Resenhas

AGONIA DO EROS E O NARCISISMO CONTEMPORÂNEO

The agony of Eros and contemporary narcissism

La agonía de Eros y el narcisismo contemporáneo

Julia Spohr Reinhardt
Universidade de São Paulo, Brasil

AGONIA DO EROS E O NARCISISMO CONTEMPORÂNEO

Signos do Consumo, vol. 12, núm. 2, pp. 126-128, 2020

Universidade de São Paulo

Recepção: 26 Agosto 2020

Aprovação: 21 Setembro 2020

Resumo: Para Han, nem Eros escapa da sociedade do desempenho. O narcisismo confunde a noção do outro, da alteridade, e as noções que temos do amor. Esquecemos que o outro sempre será o outro. O dever da produtividade engana-nos de que é possível “consumir” até mesmo os matches do Tinder.

Palavras-chave: Agonia, Eros, Amor, Digital, Narcisismo, Agonia, Eros, Amor, Digital, Narcisismo.

Abstract: For Han, not even Eros escapes from the performance society. Narcissism mixes the notion of the other and otherness, as well as the notions we have of love. We forget that the other will always be the other. The duty of productivity makes us think that even Tinder matches are “consumables”.

Keywords: Agony, Eros, Love, Digital, Narcissism, Agony, Eros, Love, Digital, Narcissism.

Resumen: Para Han, ni siquiera Eros escapa de la sociedad del desempeño. El narcisismo confunde la noción del otro, de la alteridad, y distorsiona las nociones que tenemos del amor. Olvidamos que el otro siempre será el otro. El deber de la productividad nos engaña con la posibilidad de “consumir” incluso matches de Tinder.

Palabras clave: Agonía, Eros, Amor, Digital, Narcisismo.

O livro Agonia do Eros, do filósofo sul-coreano e professor da Universidade de Berlim Byung-Chul Han, trazido ao Brasil em 2017 pela editora Vozes, faz parte de uma coleção que conta com outros títulos, como a Sociedade do Cansaço, Sociedade da Transparência e No Enxame, todos com grande repercussão. Em Eros, Han convida-nos a refletir sobre o amor.

Ao longo de 7 capítulos, passando por reflexões acerca da melancolia, depressão, pornografia, fantasia e outros, o autor nos conduz pelas hipóteses do crescimento do narcisismo e do consequente desaparecimento do amor, da fantasia e do outro – todos esses fenômenos localizados na atual sociedade do desempenho, centrada na performance. Esse esvaziamento do outro e o centramento em si, expressão narcísica, é uma explicação possível para o crescimento da depressão entre nós. Amamos demais nós mesmos e como é impossível atender a todas as expectativas da sociedade do desempenho, nos frustramos. A sociedade do desempenho, conceito também presente em obras anteriores do autor, é a descrição sintética dos processos neoliberais da incorporação da disciplina e da racionalidade. Ao nos tornarmos nossos próprios coaches, a disciplina não precisa mais ser imposta, ela se torna uma meta tatuada em nosso mindset e de alguma maneira se naturaliza. Se tudo apenas de nós depende, querer é poder. Inclusive a melhor “mercadoria” do Tinder.

O livro começa com a afirmação de que hoje, providos da “infinita liberdade de escolha, da multiplicidade de opções e da coerção de otimização” (HAN, 2017, p. 6), nos debruçamos pela busca de um ideal de amor. Ao compararmos tudo com tudo, nivelamos tudo ao igual e desgastamos a ideia do outro. No Eros, não é possível nos centrar em nós mesmos e em nossas expectativas, mas sim no outro, na diferença da negatividade.

Han prossegue dizendo que a sociedade do dever, na qual trabalhávamos porque alguém mandava, chegou a um limite. Na sociedade neoliberal do poder, trabalhamos porque podemos, porque somos “livres”. Sendo donos de nossos destinos, somos também responsáveis por nossos fracassos. E, como descreve o autor, não existe pior amo que nós mesmos.

E a lógica do poder não se limita ao trabalho. No sexo, idealmente expressão do amor, também são inúmeras as motivações para que tenhamos um bom desempenho, seja por status ou por ser ponte à felicidade, à boa saúde física e mental. Os corpos tornam-se um objeto que faz parte desse desempenho e, portanto, um objeto para um determinado fim objetivo. Essa noção de corpo enquanto mercadoria também se estende para o outro. A sexualidade não estaria desgastada pela moralidade, mas sim pela extrema sexualidade, expressa na pornografia. O pornô seria uma sexualidade transparente e demasiada evidente, focada totalmente na praticidade, sem Eros. Pois o Eros é a eterna possibilidade de não termos mais o outro. A partir de Lévinas (1984, p. 61, apud HAN, 2017), Han afirma: “Se fosse possível possuir, apreender e reconhecer o outro, o outro não seria o outro. Possuir, reconhecer e apreender são sinônimos de poder”. Amar o outro é aceitar a possibilidade de perdê-lo. E na sociedade da positividade e do desempenho, não pode haver perdas.

Na mera vida, o amor está domesticado. A loucura e a paixão da antiguidade deram lugar a sentimentos agradáveis e sem riscos, positividade, dentro de determinados parâmetros de controle, como uma “rapidinha”. Em contrapartida, a boa vida não seria sobre temer a vida e sim encarar a morte nos olhos. Han argumenta que “o que simplesmente sobrevive se parece com um morto-vivo, que é por demais morto para viver e que é por demais vivo para poder morrer.” (HAN, 2017, p. 25). É fácil sentir que o capitalismo não tem mesmo um fim. Trabalhamos para trabalhar mais.

Mais tarde, o autor aborda a fantasia, ou a incapacidade de imaginar na qual estamos imersos. A massiva quantidade de informações e dados que acessamos com um toque nos geram grandes expectativas. Imaginamos um amor perfeito e fracassamos – imaginar de olhos fechados cede lugar à uma busca ativa do amor enquanto consumo e, portanto, deve ser apenas positivo.

Inspirado por Hegel (1770-1831), no fim de sua teoria, Han diz que o pensamento sem Eros é meramente repetitivo e aditivo. Atualmente, para ele, o que fazemos não é exatamente pensar. Nós calculamos. E números não geram transformação e sim conservação. Esse encerramento me parece um convite à criatividade. O pensamento analítico, com cálculos e números que ficam bonitos em Power Pointnão geram novas ideias. Para gerar inovação e imaginar novos futuros, precisamos de pensamento intuitivo. Sem Eros o pensamento é repressivo.

Mas afinal, existe amor no século XXI? Talvez não tenhamos mais conflitos clássicos, daqueles outrora encontrados no amor, mas temos sim outros tipos de sofrimentos. Aos munidos de aplicativos e smartphones, nos parece justo – e talvez obrigatório – gozar do melhor amor que pudermos encontrar, sejam lá quais forem nossas referências. Inúmeras “opções” de prazeres estão a um swipe right de distância. Me pergunto, contudo, se não seria esse um comportamento jovem e insustentável. Independente de buscarmos amores únicos ou plurais, à medida que amadurecemos, percebemos que, mesmo que amedrontados, o amor pede a coragem de fechar os olhos e de ser vulnerável. Encontrar a junção da Psiquê e Eros precisa de tempo vivido. É difícil renunciar ao cálculo, ao narcisismo e, é claro, aos super likes.

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes, 2017.

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