Eixo Temático

“MULHER COMO GAROTO-PROPAGANDA DO DIA DOS PAIS”: OUTVERTISINGE AS RETÓRICAS LGBTFÓBICAS NA PUBLICIDADE E NO COMENTARIADO HOMOTRANSFÓBICO BRASILEIRO

“Woman as a poster boy for Father’s Day”: outvertising and LGBTphobic rhetorics in Brazilian advertising and homotransphobic commentariat

“Mujer como modelo publicitario del Día del Padre”: outvertising y las retóricas LGBTfóbicas en la publicidad y en los comentarios homotransfóbicos brasileños

Leo Mozdzenski
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

“MULHER COMO GAROTO-PROPAGANDA DO DIA DOS PAIS”: OUTVERTISINGE AS RETÓRICAS LGBTFÓBICAS NA PUBLICIDADE E NO COMENTARIADO HOMOTRANSFÓBICO BRASILEIRO

Signos do Consumo, vol. 12, núm. 2, pp. 76-92, 2020

Universidade de São Paulo

Recepção: 08 Agosto 2020

Aprovação: 31 Outubro 2020

Resumo: A presente investigação se situa no âmbito dos estudos sobre o outvertising – tendência publicitária atual mais inclusiva e pró-diversidade LGBT. Mais especificamente, este trabalho volta a sua atenção para a análise de dois episódios emblemáticos na história do outvertising no Brasil. Em primeiro lugar, um comercial da Bombril dos anos 1990, que revela a LGBTfobia naturalizada da retórica publicitária tradicional. E, em segundo, o discurso de ódio homotransfóbico no comentariado das redes sociais em face da recente polêmica sobre a campanha do Dia dos Pais da Natura, estrelada por um homem transexual. Para subsidiar esta investigação, são mobilizados princípios e procedimentos analíticos dos estudos retórico-discursivos, articulando-se as noções retóricas de ethos e pathos.

Palavras-chave: Outvertising, Publicidade, LGBT, Retórica, Discurso de ódio.

Abstract: This investigation is an outvertising study – a current, more inclusive and pro-LGBT advertising trend. More specifically, this paper analyzes two emblematic episodes in the history of outvertising in Brazil: a Bombril commercial from the 1990s that reveals the naturalized LGBTphobia of traditional advertising rhetoric, and the homotransphobic hate speech in comments made in social networks in the face of the recent controversy of the Natura’s Father’s Day campaign, starring a transsexual man. To support this investigation, analytical principles and procedures of rhetorical-discursive studies are utilized, articulating the rhetorical notions of ethos and pathos.

Keywords: Outvertising, Advertising, LGBT, Rhetoric, Hate speech.

Resumen: La presente investigación forma parte de los estudios sobre el outvertising – tendencia publicitaria actual más inclusiva y pro LGBT. Más específicamente, este trabajo se centra en el análisis de dos episodios emblemáticos en la historia del outvertising en Brasil. El primer, una publicidad de Bombril de la década de 1990, que revela la LGBTfobia naturalizada de la retórica publicitaria tradicional. El segundo, el discurso de odio homotransfóbico en el comentario de las redes sociales ante la reciente polémica de la campaña del Día del Padre de Natura, protagonizada por un hombre transexual. Para apoyar esta investigación, se movilizan principios y procedimientos analíticos de estudios retórico-discursivos, articulando las nociones retóricas de ethos y pathos.

Palabras clave: Outvertising, Publicidad, LGBT, Retórica, Discurso de odio.

OUTVERTISING: ENFIM, A PUBLICIDADE SAI DO ARMÁRIO

Pabllo Vittar e Coca-Cola. Lulu Santos e Mercado Livre. Daniela Mercury e Carrefour. Liniker e Axe. Linn da Quebrada e Avon. João Silvério Trevisan e Doritos. As Bahias e A Cozinha Mineira e Absolut Vodka. Google, Facebook, Netflix, Apple, Amazon, YouTube, Skol, Omo, Ben & Jerry’s, Burger King, McDonald’s, Starbucks, O Boticário, Livraria Cultura. Não há como passar despercebido. Gradativamente, é possível observamos que empresas e organizações vêm “saindo do armário”[1] e, cada vez mais, assumindo abertamente em suas comunicações publicitárias e em sua gestão corporativa um posicionamento marcário e institucional simpatizante à causa e à comunidade LGBT[2].

Não é para menos. De acordo com o minucioso relatório Brazil 2017 Report: Out Now Global LGBT 2030 Study, da consultoria holandesa Out Now (JOHNSON, 2017), admite-se que cerca de 9,5 milhões de brasileiros são LGBT e, dentre esses, aproximadamente 5,7 milhões compõem o mercado sexodiverso nacional, enquanto população economicamente ativa e acessível via internet. A consultoria calcula que, no Brasil, esse segmento é responsável por produzir uma renda anual total de 84,7 bilhões de dólares.

Embora o relatório reiteradamente esclareça que não é possível afirmar que os LGBTs são intrinsecamente mais propensos a comprar nem que ganham ou gastam mais que a média geral, os dados coletados indicam um elevado interesse em determinadas categorias de produtos e serviços, tais como vestuário (sobretudo roupas íntimas e roupas de grife), calçados, ingressos para eventos culturais (shows, cinema, teatro), download e serviços digitais de músicas/vídeos (como plataformas de streaming), tecnologia (smartphone, tablet, notebook, games, internet), viagens de lazer, livros e revistas, DVDs, artigos de higiene e beleza, bebidas (alcoólicas ou não), gastronomia e casas noturnas (restaurantes, cafés, bares, boates) e bens duráveis (carro e imóvel).

Essa pesquisa ocorreu entre junho e julho de 2017, tendo como tamanho da amostra um total de 4.018 respondentes brasileiros on-line. O documento também informa que, desde 2010, a Out Now vem realizando estudos sistemáticos sobre o mercado LGBT, tendo avaliado respostas de mais de 100 mil pessoas da comunidade sexodiversa em mais de 20 países. Atualmente, a estimativa é que o poder de gasto agregado desse nicho de consumidores ao redor do mundo (o “PIB LGBT” global) gire em torno de 3,6 trilhões de dólares anuais. E no Brasil, o potencial de expansão projetado para a década de 2020 é de aproximadamente 300 bilhões de reais.

Mas não se pode atribuir essa aproximação cada vez mais estreita entre as marcas e o público LGBT apenas a razões econômicas. Paralelamente à emergência do chamado “capitalismo rosa” – termo usado para designar o crescimento desse promissor nicho de mercado[3] –, também é possível constatarmos uma progressiva exigência dos consumidores em geral para que as empresas e marcas manifestem claramente o seu posicionamento diante de questões éticas e demandas sociais. Em especial, questões e demandas muitas vezes relacionadas a temas antes tratados como tabus ou como exclusivos do foro íntimo ou das convicções privadas dos indivíduos.

Diversos pesquisadores do campo da Publicidade e do Consumo vêm se debruçando sobre esses tensionamentos. Segundo Pringle e Thompson (2000), o mundo corporativo está cada vez mais sendo cobrado para assumir uma postura socialmente responsável no que tange a valores éticos, socioeconômicos, culturais e humanitários. É nesse contexto que desponta a denominada publicidade com causa, assim definida por Covaleski:

Parece-nos adequado entender a publicidade com causa àquela que é consciente que suas decisões comunicativas condicionam a realidade e favorecem a um tipo concreto de sociedade. E a partir dessa conscientização de seu papel como influenciadora, a publicidade opera na transformação da realidade, pondo-se a trabalhar para conseguir a corresponsabilidade de seus receptores, fomentando neles os valores positivos e socialmente estabelecidos, deixando em segundo plano a rentabilidade particular que o anunciante possa almejar. (COVALESKI, 2019, p. 432)

Tendo esse cenário como pano de fundo, denomino de outvertising a tendência publicitária contemporânea constituída por propagandas desconstrucionistas e contraintuitivas, que conferem representatividade e protagonismo aos membros da comunidade sexodissidente[4]. As propagandas LGBT desconstrucionistas são aquelas que problematizam e provocam rupturas no modelo heteronormativo hegemônico (IRIBURE, 2008). Já as propagandas contraintuitivas se referem às peças que promovem o desmantelamento de estereótipos depreciativos historicamente atrelados às chamadas minorias sociais – no caso, às minorias sexogendéricas – na publicidade (LEITE, 2014).

Sob a perspectiva ora adotada, o outvertising é compreendido a partir das configurações retóricas construídas pelas comunicações publicitárias que propõem empoderar as dissidências sexogendéricas, outorgando-lhes graus variados de agência, voz e visibilidade e buscando dirimir os estigmas e preconceitos tradicionalmente associados a esse grupo nas propagandas. Com base na noção do outvertising, é possível, pois, examinar como as representações da população sexodiversa encontram-se positivamente inscritas nos anúncios publicitários a partir das lógicas de consumo na contemporaneidade (MOZDZENSKI, 2020, no prelo).

Contudo, até chegarmos a essa tendência atual do outvertising, o universo da publicidade brasileira já foi povoado por retratos extremamente preconceituosos e intolerantes da população LGBT em geral e, mais particularmente, das mulheres trans e travestis. E mesmo nos dias de hoje, comerciais que se configuram como outvertising ainda são alvo de rejeição e difamação por uma ruidosa parte do comentariado brasileiro, que vocifera discriminação e hostilidade na mídia e nas redes sociais. Para investigarmos como isso se dá, serão mobilizados princípios e procedimentos analíticos dos estudos retórico-discursivos, a seguir expostos.

RETÓRICA, ETHOS E PATHOS: CONSTRUINDO IDENTIDADES, ENCENANDO EMOÇÕES

Para este trabalho, a retórica é concebida, por um lado, como a disciplina que estuda a forma como nos comunicamos persuasivamente uns com os outros e, por outro lado, como a própria atividade suasória de um enunciador – orador ou escritor – que procura influenciar e moldar discursivamente a maneira como seus interlocutores, sua audiência ou seus leitores pensam ou agem em face de determinado tema. Objetivando evidenciar de que modo se dá a constituição do discurso LGBTfóbico no domínio publicitário, esta pesquisa irá recorrer às noções retóricas de ethos e de pathos para a investigação do corpus. Assim, cabe discutirmos brevemente esses conceitos e como eles operam na produção de sentidos do texto.

As noções de ethos e pathos nascem com a prática da oratória e da retórica na Grécia e na Roma antigas. A tradicional trilogia aristotélica dos meios de prova – também chamados de “apelos” – é constituída pelos seguintes elementos: ethos, que consiste em provocar uma boa impressão pelo modo como o orador constrói o seu discurso, produzindo uma imagem de si capaz de convencer o auditório e ganhar-lhe a adesão; pathos, que se refere aos tipos de apelo sentimental e à importância dada ao auditório, considerando-se como conquistar a anuência alheia através da emoção; e logos, que trata da construção discursiva lógica do argumento, bem como dos tipos de raciocínio utilizados pelo orador (ARISTÓTELES, 2007; LEACH, 2002).

Na contemporaneidade, no domínio da análise do discurso, o ethos é compreendido como a autoimagem produzida pelo próprio enunciador no momento em que começa a discursar (MAINGUENEAU, 2008). Já o pathos diz respeito à manifestação discursiva de sentimentos do enunciador a fim de comover a audiência e obter o seu apoio perante as ideias propostas (CHARAUDEAU, 2007). Atualmente aplicados também na construção e na interpretação de textos escritos – e não apenas nos pronunciamentos orais, como na retórica clássica –, esses dois conceitos encontram-se intrinsecamente associados entre si. Construir identidades e encenar emoções são os dois lados de qualquer situação comunicativa (MOZDZENSKI, 2012).

Em outras palavras, para persuadir seus interlocutores, o enunciador deve modelar o seu ethos e apoiar os seus argumentos tendo em vista as representações coletivas que sugerem, sob o ponto de vista dos ouvintes/leitores, um valor positivo. O objetivo é produzir no público pensamentos e sentimentos favoráveis e adequados à situação. Como assevera Amossy (2005, p. 124), é “a representação que o enunciador faz do auditório, as ideias e as reações que ele apresenta, e não sua pessoa concreta, que modelam a empresa da persuasão”. Ou ainda:

Para que a argumentação retórica possa desenvolver-se, é preciso que o orador dê valor à adesão alheia e que aquele que fala tenha a atenção daqueles a quem se dirige: é preciso que aquele que desenvolve sua tese e aquele a quem quer conquistar já formem uma comunidade, e isso pelo próprio fato do compromisso das mentes em interessar-se pelo mesmo problema. (PERELMAN, 1997, p. 70)

Em toda troca comunicativa, o ethos está relacionado às pistas discursivas (verbais e não verbais) que evidenciam o modo como o falante/escritor se vê e como quer que os outros o vejam – podendo ou não ser bem-sucedido nessa empreitada. Já o pathos pode ser entendido como quaisquer aspectos discursivos que, numa determinada situação, seriam capazes de desencadear no auditório algum tipo de reação afetiva. O pathos não implica a certeza ou a garantia de provocar sentimentos, sensações ou respostas nos interlocutores. Antes, consiste em uma tentativa, uma expectativa ou uma possibilidade de fazer aflorar estados emotivos nos ouvintes, leitores ou espectadores.

Dessa forma, a missão dos pesquisadores consiste em investigar as potenciais dimensões identitárias (do enunciador) e patêmicas (afetivas) presentes na argumentação e na materialidade linguística e multissemiótica de um texto. O propósito é examinar como o interlocutor – indivíduo ou grupo de pessoas – pode ser convencido a acatar as causas defendidas pelo orador/escritor, evocando-se para tanto certos estados emocionais associados a um enunciador digno de credibilidade.

Isto posto, diante desse aparato teórico-metodológico, este trabalho propõe examinar em especial como se processa a constituição do ethos e do pathos em dois momentos específicos da história do outvertising. Primeiramente numa publicidade da Bombril dos anos 1990, emblemática no que tange à forma insultante e vexatória como se retratavam personalidades trans. E, em segundo lugar, em recentes comentários homotransfóbicos relativos à campanha da Natura no Dia dos Pais, que vêm alcançando significativa repercussão na mídia e nas redes sociais.

ROGÉRIA E A LGBTFOBIA NATURALIZADA NA PUBLICIDADE BRASILEIRA

No final da década de 1990, pela primeira vez na TV brasileira, uma travesti é estrela de um anúncio publicitário. O ano era 1999 e o comercial fazia parte das clássicas publicidades da Bombril, capitaneadas pelo ator Carlos Alberto Moreno, o garoto-propaganda da marca por cerca de 30 anos. A peça se chamava Quase de graça (Figura 1) e tinha como objetivo divulgar uma promoção que faria com que o Bombril saísse “quase de graça” na hora da compra. Ao lado de Carlos Moreno, quem contracenava no filme publicitário era a atriz e cantora Rogéria, falecida em 2017 e que orgulhosamente se autointitulava “a travesti da família brasileira” (DEL RE, 2017).

Cenas do comercial Quase de graça, da Bombril (1999)
Figura 1.
Cenas do comercial Quase de graça, da Bombril (1999)
Promoção… (2011).

No comercial, Moreno diz ter convidado Rogéria, “esta quase mulher ou quase homem, para falar do Bombril, quase de graça”. Por sua vez, a atriz inicia o anúncio pastichando o ethos de diva glamourosa hollywoodiana, mas ao ouvir como havia sido descrita, mostra-se caricaturalmente indignada. O diálogo segue com a artista usando gírias gays – mas de conhecimento do público em geral –, como “poderosa”, “vitaminada”, “abalou” e “darling”, sempre com um tom divertidamente afetado que lhe era característico em suas performances na televisão, no cinema e no teatro. No final da propaganda, o “Garoto Bombril” se esquiva constrangido dos beijos que lhe são lançados por Rogéria.

A encenação retórica[5] do anúncio suscita efeitos patêmicos ambíguos. Por um lado, não deixa de ser indicativo de um senso de progresso o fato de se assistir a uma publicidade televisiva de uma grande empresa, protagonizada por alguém que assumia que “já era viado na barriga da mãe” (DEL RE, 2017). Por outro lado, apesar do teor cômico regularmente utilizado nas comunicações da Bombril, é impossível ignorar o viés transfóbico nessa produção. Rogéria, na realidade, é rotulada como uma “quase pessoa” dentro do sistema binarista de gênero. Isto é, de acordo com o comercial, a artista é um ser “sub-humano” por não se encaixar em nenhuma das duas únicas possibilidades gendéricas socialmente aceitas (homem/mulher).

E mais: a inferioridade de sua condição de “quase mulher ou quase homem” é usada como uma analogia à “inferioridade” (redução) do preço do artigo em promoção, já que “o Bombril sai quase de graça”. Em outras palavras, se diante da oferta anunciada, o valor da esponja de aço se torna diminuto e insignificante, isso também se aplica, por paridade, à pessoa a quem o produto está sendo comparado. Uma mercadoria que não vale quase nada (em termos financeiros) equiparada a uma pessoa que não vale quase nada (em termos sociais e gendéricos, pois não é nem totalmente homem, nem totalmente mulher).

Ao término da propaganda, duas situações em particular reforçam o abismo entre o “Garoto Bombril” (que projeta um ethos de homem hétero estandardizado) e Rogéria (a quem se atribui um ethos de indivíduo gendericamente deslocado e incompleto). A primeira situação ocorre com o suspiro de alívio de Moreno ao saber que o “abalou!”, gritado por Rogéria, não era dirigido a ele, mas ao próprio Bombril. Já a segunda situação se dá com a rejeição e a repulsa do apresentador aos beijos distribuídos pela artista, o que se manifesta através da retração corporal de Moreno e por sua mão bloqueando e repelindo o contato físico com Rogéria.

Em ambos os casos, ainda que prevaleça o efeito patêmico derrisório, subjaz um desconforto homotransfóbico quando as barreiras cisgêneras[6] e heterossexuais ameaçam ser minimamente rompidas. O comportamento “extravagante” de uma travesti é permitido no espaço publicitário televisivo hegemônico desde que ela tenha seu corpo e suas atitudes docilizados (FOUCAULT, 1983). Ou seja, desde que ela faça a audiência rir com suas gírias e afetações – encenando, pois, um ethos de “bobo da corte” ou “clown” –, não se ofenda com as eventuais injúrias (como ser chamada de “quase mulher ou quase homem”) e, sobretudo, não viole as diretrizes que sustentam o que a sociedade considera “normal”, dada a categórica interdição aos corpos abjetos (BUTLER, 2003) ou corpos estranhos (LOURO, 2004) das dissidências sexogendéricas.

Vale ressaltar que, mesmo após três décadas, os números relativos à representatividade midiática das travestis e mulheres transexuais na publicidade brasileira ainda são inexpressivos. No mapeamento realizado por Iribure e Carvalho (2015), foram analisadas as representações de gênero e sexualidade em 70 comerciais publicitários transmitidos na televisão aberta brasileira, desde meados da década de 1970, quando foi identificado o primeiro comercial com a temática gay, até abril de 2015. O objetivo da pesquisa foi investigar o uso de estratégias representacionais estereotipadas da comunidade LGBT, que reafirmam o modelo heteronormativo hegemônico, ou, inversamente, de estratégias desconstrucionistas, que tensionam e provocam rupturas com o modelo vigente.

Uma das publicidades examinadas e que foi enquadrada como estereotipada foi justamente a mencionada peça da Bombril com participação da atriz Rogéria (Quase de graça):

Rogéria empresta sua “quase” feminilidade ao produto, reforçando um espaço de marcação do binarismo de gênero e da construção heterossexual na relação sexo/gênero. Dessa forma, o comercial se enquadra como estereotipado mesmo tendo ousado mostrar uma travesti. Neste caso, a estratégia é mostrar, mas de forma regulada, aceita nos limites da cultura vigente. (IRIBURE; CARVALHO, 2015, p. 12)

Os resultados da pesquisa não são nada animadores para a população sexodiversa. Dos 70 comerciais sob análise, apenas seis deles (8,5%) incluem travestis e transexuais. Ademais, como constatam os autores do estudo, a incorporação das personagens travestis nas propagandas visou sobretudo provocar um efeito humorístico depreciativo. Conforme explica Iribure (2008, p. 157), “o riso leva à descontração do que não é norma, que foge do padrão e garante o controle pela comicidade desqualificadora do que ousa fugir da norma”.

Trazendo-se agora a discussão para a forma como o comentariado brasileiro avalia nos dias de hoje comerciais que trazem pessoas trans como protagonistas, cabe analisarmos o recente case polêmico da campanha do Dia dos Pais da Natura.

“MULHER COMO GAROTO-PROPAGANDA DO DIA DOS PAIS”: DISCURSO DE ÓDIO HOMOTRANSFÓBICO

Um dos mais recentes e graves episódios de índole patentemente LGBTfóbica no comentariado brasileiro diz respeito à controvérsia gerada a partir da campanha publicitária da empresa de cosméticos Natura, em homenagem ao Dia dos Pais. O quiproquó teve início com a indignação dos habituais formadores de opinião e “polemizadores” da ala integrista da política e da religião no Brasil diante da atitude inclusiva e pró-diversidade da marca. Isso porque a Natura anunciou, logo no final do mês de julho, que um dos participantes da campanha seria o ator e empresário transgênero Thammy Miranda, filho da cantora Gretchen e pai de Bento, de seis meses de idade.

No entanto, o objeto de tanta discussão nas redes sociais não foi propriamente uma campanha publicitária no sentido formal. Tratou-se, na verdade, de uma ação de marketing digital em que a Natura convidava vários pais – entre eles, os atores Rafael Zulu e Babu Santana, o chef Henrique Fogaça e o influencer Jones Silveira, da Família Quilombo – a compartilhar em suas redes sociais cenas singelas de seu cotidiano ao lado dos filhos nesse período de isolamento social. Segundo a Natura, a proposta dessa ação de marketing foi “enfatizar a paternidade ativa, mergulhando na desafiadora rotina que todos estão vivendo durante a quarentena, mostrando como esse intenso convívio pode fortalecer a relação entre pais e filhos” (SACCHITIELLO, 2020).

Ainda que não houvesse uma peça publicitária convencional estrelada por Thammy, só o fato de uma empresa do porte da Natura ter divulgado o nome de um homem transexual como participante de uma ação digital em homenagem ao Dia dos Pais já foi motivo para o “tribunal inquisidor da internet” entrar em polvorosa. Diante do reboliço, a Natura manteve o seu posicionamento inclusivo e a favor da diversidade:

Para a Natura, ser pai é estar presente. É amar, cuidar e estar aberto a se envolver e a se emocionar com os filhos – e Thammy, assim como os demais influenciadores contratados, mostra diariamente, por meio de suas redes sociais, a presença e o cuidado no dia a dia com o filho. [A Natura] defende todas as maneiras de ser homem, livre de estereótipos e preconceitos, e acredita que essa masculinidade, quando encontra a paternidade, transforma relações. (SACCHITIELLO, 2020)

Entre as várias reações transfóbicas diante dessa postura LGBT-friendly da Natura[7], a retórica moralista religiosa foi sem dúvida uma das principais estratégias argumentativas utilizadas para rejeitar a publicidade e convocar um boicote contra a marca de cosméticos. Nesses casos, o enunciador invoca para si um ethos de baluarte da moral e dos valores cristãos na sociedade. É o que se observa, por exemplo, nas seguintes postagens (Figura 2):

Comentariado LGBTfóbico diante da ação publicitária da Natura no Dia dos Pais.
Figura 2.
Comentariado LGBTfóbico diante da ação publicitária da Natura no Dia dos Pais.
Malafaia (2020), Bolsonaro (2020) e Silva (2020).

Dizer que Thammy é uma mulher que “faz papel de homem”, que ele possui “uma conduta totalmente atípica para padrões brasileiros” ou que ele é “uma mulher operada que se passa por um homem” consiste em lançar mão de estratégias argumentativas marcadas pelo heterossexismo,

[…] que se define como a crença na hierarquia das sexualidades, que coloca a heterossexualidade em um nível superior. E o resto das formas de sexualidade aparece, no melhor dos casos, como incompletas, acidentais e perversas, e no pior, como patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização. (BORRILLO, 2011, p. 32)

Decorrente da ideia de heterossexismo, o modelo cis-heteronormativo de sexualidade e identidade de gênero estabelece como normais e socialmente aceitáveis os homens e mulheres cisgêneros e heterossexuais. Quaisquer outras vivências que escapem a esse padrão hegemônico e estandardizado são marginalizadas, desprezadas ou mesmo estigmatizadas por práticas sociopolíticas, ideológicas, religiosas, etc.

Rich (1980) propõe o conceito de “heterossexualidade compulsória”, sustentando que a heterossexualidade não é natural, e sim o resultado de um conjunto de práticas coletivas que a impõem como a maneira “correta” de os indivíduos se relacionarem sexual e afetivamente. Por seu turno, a noção de heteronormatividade, consoante Miskolci (2012), é concebida em 1991 pelo teórico social e crítico literário norte-americano Michael Warner, indicando uma “nova ordem social”, a qual impõe que todos estruturem as suas práticas sociais diárias em conformidade com o paradigma da heterossexualidade.

De acordo com Colling e Nogueira:

Enquanto na heterossexualidade compulsória todas as pessoas devem ser heterossexuais para serem consideradas normais, na heteronormatividade todas devem organizar suas vidas conforme o modelo heterossexual, tenham elas práticas sexuais heterossexuais ou não. Com isso entendemos que a heterossexualidade não é apenas uma orientação sexual, mas um modelo político que organiza as nossas vidas. (COLLING; NOGUEIRA, 2015, p. 182)

Além disso, esses autores salientam ainda que, sob a ótica da cis-heteronormatividade, todos os indivíduos – independentemente da sua orientação sexual – podem ser considerados socialmente “coerentes”, desde que mantenham a linearidade entre sexo e gênero. Ou seja, sujeitos com genitália masculina – ainda que sejam homens gays –, para serem aceitos na sociedade, devem agir como machos viris, não podendo se identificar com nada que remeta à esfera do que se rotula usualmente como feminino. Caso contrário, qualquer deslize, ato falho ou insinuação que possa dar indícios de um comportamento não másculo é categoricamente tachado como “coisa de viado” – expressão utilizada, por exemplo, pelo atual presidente da República para constranger qualquer pessoa que quisesse usar a máscara de proteção facial contra o coronavírus no Palácio do Planalto (BERGAMO, 2020).

Dessa forma, na postagem reproduzida na Figura 2 à esquerda, o pastor neopentecostal Silas Malafaia ratifica seu papel como um costumaz e espetaculoso antagonista das peças publicitárias que visibilizam membros da comunidade LGBT. Como já havia ocorrido em 2015 com um comercial do Dia dos Namorados da empresa de cosméticos O Boticário[8], o televangelista novamente tentou mobilizar um boicote à Natura por ser “uma afronta aos valores cristãos”. Alegando que a marca “coloca uma mulher para fazer papel de homem no Dia dos Pais”, Malafaia performatiza mais uma vez sua bem calculada encenação patêmica colérica através da tradicional polemização retórica de Nós (“Somos a maioria!”) X os Outros (a minoria sexogendérica).

Já numa toada retórica moralista e cis-heteronormativa, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (Figura 2, ao centro) protesta contra o posicionamento inclusivo da Natura ao colocar uma “Mulher como garoto propaganda do dia dos pais”. Com isso, nas palavras do filho do presidente da República, a marca está “te calando e empurrando goela abaixo uma conduta totalmente atípica para padrões brasileiros”. Assumindo um ethos vitimista e buscando conquistar a solidarização patêmica dos internautas, o político estrategicamente se apresenta como perseguido e incompreendido, apenas por “falar o contrário” e por isso ser tachado como “gado” e “pessoa raivosa”, e estar propalando “discurso de ódio e fake news”.

O terceiro comentário (Figura 2, à direita) foi postado pelo humorista Carlinhos Silva – o “Mendigo” do programa Pânico –, que teve sua conta do Instagram retirada do ar por ordem judicial por ter descumprido medida protetiva da ex-mulher, Aline Hauck, mãe de seu filho[9]. A postagem traz à tona a ignorância e a odiosidade transfóbica do artista, que afirma preferir “ser órfão, do que ser adotado por uma mulher operada que se passa de homem”. Para Silva, “Não existe jamais amor real nisso”. O humorista sustenta ainda que indivíduos trans possuem mais privilégios na hora de adotar uma criança em comparação a “héteros e pessoas normais”.

Num misto da retórica religiosa de Malafaia e da retórica moralista cis-heteronormativa de Eduardo Bolsonaro, Carlinhos Silva posiciona seu ethos como bastião dos valores morais da nação (“Esse país me dá vergonha”) e dos valores cristãos (“muitos fazem para afrontar o evangelho, mas não sabem de fato o que estão fazendo. Bom dia e fiquem com DEUS”). Ele chega, inclusive, a citar passagens bíblicas (Salmos, 27:10 e Lucas, 23:34) com o propósito de engendrar a encenação patêmica da ira divina contra o pecador LGBT, que, segundo Silva, prefere sentar-se “no colo do capeta” a “estar sozinho nos braços de DEUS”.

Além de indiretamente terem contribuído – a contragosto – para alavancar os valores das ações da Natura[10], todos os três autores das postagens reproduzidas na Figura 2 acabaram tendo que encarar as repercussões jurídicas por seus atos. Diversas entidades de defesa dos direitos humanos de pessoas LGBT apresentaram em juízo uma queixa-crime contra Silas Malafaia, Eduardo Bolsonaro e Carlinhos Silva sob acusação de transfobia[11].

Mas foi com o artigo do colunista Carlos Ramalhete, intitulado “Lacração e loucura” (RAMALHETE, 2020), publicado no final de julho no jornal paranaense Gazeta do Povo, que ficou efetivamente caracterizado o discurso de ódio LGBTfóbico contra Thammy Miranda e a comunidade sexodissidente como um todo.

É o que argumenta o jurista Paulo Iotti – um dos advogados responsáveis pelas sustentações orais em 2019 no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que aprovou a equiparação da homotransfobia a crime de racismo. De acordo com Iotti (2020), o texto de Ramalhete deve ser compreendido como um “grotesco discurso de ódio transfóbico do início ao fim, com breve mas igualmente grotesca manifestação de discurso de ódio homofóbico”.

Em seu artigo, Ramalhete (2020) procura produzir um ethos de filósofo-cronista brincalhão – ele é licenciado em filosofia pela Universidade Católica de Petrópolis –, com tiradas pretensamente espirituosas e referências a diversos pensadores, com o objetivo de evocar um efeito patêmico humorístico pseudointelectualizado e, assim, camuflar o tom odioso e homotransfóbico de seu discurso. É nesse sentido que o colunista afirma que a Natura escolheu “uma moçoila como ‘pai do ano’ ou besteira do gênero”; que Thammy, “às custas de cirurgias mutiladoras de todo tipo, [e de] venenos hormonais […] conseguiu, espantosamente, transformar-se em sósia do Carlos Bolsonaro”; e que, portanto, Thammy é “doente – afinal, convenhamos, só uma moça com uma autoimagem doentia prefere tornar-se sósia do Carlos Bolsonaro a continuar só feiosinha como era” (RAMALHETE, 2020).

O texto prossegue evidenciando o conspurcado ponto de vista do jornalista acerca da transexualidade e da homossexualidade:

Esta loucura pós-moderna da “transexualidade”, em que as pessoas se disfarçam do sexo oposto através de truques extremamente assemelhados aos dos travestis d’outrora ou de Arsène Lupin, o Ladrão Fidalgo, e por imitarem mal e porcamente algumas das notas por que se reconhecem os sexos, passam a considerar-se magicamente transformados em indivíduos do sexo oposto, provavelmente será um dia estudada como o caso mais agudo de loucura coletiva dos “bem-pensantes” de toda a História. […]

Quando começaram essas maluquices relacionadas a sexo […], eu disse a quem quisesse ouvir que a exigência absurda de “tolerância” rapidamente levaria a demandar muito mais que apenas isto. […]

E foi bem assim que a coisa se passou: da exigência de “tolerar” (absurda numa sociedade que já tolerava, como a nossa), passou-se a se ter que aplaudir. Um dos quatro crimes que bradam aos Céus por vingança na nossa tradição moral passou a ser legalmente equiparado a um sacramento. Hoje, torcer o nariz a duplas de rapazes se agarrando em público é até perigoso […].

Dali então pulou-se para a maluquice trans, ora na ponta-de-lança da loucura progressiva e progressista paulatinamente empurrada garganta abaixo da sociedade desde há pouco mais de cinquenta anos. Em muitos lugares basta que a pessoa se diga pertencente ao sexo oposto para miraculosamente ver-se transformada em membro do outro sexo, com os governos sendo obrigados a dar-lhe documentos falsos, com as portas dos banheiros do sexo oposto escancaradas para que entre triunfalmente, e ai de quem lhe negar pertencimento ao sexo que cada célula do seu corpo prova não ser o seu (RAMALHETE, 2020, grifos no original).

Diante dessas afirmações ostensivamente preconceituosas e discriminatórias, Paulo Iotti argui:

O caso de Carlos Ramalhete, jornalista do Jornal Gazeta do Povo, é chocante em níveis inacreditáveis. Ataca e patologiza as identidades trans, contrariando a OMS [Organização Mundial de Saúde] e nosso CFM [Conselho Federal de Medicina], a partir de teorias conspiratórias e deturpações simplesmente grotescas. Da mesma forma, há um claro ataque difamatório, por generalização absurda, a casais homoafetivos no meio do artigo. É inacreditável haver quem faça tamanhas deturpações e difamações em pleno 2020. Tem tudo, portanto, para ser um caso emblemático (“leading case”) de crimes de transfobia e de homofobia no Brasil, nos termos da decisão do STF que reconheceu a homotransfobia como crime de racismo […]. (IOTTI, 2020)

Para compreendermos melhor a repercussão jurídica do caso, também se revela oportuno e bastante potente transcrever um breve (mas elucidativo) trecho da representação interposta pelo advogado e jurista Paulo Iotti junto à Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná:

Em longo e criminoso artigo de opinião, chamado “Lacração e Loucura” (sic), abaixo transcrito (item 4), o Sr. Carlos Ramalhete, ora Representado, proferiu verdadeiro discurso de ódio contra as populações transexual, travesti e de casais homoafetivos. Isso porque grotescamente patologizou as identidades transexual e travestis, acusando sua militância de querer destruir a família, destruir a família em geral e o papel paterno em particular, criando órfãos de pais vivos, afirmando que isso se daria por doentias e lacradoras mutilações corporais, que prejudicariam crianças e adolescentes, supostamente vítimas de hormonizações destruidoras de seus corpos reais (sic). Uma grotesca deturpação dos temas envolvidos, que inclusive vai contra a despatologização das identidades trans pela Organização Mundial de Saúde e nosso Conselho Federal de Medicina, ao passo que o respeito à identidade de gênero autopercebida das pessoas trans não gera nenhum prejuízo a pessoas e famílias cisgêneras, ao papel de pais (heterossexuais e cisgêneros) e da família heteroafetiva em geral, além de nunca se ter pretendido nenhuma cirurgia em crianças ou adolescentes nem sua hormonização, ao passo que o bloqueio hormonal admitido mundialmente é absolutamente reversível e, portanto, sem prejuízos nos hipotéticos (e, se existentes, raros) casos em que crianças que se identificam como trans “mudarem de opinião” no futuro, ao contrário da puberdade, que é irreversível se não bloqueada e traz prejuízos sérios a pessoas trans adultas que lutam pela afirmação de sua identidade de gênero trans.

Da mesma forma, esse criminoso artigo de opinião proferiu também discurso de ódio contra a população de casais homoafetivos, acusando-a e sua militância de supostamente lutarem por um pseudo “direito” de praticarem atos atentatórios ao pudor público (sic). Algo que também é falso, pois tudo que sempre se pleiteou foi tolerância e igualdade relativamente às manifestações públicas de afeto admitidas ou toleradas entre casais heteroafetivos (IOTTI, 2020).

Por fim, cabe sublinhar que, nessa representação interposta por Iotti, as entidades de defesa dos direitos da população LGBT solicitam ao chefe do Ministério Público Estadual paranaense que processe o jornalista Carlos Ramalhete por crimes de transfobia e homofobia. Delitos esses reconhecidos pelo STF como crime de racismo, nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26, de relatoria do ministro Celso de Mello (BRASIL, 2019), e do Mandado de Injunção (MI) nº 4.733, relatado pelo ministro Edson Fachin (BRASIL, 2013).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como ficou claro ao longo deste artigo, um dos principais objetivos da análise retórica na contemporaneidade dentro dos estudos de comunicação e, particularmente, na esfera da publicidade e do consumo, deve ser justamente investigar as relações entre linguagem e poder, desmascarando as assimetrias de poder e de acesso discursivo presentes na sociedade. Em outras palavras, mais do que simplesmente descrever figuras ou mecanismos retóricos empregados em um texto publicitário, os estudiosos interessados nessa área devem firmar um compromisso ético, científico e político com a pesquisa crítica e conscientizada.

Devem, pois, voltar sua atenção para a investigação de problemas sociais concretos e atuais – como a LGBTfobia, o racismo, o machismo, o classismo, a xenofobia, etc. –, manifestados nas trocas comunicativas e nas práticas sociodiscursivas diárias nos mais diversos campos da nossa vida: político, religioso, jurídico, midiático, de consumo e assim por diante. Particularmente no caso do tema tratado na presente pesquisa, a análise retórica pode nos auxiliar a compreender toda a complexidade envolvendo o fenômeno do outvertising, tanto do teor da peça publicitária em si quanto do ponto de vista dos atores envolvidos (marca/empresa anunciante, público-alvo da campanha, audiência em geral, etc.).

Em princípio, é admissível conceber que a visibilidade proporcionada por campanhas em que são apresentados membros da comunidade LGBT estimula a discussão a respeito das opressões cotidianas experienciadas por lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e demais sexualidades e gêneros disruptivos. O crescimento da representatividade midiática também é capaz de elevar a autoestima e o senso de dignidade e pertencimento social desses sujeitos, que foram historicamente silenciados ou ridicularizados nos meios de comunicação de massa. Além disso, a naturalização midiática dos LGBTs como cidadãos e consumidores tem o potencial de gerar novos aliados, tanto pela adesão de pessoas cis-heterossexuais sensibilizadas com a causa, quanto pelo investimento de novas corporações interessadas nesse nicho de mercado.

Por outro lado, o fenômeno do outvertising pode implicar a legitimação e propagação pelos mass media de uma perspectiva bastante simplificada e pasteurizada das pautas em prol dos direitos humanos LGBT, bem como dos próprios integrantes dessa comunidade. Com o propósito de agradar a audiência média (ou não desagradar totalmente a audiência LGBTfóbica), os anúncios inclusivos, com temática pró-diversidade sexual, podem promover apenas imagens de indivíduos homonormativos – isto é, de gays viris, lésbicas femininas e casais homoafetivos estandardizados –, invisibilizando todas as demais expressões sexodisruptivas. Além disso, essas peças podem acabar reiterando a mensagem da autovalorização precipuamente via poder de compra: “você vale o que seu pink money puder comprar”.

Dessa forma, a mensagem da publicidade tem que necessariamente ser coerente com o produto anunciado e com as práticas gerenciais adotadas pela empresa: esse é um requisito imprescindível para que uma campanha possa se enquadrar efetivamente dentro da tendência publicitária do outvertising. As marcas não podem se limitar apenas a imprimir uma retórica inclusiva e pró-diversidade sexual em suas comunicações. É fundamental o rompimento com atitudes arcaicas e preconceituosas, rebatendo veementemente reações de preconceito, intolerância e ódio homotransfóbico, especialmente no caso do comentariado discriminatório das redes sociais, tal como anteriormente analisado.

O fenômeno do outvertising deve ser encarado, enfim, de maneira holística, viabilizando a revisão e alteração do posicionamento marcário e do comportamento organizacional diante dessa nova conjuntura. É infundado, por exemplo, uma empresa lançar mão de peças publicitárias que retratem membros da comunidade LGBT, mas simultaneamente não possuir uma rígida política interna coibindo atitudes homotransfóbicas entre os empregados ou ainda não prever ou mesmo estimular a contratação de funcionárias travestis e pessoas transgêneras.

Diante do exposto, pode-se concluir que esses fundamentos do outvertising assumem que a publicidade – enquanto influente produtora de sistemas simbólicos da indústria cultural – tem o poder de cristalizar e potencializar representações sociais no imaginário coletivo (ROCHA, 2006). Isso pode ser feito de forma reducionista, reforçando estereótipos, preconceitos e convenções morais, reiterando-se meramente os padrões tradicionais da sociedade, como a cis-heteronormatividade, a branquitude, o classismo, etc. Ou pode, em contrapartida, conceder acesso discursivo aos que possuem menor voz ativa e, por isso, não conseguem ser ouvidos em todas as esferas de prestígio social. Finalmente, sob a perspectiva do outvertising, as representações sexogendéricas inclusivas nas narrativas publicitárias revelam-se fundamentais para proporcionar a visibilidade social, o senso de pertença e de respeito aos direitos humanos, bem como a construção socioidentitária da população LGBT.

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Notas

[1] Em português, a expressão “sair do armário” (coming out) significa alguém se declarar abertamente LGBT.
[2] Sigla usada para designar Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros. Atualmente, é possível observar o emprego de outras abreviações derivativas, como LGBTQ (com a letra Q indicando as pessoas queer, sendo mais presente nos movimentos sociais estadunidenses), LGBTI (com a letra I indicando pessoas intersexuais, usada com frequência por entidades internacionais, como a Organização das Nações Unidas e a Anistia Internacional) ou, mais recentemente, LGBTQIA+ (com a letra A indicando os assexuais e o sinal + para representar outras identidades/sexualidades não cobertas pelas letras anteriores). No presente estudo, será utilizada a sigla LGBT, por ser o termo de maior uso corrente nas pesquisas nacionais, na mídia e em documentos oficiais. Em todo caso, o emprego da sigla neste artigo diz respeito a qualquer pessoa não heterossexual e/ou não cisgênera. Também serão adotadas doravante as seguintes convenções: a) na esteira de Lopes (2011), o adjetivo “gendérico” (e suas variações) corresponde à locução adjetiva “de gênero” (cf. gender, ou seja, “gênero” em inglês); b) apesar de suas especificidades semânticas, os seguintes termos são considerados equivalentes: comunidade LGBT, população sexodiversa, público sexodissidente e dissidências sexogendéricas (e variações dessas expressões).
[3] A ideia de “capitalismo rosa” está relacionada à chamada economia LGBT, definida por Jesus (2018. p. 13) como “um conjunto de atividades econômicas que geram bens e serviços voltados para o consumo de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, travestis, intersexuais, queers e assexuados. Essas atividades – em geral associadas à cultura, ao lazer, ao entretenimento e ao turismo – podem ser exclusivamente destinadas a esses consumidores ou serem receptivas a eles (LGBT+ friendly). Elas vieram mostrando amplo potencial para a criação de trabalho e riqueza em cidades de todo o mundo e o estímulo à expressão da população LGBT+, oferecendo valor e potencialidade às manifestações culturais e políticas dessas pessoas”.
[4] O termo outvertising é tomado de empréstimo da consultoria britânica Pride Advertising & Marketing (PrideAM), que publicou um manual homônimo dirigido às empresas que desejavam adotar políticas corporativas mais inclusivas e, em particular, desenvolver campanhas publicitárias e ações de marketing canalizadas para os consumidores LGBT. O manual “Outvertising” encontra-se disponível em: http://bit.ly/2y62Cnm. Acesso em: 17 ago. 2020.
[5] A noção de encenação retórica diz respeito à maneira como o discurso publicitário põe em cena os seus argumentos, de modo a construir “narrativas possíveis e favoráveis (ao produto/serviço ou marca)” (CARRASCOZA, 2014, p. 10). A metáfora teatral é aqui usada para indicar o conjunto de elementos multissemióticos sinergicamente articulados no anúncio para produção de sentidos. Assim, a noção de encenação retórica abarca os modos de representação comunicacional dos textos tanto verbais (fala e escrita) quanto não verbais (imagens, sons, gestos, tom de voz, linguagem corporal, figurinos, cenários, objetos cênicos, etc.), além de também ter em conta as propriedades espaço-temporais da comunicação publicitária.
[6] O termo cisgênero (ou cissexual ou apenas cis) é empregado nos estudos de gênero e sexualidade – como contraponto a transgênero (ou transexual ou apenas trans) – para indicar as pessoas que se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascerem. Ou seja, significa uma concordância entre a identidade de gênero de uma pessoa, o seu sexo biológico e o seu comportamento/papel avaliado como socialmente aceito para esse sexo (BRASIL, 2016).
[7] Foge aos limites deste artigo a discussão sobre a real motivação de empresas para inclusão de personalidades LGBT em suas campanhas publicitárias, seja como posicionamento marcário consciente em torno de uma pauta política, seja como mera estratégia de marketing para abocanhar o pink money desse promissor nicho de mercado. Para um aprofundamento a respeito dessa questão, ver Mozdzenski (2020).
[8] Para um debate sobre a reação patêmica do público em face desse comercial do Dia dos Namorados d’O Boticário, ver Mozdzenski (2016).
[9] Em janeiro de 2020, Carlinhos Silva afirmou em suas redes sociais que não havia conseguido passar seu aniversário ao lado do filho, que está sob guarda da ex-mulher. Diante da situação, Silva fez referência ao brutal assassinato cometido em 2010 pelo ex-goleiro do Flamengo, Bruno Souza, responsável por sequestrar e estrangular a namorada, Eliza Samudio, mãe de seu filho: “Cada dia que passa, mais eu entendo o goleiro Bruno. Tem gente que merece muito mais do que sequestrador, torturador, estuprador. Sequestrar e estuprar a mentalidade de uma criança pode, né?” (CANDIDO, 2020).
[10] De acordo com matéria publicada no portal de notícias G1: “Os ataques dos internautas ao ator Thammy Miranda – escolhido como um dos nomes da Natura para a campanha do Dia dos Pais – não surtiram efeito no mercado financeiro. Pelo contrário. As ações da fabricante de cosmético acumulavam alta de mais de 12% na semana até a tarde desta quinta-feira (30)” (NAIME, 2020).
[11] Subscrevem essa representação as seguintes entidades: Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (ABRAFH), Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GADvS), ONG Mães pela Diversidade, entre outras.
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