artigo
Recepção: 15 Dezembro 2021
Aprovação: 11 Maio 2022
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v14i1e193502
RESUMO: A proposta deste estudo é apresentar as conceituações “produto-experiência” e “serviço-experiência”, formuladas a partir da atuação das influenciadoras digitais como estratégias comunicacionais para fomento do consumo de moda e beleza no aplicativo Instagram. A divulgação publicitária em seus perfis gira em torno da relevância da experiência com o produto ou serviço, e não somente deles em si. Este artigo é um dos resultados da tese de doutorado que monitorou, durante um período de 60 dias, cinco perfis de influenciadoras digitais de moda e beleza, das regiões Sudeste, Norte e Nordeste do país. O objetivo deste artigo é mostrar também os impactos que as influenciadoras digitais têm no sistema publicitário atual, partindo do pressuposto de que o nível de interação entre elas e seus seguidores define sua institucionalização no cenário virtual, ao associarem seu estilo de vida aos produtos e serviços que divulgam.
PALAVRAS-CHAVE: Práticas interacionais, Influenciadoras digitais, Estratégias comunicacionais.
ABSTRACT: This study discusses the concepts “product-experience” and “service-experience,” formulated based on the communication strategies used by digital influencers to promote fashion and beauty consumption on Instagram. Advertising on their profiles revolves around the relevance of the experience with de product or service, not just them per se. This article derives from a doctoral thesis that monitored, during a 60-day period, five profiles of digital fashion and beauty influencers, from the Southeast, North and Northeast of Brazil. It shows the impacts that digital influencers have on the current advertising system, as the level of influencer-follower interaction defines their institutionalization in the virtual scenario, by associating their lifestyle with the products and services they advertise.
KEYWORDS: Interactional practices, Digital influencers, Communication strategies.
RESUMEN: El propósito de este estudio es presentar los conceptos de “producto-experiencia” y “servicio-experiencia”, formulados a partir de la acción de influenciadoras digitales como estrategias de comunicación para promover el consumo de moda y belleza por el Instagram. La publicidad en sus perfiles muestra la relevancia de la experiencia con el producto o servicio, y no solo la experiencia en sí. Este artículo forma parte de la tesis doctoral que ha observado, durante 60 días, cinco perfiles de influenciadoras digitales en moda y belleza de las regiones Sudeste, Norte y Nordeste de Brasil. El objetivo de este artículo es también mostrar los impactos que tienen las influenciadoras digitales en el sistema publicitario actual, partiendo del supuesto de que el nivel de interacción entre ellos y sus seguidores define su institucionalización en el escenario virtual al asociar su estilo de vida a productos y servicios que divulgan.
PALABRAS CLAVE: Prácticas interaccionales, Influenciadoras digitales, Estrategias de comunicación.
Como citar este artigo: FONSECA, M. S. G; LACERDA, J. S. Estratégias comunicacionais “produto-experiência” e “serviço-experiência” no Instagram. Signos do Consumo , São Paulo, v. 14, n. 1, p. 1-13, Jan./Jun. 2022.
INTRODUÇÃO
Atualmente, num contexto em que é construída e difundida a necessidade de exposição e exibição da vida privada ( THOMPSON, 2010 ), as pessoas do século XXI estão sendo cada vez mais convocadas e instigadas a divulgarem suas “vidas” (idealizadas ou reais) no universo online e em meio a uma sociedade midiatizada, calcada pelo exibicionismo. Nesta sociedade midiatizada, na percepção de Sibilia ( 2008, p. 21 ), há “um deslocamento da subjetividade interiorizada em direção a novas formas de autoconstrução”.
A proposta última deste artigo é de apontar a atuação de influenciadoras digitais de moda e beleza que, em seus ofícios no cenário virtual, desenvolvem estratégias as quais, a partir da tese de doutorado da autora, denominamos como “produto-experiência” e “serviço-experiência”, conceitos construídos durante a investigação que se debruçou sobre a análise das estratégias comunicacionais, institucionalidades e o consumo midiatizado do público feminino, a partir de um conjunto de perfis no aplicativo Instagram.
Os denominados influenciadores digitais ativam em seus seguidores a necessidade de divulgar as suas experiências – de forma espontânea, por meio dos comentários nos perfis do Instagram – com aquilo que está sendo anunciado por eles. Ao associarmos os dois termos – produto-experiência e serviço-experiência – no cenário virtual, o influenciador digital tem uma relevância maior do que a publicidade clássica, uma vez que associa seu estilo de vida ao produto-experiência e serviço-experiência, sendo mais importante a experiência do que propriamente o produto ou serviço em si.
A institucionalização das competências das atividades exercidas pelos influenciadores digitais e do modelo de negócios vigente é algo que tem sido estudado desde os primeiros passos dos blogueiros considerados “profissionais”. Para Karhawi ( 2018 ), a utilização do termo “influenciador digital”, portanto, não extingue a dinâmica dos blogueiros ou vlogueiros, uma vez que não representa uma inovação nas práticas da comunicação, mas uma ampliação das possibilidades de atuação.
No senso comum, ser influenciador digital pode ser praticado por amadores ou pessoas que saibam redigir ou fazer bons vídeos, num total reducionismo. Ideia errônea e bastante distante da atuação pautada em profissionalismo, mesmo que não haja uma regulamentação legal da profissão até o presente momento. Nos dias atuais, com o espaço virtual cada vez mais atrativo e competitivo, para ter uma boa reputação e legitimar-se, é necessário “percorrer uma escalada: produção de conteúdo; consistência nessa produção (tanto temática quanto temporal); manutenção de relações destaque em uma comunidade e por fim, influência” ( KARHAWI, 2018, p. 59 ). Além disso, é preciso reinventar-se diariamente, numa necessidade constante de atualização, dada a dinamicidade do ambiente virtual.
O simples fato de possuir uma conta numa rede social, a exemplo de um perfil no Twitter ou no Facebook, Instagram ou Snapchat, ou até mesmo um blog na web, não faz de ninguém um influenciador digital, já que a premissa básica da atividade em si é uma construção estruturada de comunidade de leitores e consumidores do conteúdo propostos pelo perfil. Através dessa relação entre influenciadores e “influenciados” e entre eles próprios, os laços sociais são feitos, desfeitos e refeitos.
Numa contextualização lógica, a chamada influência digital é feita pela participação em rede, convergência midiática, interação e aproximação entre os chamados influenciadores digitais e o público que vai formando, “um diálogo não direto, mas de nicho, isto é, fala-se para pessoas específicas que vão querer consumir, opinar e replicar o que os influenciadores fazem em ambiência digital” ( CAMARGO; ESTEVANIM; SILVEIRA, 2017, p. 110 ).
Mesmo sem a constituição de exercício da profissão regulamentada por legislação específica, a atividade de influenciador digital, que foi sendo construída paulatinamente e teve a nomenclatura adotada conforme a função se desenvolvia, é considerada aquela realizada por homens ou mulheres de diferentes níveis de escolaridade com atuação no cenário virtual por meio das plataformas digitais. Com o crescimento e sucesso exponencial, muitos usuários da internet, entusiasmados com o status, retorno financeiro e visibilidade, estão se candidatando a esse espaço cada vez mais disputado e desejado.
Após análise dos dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados ( IBPAD ) 2 , com base em 280 nomes de influenciadoras digitais que mostrassem maior aproximação com o segmento de moda e beleza das 5 regiões brasileiras, foi detectado o estado de São Paulo como o maior com relação à quantidade de influenciadoras tidas como as mais relevantes desse segmento no Brasil, com 84 perfis. Em segundo lugar, apareceu o estado do Rio de Janeiro, com 32 perfis entre os mais influentes do país.
Não é necessário um curso de graduação ou pós-graduação, qualquer indivíduo que possua características consideradas aptas pode vir a se tornar um influenciador digital. No entanto, a legitimação e a efetivação da atividade proposta na virtualidade perante os demais demandam mais esforços do que simplesmente a autodenominação. Entre os já estabelecidos e os que almejam se constituírem como tais, há um consenso: a utilização do “eu” como mercadoria. Com o desmoronamento das fronteiras entre a vida pública e a vida privada ( THOMPSON, 2010 ), o cotidiano pessoal é utilizado para aproximar os públicos que os acompanham diuturnamente. O real consumo é da vida pessoal. As pessoas os têm como espelhos e querem, a todo custo, ter uma vida igual ou, no mínimo, semelhante às deles.
Partindo desta perspectiva, as influenciadoras de moda e beleza se utilizam das estratégias comunicacionais que denominamos de “produto-experiência” e “serviço-experiência” com intuito de se legitimarem no cenário virtual e através delas fomentar, em seus seguidores, o consumo dos produtos e serviços que divulgam, mas não necessariamente apenas aqueles com os quais possuem contratos comerciais.
Portanto, neste artigo apresentamos o exercício empírico de pesquisa que nos possibilitou construir as categorias de “produto-experiência” e “serviço-experiência”, a partir da análise das estratégias comunicacionais utilizadas pelas influenciadoras digitais de moda e beleza no aplicativo Instagram para fomentar o consumo de seus seguidores (seção “‘Produto-experiência’ e ‘serviço-experiência’: estratégias comunicacionais utilizadas pelas influenciadoras digitais de moda e beleza para fomento do consumo”). Para realizar esse movimento, partimos primeiramente da problematização da prática profissional no contexto da tensão existente entre a atividade das influenciadoras e as recomendações impostas pelo Conar, que será apresentada na seção a seguir (“Aplicabilidade das recomendações impostas pelo Conar para regulamentação da prática profissional”). O segundo movimento foi partir dos modelos de interação propostos por Thompson ( 2018 ) para caracterizar os processos de interação midiatizada pela conectividade online como espaço com regras, lógicas e estratégicas simbólicas no qual atuam as influenciadoras digitais, o que será apresentado na seção “Interações e formas de participação online a partir da perspectiva de uma sociedade midiatizada”.
APLICABILIDADE DAS RECOMENDAÇÕES IMPOSTAS PELO CONAR PARA REGULAMENTAÇÃO DA PRÁTICA PROFISSIONAL
O princípio do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), uma organização não governamental, é a autorregulamentação do mercado publicitário brasileiro, por meio dos artigos dispostos no Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Sua função principal, enquanto conselho, é atender às denúncias realizadas contra peças publicitárias que estejam em desacordo com o código e, em seguida, encaminhá-las para o Conselho de Ética. O Conar tem a função de fiscalizar, julgar e deliberar sobre todas as peças publicitárias.
Dentre as determinações do Código do Conar ( CONAR, 2021/2022 ), atualmente em vigor, duas são aplicadas para anúncios com influenciadores. O artigo 1º diz que “todo anúncio deve ser respeitador e conforme as leis do país; deve, ainda, ser honesto e verdadeiro” e o artigo 6º versa que “todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor”. As penalidades aplicadas pelo Conar não geram multas de natureza monetária. Comprovadas as violações ao código de conduta, são aplicadas penalidades ao anunciante, que podem variar de advertências a solicitações de retirada do conteúdo do ar.
O principal imbróglio do marketing de influência diz respeito à falta de identificação do caráter publicitário das mensagens, que muitos influenciadores dispensam, muitas vezes por desconhecimento. No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) ( BRASIL, 1990 ), em seu artigo 36 dispõe que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente a identifique como tal”. Ou seja, são anúncios pagos, financiados por empresas legalmente constituídas e não podem, em qualquer hipótese, ter caráter meramente informacional.
Dois artigos do Conar ( 2021/2022 ) endossam o CDC: a) O artigo 23: “os anúncios devem ser realizados de forma a não abusar da confiança do consumidor, não explorar sua falta de experiência ou de conhecimento e não se beneficiar de sua credulidade”; e b) o artigo 28 “o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for sua forma ou meio de veiculação”. No caso específico dos influenciadores digitais, por meio de suas resenhas, opiniões ou quaisquer manifestações conscientes sobre determinados produtos ou serviços, é essencial a identificação publicitária. Primeiramente, para dar lisura e ética ao seu trabalho, e, em segundo lugar, para não alterar a expectativa do consumidor, que pode ser diferente diante de um conteúdo, se ele tem consciência de que há um contrato entre o influenciador digital e a empresa. Em muitos casos, há até um efeito rebote entre os consumidores, uma vez que, estando os influenciadores em posição de se utilizar de seu poder de influência, aqueles sentem uma repulsa e possível descrédito ao não se depararem com transparência.
No intuito de estabelecer uma padronização de campanhas publicitárias desenvolvidas por influenciadores que atuam na plataforma Instagram, foi estipulado pelo Conar o uso da hashthag #publipost3 ou mesmo #publi para identificar que aquela postagem específica é fruto de uma parceria entre o influenciador e uma empresa ou agência de publicidade que objetiva a divulgação de produtos ou serviços. As hashtags aparecem nas legendas do feed de notícias ou no Instastories e, atualmente, no IGTV. Faremos, a seguir, uma breve explicação sobre esses termos e sobre o aplicativo em si.
A partir do Instagram, é possível tirar fotos e/ou fazer vídeos, aplicar efeitos nas imagens e compartilhar com seus seguidores, que, por sua vez, terão a oportunidade de curtir, compartilhar ou comentar as postagens, além de salvá-las para uma busca futura. Há ainda a possibilidade de interação privada por meio de mensagens. Para isso, o aplicativo Instagram conta com três espaços distintos de veiculação de conteúdos:
O feed de notícias, onde é possível compartilhar fotografias ou vídeos em publicações, limitadas a dez fotos e/ou vídeos por postagem, e sem qualquer limite diário, podendo-se postar quantas o usuário desejar.
O Instastories , onde as postagens são limitadas a cem publicações diárias, entre fotos e vídeos com duração de quinze segundos cada, feitos a partir do próprio aplicativo ou enviados do acervo pessoal do smartphone. Têm duração de veiculação de 24 horas, a contar do momento no qual foi realizada a publicação. Podem ser aplicados filtros de imagens, GIFs, músicas e escrever no espaço. Há ainda a possibilidade de repostar o conteúdo dos seus seguidores que o mencionarem. A visualização dos comentários é limitada ao dono do perfil.
Por fim, lançado em 2018, o IGTV era um aplicativo de vídeo diretamente associado ao Instagram e pensado para veiculação de vídeos com duração mais longa que aqueles publicados no feed de notícias ou Instastories . No final de 2021, foi desvinculado do Instagram e passou a ser chamado de Instagram TV. Quando criado, tinha a intenção de competir diretamente com aplicativos como o Youtube, mas não teve a repercussão desejada.
A identificação publicitária deve ser cumprida em toda ação desse gênero, como um princípio relacionado à transparência. Para todo conteúdo publicitário postado pelo influenciador digital, é necessária a utilização da hashthag #publipost ou qualquer outra manifestação informando se tratar de publicidade, para que todos os consumidores consigam de forma rápida e fácil entender o verdadeiro caráter da postagem.
Devido às irregularidades apontadas quanto à veiculação de publicidade velada, muitos casos envolvendo a atuação dos influenciadores digitais foram levados à apreciação do Conar. Com o objetivo de verificar a quantidade de casos envolvendo influenciadores digitais e as infrações por eles cometidas, o Manual Jurídico dos Influenciadores Digitais 4 reuniu dados do site do Conar 5 do ano de 2018 e constatou que dos 302 casos julgados pelo Conselho, 54 são de influenciadores, perfazendo um total de quase 18%. Desse total, a grande maioria das infrações diz respeito à identificação publicitária.
Sob uma perspectiva ética e com base nas infrações cometidas mais recorrentes pelos influenciadores digitais no ano de 2018, é perceptível a grande recorrência do não uso da hashtag #publipost ao se tratar de postagens com viés publicitário. Com vistas a tornar a atividade de influenciador mais comprometida com o público consumidor, respeitando a opinião dos seguidores e de forma alguma tentando manipulá-los com propagandas disfarçadas de resenhas, é importante a adoção de critérios e padrões normativos e éticos que possibilitem maior lisura e credibilidade aos conteúdos publicados.
Estes critérios e padrões podem ser construídos no contexto e cotidiano das interações desenvolvidas no ambiente digital, segundo as regras, lógicas, estratégias e formas de participação online.
INTERAÇÕES E FORMAS DE PARTICIPAÇÃO ONLINE A PARTIR DA PERSPECTIVA DE UMA SOCIEDADE MIDIATIZADA
A interação social é algo indissociável do ser humano que vive em sociedade. Com ou sem recursos secundários, há a necessidade de interagir com as pessoas como forma de troca de informações, afetividades, experiências, servindo para o crescimento pessoal e intelectual dos pares interagentes. As sociedades tidas como modernas desenvolveram novas modalidades de interação por meio de diversos tipos de recursos. Thompson ( 2018 ) faz um resgate dos conceitos sobre interação num momento histórico anterior ao advento da Internet, sendo eles “interação face a face”, “interação mediada” e “quase-interação mediada”.
Conforme o autor, a interação face a face possui três características específicas: a) ocorre num contexto de copresença, ou seja, num cenário espaço-temporal comum; b) envolve um fluxo bidirecional de informação e comunicação, sendo constituído como de caráter dialógico; e c) mobiliza vários sinais simbólicos, como gestos e expressões da face, da mesma forma que palavras, cheiros e toques, além dos sons e sinalizações visuais.
A interação mediada, de acordo com as especificidades apontadas por Thompson ( 2018 ), resgata o exemplo da conversa por meio de telefones, cartas e e-mails; ou seja, há a necessidade de um meio para que ocorra, e se dá entre indivíduos que se encontram distantes geograficamente. Assim, as características da interação face a face envolvem aspectos distintos da interação mediada, e, do ponto de vista da função fática da linguagem, requerem o uso de outras estratégicas comunicativas.
Já a quase-interação mediada é a forma de interação criada pelo tipo de mídia dos livros, jornais, rádio, TV, dentre outros, diferindo da interação mediada em dois aspectos: a) devido ao fluxo de informações ser de caráter unidirecional; e b) é orientada para um espectro indefinido e incalculável de potenciais destinatários. Outra característica apontada pelo autor sobre a quase-interação mediada é de que quando se lê um jornal ou assiste um programa de TV, por exemplo, não se está apenas consumindo as informações e sim há uma interação social com outras pessoas distantes no espaço e no tempo.
A interação mediada online é, de acordo com Thompson ( 2018 ), um quarto tipo de interação, constituída após o surgimento da Internet. Esse tipo de interação nasce a partir da centralidade dos atores nas redes sociais online. Abaixo, o Quadro 1 apresenta um resumo sobre as particularidades dos quatro tipos de interação, apresentando a constituição espaço-temporal, gama de pistas simbólicas, grau de interatividade e orientação da ação como aspectos que as distinguem umas das outras.

A interação mediada online incide nos espaços das redes sociais digitais. No Instagram, em especial, os influenciadores digitais constroem suas interações a partir da interpretação de um conjunto de regras e estratégias simbólicas, proporcionadas pela gramática de produção do dispositivo, que potencializam sua influência pela forma como interagem com seus seguidores.
É a partir desta dinâmica que eles se institucionalizam e passam de fato a influenciar nos processos e decisões de compras. Não há regras a serem seguidas, as conexões vão sendo construídas, dia a dia, com uma multiplicidade de pessoas com interesses comuns, através das trocas de experiências.
Esse conjunto de regras e estratégias simbólicas geradas via gramática de produção do dispositivo são apropriadas pelas influenciadoras digitais na forma do que denominados “produto-experiência” e “serviço-experiência”, delineando um novo formato de publicidade, que será desenvolvido na seção a seguir.
“PRODUTO-EXPERIÊNCIA” E “SERVIÇO-EXPERIÊNCIA”: ESTRATÉGIAS COMUNICACIONAIS UTILIZADAS PELAS INFLUENCIADORAS DIGITAIS DE MODA E BELEZA PARA FOMENTO DO CONSUMO
Diferentemente de nossos antepassados, as mulheres – que já usaram vestimentas como forma de proteção e, em outro momento, sem qualquer gênero – atualmente usam roupas demonstrando estilos diferenciados para expressar poder, segurança e autoconfiança. Barreiras foram quebradas, tabus, aos poucos, superados, em especial ao que diz respeito ao universo feminino, outrora retraído e sem espaço na sociedade.
Muitas mudanças ocorreram na moda e na beleza, que ultrapassam os “padrões” de corpos femininos. Há um arsenal de produtos e serviços voltados para esse público, deveras exigente. A cada dia surgem novas tendências em tratamentos estéticos, cirurgias plásticas e produtos de beleza, agregando valor ao mercado do público feminino. Os homens estão acompanhando, mas ainda bem distantes dos desejos femininos em prol de seguir os ditames voláteis da tida “beleza feminina”.
Por muitos anos, a publicidade clássica, desde os seus primeiros delineamentos, foi uma das únicas responsáveis em apresentar os produtos e serviços para os consumidores em geral. “A divulgação do produto, informando seus benefícios e atributos, com o objetivo de tornar a marca conhecida e levar o consumidor à compra” ( LUPETTI, 2007, p. 101 ). Propagandas em televisão, rádio, jornais, revistas especializadas, panfletos e outdoors apresentam, por meio de mensagens persuasivas, as principais características dos produtos e serviços, ficando restritas às informações mais pontuais e consideradas relevantes.
As fotografias dos produtos ou serviços geralmente ocorrem com a presença de modelos femininos. No caso específico do rádio, são criados jingles que, dependendo da melodia ou composição musical, têm um grande impacto e fixa o anunciado por meio da letra da música. Já os spots são mensagens com linguagem retórica e persuasiva. Muitas vezes, há propagandas em que os jingles e spots são associados.
Outro recurso tão utilizado quanto esses, e de forma mais abrangente, é o slogan, geralmente curto e conciso, cuja frase causa grande efeito e impacto. Na televisão, os VTs geralmente têm durações de 15, 30, 45 e 60 segundos. Cada propaganda possui preços diferenciados e, dependendo do canal veiculado nas emissoras de TV, os preços são bastante altos para o cliente que tem interesse em divulgar seu material publicitário.
Na Internet, a inserção da publicidade online teve, inicialmente, uma característica invasiva – por meio de banners que apareciam ao abrir os websites , a propaganda revelava-se de maneira repentina e, de certa forma, incomodava o internauta, uma vez que, ao se conectar à rede, ele estava em busca de informações de seu interesse pessoal. Logo, os banners eram fechados.
O formato dos banners utilizados, em sua grande maioria, era o mesmo adotado em outros veículos do sistema publicitário, sem linguagem adequada à web. As propagandas, muitas vezes, são limitadas a poucas informações, em face da escassez de espaço e tempo nos veículos de comunicação de massa, ficando, geralmente, restritas à interpelação da publicidade e com foco total nas vendas dos produtos e/ou serviços para a vida das pessoas.
Com a chegada das influenciadoras digitais, um novo formato de publicidade aos poucos vem sendo delineado, o que passamos a denominar de “produto-experiência” e “serviço-experiência”. Esses termos serão conceituados a seguir, diante da perspectiva de uma nova lógica midiática, na qual ocorre a institucionalização das agentes como “marca-mídia”, isto é, a capacidade das marcas de se plasmarem aos formatos industriais midiáticos e de se mesclarem com os gêneros discursivos das culturas, numa ação midiatizadora na qual passam a representar as lógicas daquilo que antes eram vistos como conjunto de meios pelos quais as marcas eram veiculadas ( TRINDADE, 2020, p. 2 ).
A tecnologia digital possibilita uma maior participação dos usuários, que passam a ter a oportunidade de produzir conteúdo e ocupar espaços, os quais, no sistema midiático massivo, eram característicos exclusivamente do polo emissor. A emergência de novos espaços de interação, especialmente nos suportes digitais, amplia as possibilidades de resposta e interpretação dos interagentes.
Bem além disso, as tecnologias digitais ampliam as possibilidades de proposição, pois não se trata apenas de um sujeito receptor, mas de um sujeito que possui condições de construir seus próprios espaços de atuação e, dessa forma, colocar em debate questões de seu interesse ( BARICHELLO, 2014 ). Os polos – emissor e receptor –, outrora estanques, mudam de lados o tempo todo. A comunicação em rede veio a substituir a dinâmica de emissores e receptores no que diz respeito ao processo comunicacional.
Por meio do feed de notícias e Instastories , e mais recentemente o IGTV, as influenciadoras digitais do público feminino produzem conteúdos para demonstrar a funcionalidade dos produtos, suas características, como utilizá-los de formas diferentes das habituais, com o que combinam, em que ocasiões devem ser utilizados e, muitas vezes, quais os pontos negativos apresentados, partindo da premissa de que não necessariamente sejam divulgados apenas produtos e serviços com os quais possuem contratos publicitários.
Ao associar os termos “produto” e “experiência”, entendemos que, nas redes sociais digitais, as influenciadoras digitais têm uma relevância maior sobre a publicidade clássica, pois associam seu estilo de vida ao produto divulgado. Nesse caso, a importância do produto está na sua experiência enquanto usuária, e não apenas no produto em si. Outrora, como exemplo, ao comprarmos uma camiseta básica, o seu uso era associado apenas a um ou dois tipos de funcionalidade. Hoje, o cenário é outro. É possível – por meio dos testemunhos das influenciadoras, assim como de seus seguidores – entender como a mesma camiseta básica poderá ser utilizada de diversas formas, quais modelos de roupas podem ser adequados a determinadas ocasiões e quais acessórios usar para combinar. Seguindo a mesma linha de raciocínio, por meio do “serviço-experiência”, uma gama de opções é aberta.
Ao utilizar um determinado serviço, a influenciadora consegue demonstrar os pontos positivos e negativos através de sua própria experiência, e, tendo em mente como os seguidores são engajados, fica mais evidente a importância da sua experiência, já que, por muitas vezes, quando não há uma repercussão positiva entre os seguidores, estes cobram a veracidade dos fatos.
Como exemplo, podemos demonstrar a utilização de um serviço de procedimento estético bastante utilizado por mulheres para diminuir a retenção de líquido corporal, a chamada drenagem linfática. Antes e depois da realização do procedimento, as influenciadoras dão dicas de como tornar mais efetivo o efeito de eliminação da gordura localizada. Nesse momento, sua experiência, associada ao serviço, o legitimará. São essas as estratégias comunicacionais utilizadas pelas influenciadoras digitais.
Os primeiros delineamentos de suas atuações nas redes sociais digitais eram muito semelhantes às publicidades clássicas: mais pareciam garotas-propaganda que influenciadoras – inclusive, até hoje há pessoas que desmerecem seu desempenho por acreditarem que são apenas os produtos ou serviços com os quais elas têm contratos que são divulgados em seus perfis.
Com intuito de não cair na monotonia e saturar o conteúdo produzido apenas com publicidades pagas, as influenciadoras possuem uma linha editorial, com dicas de produtos e serviços que indicam conforme seu estilo de vida. Faremos, abaixo, nas Figuras 1 e 2 , um paralelo entre a publicidade clássica e a publicidade feita pelas influenciadoras no aplicativo Instagram, enfocando o uso do produto-experiência.


Na Figura 1 , apresentamos uma publicidade de tintura de cabelo onde a atriz Grazi Massafera é a garota-propaganda. No VT de 30 segundos, mostra-se apenas seus cabelos bonitos e sedosos, supostamente sendo tingidos pela tintura divulgada. O tempo curto do VT, que no máximo possui 1 minuto, reduz a quantidade de informações do anúncio. Não há tempo para exibição do processo, apenas o suposto resultado é relevante.
Na sequência de fotos ( Figura 2 ), em outra propaganda do mesmo produto, feita pela influenciadora digital @ricademarre, temos a exposição do produto por meio da apresentação de cada uma das etapas da tintura mostrada em detalhes, inclusive as suas funcionalidades e possíveis reações ao couro cabeludo. Em seguida, a influenciadora faz a aplicação em seu próprio cabelo. Por fim, mostra como seus cabelos ficaram após o tingimento.
No início do vídeo, ela diz que escolheu a cor que mais combinava com seu tom de pele, demonstrando conhecer o produto divulgado, tornando-o “produto-experiência”. Obviamente, não é de interesse deste artigo suplantar a publicidade clássica em virtude da atuação das influenciadoras digitais; ambas devem ter campanhas publicitárias bem planejadas e delineadas para atender aos anseios do público.

No que diz respeito ao “serviço-experiência”, temos o exemplo da influenciadora digital Diene Toscano, do perfil @achadinhosdanega, que apresentou todas as etapas de um procedimento cirúrgico ao qual foi submetida – conforme sequência da Figura 3 –, denominado de hidrolipoaspiração, em que é feita a retirada de gordura da região abdominal. O pré-cirúrgico foi mostrado – ao apresentar qual a alimentação adequada –, bem como os profissionais médicos envolvidos, momentos que antecederam a cirurgia, bloco cirúrgico e todo material a ser utilizado. Após 14 dias, a influenciadora apresentou o resultado parcial, mostrou as cintas mais adequadas ao uso no pós-cirúrgico e onde as comprou. Por fim, fez uma entrevista com o médico responsável pelo procedimento cirúrgico com as perguntas enviadas por seus seguidores.
A associação entre o produto e a experiência ou o serviço e a experiência, através das estratégias comunicacionais operadas pelas influenciadoras nos formatos midiáticos digitais contemporâneos, conectam os produtos e serviços ao cotidiano das seguidoras, que se veem plasmadas nas narrativas construídas como um estilo de vida, no qual a linha entre o real ou idealizado se torna tênue, num intuito de agregar valor e imagem aos produtos, para além das estratégias tradicionais de publicidade utilizadas pelas marcas.
CONCLUSÃO
Associados ao seu estilo de vida representado no Instagram, seja idealizado ou real, as influenciadoras digitais se utilizam dos dois conceitos para agregar valor aos produtos e serviços a serem divulgados através de suas experiências, por meio de informações, detalhes, usos e associações a outros produtos ou serviços. Desse modo, elas trazem para a vida cotidiana das pessoas as diversas possibilidades presentes naquele produto ou serviço anunciado.
Validando a distinção entre influenciador digital e garoto-propaganda, a utilização do “produto-experiência” e “serviço-experiência” é discutida, debatida, justificada e associada entre os pares: influenciadores/influenciadores, seguidores/influenciadores e seguidores/seguidores, que por meio dos comentários nos perfis das influenciadoras digitais têm maior repercussão e dão maior visibilidade, seja positiva ou negativa, ao produto ou serviço em pauta. São essas as estratégias comunicacionais adotadas que as institucionalizam, por meio da interação mediada online ( THOMPSON, 2018 ) feita com seus seguidores.
Ao se institucionalizar como marca-mídia, o influenciador digital tem a prerrogativa e a legitimidade de se colocar como integrante do cotidiano da vida das pessoas através da profusão das marcas e do discurso apresentado em suas postagens no aplicativo Instagram, principalmente. Como o consumo da vida pessoal é um dos pilares da atuação, os influenciadores se articulam no âmbito das mediações e midiatizações dos fenômenos da comunicação e consumo, sendo este último o consumo midiatizado.
Em paralelo, como ainda não há regulamentação específica, nem mesmo legislação que atue sobre a atividade de influenciador digital, o único órgão regulatório até o presente momento é o Conar, com a orientação da utilização das hashtags #publipost para diferenciar as postagens publicitárias e espontâneas das influenciadoras. No entanto, ainda é recorrente a não utilização, o que acarreta falta de confiança e descrédito à atividade. É necessária uma maior atuação por parte de outros órgãos regulatórios, com aplicabilidade de multas e penalidades mais severas.
As redes sociais digitais, em especial o Instagram, abarcam um tipo de interação no qual as pessoas se comunicam, trocam informações e se ajudam mutuamente. O papel do influenciador se torna preponderante naquilo que divulga, sendo associado a seu estilo de vida. Passa, portanto, a ter um viés de cobrança dos seguidores, uma vez que o consumo da vida pessoal das influenciadoras centraliza todas as demandas de suas publicações.
O “eu” como mercadoria, conforme preconiza Sibilia ( 2008 ), se deu em virtude da expansão midiática das redes sociais digitais, que promovem a ascensão da vida pessoal como entretenimento e consumo. Compreendemos que, devido à constante exibição da vida pessoal, até mesmo outros perfis no aplicativo Instagram, sem ter o viés de influenciador, têm representado no seu cotidiano o padrão desenvolvido por eles. Seja por meio de vídeos, as formas de fotografar e até mesmo as legendas nas fotos ou vídeos são facilmente copiadas. A influência não se atrela apenas à orientação nos momentos de compra, ela se expande para o comportamento em rede social.
REFERÊNCIAS
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BARICHELLO, Eugenia Maria Mariano da Rocha. Midiatização e cultura nas organizações da contemporaneidade: o processo de midiatização como matriz de práticas sociais. In : MARCHIORI, Marlene (org.). Contexto organizacional midiatizado . São Paulo: Difusão; Rio de Janeiro: Senac, 2014. p. 37-43.
BARONE, Thiago. Um breve estudo sobre influenciadoras de moda e beleza. Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD) , Brasília, DF, 7 mar. 2019. Disponível em: https://bit.ly/3MdPi4Z. Acesso em: 13 ago. 2020.
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Notas
Autor notes
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