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DO CONSUMO DE MARCAÇÃO À MARCAÇÃO DO CONSUMO: #RIACHUELO E A MODA MIDIATIZADA
From social labelling consumption to tagging consumption: #riachuelo and mediatized fashion
Del consumo de marcación a marcación del consumo: #riachuelo y la moda mediatizada
Signos do Consumo, vol. 8, núm. 1, pp. 95-111, 2016
Universidade de São Paulo

Artigos


Recepção: 18 Abril 2016

Aprovação: 17 Junho 2016

Resumo: O consumo midiatizado caracteriza-se pela crescente relevância da mídia na formação de práticas de consumo (Trindade e Perez 2014). Na circulação nas redes digitais, tais práticas se manifestam de formas singulares, na passagem de uma sociedade do consumo de marcação (Douglas e Isherwood 2013) para uma sociedade centrada no consumidor, que cria sentidos nos seus usos e na marcação de seu consumo. Aqui, dirigimos nosso olhar para a marca de moda Riachuelo, a partir dos usos da hashtag[1] #riachuelo na rede social Instagram.

Palavras-chave: consumo, midiatização, circulação, moda, Riachuelo.

Abstract: Mediatized consumption is characterized by growing importance of media in shaping consumer practices (Trindade e Perez 2014). Such practices, on mediatic circulation on digital networks, manifest themselves in unique ways, showing the passage of a social labelling consumption (Douglas e Isherwood 2013) to a society focused on consumer, which creates meanings in its uses and in tagging their consumption. Here, we direct our gaze to the Riachuelo brazillian fashion brand, from the uses of #riachuelo on social network Instagram.

Keywords: consumption, mediatization, circulation, fashion, Riachuelo.

Resumen: El consumo mediatizado se caracteriza por la creciente importancia de los medios de comunicación en la conformación de las prácticas de consumo (Trindade e Perez 2014). En la circulación en las redes digitales tales prácticas se manifiestan de una forma única, en el pasage de la sociedad de consumo de marcación (Douglas e Isherwood 2013) a una sociedad enfocada en el consumidor, lo que crea sentidos en sus usos y en la marcación de su consumo. Dirigimos nuestra mirada a la marca de moda brasileña Riachuelo, a partir de los usos de #riachuelo em la red social Instagram.

Palabras clave: consumo, mediatización, circulación, moda, Riachuelo.

1. DO CONSUMO DE MARCAÇÃO À MARCAÇÃO DO CONSUMO

O consumo, desde suas origens, apresenta-se indissociável das propriedades simbólicas, para muito além das propriedades utilitárias dos bens.

O antropólogo Grant McCracken defende o consumo enquanto consumo de propriedades culturais e simbólicas agregadas aos bens, conceito que tem suas origens na Inglaterra elisabetana, a partir do final do século XVI e durante o século XVII (McCracken 2010:30-32). Naquele momento, a posse de determinados bens e a adesão a determinados padrões culturais passaram a ter uma importância muito maior na definição do posicionamento social e na proximidade com a família real.

Essas propriedades simbólicas são dadas a partir de significados culturais. Estes significados estão em um movimento contínuo no mundo social e, segundo McCracken (2010), são transferidos do mundo culturalmente constituído para os bens de consumo por meio da publicidade e do sistema de moda. A partir daí, estes significados culturais são transferidos aos consumidores individuais por meio de rituais de posse, de troca, de arrumação e de despojamento (McCracken 2010:100).

Ao construir este modelo de movimentos de significados entre o mundo, os bens e os consumidores, ainda que McCracken (2010) não o tenha mencionado diretamente, podemos notar que o autor sugere um importante papel de mediação cultural para o consumo, papel este exercido a partir do momento em que o consumo como movimento permeia a transmissão de aspectos culturais entre o mundo, os bens e os consumidores. Entendemos a mediação a partir sobretudo dos estudos de Martin-Barbero (2009) e do posicionamento da mediação das ritualidades entre as competências de recepção e consumo e os formatos industriais (Martín-Barbero 2009: 16).

Tais significados, no sistema de consumo, são também formas de se discriminar valores e gostos de fundo social. Introduz-se, assim, a ideia de consumo de marcação. Utilizamos este conceito a partir de Douglas e Isherwood (2013), ao compreender o consumo como uma forma de discriminar valores, de marcar diferenciação social, bem como de demonstrar afinidade com determinado grupo a que se pertence ou, ainda, a que se deseje pertencer.

A comida é um meio de discriminar valores, e quanto mais numerosas as ordens discriminadas, mais variedades de comida serão necessárias. O mesmo quanto ao espaço. Atrelado ao processo cultural, suas divisões são atreladas de significado: casa, tamanho, o lado da rua, a distância de outros centros, limites especiais – todos são categorias conceituais. O mesmo quanto à roupa, transporte e saneamento; permitem conjuntos de marcações dentro de um referencial de espaço e de tempo. A escolha dos bens cria continuamente certos padrões de discriminação, superando ou reforçando outros. Os bens são, portanto, a parte visível da cultura (Douglas e Isherwood 2013:111).

Dentro de determinado contexto social e cultural, as escolhas, não somente daquilo que se consome, mas também de como arranjar e organizar esse consumo, constituem “categorias conceituais” capazes de discriminar comportamentos adequados ou não a um ou outro grupo social.

Tais escolhas, portanto, estão também intimamente ligadas ao papel de mediação cultural exercido pelo consumo, bem como à função dos sistemas de publicidade e moda, como refere McCracken (2010) ou, de maneira mais ampla, da mídia em seu lugar cada vez mais central na sociedade contemporânea.

Tal protagonismo da mídia e suas lógicas nos remete ao conceito de midiatização. Para o pesquisador dinamarquês Stig Hjarvard (2014), na perspectiva da midiatização como fenômeno urbano, industrial e da alta modernidade, a mídia ocupa hoje o lugar de uma verdadeira instituição social, caracterizando essa abordagem como a abordagem institucional da midiatização. Além desse aspecto, para o autor, o que define a midiatização é a onipresença da mídia e seu papel como ambiente de formação do nosso olhar, da nossa compreensão, da nossa cultura, da nossa construção da realidade.

Nas palavras de Hjarvard, “Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação adquiriram impulso como uma instituição em si mesma, a mídia se tornou onipresente em quase todas as esferas da sociedade” (Hjarvard 2014:30).

Hjarvard (2014:39) define a midiatização comparando-a também com o já existente conceito e campo de estudos da mediação. Se os estudos da mediação dizem respeito à comunicação mediada por um dispositivo técnico ou mídia, a midiatização por sua vez se refere a um processo de longo prazo, em que os meios de comunicação exercem uma crescente influência nas outras instituições sociais (perspectiva institucional da midiatização).

O autor defende ainda que os estudos da midiatização tenham como foco os processos de nível intermediário, que não sejam limitados ao estudo de interações midiáticas como no caso das mediações, nem tampouco se abram demasiadamente a ponto de tentar dar conta de todos os fenômenos sociais (Hjarvard 2014:17).

Segundo este raciocínio, o estudo da midiatização das lógicas do consumo mostra-se adequado e pertinente.

Assumimos, portanto, conforme Hjarvard, que na sociedade midiatizada as mídias tornam-se uma mediação cultural principal, com efeitos de longo prazo ao pautar os valores e o funcionamento de outras instituições sociais segundo suas lógicas próprias. Estas lógicas correspondem, finalmente, também à lógica dos consumos midiatizados por produtos e serviços e suas marcas.

Tais discussões também podem ser apontadas no contexto acadêmico brasileiro, a exemplo de José Luís Braga (2012). A respeito da midiatização da sociedade, o autor estabelece que o papel da mídia está na interação e organização da sociedade, de maneira muito mais profunda que o uso dos meios.

Com a midiatização crescente dos processos sociais em geral, o que ocorre agora é a constatação de uma aceleração e diversificação de modos pelos quais a sociedade interage com a sociedade. Ainda que os processos interacionais mais longamente estabelecidos (...) continuem a definir padrões de comunicação, e lógicas inferenciais, que organizam a sociedade e suas tentativas, tais processos, em sua generalidade, se deslocam para modos mais complexos, envolvendo a diversidade crescente da midiatização – o que é bem mais amplo e diferenciado do que referir simplesmente o uso dos meios (Braga, In: Matos e Jacks 2012:42).

Fausto Neto (2010, 2013) acrescenta à discussão o conceito de circulação midiática. Segundo o autor, este novo cenário proporciona novas formas de interação entre as instâncias de produção e recepção, diferentes da ideia unidirecional que se atribuía à comunicação na “sociedade dos meios”.

(...) não se trata da supressão dos lugares de produção e da recepção de discursos, mas de sua subordinação à configuração de novos regimes de discursividades nos quais o discurso está preso. Trata-se da ordem interdiscursiva onde a circulação – como terceiro – se oferece como um novo lugar de produção, funcionamento e regulação de sentidos. (Fausto Neto 2010:60)

Os papeis de produção e recepção dos discursos não desaparecem completamente mas reconfiguram-se em uma lógica diferente daquela de uma comunicação unilateral. Esta nova lógica prevê de fato uma complexidade que é inerente à sociedade midiatizada, em que aqueles papeis assumem um caráter dinâmico frente à contínua interface proporcionada pelo consumo midiático. Configura-se, assim, um lugar de realização de “jogos complexos”, de apropriação contínua dos sentidos das mensagens midiáticas, por meio do consumo destas enquanto bens de consumo simbólicos.

Isto vem ao encontro da própria noção de consumo conforme desenvolvida por De Certeau (2014) em “A invenção do cotidiano”, publicada em 1980. O consumo, por si só, é lugar de produção de sentidos do ponto de vista dos usos estabelecidos pelo consumidor. De maneira bastante coerente inclusive com a visão de Martin-Barbero (2009), o autor explica que

(...) diante de uma produção racionalizada, expansionista, centralizada, espetacular e barulhenta, posta-se uma produção de tipo totalmente diverso, qualificada como

“consumo”, que tem como características suas astúcias, seu esfarelamento em conformidade com as ocasiões, suas “piratarias”, sua clandestinidade, (...), uma quase invisibilidade, pois ela quase não se faz notar por produtos próprios (...), mas por uma arte de utilizar aqueles que lhes são impostos (De Certeau 2014:89).

O que vemos na sociedade midiatizada são novas formas para este papel do consumidor, que individualiza seu consumo nos seus usos e práticas cotidianas, porém agora em um contexto cada vez mais influenciado pela mídia e suas lógicas, bem como pelos novos papeis dados às esferas da produção e recepção conforme Fausto Neto (2010). Das estratégias pretendidas pelos produtores institucionais às táticas – para usar terminologias do próprio autor – surgidas nos contextos dos usos e consumos, outros produtores entram em cena e circulam novos sentidos.

Assumimos, assim, a midiatização como uma mediação cultural principal na sociedade, que imprime uma lógica do consumo midiatizado por meio de marcas e bens de consumo, em que os dispositivos comunicacionais operam uma espécie de pauta aos padrões culturais desta sociedade midiatizada.

A midiatização percebe nessas apropriações do sujeito, uma estrutura que depende de contextos, temporalidades e uma lógica institucional/ideológica que via interações, por meio de dispositivos comunicacionais, modelizam padrões culturais, práticas de sociabilidade, institucionalizam lógicas políticas, crenças e percepções (Trindade 2014:8).

Trindade e Perez (2014) acrescentam à discussão o papel cada vez mais central da mídia e suas lógicas na configuração de hábitos e práticas de consumo. Para os autores, o ritual de consumo do ponto de vista da midiatização funciona “[...] como dispositivo articulador dos sentidos dos produtos/marcas na vida das pessoas, portanto, a presença do sistema publicitário é constitutiva nesta relação de consumo.” (Trindade e Perez 2014:5). Para além da simples função de representação de rituais de consumo, são as próprias lógicas da mídia que estão presentes com cada vez mais relevância na constituição de novas formas de usos e práticas de consumo, bem como nos vínculos de sentido entre os bens e os consumidores.

É, enfim, nas possibilidades ampliadas pelas redes digitais que, hoje, o consumo midiatizado manifesta novas práticas e rituais a partir de um deslocamento da figura do consumidor na circulação midiática. A reconfiguração dos papeis observada por Fausto Neto (2010, 2013)na circulação revela não mais um consumidor que busca adequar-se tão somente a bens de consumo que comuniquem uma mensagem de pertencimento a determinada classe ou gosto, na modalidade do consumo de marcação.

Hoje, esse consumidor ressignifica seus usos e consumos de bens em um novo contexto que aqui chamamos de marcação do consumo, segundo o qual a criação de valores e sentidos se dá também nas táticas postas em circulação por estes consumidores, nos processos de seleção e marcação dos bens de consumo que são as novas bases de novas práticas de consumo.

Com isto delimitado, trazemos esclarecimentos sobre nossa metodologia de pesquisa, que tem como foco a observação das hashtags como uma das maneiras pelas quais o consumidor promove suas marcações em seu consumo midiatizado nas redes.

2. PROPOSTA DE METODOLOGIA DE PESQUISA DAS MARCAÇÕES DO CONSUMO NA REDE

A partir da ideia circulação midiática no contexto do consumo midiatizado, as redes sociais online mostram-se um local privilegiado para a observação dos seus vestígios.

Dentre estes vestígios, destacamos o uso das hashtags em postagens nas redes como forma de curadoria em sua essência, cuja função é organizar a inteligência coletiva dispersa na rede (Lévy 2014). Sua utilização é, portanto, uma forma de criar valor por meio da avaliação e dos agrupamentos de temas nas mensagens nas redes:

A avaliação é frequentemente usada para falar sobre o valor monetário de uma commodity em uma transação comercial. No entanto, o mesmo termo também é usado nos processos de curadoria, os quais criam valor não através de compra e venda de commodities, mas por meio da crítica, da organização e da exibição / exposição dos artefatos. (Jenkins 2014:119)

O uso das hashtags é uma forma de o próprio consumidor avaliar e marcar os bens representados em seu consumo midiatizado na rede. É uma etiqueta escolhida e colocada explicitamente pelos próprios consumidores em suas interações e representações de seu consumo.

Por essa razão, nossa pesquisa tem como ponto de partida a escolha e a observação de postagens na rede indexadas sob uma hashtag. Para este trabalho, partimos da hashtag #riachuelo, que indica a marca de roupas Riachuelo, uma das mais importantes do varejo brasileiro, utilizada por usuários de perfis pessoais, corporativos ou blogs, na rede social de compartilhamento de imagens e vídeos Instagram. Coletamos manualmente uma sequência de 100 postagens, compreendidas entre os dias 20 e 22 de fevereiro de 2016, e as categorizamos segundo tipo de perfil (perfil pessoal, blog ou corporativo), sexo (masculino e feminino) e compilamos demais hashtags utilizadas juntamente com #riachuelo.

A metodologia proposta para observação e análise do consumo midiatizado na rede compreende um olhar muito mais amplo em que a mensuração de resultados da coleta constitui apenas uma parte. Tal metodologia é orientada em quatro dimensões protocolares de coleta, análise e interpretação dos dados.

Primeira dimensão: O consumo da vida material. Esta dimensão diz respeito à história da vida material segundo a categoria trabalhada, no caso, a moda de vestuário. O desenvolvimento da vida material nesse campo nos dará insumos para pensarmos categorias e práticas culturais a eles relacionadas, que servirão de base para a análise dos dados obtidos.

Segunda dimensão: O consumo midiatizado da vida material. Esta dimensão diz respeito às formas de coletas de dados, a saber, o acompanhamento da hashtag selecionada, na rede social Instagram, até o total de 100 postagens. Cumpre também a esta dimensão a sistematização desses dados em informações relevantes, a partir dos agrupamentos em torno das formas de consumo midiatizado encontradas.

Terceira dimensão: Estratégias e táticas do consumo midiatizado. Aqui, nosso foco é a leitura das regras e normas dos usos midiáticos no consumo midiatizado de moda de vestuário em torno da marca pesquisada. Buscaremos apreender formas de usos e apropriações no contexto online em torno da hashtag escolhida.

Quarta dimensão: Lógicas culturais identificadas. Esta dimensão trata das lógicas e usos ou práticas culturais próprias do contexto em torno da hashtag, a partir das representações e interações do consumo midiatizado e seus rituais específicos, nos vestígios da circulação das mensagens.

A interpretação dos dados coletados considerando-se estas quatro dimensões protocolares de coleta e análise buscará compreender de forma mais profunda estas novas configurações do consumo midiatizado conforme suas representações captadas nos vestígios da circulação midiática, especificamente, neste caso, em torno dos consumos e usos da marca de moda de vestuário brasileira Riachuelo.

3. USOS E CONSUMOS MIDIÁTICOS DE #RIACHUELO NOS VESTÍGIOS DE SUA CIRCULAÇÃO

A Riachuelo é hoje a maior empresa de moda do Brasil, com mais de 280 lojas e mais de 40.000 funcionários. Hoje posicionada segundo o conceito de fast fashion, a rede começou sua história em 1947 com pequenas lojas populares de tecidos no estado de Pernambuco. Em 1979, após a compra pelo grupo Guararapes, as lojas passaram a comercializar roupas prontas. Pouco depois, em 1983, a rede passou a identificar-se mais propriamente com o mercado da moda, passando a criar marcas próprias para diversos públicos, sempre a preços populares[2].

Em 2004, inicia-se uma sequência de mudanças no posicionamento de marca, que passa a aproximar-se mais do consumo de moda e estilo com foco em tendências. De uma rede de lojas de varejo popular, a Riachuelo passou para o mercado das aceleradas tendências de moda. Três elementos evidenciam em especial o atual posicionamento: o novo logotipo, com tipografia sóbria em caixa alta, que abrevia o nome da marca para RCHLO; a abertura de novas lojas em endereços conhecidos por contarem com grande número de lojas de grifes nacionais e internacionais, como a Rua Oscar Freire, em São Paulo; e a parceria com estilistas internacionais, como a recém anunciada parceria com Karl Lagerfeld, ícone da moda europeia.

Como primeiro aspecto para nossa análise, já na primeira dimensão protocolar da análise, é fundamental apontar o fato de a história recente da marca estar em parte alinhada à própria história da moda ocidental. O consumo de moda, do ponto de vista da moda ocidental primordialmente europeia, desenvolveu-se em conjunto com a crescente individualização dos gostos e a democratização do seu acesso. O surgimento da chamada Alta Costura, na segunda metade do século XIX, dá início à sucessão de coleções, à abertura à criatividade de moda e à multiplicação das possibilidades de vestuário segundo gostos individuais. Ao contrário das regras de vestuário até então vigentes, essencialmente identificados com o consumo de marcação social de status, a exemplo dos códigos de vestuário das cortes, a Alta Costura diversifica as possibilidades e inaugura uma era que culminará na proliferação das tendências e na democratização dos gostos, com a valorização do novo e do efêmero.

O êxtase do Novo é consubstancial aos tempos democráticos; foi esse crescendo na aspiração às mudanças que contribuiu poderosamente para o nascimento da Alta Costura como formação burocrática fundada na separação do profissional e do particular e consagrada à criação permanente. (Lipovetsky 2011:119)

Embora ligada diretamente à indústria do luxo, a Alta Costura traz à tona os valores da individualidade e do novo, transformando radicalmente os usos e práticas do consumo da moda.

Após a Segunda Guerra Mundial, já na década de 1960, a exacerbação do novo e da individualidade, ao lado de transformações sociais, culturais e de produção, inaugura-se uma nova era, a era do prêt-à-porter, ou “pronto para levar”. Todas as camadas da sociedade aspiram ao consumo de moda, e sobretudo as revistas e o cinema dão um grande impulso a esse movimento. O prêt-a-porter, enfim, democratiza “um símbolo de alta distinção, outrora muito seletivo, pouco consumido: a grife”. (Lipovetsky 2011:133) A produção e a comercialização em massa dinamizam a fila das tendências e dos modismos, e a moda sai dos grandes salões para a rua. Valores como a juventude e a irreverência vêm qualificar o individualismo hedonista na moda.

Décadas depois, o que vemos hoje em relação à Riachuelo é a consolidação desses valores e dessa história em uma marca que fez, curiosamente, o caminho contrário, de loja de varejo popular às tendências de moda.

Partindo pois à segunda dimensão da análise, buscamos nos vestígios da circulação midiática, por meio da pesquisa por postagens no Instagram sob a marcação #riachuelo, os primeiros aspectos do consumo midiatizado da marca.

Dentre as 100 postagens coletadas, nota-se uma prevalência de perfis pessoais e de blogs e revistas de moda, com uma leve tendência a este ultimo tipo, que correspondem a 51 ocorrências, contra 43 postagens de perfis pessoais na rede. As postagens por perfis corporativos são minoria, com apenas 6 ocorrências, das quais 5 tem origem no perfil institucional da própria marca Riachuelo. Mostra-se, assim, uma grande importância dada à voz do consumidor e em especial aos formadores de opinião no campo da moda, sobretudo no âmbito de uma fast fashion, nos processos de seu consumo midiatizado. O discurso corporativo é relevante mas toma corpo e vínculo por meio das vozes de blogs e de perfis pessoais que circulam a marca.

Com relação ao sexo dos perfis responsáveis pelas postagens coletadas, de maneira geral, 69 são do sexo feminino, e 11 do sexo masculino (as 11 demais postagens correspondem aos perfis corporativos ou blogs que não esclarecem ou se filiam a um gênero específico). Esta prevalência de perfis femininos ganha contornos mais interessantes se analisarmos separadamente as categorias de perfil pessoal ou de blogs e revistas. No primeiro caso, dentre os perfis pessoais, observamos um equilíbrio, com 23 postagens femininas e 20 masculinas. Contudo, quando olhamos para os blogs e revistas, do total de 46 postagens, todas identificam-se como “blogueiras” de moda do sexo feminino, não havendo nenhum perfil masculino. Se por um lado, o público consumidor comum, de perfis pessoais, mostra-se heterogêneo, quando se trata de uma voz com caráter um pouco mais institucional, como é o caso dos blogs, as postagens sob a #riachuelo na sua forma midiatizada mostram-se um assunto marcadamente feminino.

Quanto ao uso de hashtags em geral, observamos que das 100 postagens coletadas, 98 utilizam outras hashtags ao lado de #riachuelo, e apenas 2 não lançam mão de outra marcação. Isto aponta para a importância da marcação das postagens como formas de criar valor ao seu conteúdo a partir da organização do consumo midiatizado, com a indexação oferecida pelas hashtags que, além de exercer uma curadoria pessoal, funcionam também, e por isso mesmo, como caminho para se conseguir mais seguidores e mais popularidade na rede. O ritual de escolha de uma hashtag pode passar pelo eixo temático da postagem, pela posição ou lugar de fala de quem compartilha o conteúdo, ou ainda pela relevância que determinada marcação pode conferir a determinada postagem.

Isto nos leva à compreensão das estratégias e táticas envolvidas no consumo midiatizado de #riachuelo, a terceira dimensão de análise. A marca Riachuelo, ao colocar em circulação sua marca #riachuelo midiatizada, disponibiliza algumas sugestões de combinação de suas peças e divulga a nova coleção, de inspiração étnica peruana. Contudo, não faz abertamente um convite ao vínculo com o consumidor por meio de seus próprios usos e táticas (FIG. 1).


FIGURA 1
Tagcloud com as hashtags mais utilizadas nas postagens institucionais.
Produzida a partir das postagens coletadas.

Por outro lado, as postagens dos perfis de blogs e perfis pessoais mostram um conteúdo muito mais denso e heterogêneo, revelando alguns aspectos próprios das táticas enquanto formas de uso próprias dos consumidores na rede.

Os blogs de moda, enquanto espécie de voz intermediária entre um uso institucional da marca e um perfil pessoal, procuram demarcar seu lugar de fala por meio do discurso fashion, relacionando marcações que aumentem sua relevância sobretudo na criação da categoria do “Fashion Blogger” (FIG. 2).


FIGURA 2
Tagcloud com as hashtags mais utilizadas nas postagens de blogs.
Produzida a partir das postagens coletadas.

Marcações como fashion, fastfashion e espiãdefastfashion conferem status de importância e uma espécie de conhecimento de causa ao responsável pela postagem. A marcação karllagerfeld, com destaque, mostra a euforia quanto ao anúncio de uma nova coleção criada em colaboração com o famoso estilista, cujo evento de anúncio ocorreu durante um dos dias da coleta de postagens. Tal uso, ademais, serve à demarcação de um lugar de fala próprio de quem conhece e para quem conhece o nome do estilista. Ao mesmo tempo, a prática do look ou do lookdodia tem destaque nas redes como tática do consumo midiatizado de moda, na circulação de um estilo próprio ou único, exaltando o indivíduo e o seu estilo pessoal. Por fim, os achados ou achadinhos, no mundo da moda, vem mostrar possibilidades de usos e combinações com roupas e acessórios interessantes e de custo baixo. Valoriza-se o talento em encontrar peças interessantes, muito mais que o fato de as mesmas peças serem relativamente baratas, sob a figura destes “achados” de moda.

Curiosamente, nem nas postagens institucionais, nem nas postagens feitas por perfis de blogs, existe a utilização da abreviação RCHLO, incorporada no novo logotipo da marca, e o mesmo acontece com o slogan da marca, “O abraço da moda”. É somente nas postagens de perfis pessoais que isto acontece (FIG. 3).


FIGURA 3
Tagcloud com as hashtags mais utilizadas nas postagens de perfis pessoais.
Produzida a partir das postagens coletadas.

As postagens feitas a partir de perfis pessoais utilizando a #riachuelo apontam para formas bastante diversas de usos e táticas no consumo midiatizado. Em primeiro plano, com destaque, aparecem postagens relativas à montagem das vitrines, sob a marcação visualmerchandising, possivelmente postas em circulação por profissionais da área que prestam serviços às lojas. A própria composição das vitrines da marca aparece, no seu aspecto midiatizado na rede, como uma atividade menos institucional e circulada pelo próprio perfil do produtor e ao mesmo tempo consumidor de #riachuelo. Há, também, uma quantidade relevante de postagens voltadas a ações da marca no carnaval, como atestam as marcações verãoemsalvador, carnavaldabahia e carnaval2016, por exemplo. Isto mostra as possibilidades oferecidas quanto à circulação midiática de ações promocionais estratégicas, capazes de criar vínculos entre marca e consumidor por meio da participação ativa no evento midiatizado. Ao lado disso tudo, existe uma grande profusão de hashtags, que vão do RCHLO e oabraçodamoda (slogan da marca), passando pela indicação de coleções que se mostram interessantes ao consumidor, como starwars, simpsons e skatelife, até o uso de marcações bastante genéricas, como love, amo e diversão.

Desse modo, aquilo que aparece como estratégia de consumo a partir da marca, como as coleções e os lançamentos, tem eco nas táticas semi-institucionais dos blogs de moda, mas mesmo assim aquelas estratégias lhe parecem insuficientes aos seus usos nos achados de moda. E ainda, quando olhamos para os consumidores em seus perfis pessoais, os usos e táticas no consumo midiatizado multiplicam-se ainda mais, mostrando a força e a relevância dessas táticas no consumo midiatizado de #riachuelo. Ampliando estas questões, chegamos à quarta dimensão da análise, a partir da identificação de lógicas culturais presentes nas interações do consumo midiatizado. Um primeiro aspecto a ser levantado é a questão dos papeis de gênero no consumo midiatizado de moda e particularmente de fast fashion e suas tendências. Ainda que nas marcações propostas enquanto estratégias de consumo a partir da marca Riachuelo não se determinem especificamente consumos femininos ou masculinos, quando observamos os perfis pessoais e os de blogs isto sofre mudanças. Nos perfis pessoais, em que os papeis masculino e feminino aparecem em equilíbrio numérico, é de se notar a presença de marcadores do tipo modamasculina e instaboy acompanhando as postagens de perfis masculinos. Isto indiretamente remete a uma suposta necessidade de se estabelecer que este é um lugar de fala masculino, indicando que se trata de um campo dominantemente feminino. Quando olhamos para os blogs, por sua vez, tais marcadores não são tão incisivos, e trata-se de uma amostra com totalidade de perfis femininos.

Isto porque, dentre as categorias de bens de consumo, talvez a moda seja o lugar onde os papeis de gênero estejam mais fortemente demarcados, do mundo culturalmente constituído até os bens de consumo, para usar os termos de McCracken (2010). Sabemos que há décadas a moda não é nem de longe um lugar exclusivamente feminino, porém alguns valores ainda se mostram impregnados nas táticas do consumo midiatizado. Não por acaso, nos usos midiatizados mais transgressores dos papeis de gênero, o vestuário é um primeiro pilar a ser questionado, e a tendência de moda Agender (sem gênero) já toma vulto. As marcas ED, da apresentadora norteamericana Ellen DeGeneres, e Tiffe & Keith, voltada aos bebês, são exemplos dessa tendência, ao questionar os papeis de gênero na moda e tendo na circulação midiática grande apoio e visibilidade. Em uma grande marca de varejo, como a Riachuelo, contudo, tais usos e sentidos ainda se mostram conservadores.

Outra lógica cultural presente nas interações, usos e táticas de consumo de #riachuelo diz respeito ao look, lookdodia ou lookfashion como exemplos da expressão da era da individualidade por meio da moda cada vez mais aberta e múltipla. Antes dessa consagração da marcação do look midiatizado nas redes, Lipovetsky (2011) dizia sobre o nascimento do ideal do look individual: “(...) a era do look não é nada mais que o terminal da dinâmica individualista consubstancial à moda desde seus primeiros balbucios; ela não faz senão levar ao seu extremo limite o gosto da singularidade, da teatralidade, da diferença (...).” (Lipovetsky 2011:148). Basta notar que esta marcação do consumo midiatizado de moda em geral se refere a postagens de fotografias no estilo selfie, ou autorretrato, muitas vezes em frente a um espelho. A exaltação da individualidade tem forte expressão nas táticas do consumo midiatizado com a marcação do look em conjunto com o selfie de cada dia.

Quanto à busca por novidades, outra faceta do sistema de moda, esta não se mostra uma lógica exaltada no consumo midiatizado do popular fast fashion. Ainda que o commingsoon, com o anúncio de novas coleções, esteja presente nas estratégias de consumo da marca, o lançamento, o novo, o inédito não aparecem com relevância nas táticas do consumidor deste segmento. Ressalva feita ao anúncio da coleção assinada por Karl Lagerfeld, que foi marcada com relevância nas postagens de blogs de moda. Isto indica mais a presença de um fetiche pelos grandes nomes da moda mundial do que a busca pelo novo e pelas últimas tendências de moda por parte dos consumidores desse segmento.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do consumo, com especial atenção ao consumo de moda, conta-nos um processo cada vez mais evidente de uma individualização dos usos e táticas do cotidiano, paradoxalmente e paralelamente à influência crescente da mídia e suas lógicas nesse consumo.

A aspiração por status social mostra-se insuficiente para explicar o estágio atual do consumo de moda. Acentuado justamente pela influência da mídia na própria constituição das novas práticas, é nas suas marcações e nos vestígios de sua circulação que observamos novas táticas mais ou menos distantes das estratégias de consumo preconizadas pela marca. Exemplo disso é a grande discrepância entre as marcações sugeridas pela marca Riachuelo na circulação midiática (estratégia) e as marcações do consumo sugeridas pelo consumidor da moda midiatizada ao por em circulação sua #riachuelo (táticas) (figuras 1, 2 e 3).

A partir da observação do consumo midiatizado da marca #riachuelo nas suas marcações na rede, acreditamos no uso das hashtags como um ritual próprio dos usuários nas redes para criar valor nos seus usos e práticas cotidianas. Durante a observação segundo as quatro dimensões protocolares de análise, pudemos verificar aspectos próprios dos usos midiáticos nas práticas sociais e da moda, tais como o peso dos blogs de moda ou as ações de marca e os vínculos de sentido que os consumidores estabelecem com elas, bem como lógicas culturais inerentes ao sistema de moda, tais como questões de gênero e da exacerbação da individualidade.

As marcações do consumo midiatizado de moda possibilitam, assim, a recuperação de novos rituais e táticas midiatizadas dos consumidores nos seus usos cotidianos das redes, observáveis nos vestígios de sua circulação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2009.

BRAGA, J. L. “Circuitos versus campos sociais”. In: MATOS; JANOTTI JR; JACKS (org). Mediação e Midiatização. Salvador: EDUFBA / Compós, 2012.

DE CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Rio de Janeiro: Vozes, 2014. 22a edição.

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Notas

[1] Hashtag é o conjunto de sinal gráfico “#” com uma palavra-chave, ou tag, em inglês. Na rede, a hashtag cria um hiperlink e realiza uma indexação automática, possibilitando ao usuário agrupar postagens ou buscar conteúdos indexados sob determinada etiqueta ou tag.
[2] Informações retiradas do website da própria empresa: http://www.riachuelo.com.br/a-riachuelo/empresa. Acessado em 23 de fevereiro de 2016.


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