apresentação
SIGNOS DO CONSUMO, NOVAS SEMIOSFERAS E OUTROS SENTIDOS POSSÍVEIS
Desde a máxima de McLuhan, na qual os meios são compreendidos como extensões do homem, entendemos que tudo que comunica, que promove e divulga, existe para fazer o humano ir além dos limites de suas possibilidades físicas. Tudo que comunica também é signo e, por consequência, também é potencialmente mídia, na medida em que essa mediação sígnica busca produzir, veicular e fazer circular sentidos. Constitui-se, dessa forma, uma semiosfera, um mundo de signos novos cuja mediação opera entre a biosfera da existência humana e a tecnosfera de seus aparatos, gerando novas semiosferas e outros sentidos para os mundos vividos.
O volume 15, número 1, da Signos do Consumo traz em seu conjunto de artigos a materialização da máxima Mcluhaniana, somada às possibilidades de semioses ad infinitum que configuram problemáticas das tessituras culturais, mostrando que as coisas como projeções do humano sobre o mundo, trazem consigo lugares de sentidos que transcendem o humano e que o confrontam com novas semiosferas, gerando espaços de reflexão sobre os significados dos mundos advindos da ação do humano, mas que ganha autonomia nos efeitos dos direcionamentos de sentidos que apontam.
Nessa esteira, o artigo que abre esta edição, “Internet das coisas como mídia: perspectivas e desafios para comunicação e design de anúncios”, de Everaldo Pereira e Ana Paula Scabello Mello (Instituto Mauá de Tecnologia, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil), busca “estudar a internet das coisas como mídia a partir de uma perspectiva do design.” A questão tratada pelos autores aborda como podem ser os regimes estéticos de interação por meio da internet das coisas, buscando em seus resultados caminhos orientadores às construções de design gráfico e de interface para o trabalho com tais dispositivos, considerando a novidade dessa demanda ao mercado de trabalho publicitário.
O segundo texto, “Reflexões teórico-práticas preliminares sobre o uso do ChatGPT como ferramenta criativa na publicidade” de Renato Gonçalves Ferreira Filho (Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo, Brasil e Instituto de Estudos Brasileiros, São Paulo, Brasil), oferece pistas compreensivas do potencial e dos limites dos usos do ChatGPT como ferramenta para a criação de campanhas publicitárias, também considerando expectativas à formação profissional e do ambiente de trabalho no âmbito da atividade publicitária.
Na sequência, a discussão “Raça, gênero, classe e outras interseccionalidades na comunicação de marcas: análise interseccional semiótica da Vivo em 2019”, de Pablo Moreno Fernandes (Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil), mostra a reflexão sobre marca nas suas implicações e semioses para além das questões de mercado, buscando entender como a marca estudada se coloca no embate da produção de sentidos sobre a questão da negritude, considerando as variáveis de gênero e classe social. Os resultados mostram “representações das mulheres ainda presas a estereótipos e imagens de controle; classe, sinalizando uma tendência a representações contraintuitivas, apesar de recorrentes associações entre negritude e pobreza.”.
Já o artigo “O que dizem as perspectivas brasileiras contemporâneas da publicidade sobre o publicitário?”, de Elisa Reinhardt Piedras e Anderson Alves Scherer (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil), identifica as presenças, ou ausências, e a natureza do papel do publicitário em dez das perspectivas teóricas brasileiras contemporâneas sobre o fenômeno publicitário. Os resultados dessa pesquisa apontam que a presença do publicitário é tímida nas abordagens teóricas brasileiras recentes sobre o fenômeno publicitário “dado que, em poucas delas, o profissional da produção é mencionado como um protagonista do processo, enquanto, na maioria das perspectivas, o publicitário é visto, junto do consumidor, como um coprodutor no contexto de comunicação e cibercultura”.
Em outra perspectiva, os signos reanimam seus significados e mostram novos mundos. É isso que nos apresenta o artigo “De Paraisópolis para o mundo: o vestido da Miss Universo e a potência da comunidade evidenciando o vestuário como manifestação sociocultural”, de Carolina Boari Caraciola (Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil). O texto da autora “aborda o vestuário da brasileira Julia Gama, vice-campeã da 69ª edição do concurso Miss Universo, que trajou uma criação da estilista Michelly X, mulher transgênero. O vestido foi produzido pela iniciativa Costurando Sonhos, que capacita mulheres vítimas de agressão doméstica, em Paraisópolis, São Paulo. O caráter efêmero da moda culmina em um sistema de significados passageiros, em que o indivíduo se comunica com a sociedade e expressa sua identidade por meio de roupas e produtos. É possível aplicar o entendimento do trickle-up, apontado por McCracken, como imperativo para o conhecimento do contexto cultural-social em que os fenômenos de imitação e diferenciação ocorrem, uma vez que o vestuário tem uma forte função comunicacional, baseada na cultura na qual se estabelece”.
Já em “Evolución de los mensajes publicitarios ante la covid-19 durante los años 2020 y 2021. Análisis comparado en España y Portugal”, Pedro Hellín, Antonio Raúl Fernández Rincón (Universidad de Murcia, Murcia, Espanha) e Ivonne Ferreira (Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal) apresentam uma pesquisa realizada em Espanha e Portugal sobre os mecanismos discursivos que os principais anunciantes de cada país realizaram durante os meses posteriores ao confinamento por conta da pandemia de covid-19. A partir de um desenho metodológico ancorado na semiótica do discurso, o artigo mostra os sentidos desde o período mais duro da pandemia, quando as marcas se viram obrigadas a assumir a crise em seus discursos, e os períodos de abertura, em que aos poucos o imaginário clássico da publicidade se restabelece.
Na perspectiva do consumo de cultura pop e manifestações de gênero, o artigo “La presencia del género no binario em la promoción musical, de David Bowie a Lil Nas X”, de Antonio Raúl Fernández Rincón e Clara González Mula (Universidade de Murcia, Murcia, Espanha), elege o videoclipe como formato principal de promoção e publicidade da indústria musical, que revela também um grande potencial desse dispositivo para a construção de identidades de gêneros, graças à capacidade que possui de capturar a atenção do público jovem e adolescente. Nesse trabalho, os autores estudam a presença do gênero não binário a partir de uma análise simbólica de videoclipes de dois referentes da identidade queer, David Bowie e Lil Nas X. A escolha dos dois artistas, que tiveram sucesso em momentos históricos diferentes, com histórias de vida e configurações culturais e musicais distintas, contribui para a reflexão em torno da possível evolução histórica da expressão da individualidade por meio do gênero não binário, por caminhos de sentidos diferentes.
Por fim, encerra este número o artigo “Consumo responsável, para quem? Um ensaio sobre o fomento da desigualdade de gênero no pós-pandemia”, de Matheus Ribeiro Pereira (Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil) e Bruna Soares de Aguiar (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Também tratando do consumo no contexto da pandemia de covid-19 e observando seus impactos socioculturais, os autores brasileiros explicam que “diversos estudos têm demonstrado que o comportamento dos consumidores foi modificado pelas mudanças ocorridas durante o período de isolamento social”. Os autores entendem que os consumidores passaram por uma transição entre o consumo compulsivo e o retorno ao “novo normal”, que contribuiu para o crescimento de uma cultura do consumo responsável. Por outro lado, percebem também que este processo revelou articulações prejudiciais deste modelo de consumo, no sentido de não haver rompido com uma lógica de desigualdade de gênero existente no momento anterior à pandemia.
E como contribuição à seção resenha, esta edição traz o texto “O pensamento sentado e as imagens que invadem a vida do homem contemporâneo”, de Alessandra Barros Marassi (Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, Brasil e Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil), que se refere à obra O Pensamento Sentado. Sobre glúteos, cadeiras e imagens, de Norval Baitello Junior, cuja proposta é apresentada em capítulos curtos, em formato de bolso, estimulando o convite à leitura da obra como caminhada filosófica a partir da reflexão sobre o modo como as imagens invadem nossas vidas por meio das telas, tornando-as (as vidas) cada vez mais domesticadas. Alessandra Barros Marassi nos mostra como o autor narra um percurso desde o período do nomadismo, quando, segundo Baitello apoiado em outros autores, emerge nosso pensamento ou capacidade cognitiva, e segue até os dias atuais, quando a sociedade é tomada pela mídia e os sentidos se constituem na forma mediada das apropriações culturais.
O conjunto de artigos e resenha, aqui apresentados, criam uma semiosfera de novos sentidos possíveis diante de um mundo em grande transformação. Ainda não podemos avaliar os impactos dessas transformações em sua plenitude, mas nos fica claro o lugar no qual os fenômenos da publicidade e dos consumos se inserem, conformando problemáticas científicas para a compreensão das identidades, das lógicas de vida pelas práticas de consumo e do trabalho, sobretudo publicitário. É neste constante mapeamento que se fundamenta a qualidade da revista Signos do Consumo, perseguindo permanentemente a excelência na divulgação dos temas da publicidade, comunicação e consumos da contemporaneidade.
Nesse sentido, cabe aqui agradecer aos financiamentos da Agência de Bibliotecas e Coleções Digitais da USP (ABCD/USP), Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo e aos cursos de especialização Cultura Material e Consumo: perspectivas semiopsicanalíticas e MBA de Moda, por acreditarem e investirem em nossa revista, o que permite a realização do trabalho de editoração e publicação que qualifica nossa revista. Agradecemos também a todos os pareceristas que colaboraram com a avaliação dos artigos nesta edição: este é um trabalho valioso que garante a qualidade dos conteúdos científicos publicados. Também agradecemos à colaboração inestimável de nosso assistente editorial André Peruzzo e de sua assistente de comunicação Sofia Miguel Colus. O sucesso desta empreitada é um trabalho coletivo dos autores dos artigos e resenhas, dos pesquisadores avaliadores, dos atores institucionais, da equipe editorial e dos prestadores de serviços, a quem manifestamos todo nosso reconhecimento sempre.
Desejamos a todos uma ótima leitura!
Os Editores.