resenha

SOCIEDADE DO CANSAÇO E O SUJEITO DO DESEMPENHO

Burnout society and the achievement-subject

La sociedad del cansancio y el sujeto del rendimiento

Ellen C. Rodrigues
Universidade de São Paulo, Brasil

SOCIEDADE DO CANSAÇO E O SUJEITO DO DESEMPENHO

Signos do Consumo, vol. 14, núm. 2, e196226, 2022

Escola de Comunicações e Artes da USP

HAN Byung-Chul. Sociedade do cansaço. 2017. Petrópolis. Vozes

Recepção: 01 Abril 2022

Aprovação: 28 Novembro 2022

RESUMO: O livro Sociedade do Cansaço de Byung-Chul Han é um ensaio filosófico que tem por objetivo problematizar as causas de enfermidades neuronais emergentes no século XXI, tais como depressão, síndrome de burnout, déficit de atenção e síndrome de hiperatividade, a partir do entendimento da relação do sujeito consigo mesmo, com o outro e com a sociedade do desempenho em que estão inseridos.

PALAVRAS-CHAVE: Sociedade, Cansaço, Desempenho, Empreendedorismo.

ABSTRACT: Burnout Society, by Byung-Chul Han, is a philosophical essay approaching the causes of emerging neuronal diseases in the 21st century, such as depression, burnout syndrome, attention deficit disorder, hyperactivity disorder, from the understanding of the relationship of the individual with himself, with the other, and with the performance-focused society in which they are inserted.

KEYWORDS: Society, Burnout, Performance, Entrepreneurship.

RESUMEN: El libro La sociedad del cansancio, de Byung-Chul Han, es un ensayo filosófico que pretende problematizar las causas de las enfermedades neuronales que surgen en el siglo XXI, como la depresión, el síndrome de Burnout y el trastorno por déficit de atención e hiperactividad, a partir de la comprensión de la relación del sujeto con sí mismo, con el Otro y con la sociedad del rendimiento en la cual están insertos.

PALABRAS-CLAVE: Sociedad, Cansancio, Rendimiento, Espíritu empresarial.

A obra Sociedade do Cansaço do autor Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano e professor da Universidade de Berlim, traduzida no Brasil em 2017, é um ensaio filosófico dividido em sete capítulos e anexos. O livro propõe uma leitura crítica sobre a nossa sociedade atual – sobre seu sistema político e econômico – a partir da problematização das causas de enfermidades neuronais emergentes no século XXI.

Nos dois primeiros capítulos da obra, o autor se dedica a apresentar as transformações ocorridas entre a sociedade disciplinar de Foucault, uma sociedade proibitiva, regida por leis, mandamentos e limitação, e um modelo de sociedade atual que encontrou na expressão “Yes we can”, do então candidato à presidência dos Estados Unidos da América, Barack Obama, uma tradução para seus hipotéticos poderes ilimitados.

Apontando suas diferenças, seus sujeitos e paradigmas, o autor destaca a dissolução contemporânea da alteridade, elemento que fundamenta sua conceituação sobre negatividade e positividade. Segundo Han, o desaparecimento da alteridade se dá devido a um processo de globalização que homogeneizou as nações do ponto de vista econômico, político e cultural. Por acreditar que existe influência mútua entre discursos sociais e biológicos, o autor demonstra ainda que os avanços de técnicas imunológicas ocorridos nesta mesma época possibilitaram um grande declínio das manifestações bacteriológicas e virais – uma quase erradicação de infecções causadas por um corpo estranho. Como explica: “Toda e qualquer reação imunológica é uma reação à alteridade. Mas hoje em dia, em lugar da alteridade entra em cena a diferença, que não provoca nenhuma reação imunológica” (HAN, 2019, p. 10, grifo do autor).

O autor usa estas narrativas para argumentar que, diante da dissolução do que é distinto e da falta de uma divisão clara entre o próprio e o estranho – este apresentado como negatividade –, o sujeito encontra-se preservado de ameaças externas, o que Han conceitua como positividade. E é pelo excesso de positividade que o sujeito se autoviolenta até atingir o esgotamento, uma vez que “a violência não provém apenas da negatividade, mas também da positividade, não apenas do outro ou do estranho, mas também do igual” (HAN, 2019, p. 15).

No decorrer da obra, Han passa por reflexões sobre o que ele chama de sociedade do desempenho e seu produto: o sujeito do desempenho, um indivíduo hiperestimulado, com uma vida esvaziada de significados; um sujeito privado da atenção profunda e contemplativa, com carência de vínculos emocionais, que se autoexplora em busca de eficiência. Sobre a violência neuronal que acomete este sujeito, o autor conclui que o adoecimento psíquico é causado pelo próprio, como consequência da superprodução, superdesempenho e supercomunicação: “A rejeição frente ao excesso de positividade não apresenta nenhuma defesa imunológica, mas uma ab-reação neuronal-digestiva, uma rejeição” (HAN, 2019, p. 16, grifo do autor).

Na sociedade do desempenho, o sujeito introjeta a ideia de que a autossatisfação depende única e exclusivamente dele mesmo e, por ser autossuficiente, ele próprio deseja, ordena-se e se normatiza em busca de melhor desempenho constante, seguindo a lógica individualista e a dinâmica do neoliberalismo para criar e definir sua subjetividade. No lugar de uma sociedade com proibições, como na sociedade disciplinar de Foucault, apresentam-se projetos e iniciativas. Um ideal de liberdade que não precede a emancipação; pelo contrário, é uma nova forma de coação, pois não alcançar o sucesso seria interpretado como um fracasso individual. No esforço de produzir cada vez mais, o sujeito do desempenho jamais alcança um ponto de repouso e vive constantemente em carência e culpa. Por estar em constante concorrência consigo mesmo, insiste em se superar até sucumbir. Dessa maneira: “O explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos” (HAN, 2019, p. 30).

Para construir esta linha de pensamento, Han recorre a diversos autores e conceitos, dos quais valem citar Foucault e Freud, com os quais dialoga por terem suas teorias fundamentadas na sociedade disciplinar, modelo do qual estamos nos distanciando e que, para o autor, já não sustenta este novo paradigma do excesso de positividade imposto. Ele recorre ainda a Nietzsche para discutir a importância da atenção profunda e contemplativa em processos criativos, e resgata os conceitos de “cultura distinta” – aprender a ler, pensar, falar e escrever – como recurso de resistência ao controle dos instintos inibitórios e limitativos de reação imediata a estímulos.

Como encerramento à problematização colocada, Han apresenta que a sociedade do cansaço caminha para a sociedade do doping, eufemisticamente chamada de “neuro-enhancement”, um suposto “melhoramento cognitivo”. Para o autor, o cansaço da sociedade do desempenho é calado e isola, destruindo qualquer comunidade. Em contraposição, ele cita o conceito do “cansaço fundamental” de Handke, “um cansaço falaz, vidente, reconciliador” (HAN, 2019, p. 38), que conecta o sujeito ao coletivo e é um ponto de encontro que habilita o homem para o abandono especial que faz surgir o espírito.

Ao entender a narrativa dos excessos e do sofrimento, nas quais o sujeito do desempenho está inserido, a obra conduz ao questionamento: a quem beneficia esta sociedade? À medida em que hiperestimula, isola e esvazia de significados a vida do sujeito, o sistema encontra terreno fértil para ampliar o consumo e o faz ofertando produtos que prometem satisfação a partir da suposta realização de desejos. Além disso, o crescente diagnóstico de doenças neuronais gera uma grande demanda para a indústria farmacêutica. O sofrimento é uma grande fonte de lucros. Em alguma medida, a obra é um chamado para um olhar mais empático sobre nós mesmos, enquanto sujeitos do desempenho, pois sensibiliza, conscientiza e desarma, ainda que momentaneamente, nossa parte vigilante que autoviolenta.

REFERÊNCIAS

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2017.

Notas

Como citar esta resenha:

RODRIGUES, E. C. Sociedade do cansaço e o sujeito do desempenho. Signos do Consumo, São Paulo v. 14, n. 2, p.1-3, jul./dez. 2022.

Autor notes

E-mail: ellen.rodrigues@gmail.com

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por