reconstruídas em meio a profusão de manifestações concretas da cultura e, neste contexto, as marcas, com suas diferenciadas manifestações – produtos, embalagens, publicidade, símbolos da marca entre outras -, contribuem para revelar como tais ressignificações podem ocorrer.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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