artigo
Recepção: 12 Setembro 2023
Aprovação: 20 Dezembro 2023
DOI: https://doi.org/10.11606/issn.1984-5057.v15i2e215902
RESUMO: Em meio a uma sociedade midiatizada, na qual novos conteúdos e produtos surgem a todo o momento, especialmente no ambiente digital, é essencial que os indivíduos se mantenham ativos e informados sobre novidades para estabelecerem vínculos sociais, participarem de discussões e expressarem suas visões de mundo e opiniões, construindo suas identidades nesse processo. Diante dessa dinâmica, o sentimento de FOMO ( fear of missing out /medo de ficar de fora) se estabelece como um problema enfrentado mundialmente por aqueles que buscam se manter constantemente a par das novidades e lançamentos para não se sentirem excluídos. Por meio de uma análise conjunta a autores como Hall, Kaminski, Rocha, Bauman, entre outros, e utilizando exemplos de algumas campanhas publicitárias, este artigo analisará como a comunicação adotada por marcas e empresas se apropria e alimenta o sentimento de FOMO.
PALAVRAS-CHAVE: Consumo, FOMO, Publicidade, Comunicação, Identidade.
ABSTRACT: Amid a mediatized society, in which content and new products appear all the time, especially in the digital environment, it is essential for individuals to remain active and informed about news to establish social bonds, participate in discussions and express their worldviews and opinions, building their identities in this process. Faced with this dynamic, the feeling of FOMO (fear of missing out) is established as a problem faced globally by those who seek to constantly keep abreast of news and releases so as not to feel excluded. By a joint analysis with authors such as Hall, Kaminski, Rocha, Bauman, among others, and using examples from some advertising campaigns, this article will analyze how the communication adopted by brands and companies appropriates and feeds the feeling of FOMO.
KEYWORDS: Consumption, FOMO, Advertising, Communication, Identity.
RESUMEN: En una sociedad mediatizada en la que todo el tiempo aparecen contenidos y nuevos productos, especialmente en el entorno digital, es fundamental que las personas se mantengan activas e informadas sobre las novedades para establecer vínculos sociales, participar en debates y exponer sus visiones del mundo y de las opiniones, construyendo sus identidades en este proceso. Ante esta dinámica, el sentimiento de FOMO ( fear of missing out /miedo a perderse algo) se ha convertido como un problema global que enfrentan los individuos, en busca de estar constantemente al tanto de las novedades y comunicados para no sentirse excluidos. A partir de un análisis conjunto de autores como Hall, Kaminski, Rocha, Bauman, entre otros, y utilizando ejemplos de algunas campañas publicitarias, este artículo plantea analizar cómo la comunicación adoptada por marcas y empresas se apropia y alimenta el sentimiento de FOMO.
PALABRAS CLAVE: Consumo, FOMO, Publicidad, Comunicación, Identidad.
INTRODUÇÃO
Ao analisar a sociedade contemporânea, mais do que mediada pelos meios digitais – midiatizada –, percebe-se a inauguração de uma nova fase comunicacional, em especial na relação entre indivíduos, empresas e marcas. Por meio de redes sociais digitais, como Facebook, Twitter (atualmente X) e Instagram, acessadas por tecnologias móveis como tablets e smartphones, o processo de comunicação se tornou mais rápido, caracterizado por um fluxo informacional constante, que permitiu aos cidadãos atualizações imediatas sobre os mais diversos assuntos.
Ao mesmo tempo, com o constante avanço e atualização das tecnologias e espaços comunicacionais digitais, determinar um limite entre os mundos online e offline torna-se cada vez mais difícil. Estabelecendo uma relação com o que Jenkins ( 2009 ) denomina cultura da convergência, entendemos essa dificuldade como momentânea e transitória, um rito de passagem para a integração das tecnologias digitais ao cotidiano ( Pêgo et al. , 2021 ). No decorrer do tempo, com a crescente adoção de dispositivos digitais por empresas e usuários, cujas atividades diárias agora passam a se concentrar no ambiente digital, ter uma vida mediada pela tecnologia se torna algo essencial para se manter não apenas atualizado, mas, principalmente, socialmente ativo.
Em meio a esse cotidiano tecnológico, inaugura-se um espaço para o surgimento de novos modelos de empresas e negócios baseados no universo digital, como empresas de tecnologia em nuvem, serviços de streaming, inteligência artificial, entre outros, que se integram a uma enorme gama de opções de tecnologia/espaço disponíveis aos usuários para a realização de suas atividades diárias. Por meio da disponibilização de conteúdos, informações e soluções diferentes a qualquer momento, típicas do ambiente digital e da cibercultura ( Lemos, 2008 ), entendemos haver uma competição pela atenção e preferência dos indivíduos em seus momentos de trabalho, lazer e compras.
Esse novo cenário competitivo serve para potencializar a produção de novos conteúdos por usuários e empresas, a serem compartilhados em seus perfis digitais, sites e serviços, de forma a capturar a atenção dos demais indivíduos, que consomem e compartilham suas mensagens. A fim de firmarem sua presença e estabelecerem uma vantagem competitiva, observamos uma produção excessiva de novas mensagens, vídeos, fotos, séries, filmes e outras formas de conteúdo, cabendo ao usuário selecionar aquilo que deseja consumir e compartilhar com outros que frequentam aquele mesmo espaço.
Embora essa quantidade de conteúdos e mensagens disponíveis e ao alcance imediato dos usuários possa representar algo positivo em termos de facilidade de acesso à informação, ela também inaugura um cenário no qual a busca por se manter atualizado e o consumo de mensagens envolvido nela se tornam uma atividade social ( Silverstone, 2005 ) que contribui para o fluxo comunicacional dentro do ambiente digital. Conforme abordado por Di Felice ( 2011 ), o ato de se manter informado, que nesse caso é alcançado por meio do consumo, produção e compartilhamento de conteúdos, se transforma em uma atividade de interação e participação dos usuários, que usam os conhecimentos adquiridos para participarem em discussões, interagirem com outros usuários e, principalmente, marcarem presença perante determinado assunto ou acontecimento.
Nessa dinâmica, concentrada na participação e interação dos usuários por meio do consumo de conteúdos, entende-se existir um desejo de pertencimento e socialização. Como um reflexo da condição do sujeito pós-moderno, para marcar sua presença dentro do ambiente digital, os usuários entram em uma dinâmica de produção e compartilhamento constante de conteúdos e informações, expondo aos demais seus gostos, visões de mundo e valores. Ao fazer isso, os indivíduos também estão construindo suas próprias identidades dentro daquele contexto, agregando todos os significados daquilo que compartilham e consomem, em um processo de reconstrução frequente, conforme abordado por Hall ( 2006 ). Nesse processo, ao participarem e interagirem com conteúdos e indivíduos online, os usuários atribuem um movimento de mutação às suas identidades, agregando novos valores a cada interação, moldando-se de acordo com o assunto, o grupo e o ambiente no qual se encontram, passando a fazer parte daquele contexto.
Com o compartilhamento de conteúdos marcados por valores e opiniões dos usuários que os produziram, inaugura-se um cenário de agrupamento entre sujeitos, no qual aqueles que partilham das mesmas opiniões e gostos criam vínculos e socializam entre si. É por meio desse acontecimento e da participação ativa que os usuários podem crescer e adquirir maior visibilidade dentro do ambiente em que estão ( Coelho, 2016 ), o que dá a eles a sensação de pertencimento que buscam. Com base nisso, para satisfazer esse desejo de pertencimento e aquisição de status, os usuários procuram expressar padrões ideais de representação ( Ibidem ), de forma a transmitirem aos demais que “estão por dentro” de um determinado assunto, que possuem gostos similares, ou que apreciam as mesmas coisas. Da mesma forma que Douglas e Isherwood ( 2004 ) abordam o uso do consumo material como uma forma de os indivíduos expressarem suas identidades aos demais, entendemos o consumo e a produção de conteúdos digitais como parte da mesma dinâmica, uma vez que é a partir do que os usuários compartilham em seus perfis digitais que eles marcam sua presença nesse ambiente e constroem suas identidades perante os demais.
Dentro do tempo e do espaço disponíveis, o indivíduo usa o consumo para dizer alguma coisa sobre si mesmo, sua família, sua localidade, seja na cidade ou no campo, nas férias ou em casa. A espécie de afirmações que ele faz depende da espécie de universo que ele habita, afirmativo ou desafiador, talvez competitivo, mas não necessariamente. Ele pode conseguir, através das atividades de consumo, a concordância de outros consumidores para redefinir certos eventos tradicionalmente considerados menos importantes como mais importantes, e vice-versa ( Ibidem , p. 116).
É do ponto de vista da dinâmica abordada por Douglas e Isherwood ( 2004 ) que podemos compreender as atividades dos usuários no ambiente digital, uma vez que é por meio desse consumo de conteúdos e informações, e a consequente reprodução das mensagens consumidas dentro do ambiente digital, que demonstram aos demais seus gostos e valores, de forma a participarem de forma mais ativa de uma discussão maior e alcançarem a socialização. Com base na ideia de performance do sujeito pós-moderno abordada por Connor ( 1992 ), entendemos que o ato do consumo e da preocupação em se manterem atualizados se torna essencial aos indivíduos, uma vez que é a partir dele que eles podem marcar sua presença no ambiente, mantendo-se relevantes 1 , participantes de um grupo social, de forma que isso se torne mais um elemento de suas identidades.
No entanto, essa busca incessante por estar a par de tudo que é compartilhado e discutido pode também instaurar uma sensação de angústia nos usuários, que se sentem na obrigação de se manterem atualizados, com medo de se sentirem excluídos dos grupos e discussões, o que caracteriza um conceito denominado FOMO ( fear of missing out , ou o medo de ficar de fora), foco da reflexão desenvolvida neste artigo. Problematizamos a maneira como o FOMO eventualmente influencia os hábitos de consumo de conteúdo dos usuários, majoritariamente no ambiente digital, mas podendo também ter efeitos no ambiente offline, e a forma como marcas e empresas se apropriam dessa condição em suas estratégias comunicacionais. Primeiramente, levantamos uma discussão acerca de como esse medo e sensação de angústia pode afetar as ações dos indivíduos relacionadas ao consumo e à construção de identidades no ambiente digital, para então, em um momento posterior, discutirmos por meio de exemplos de algumas campanhas publicitárias como empresas e marcas podem se apropriar e alimentar esse sentimento para estimular o consumo.
O MEDO DE FICAR DE FORA E A BUSCA POR SOCIALIZAÇÃO
O conceito de FOMO não é novo, podendo ser considerado algo natural do ser humano ( Scott, 2016 ), como um sentimento de angústia que o move em direção à mudança. No entanto, o termo ganhou forças e apareceu pela primeira vez em 1996, cunhado pelo estrategista de marketing Dan Herman, que o relacionou a uma característica do consumidor moderno que, para se manter atualizado e acompanhar as tendências, deseja sempre experimentar e entrar em contato com novas marcas e produtos ( Herman, 2000 ). Como um desenvolvimento da ideia de Herman, em uma matéria do jornal The New York Times ( Wortham, 2011 ), o termo foi relacionado ao comportamento de usuários que não conseguem permanecer desconectados das plataformas midiáticas por medo de perderem alguma novidade.
Em conjunto com o que Herman ( 2000 ) defende em seu artigo, entendemos também que essa busca pelo atual e pelo novo por meio do consumo de bens e serviços, no caso do ambiente offline, e informações e conteúdos, no ambiente digital, é também uma forma de preenchimento do vazio existencial que marca o sujeito pós-moderno ( Lipovetsy, 2005 ). Ao entrar em contato com novos produtos e acompanhar as últimas notícias e informações, o sujeito busca dar um sentido à sua vida naquele momento, o que, conforme citado anteriormente, tenta alcançar por meio do consumo e de movimentos de socialização, ao mesmo tempo construindo uma identidade que é comunicada aos demais como a de uma pessoa bem-informada, por dentro dos assuntos e seguidora de tendências. No entanto, vale lembrar que, dado o rápido desenvolvimento tecnológico, constantemente atualizado, promovendo o surgimento e a proliferação de novos conteúdos, essa sensação de insatisfação e necessidade de preenchimento do vazio, caracterizada por Lipovetsky ( 2005 ), é logo retomada, criando um ciclo que exige que os indivíduos estejam sempre presentes e em movimento nos espaços digitais.
Ainda sobre conceito de FOMO, é possível dividi-lo em dois componentes principais: “a) apreensão de que outros estão tendo experiências recompensadoras das quais a pessoa está ausente, e b) o desejo persistente de estar conectado com as pessoas em uma rede social” ( Elhai et al. , 2021, p. 203 , tradução nossa) 2 . Por meio dessa divisão, enxerga-se uma possível explicação sobre as mudanças comportamentais dos usuários de sites e aplicativos de redes sociais digitais, que passam horas atualizando seus feeds de notícias em busca de novas informações sobre suas conexões ou páginas e empresas que seguem ( Ibidem ). Como abordam os autores, esse uso e atualização em excesso estão diretamente relacionados à sensação de vazio existencial do sujeito pós-moderno, sensação de estar perdendo algo em comparação aos demais, que é amplificada pela rápida produção e compartilhamento de conteúdo em redes sociais, que alimentam a ideia de que algo sempre está acontecendo, possibilitando novas experiências àqueles que estão a par das novidades ( Pêgo et al. , 2021 ).
Tendo como base as abordagens citadas, entendemos que essa busca por informações, derivada da necessidade de os usuários de se manter a par dos acontecimentos e tendências, reflete um desejo dos indivíduos de se mostrarem bem-informados diante daqueles que ocupam o mesmo espaço. Ao alcançarem isso, é possível aos sujeitos a produção e o compartilhamento de novos conteúdos para contribuir para as discussões e assuntos vigentes no momento, demonstrando apoio e concordância com os temas tratados. Pode-se dizer que isso ocorre também fora do ambiente digital, quando o indivíduo, após ter o entendimento de determinado assunto, adentra nas rodas de conversa e troca experiências com os demais, como ocorre após o lançamento de algum filme blockbuster, série da Netflix, transmissão do Big Brother Brasil (BBB), capítulo da novela, ou até mesmo alguma notícia de impacto nacional ou internacional, para citar alguns exemplos.
Para refletir sobre essa busca incessante por se manter a par das novidades e sentir-se pertencente, introduzimos o conceito de sociedade do desempenho e de sociedade ativa ( Han, 2015 ), a partir do entendimento de que essas ações dos indivíduos servem como uma maneira de se manterem ativos, e, consequentemente, se posicionarem e se destacarem diante dos demais. Pensando no ambiente digital, como pode o usuário que não mantém uma atividade constante nas redes aumentar o desempenho de seu perfil, no formato de curtidas, novos seguidores e altas taxas de engajamento? Nesse sentido, o FOMO se torna um reflexo da sociedade, um sentimento que perpassa as diversas esferas culturais e comportamentais, sendo fortalecido pelas tecnologias e meios digitais, mas que provoca também um cansaço ( Ibidem ), um esgotamento nos sujeitos, que sentem a necessidade constante de estar sempre em movimento, aprendendo e se atualizando, como uma maneira de sobreviver e se destacar em um determinado ambiente ou contexto.
Isso remete ao entendimento do consumo como um ato de produção e reprodução cultural e social, conforme Slater ( 2007 ), segundo o qual, para se sentir e fazer parte de uma cultura ou modo de vida, é necessário que os indivíduos conheçam os códigos sociais vigentes em um determinado momento. No caso da sociedade contemporânea, marcada pela presença e influência das tecnologias digitais nas atividades cotidianas, estar presente de forma ativa em um site de rede social digital, isto é, produzir e compartilhar conteúdos com certa frequência, ao mesmo tempo que interage com outros usuários, é um padrão a ser seguido para sentir-se pertencente a um grupo específico, ou mesmo à sociedade. Nesse sentido, é através do consumo regular e frequente de conteúdos, incluindo nisso a postagem e o compartilhamento de mensagens, que os usuários mostram estarem integrados ao ambiente social em que se situam, consumindo os valores que são aceitos e partilhados naquele cenário.
Essa busca incessante pelo novo e atual é potencializada pela reprodução de conteúdos e a superprodução de signos que marcam a sociedade pós-moderna, instaurando um sentimento de estetização da realidade ( Featherstone, 1995 ), a partir do qual os indivíduos se fascinam pela enorme quantidade de conteúdos, bens de consumo, tecnologias etc., motivando uma mudança constante de seus estilos de vida e identidades. Isso se torna ainda mais claro ao relacionarmos a fluidez que marca a pós-modernidade com o conceito de identidade em constante processo de construção de que trata Hall ( 2006 ), havendo então uma tentativa por parte dos sujeitos de estar sempre se adaptando às mudanças, se modificando, demonstrando estar “por dentro de tudo”, como especialistas, conhecedores e formadores de opinião.
Tendo como base essa performance do sujeito pós-moderno no ambiente digital, compreendemos o medo de ficar de fora como um cenário de medo da marginalização e ostracismo dos indivíduos, que constroem suas identidades de forma a garantirem sua participação e não serem excluídos de seus próprios círculos sociais. Ao não acompanhar os assuntos e temas em pauta em um determinado momento, o usuário fica “para trás” e necessita se esforçar para acompanhar os demais antes que uma novidade surja, caso contrário se afastará ainda mais dos outros e poderá se sentir excluído. Logo, segundo Domingues ( 2013 ), na medida em que consomem e reproduzem os conteúdos compartilhados e discutidos pelos demais, os usuários buscam integrar os valores e simbologias que os compõem às suas próprias identidades, de forma a se adequarem aos demais e evitarem o sentimento de exclusão.
Para garantirem sua participação social e se sentirem “por dentro” dos acontecimentos, é necessário aos usuários interagirem com fotos, vídeos e outros formatos, para então construírem seus próprios conteúdos e auxiliarem na proliferação daquela mensagem, em uma lógica que logo leva à popularidade de um determinado assunto, na qual “algo se torna popular porque é popular, e quanto mais visto/ouvido/espalhado, mais será conhecido e, portanto, visto/ouvido/espalhado por outras pessoas” ( Martino, 2014, p. 128 ). Dessa forma, entendemos o objetivo dos produtores de conteúdo como uma busca pelo impacto, uma vez que:
[…] quem faz e coloca uma foto ou vídeo em um blog ou rede social espera ser visto. Mais ainda, espera ser apreciado, divulgado, bem-visto. De alguma maneira, espera ser “consumido” de acordo com uma lógica de produção que mobiliza milhões de pessoas ao mesmo tempo no planeta inteiro. Por conta disso, são pensados em termos estratégicos – que tipo de post atrai mais comentários positivos, que tipo de foto de família provoca mais reações, e assim por diante, em um sistema no qual a vida em si é uma mercadoria vistosa e rentável ( Ibidem , p. 129).
A partir da fala de Martino ( 2014 ), essa busca pela visualização e engajamento (visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários nas postagens) é considerada como um reflexo do sentimento de FOMO. Ao postar um conteúdo em redes sociais, o usuário se expõe aos demais indivíduos nesse ambiente, visando à socialização e ao reconhecimento, de forma que, ao fazer isso, ele demonstra “estar por dentro” dos assuntos em pauta e compartilhar das mesmas opiniões e valores que os demais, integrando-se a grupos e se sentindo parte das rodas de conversa, daquilo que é considerado relevante no momento. Com base nisso, a produção de conteúdos a serem compartilhados no ambiente digital se torna parte de uma lógica produtiva que demanda que os usuários estejam sempre ativos, cientes dos assuntos mais recentes e das tendências atuais e participando das discussões. Nesse contexto, relacionamos essa lógica à mesma adotada por empresas e marcas em suas campanhas publicitárias, que se apropriam desse desejo de pertencimento dos usuários para estimular a compra de seus produtos e serviços.
É NOVO, É ESSENCIAL, E VOCÊ NÃO PODE FICAR DE FORA
Ao consumir um produto, serviço ou conteúdo, entendemos haver por parte dos usuários uma apropriação dos significados existentes naquele material, reflexos do universo simbólico no qual os indivíduos estão imersos, a serem incorporados em suas próprias identidades e estilos de vida. Por meio do consumo e suas relações com o que é consumido, indivíduos expõem seus valores, opiniões e posições sociais, produzindo sentidos sobre si para os demais ( Carrascoza, 2015 ). Com isso, empresas e instituições dos mais diversos segmentos, ao realizarem suas campanhas publicitárias, buscam expor essas visões, valores e significados em suas comunicações, atrelando-os àquilo que está sendo ofertado.
Por meio de uma comunicação persuasiva, a publicidade se utiliza de elementos ligados ao cotidiano e à mídia para divulgar novos produtos e serviços ao público. Ao fazer isso, incorporam os sentidos do que está sendo apropriado para dar novos significados àquilo que está sendo vendido, transformando-o em algo único e criando um universo de associações e visões de mundo adequadas para aqueles a quem se destina a mensagem.
Por meio dessa lógica comunicacional, produtos e serviços deixam de estar atrelados unicamente a seu valor de uso e adquirem novas dimensões de significado, baseadas no universo habitado pelo consumidor e nos significados partilhados dentro dele ( Douglas; Isherwood, 2004 ). Nesse cenário, percebe-se que a linguagem publicitária se adapta aos diferentes ambientes e desejos dos cidadãos, de forma a tornar um produto ou serviço a solução para aquilo que almejam, assim “um produto vira uma loura, o cigarro vira saúde e esporte, o apartamento vira família feliz, o carro vira um fim de festa (black-tie, evidentemente) na praia, a bebida vira amor etc., etc.” ( Rocha, 1990, p. 136 ). Com essa transformação de caráter simbólico, a mensagem que chega aos consumidores é de que, ao adquirirem aquilo que está sendo ofertado, alcançarão um novo mundo de possibilidades, a serem incorporadas em suas próprias identidades e traduzidas em novos estilos de vida. Dessa forma, produtos inicialmente impessoais e serializados se tornam únicos, adquirem um significado singular e ganham posições de status e valor social ( Ibidem ) por meio dessa comunicação e do posterior consumo.
Seguindo essa linha de raciocínio, no mundo pós-moderno, fluido e de rápidas transformações, no qual é observada a constante atualização de tecnologias, resultando em novas mídias e formas de comunicação, o surgimento de tendências é parte fundamental da vida cotidiana dos indivíduos, exigindo das marcas que se adequem a um contexto que elas mesmas motivam, para que sobrevivam no mercado. Na liquidez cotidiana de que trata Bauman ( 2007 ), produtos, serviços e conteúdos midiáticos, por mais inovadores e criativos que possam ser, têm seu ciclo de vida encurtado, havendo novos lançamentos e atualizações a todo momento e que acabam por estimular um desapego dos consumidores em relação àquilo que consomem ( Kaminski, 2010 ). Há uma substituição constante de produtos e serviços, tornando-se imprescindível às empresas construírem narrativas eficazes que as possibilitem conquistar seus públicos, a fim de garantir vendas antes que algo “novo” se torne “ultrapassado” e seja “substituído” por um modelo mais recente e moderno.
Essa dinâmica de mercado abordada por Bauman ( 2007 ) e Kaminski ( 2010 ) também remete ao sentimento de FOMO como um impulsionador de sentimentos de angústia entre os indivíduos-consumidores em seus processos de socialização, na medida em que são, a todo o momento, impactados por divulgações de novos produtos, serviços, filmes, séries, games, e incentivados a consumi-los para estarem a par do que é mais atual. Nessa mesma linha, trazemos para a reflexão as comunicações publicitárias, principalmente para produtos de tecnologia, como smartphones, cuja validade tecnológica é cada vez mais curta, com enunciados que colocam os consumidores que os adquirem em uma posição diferenciada, com acesso a algo que os demais não têm. Um exemplo disso é a campanha “ If you don’t have an iPhone ” 3 , da Apple, na qual são evidenciados alguns dos benefícios que o usuário de um iPhone tem perante quem possui produtos da concorrência, como pode-se observar no trecho abaixo:
Se você não tem um iPhone, você não tem um iPod em seu telefone, com suas músicas e playlists. E você não tem o iTunes em seu telefone, a loja de música número 1 do mundo, com o Genius , que te recomenda novas músicas baseado nas que você já possui. É, se você não tem um iPhone, bom, você não tem um iPhone (tradução nossa) 4 .
A princípio, podemos analisar o texto do anúncio da Apple como uma apresentação dos atributos do novo iPhone, como é comum em campanhas publicitárias de diversos outros produtos e marcas. No entanto, um olhar mais atento ao discurso dessa comunicação expõe que o que é mostrado vai além das características e possibilidades do produto, reforçando uma nova tecnologia. Ao enfatizar tudo que o consumidor “perde” não adquirindo um iPhone, há uma apropriação do sentimento de FOMO, que cria um cenário de desigualdade social entre aqueles que possuem o produto e os que não o possuem, como é evidenciado no trecho de uma paródia 5 do mesmo anúncio:
Se você não tem um iPhone, eu te perguntaria o que há de errado com você, mas eu já sei a resposta: você é pobre, ou um fracassado, ou uma pessoa que não se importa com tecnologia, o que significa que você é tanto pobre quanto fracassado. Nós nem fizemos este comercial para te vender um iPhone, nós fizemos para rir do fato de que você é uma das pessoas que não tem um. Nós somos pessoas superiores, e você é apenas alguém comum. Então, se você não tem um iPhone, honestamente, ótimo, toma essa! Se você não tem um iPhone, francamente, vá se ferrar! (tradução nossa) 6 .
O que é observado na campanha e paródia do iPhone também pode ser observado em campanhas publicitárias de moda, beleza, tecnologia etc., que se utilizam de termos como “novo”, “essencial”, “feito para aqueles que…”, dentre outros chavões, que, de uma maneira às vezes indireta, cultivam o sentimento de não pertencimento e inferioridade nas mentes dos consumidores, o “medo de ficar de fora”. Ao optar por não consumir, por quaisquer que sejam os motivos, os anúncios demonstram ao público que estes estarão em uma posição inferior aos demais. Da mesma forma, para aqueles que já possuem um desejo de exclusividade e status, a publicidade torna o produto ofertado a promessa de uma vida melhor:
Valendo-se dos impulsos e dos desejos do ser humano de querer ser único, as empresas divulgam conceitos atraentes que levam o sujeito a crer que, adquirindo o produto anunciado, a exclusividade é conquistada. Assim, na busca intensa de satisfazer seus desejos, o público aceita a mensagem e consome a marca anunciada ( Kaminski, 2010, p. 35 ).
Entendemos que, por meio de uma comunicação publicitária apelativa, as empresas se apropriam da potencialidade do desenvolvimento do sentimento de insatisfação e não pertencimento característico do FOMO, de forma a alimentar as angústias dos consumidores, reflexo da liquidez pós-moderna, incentivando-os a todo momento a adquirir novos produtos e serviços para saná-las e se encontrarem “no mesmo nível” dos demais, sentindo-se “por dentro” das tendências. Dessa forma, cria-se um processo no qual se torna necessário às marcas manterem este ciclo de insatisfação ativo, em que a todo momento surgem novas versões, modelos, conteúdos, informações que os indivíduos devem seguir para se manterem atualizados, o que contribui para a alimentação e o fortalecimento do sentimento de FOMO.
Da mesma forma que a comunicação publicitária pode se apropriar e alimentar o sentimento de FOMO de uma maneira mais direta, pela utilização de uma linguagem mais apelativa, percebemos também a presença de um movimento mais indireto em alguns casos. Com o surgimento de novos conteúdos e tendências, é comum ver no ambiente digital marcas dos mais diversos segmentos se apropriando de signos e símbolos de produtos midiáticos e assuntos da agenda pública para a divulgação de seus produtos e serviços, mobilizando uma interação com os usuários baseada em “assuntos do cotidiano”, potencializando assim o alcance de suas publicações ao envolverem o público de um modo mais sutil. Como pode-se observar na Figura 1 , por meio de uma comunicação intertextual na qual os textos originais dos produtos midiáticos são combinados com os da marca ou produto anunciados ( Blikstein, 2016 ), há uma apropriação de elementos (cenas, personagens, frases) de produtos midiáticos, como séries da Netflix ou filmes blockbuster, por parte das marcas, para a divulgação de seus produtos e serviços.

Fonte: Adnews 7 ; Wedoiti 8 ; Propmark 9 .
Ao utilizar elementos e referências de filmes e séries e sua repercussão entre os usuários, as marcas conseguem comunicar seus produtos e serviços de maneira criativa e eficaz para o público, que irá compartilhar as postagens pelo diálogo estabelecido com produtos midiáticos de grande audiência, demonstrando saber do que se tratam as relações imagéticas apresentadas, contribuindo evidentemente para disseminar a comunicação das marcas. Aos usuários que ainda não assistiram aos filmes e séries retratados nos anúncios publicitários, resta o sentimento de FOMO, a angústia por não entender as referências usadas. Compreendemos que anúncios como os da Figura 1 podem contribuir para o incentivo dessa sensação, mesmo que indiretamente, sem abordagens agressivas e apelativas como as do exemplo do iPhone citado anteriormente.
Com base nisso, podemos dizer que a comunicação publicitária se relaciona ao sentimento de FOMO de duas maneiras: a) de uma maneira direta, utilizando-se das insatisfações e inseguranças dos consumidores para anunciar seus produtos e se apropriando dos sentimentos já existentes neles; e b) de uma forma mais indireta, em que por meio da apropriação de símbolos e signos pertencentes ao universo de interesses e gostos dos usuários, as empresas criam e alimentam o sentimento de FOMO no público-alvo, que se sente propenso à consumir os conteúdos para entender as referências e participar das discussões. Usando isso como base, podemos também pensar em uma categorização das diferentes formas de uso do FOMO pelas campanhas publicitárias, podendo ser: a) autorreferencial, cujo foco se concentra na situação atual do consumidor, colocando-a sob um aspecto mais negativo ou inferior e alçando o produto/serviço ofertado como uma fórmula mágica, uma maneira de melhorar ou desenvolver os problemas apontados na comunicação, como analisado na campanha da Apple; e b) de tendência ou atualização, que se utiliza dos assuntos do momento como uma forma de chamar a atenção dos consumidores e transmitir uma mensagem diferente, como os exemplos citados na Figura 1 . Em se tratando da fluidez e constante transformação da sociedade pós-moderna, a rápida movimentação do mercado, o surgimento de novas tecnologias e as mudanças comportamentais dos consumidores servem de combustível para esses tipos de práticas, tornando-se cada vez mais necessário administrar e compreender os processos e lógicas de comunicação e consumo dentro dos ambientes digital e offline para verificar seus possíveis impactos na saúde mental dos indivíduos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no que foi apresentado neste artigo, entendemos que o conceito de FOMO – embora seja algo que vem sendo muito explorado com o avanço das tecnologias digitais e, de certa forma, uma consequente digitalização das práticas de socialização dos indivíduos – revela traços característicos de um comportamento particular do sujeito pós-moderno, que se sente constantemente mobilizado a se manter atualizado para se sentir pertencente a um grupo e tomar parte nas discussões, exatamente o que já há algum tempo vem sendo explorado por campanhas e comunicações publicitárias.
Ao discutirmos acerca da comunicação mercadológica em reforço às ideias de “novo” e “essencial”, bem como a abordagem personalizada dirigida aos usuários, estamos apenas remetendo a práticas utilizadas desde antes do surgimento e crescimento exponencial das redes sociais digitais e da digitalização das relações sociais e profissionais. Porém, em um cenário de proliferação acelerada de novos conteúdos e surgimento de novas tecnologias, entendemos que o discurso se renova para enfrentar os novos movimentos do mercado e comportamentos do consumidor, em que agora é preciso se conectar com os consumidores de uma maneira mais emocional e direta, de forma a contribuir para a formação de suas próprias identidades por meio do consumo.
De maneira geral, compreendemos que as tendências de mercado e o comportamento dos usuários, em especial no ambiente digital, contribuem para que a situação analisada neste estudo possa ter desenvolvimentos futuros, talvez valendo-se de uma análise e atenção mais aprofundada ao assunto em prol da saúde mental dos indivíduos e dos próprios processos comunicacionais e relações sociais que se estabelecem em meio a essa dinâmica, que são construídos e desconstruídos a todo momento em meio às mudanças analisadas.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
BLIKSTEIN, Izidoro. Técnicas de comunicação escrita. São Paulo: Contexto, 2016.
CARRASCOZA, João Anzanello. A lógica produtiva da publicidade num conto de Primo Levi. Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v. 16, n. 32, p. 27-40, 2015.
COELHO, Pietro Giuliboni Nemr. Fotos, fachadas e personas: a construção identitária por meio do uso do aplicativo Instagram. 2016. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo) – Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, 2016.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna: introdução às teorias do contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1992.
DI FELICI, Massimo. As redes e as dimensões tecnocolaborativas do social. In: CARRASCOZA, João Anzanello; ROCHA, Rose de Melo (org.). Consumo midiático e culturas da convergência. São Paulo: Miró Editorial, 2011. p. 100-128.
DOMINGUES, Izabela. Terrorismo de marca. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2013.
DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O uso dos bens. In: DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004. p. 101-118.
ELHAI, Jon D.; YANG, Haibo; MONTAG, Christian. Fear of Missing out (FOMO): Overview, theoretical underpinnings, and literature review on relations with severity of negative affectivity and problematic technology use. Brazilian Journal of Psychiatry, São Paulo, v. 43, n. 2, p. 203-209, 2021.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. Barueri: Nobel, 1995.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. In: HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 69-78.
HERMAN, Dan. Introducing short-term brands: A new branding tool for a new consumer reality. Journal of Brand Management, London, v. 7, n. 5, p. 330-340, 2000.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. São Paulo: Aleph, 2009.
KAMINSKI, Evelyse. Consumo: uma construção identitária cultural na sociedade contemporânea. Estudos da Comunicação, Curitiba, v. 11, n. 24, p. 31-38, 2010.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 4. ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.
LIPOVETSY, Gilles. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Petrópolis: Vozes, 2014.
PÊGO, Beatriz Ferraz et al. Prevalência de Fear of Missing Out em estudantes de uma instituição de ensino superior privada no norte de Minas Gerais: comportamento e bem-estar digital no cotidiano universitário. Reciis, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 172-186, 2021.
ROCHA, Everardo Guimarães. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1990.
SCOTT, Elizabeth. How to deal with FOMO in your life. Verywell Mind, New York, 16 Nov. 2016. Disponível em: https://www.verywellmind.com/how-to-cope-with-fomo-4174664 . Acesso em: 25 fev. 2022.
SILVERSTONE, Roger. Consumo. In: SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo: Loyola, 2005. p. 147-163.
SLATER, Don. O significado das coisas In: SLATER, Don. Cultura do consumo & modernidade. Barueri: Nobel, 2007. p. 130-145.
WORTHAM, Jenna. Feel like a wallflower? Maybe it’s your Facebook wall. The New York Times, New York, 9 Apr. 2011. Disponível em: https://www.nytimes.com/2011/04/10/business/10ping.html . Acesso em: 20 out. 2021.
Notas
COELHO, P. G. N.; TONDATO M. P. O sentimento de pertencimento derivado do consumo: a comunicação publicitária atrelada ao fear of missing out. Signos do Consumo, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 1-13, jul./dez. 2023.
Autor notes
E-mail: pietrocoelho@gmail.com E-mail: mptondato@gmail.com