RESUMO: Este artigo tem como objetivo desenvolver reflexões teórico-práticas, a partir da empiria, sobre o uso do ChatGPT como ferramenta de criação de campanhas. Calibrando nossa perspectiva de investigação, inicialmente discutimos as bases dos processos de criação publicitária e destrinchamos as lógicas da inteligência artificial generativa. Caminhando para a experiência, usamos o ChatGPT para o desenho de campanhas de Natal para a Coca-Cola. Como resultados, destacamos algumas das principais limitações e as potencialidades da plataforma para a criatividade publicitária.
PALAVRAS-CHAVE: Inteligência artificial, Criação publicitária, ChatGPT.
RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo desarrollar reflexiones teóricas y prácticas, basadas em datos empíricos, sobre el uso de ChatGPT como herramienta de creación de campañas. Calibrando nuestra perspectiva de investigación, discutimos inicialmente las bases de los procesos de creación publicitaria y desentrañamos la lógica de la inteligencia artificial generativa. Pasando a la experiencia, usamos ChatGPT para diseñar campañas navideñas para Coca-Cola. Como resultado, destacamos algunas de las principales limitaciones y potencialidades de la plataforma para la creatividad publicitaria.
PALABRAS CLAVE: Inteligencia artificial, Creatividad publicitaria, ChatGPT.
ABSTRACT: This article aims to develop theoretical and practical considerations, based on empirical data, on the use of ChatGPT as a campaign creation tool. Calibrating our research perspective, we initially discuss the bases of advertising creation processes and unravel the logic of generative artificial intelligence. Moving on to experience, we used ChatGPT to design Christmas campaigns for Coca-Cola. As a result, we highlight some of the main limitations and potential of this platform for advertising creativity.
KEYWORDS: Artificial intelligence, Advertising creativity, ChatGPT.
Artigo
REFLEXÕES TEÓRICO-PRÁTICAS PRELIMINARES SOBRE O USO DO CHATGPT COMO FERRAMENTA CRIATIVA NA PUBLICIDADE.
Reflexiones teórico-prácticas preliminares sobre el uso de chatGPT como herramienta creativa en publicidad
Preliminary theoretical-practical considerations on the use of chatGPT as creative tool in advertising
Recepção: 24 Abril 2023
Aprovação: 30 Maio 2023
Recentemente, a inteligência artificial ocupou o centro das atenções midiáticas (KAUFMAN, 2022). São muitos os possíveis desdobramentos dessa nova tecnologia, que vão desde os seus impactos no processo educacional, em todos os níveis de aprendizagem, até a extinção de ocupações laborais que possam por ela ser substituídas. No campo da publicidade, tanto no que diz respeito ao ensino formal de suas disciplinas quanto ao mercado publicitário, a temática igualmente já ressoa e traz questionamentos importantes.
Impulsionada pela divulgação e difusão de ferramentas de geração de textos e imagens, como o ChatGPT, o Midjourney e o DALL-e, a inteligência artificial colocou em dúvida a criatividade humana, pelo fato de essas plataformas demonstrarem uma resposta satisfatória às demandas criativas rotineiras, como a criação de conceitos criativos, enunciados publicitários e ideias para ações, otimizando tempo e recursos.
Ainda que as lógicas algorítmicas não sejam novas e já exista um histórico profícuo de sua instrumentalização para o dia a dia da atividade publicitária, como a automatização de anúncios digitais, agora há uma promessa de maior aderência às rotinas do trabalho criativo, uma vez que houve uma popularização do seu acesso. Se antes essas ferramentas eram vistas com uma certa incredulidade e desconfiança, na atualidade, elas se mostram mais promissoras e efetivas para o desenrolar de tarefas.
As intrínsecas relações entre técnicas e tecnologias sempre rondaram a produção criativa. Da invenção da fotografia, no século XIX, que instigou os pintores europeus a repensarem a representação fidedigna da realidade, dando origem às vanguardas artísticas, à evolução das plataformas gráficas, como Photoshop, que fomentou a migração digital da direção de arte em publicidade, antes feita de maneira artesanal, as novas ferramentas têm sido a mola propulsora de mudanças em processos criativos, não necessariamente dos saberes, e isso é importante sublinharmos, mas, sobretudo, da aplicação desses conhecimentos por meio das técnicas.
A principal questão que devemos nos fazer, diante do ChatGPT, ferramenta de inteligência artificial generativa na qual nos baseamos para este artigo, diz respeito às limitações e às potencialidades do uso dessa ferramenta nos processos de criatividade publicitária, sobretudo, para o desenho estratégico-criativo de campanhas.
Neste artigo, trabalharemos com uma perspectiva humanista da inteligência artificial, que, conforme destacam Stuart Russel e Peter Norvig (2013, p. 3–4), orbita a empiria: “uma abordagem [da inteligência artificial] centrada nos seres humanos deve ser em parte uma ciência empírica, envolvendo hipóteses e confirmação experimental”. Por esse viés, seguimos o que Dora Kaufman (2022, p. 285) nos sugere como visão menos catastrófica e mais integrada da tecnologia: “evitando supervalorizar ou demonizar a inteligência artificial, o desafio é conhecer o funcionamento e a lógica da tecnologia para aproveitar os benefícios e mitigar os riscos”.
Nessa direção, inicialmente, discutiremos a práxis da criação publicitária baseada na associação de ideais (CARRASCOZA, 2008) e as lógicas da inteligência artificial generativa, mecanismo sobre o qual está fundamentado o ChatGPT, buscando estabelecer os parâmetros analíticos que guiarão nossa experiência com a ferramenta. Explorando o campo generativo artificial, utilizamos a ferramenta para gerar ideias para uma campanha de Natal para a Coca-Cola, a fim de destacarmos as limitações e potencialidades desse dispositivo para a criação publicitária.
Os processos criativos na publicidade, conforme aponta João Anzanello Carrascoza (2008, p. 17–22), se valem, em grande medida, do processo instrumental de associação de ideias. Por meio das relações de semelhança, contiguidade e causa e efeito, a criatividade publicitária conecta ideias para a formatação de mensagens atraentes para a captura da atenção do receptor.
Desenvolvendo a práxis do bricoleur, “os criativos atuam cortando, associando, unindo e, consequentemente, editando informações do repertório cultural da sociedade” (idem, p. 18). Nessa direção, o trabalho criativo é feito de um “jogo intertextual” (idem, p. 23), em que “um texto sempre dialoga com outros”, processo caracterizado pelo dialogismo, conceito de Mikhail Bakhtin retomado por Carrascoza (idem, p. 24) para apontar que “a trama de todo texto é (...) tecida com elementos de outros textos, revelando nesse cruzamento as posições ideológicas de seu enunciador”.
Sobre a construção intertextual explicitada por Carrascoza, podemos fazer algumas considerações. Ainda que, em termos semiológicos, por “texto” possamos considerar todo e qualquer signo, seja ele verbal, sonoro ou visual (SANTAELLA, 2005), poderíamos dizer que a associação de ideias é conduzida em grande parte pela matriz verbal da linguagem e do pensamento, tendo em vista que a palavra dá um sentido lógico à apreensão das coisas. Como fio condutor do pensamento lógico, a linguagem verbal, que também será a base para o modelo generativo da inteligência artificial empregado no ChatGPT, vai costurando ideais.
Retomando a figura do bricoleur, o repertório do enunciador e a forma como ele conecta suas referências tornam-se o seu diferencial criativo. Em alguns casos, há o emprego de citações diretas, como no caso do uso da paródia como recurso criativo. Em outros, misturam-se tantas referências, muitas vezes fragmentadas, que as fontes generativas são descaracterizadas.
Se todo sistema de inteligência artificial, sobretudo aquele que tenta se aproximar às redes neurais do cérebro humano, tem a sua “caixa preta”, isto é, sua opacidade (KAUFMAN, 2022, p. 42), a mente humana tem uma parte ainda de difícil acesso, em que a criatividade, quase magicamente, se dá. Com isso, certamente não queremos dizer que estudos não estejam sendo desenvolvidos para acessar os meandros do pensamento criativo, mas apenas destacar de que se trata de um campo de investigação deveras desafiador. Cada bricoleur será único, uma vez que são únicas as suas referências e que podem ser surpreendentes as combinações possíveis entre elas.
O contexto produtivo disponibilizará suas ferramentas para o trabalho criativo. Nessa direção, podemos sublinhar as naturais relações entre as mudanças socioculturais, tecnológicas e laborais, e as transformações do trabalho criativo publicitário ao longo das décadas, como estudou Maria Cristina Dias Alves (2016, p. 45–72). Do impresso ao digital, passando ainda pela criação para meios eletrônicos, conforme a autora aponta, podemos perceber que “os fluxos de trabalho dos criativos publicitários se complexificaram na contemporaneidade, tanto quanto o desenho das redes informacionais (...)” (ibidem, p. 72). Se é verdade que “a subjetividade de cada profissional não é separada do fazer” (ibidem, p. 71), é preciso pensar a criatividade publicitária a partir dos cruzamentos tecnológicos que observamos na práxis, a qual faz uso das ferramentas disponíveis sob o signo da ideologia informacional e sua racionalidade digital (HAN, 2022). Como o trabalho da inteligência artificial generativa do ChatGPT pode trazer ganhos?
As técnicas criativas, como aponta Carrascoza (2008, p. 17), facilitam o dia a dia da criação publicitária, pois “cabe às duplas [de criação] produzir ideias em grande volume, para evitar proposições coincidentes, e ainda fazê-lo com rapidez, obedecendo a prazos cada dia mais exíguos”. Com o aceleramento das demandas criativas, em que se considerem os novos formatos da publicidade e seu crescimento exponencial, a inteligência artificial generativa mostra-se como um possível aliado na rápida geração de ideias.
Vale pensarmos como essa geração de ideias se dá e qual a qualidade desses resultados criativos gerados pela máquina em parceria com o humano. Certamente, é difícil mensurarmos e qualificarmos a criatividade, tanto a humana, quanto a algorítmica (se é que podemos enxergar a criatividade como uma característica possível da inteligência artificial, discussão filosófica que deixamos para outras oportunidades), porém, podemos ao menos testar, com caráter exploratório, os caminhos da criação publicitária auxiliada pelo ChatGPT, enquadrada aqui como uma ferramenta, e não como o substituto do profissional criativo.
Diante do estado da arte da criação publicitária, baseada na técnica criativa de associação de ideias, nossas hipóteses de investigação empírica são: a) a inteligência artificial generativa, assim como a criatividade publicitária, é dialógica, na medida em que dialoga com outros textos; b) porém, sob a perspectiva do bricoleur, o repertório criativo mobilizado pela máquina é limitado, devido aos modelos probabilísticos próprios à inteligência artificial; c) logo, a ferramenta do ChatGPT não substitui a criatividade humana, pois depende dela para ser treinada, estimulada e avaliada, ao mesmo tempo em que pode lhe servir como base.
Embora a temática da inteligência artificial, “ciência e engenharia de criar máquinas que tenham funções exercidas pelo cérebro dos animais (ou cérebro biológico)” (KAUFMAN, 2022, p. 308), pareça muito recente, suas origens são longínquas. Como registram Russell e Norvig (2022, p. 15-25), as primeiras discussões sobre o tema datam da década de 1950, evoluindo ao longo das décadas subsequentes até o seu estabelecimento como um campo científico em 1987. Além do notável progresso tecnológico, o que acelerou a adesão a essa tecnologia na última década foi o crescimento de plataformas acessíveis aos usuários, tanto no que diz respeito ao seu acesso (muitas vezes gratuito ou com baixo custo), quanto à experiência de uso, com interfaces amigáveis e intuitivas, que têm sido enxergadas como ferramentas para o auxílio na realização de tarefas.
O ChatGPT, sigla para Chat Generative Pre-Trained Transformer, é uma das muitas plataformas de inteligência artificial generativa, um subcampo dessa ciência e engenharia computacional dedicada à produção de ideias, textos, imagens e outros resultados criativos como outputs gerados de acordo com os inputs dados pelo usuário da tecnologia. Pensando-se em sua estrutura algorítmica, o ChatGPT é fundamentado no processo das redes neurais, também chamado de deep learning, que “introduz representações complexas, expressas em termos de outras representações mais simples organizadas em diversas camadas” (KAUFMAN, 2022, p. 16). Em linhas gerais, é o modelo que mais se assemelha ao cérebro humano (ainda que não completamente), trabalhando sobre a reprodução da lógica neural.
Um ponto importante sobre o funcionamento lógico de toda inteligência artificial diz respeito à falsa comparação entre a inteligência da máquina e a inteligência humana. Como aponta Dora Kaufman (idem, p. 265), “os algoritmos de inteligência artificial, mesmo superando a capacidade humana em diversas tarefas, não são sencientes (...) não aprendem no sentido atribuído ao termo ‘aprendizagem’ pelos educadores”. Alguns teóricos, como explicita a autora, sugerem que seria melhor dizer que essas máquinas não “aprendem”, mas que “são treinadas” para as funções às quais se voltam. Como todo “agente inteligente”, “capaz de perceber seu ambiente por meio de sensores e de agir sobre esse ambiente por intermédio de atuadores” (RUSSELL; NORVIG, 2022, p. 33), os mecanismos de inteligência artificial dependem dos estímulos externos e das respostas orientadas internamente pelo treinamento, condicionado a vários fatores e padrões matemáticos, lógicos, probabilísticos, linguísticos etc.
No caso do ChatGPT, trabalha-se com o processamento de linguagem natural (PNL), um campo híbrido da linguística e da inteligência artificial (idem, p. 15), que, em suma, enxerga “um modelo de linguagem como uma distribuição de probabilidades que descreve a verossimilhança de qualquer sentença” (idem, p. 746). Apoiando-se em uma dinâmica de aprendizado por transferência, no ChatGPT, “a experiência com uma tarefa de aprendizagem ajuda um agente a aprender melhor em outra tarefa” (idem, p. 706), criando uma interessante relação: quanto mais se usa a plataforma, sinalizando seus acertos ou erros diante de tarefas, mais robusta ela fica – e isso talvez explique em grande medida o porquê de a ferramenta estar, até o momento de escrita deste artigo, disponível de forma gratuita para todos os interessados.
Como a própria ferramenta nos responde quando indagada sobre o seu treinamento, “o GPT-3.5 [sistema operacional atual] foi treinado em uma enorme quantidade de dados de texto em vários idiomas (...) coletados da internet”1. Ela ainda segue comentando que “o processo de treinamento envolveu a alimentação de uma grande quantidade de texto bruto ao modelo, permitindo que ele aprendesse a prever a próxima palavra ou frase em um pedaço de texto”. A partir do volumoso processamento de dados disponíveis, a inteligência artificial generativa foi treinada a desenvolver “uma compreensão profunda da estrutura e gramática da linguagem natural, bem como do significado e contexto das palavras”.
Nesse ponto, ainda que possamos supor a robustez do acervo acessado para o treinamento da inteligência artificial, podemos nos questionar sobre a natureza dessas fontes que podem enviesar os resultados (O’NEIL, 2020), o que será sempre uma questão para todo sistema inteligente, seja artificial ou humano.
Um dos principais diferenciais do ChatGPT é sua interface, baseada em um chatbot, formato em que o usuário interage com a máquina por meio de um bate-papo, perguntando e sendo respondido de acordo com a sua demanda. Nesse ponto, cabe ressaltar que a máquina só poderá produzir de forma satisfatória à medida em que recebe os estímulos mais adequados para tal. Quanto mais refinada for a demanda, maiores são as chances de refinamento da resposta gerada. Contudo, ainda assim, esses resultados são dados sob um viés probabilístico: a plataforma trará sempre as opções que estatisticamente sejam mais prováveis de significarem “acerto”.
Aqui, é pertinente sublinharmos que o usuário deve ter um repertório prévio tanto para demandar à plataforma tarefas simples ou complexas quanto para avaliar suas entregas. Por exemplo, se o usuário não souber diferenciar um “conceito criativo” de um “slogan”, a máquina não poderá entregá-los de forma satisfatória. Ademais, mesmo que ele solicite uma ou a outra entrega, o demandante deverá saber julgar o resultado a partir de seus critérios.
Para testarmos os resultados da inteligência artificial generativa do ChatGPT voltada à criação publicitária, exploraremos as possibilidades criativas para uma campanha de Natal para a Coca-Cola. Optamos por essa empresa e esse período do ano por se tratar de uma das marcas mundiais mais conhecidas do segmento de bebidas gaseificadas, com um relevante histórico de comunicação na época natalina – o que pode auxiliar a inteligência artificial generativa através de um repertório relevante a ser varrido e selecionado para a formulação de suas entregas. A seguir, o que veremos é o relato de interação que gerou três opções criativas. Assumimos, diante da plataforma, a posição de um diretor de criação que dá um briefing sucinto à máquina e vai direcionando a sua criação a partir da reprovação.
Ao primeiro comando dado por nós, “crie uma campanha de Natal para a Coca-Cola”, o ChatGPT deu como resposta um título, um objetivo, uma estratégia e duas etapas de campanha, com um argumento de vídeo (termo nosso), uma ideia de hashtag para as redes sociais e um filtro de realidade aumentada.
O mote da primeira entrega foi: “O Natal Coca-Cola - Compartilhe a felicidade!”. Olhando o histórico comunicacional, a ideia de se “compartilhar a felicidade” ronda a marca desde a campanha natalina de 2009, quando fundamentou o slogan de suas mensagens publicitárias (“compartilhe a sua felicidade”). Ainda que essa pudesse ser uma estratégia de resgate de mensagens icônicas de uma determinada marca, isso não foi sinalizado em qualquer momento pela inteligência artificial, caracterizando um plágio.
O objetivo dessa campanha, segundo a plataforma, seria “promover a marca Coca-Cola como uma bebida icônica para o Natal, reforçando valores de felicidade, união, amizade e amor”. Se observamos os slogans históricos da marca, que podemos encarar como ferramentas identitárias de uma marca (PEREZ, 2017, p. 97), podemos perceber uma mistura das palavras mais recorrentes nesses posicionamentos marcários.
Na estruturação criativa das etapas dessa primeira entrega, foi sugerido um vídeo teaser, de caráter genérico, para as redes sociais, com o call-to-action “preparando uma grande surpresa para vocês, aguardem!”. Para a segunda etapa, foi entregue um argumento do vídeo para televisão, em que há a clássica cena da família reunida na noite de Natal com garrafas do refrigerante à mesa e a mensagem principal, “Compartilhe a felicidade neste Natal com Coca-Cola” – mais um plágio da campanha de 2009. Os desdobramentos do vídeo seriam uma hashtag, para incentivar os consumidores a divulgarem a marca, e um filtro do Snapchat.
Nesse ponto, há de se notar que a inteligência artificial reconheceu e agiu de acordo com o modus operandi clássico da marca em relação aos formatos publicitários utilizados, ao mesmo tempo em que tentou modernizar a sua abordagem, ainda que a plataforma Snapchat no Brasil não tenha mais tanta aderência quanto o Instagram, que igualmente oferece a possibilidade de criação de filtros por marcas e empresas. Faltou uma visão estratégica propositiva e pertinente ao contexto midiático contemporâneo brasileiro.
Diante da nossa insatisfação quanto ao resultado previsível da máquina, uma vez que já tínhamos as referências anteriores da comunicação da marca, instigamos a inteligência artificial generativa a nos sugerir outra opção, sob o comando “mude o conceito da campanha”. Como resultado, a plataforma não apenas trouxe uma nova sugestão de conceito como também um novo desenho de campanha.
Na segunda tentativa, o ChatGPT sugeriu o conceito “Coca-Cola – um Natal com sabor único”, para “promover a marca Coca-Cola como uma bebida única e especial para o Natal, enfatizando a experiência sensorial e a conexão emocional que ela traz”. Se a primeira sugestão se baseou nos slogans e nas mensagens publicitárias mais contemporâneas da marca, essa segunda opção parece ter se valido dos slogans da primeira metade do século XX, quando a marca trabalhou com a sensorialidade e o convite à experimentação, posicionamento retomado por um pouco período a partir de 2016 com a frase “sinta o sabor”. Reconhecendo e classificando a escolha lexical (CARRASCOZA, 2004, p. 36) das mensagens-chave da Coca-Cola em torno do “sabor”, a inteligência artificial parece ter apostado em outro caminho da marca, calculando, estatisticamente, essa mudança diante da nossa recusa inicial pelo campo semântico da “felicidade” e do “compartilhar”.
Como só havíamos sinalizado a insatisfação com o conceito anterior, o ChatGPT estruturou duas etapas de campanha que exploraram formatos publicitários similares àqueles usados na primeira entrega: os vídeos e a integração com as plataformas digitais.
O vídeo inicial, intitulado “A história do sabor único”, “destacaria as especiarias e ingredientes especiais que são adicionados à receita durante essa época do ano, para criar uma bebida com um sabor distinto”, conforme sugere a plataforma. Aqui, o criador mais desatento poderia incorporar o equívoco à qual a máquina incorre. A Coca-Cola, além de historicamente não trabalhar muito bem seus ingredientes em sua comunicação, alimentando até mesmo a aura de um produto cuja receita é inigualável, não muda o seu sabor durante o Natal. Um erro que denota uma certa falta de compreensão do contexto da marca por parte da inteligência artificial.
O segundo vídeo, que compõe a etapa principal da campanha proposta, reitera as cenas mais comuns da comunicação natalina da Coca-Cola: ambientes domésticos, com pessoas cuidando dos preparativos do Natal enquanto tomam o refrigerante. Para arrematar, sugeriu-se um site especial com receitas de coquetéis natalinos preparados com a marca – algo incomum na comunicação da empresa, fora de seu contexto.
Na sequência, respondemos com mais uma negativa, insistindo no descontentamento com o conceito criativo: “não gostei do conceito, achei batido. Por favor, crie algo inovador e que não use vídeo”.
A terceira sugestão foi um plágio do slogan utilizado pela marca de 2009 a 2015: “Coca-Cola – Abra a felicidade neste Natal”, trazendo como objetivo genérico “promover a marca Coca-Cola como uma bebida que traz alegria e felicidade durante o Natal”.
Mudando um pouco a estruturação da proposta criativa, são sugeridas três etapas – porém, à essa altura, a máquina começa a mostrar mais falhas e imprecisões, como fica evidente na confusão entre formatos e dinâmicas na etapa inicial da campanha criada:
“a campanha começaria com anúncios impressos e digitais (...). As peças publicitárias seriam em formato de cartão de Natal, com o famoso urso polar da Coca-Cola e um espaço em branco para o destinatário escrever uma mensagem personalizada. Esses cartões seriam distribuídos em pontos de venda e também poderiam ser compartilhados nas redes sociais”.
A imprecisão na proposta continua quando na segunda etapa é sugerido “distribuir latas ou garrafas temáticas de Natal, que incluiriam uma mensagem de incentivo para compartilhar com amigos e familiares” e emenda um roteiro de vídeo (ainda que tivéssemos solicitado que não houvesse esse formato). A ideia da lata parece partir da ação rotineira de utilizar a embalagem como parte da campanha, que já gerou grandes êxitos publicitários para a Coca-Cola, ao passo que o vídeo reproduziu os clichês da marca.
A terceira etapa, probabilisticamente, apostou em algo que não havia sido proposto ainda nas outras duas opções: uma campanha de cunho social, em que parte do lucro das vendas seria revertido a causas sociais – recurso criativo empregado por diversas marcas contemporaneamente. Parece haver uma tentativa de tentar agradar o usuário a qualquer custo, sem critério.
Muitos outros caminhos de interação com o ChatGPT poderiam ter sido tomados e esse teste poderia se alongar ilimitadamente, até o esgotamento da máquina (que já ficou evidente na terceira opção dada pela plataforma). Porém, à título de verificação das potencialidades e limitações dos resultados criativos do ChatGPT, já podemos traçar preliminarmente algumas conclusões.
Retomando nossas hipóteses iniciais, podemos dizer que a inteligência artificial generativa, assim como a criação publicitária, é dialógica. Avaliando-se os resultados obtidos, pode ser observada a geração de ideias em diálogo constante com os enunciados publicitários já assinados pela marca. Pela varredura de textos atribuídos à Coca-Cola, como suas mensagens-chave, seus slogans e seus símbolos, como o urso polar natalino, buscou-se uma continuidade do histórico comunicacional da marca. Isso se dá pela metodologia do processamento da linguagem natural (PNL), que está mais interessada em criar sobre regras sintáticas e semânticas, apoiando seus resultados em probabilidades de combinações com maior chance de acerto e previsibilidade (RUSSELL; NORVIG, 2022, p. 745–775), do que na conexão de ideias de forma inédita ou ousada. Um ponto digno de nota é a ausência de erros gramaticais ou sintáticos, o que, para um avaliador humano, pode denunciar a artificialidade do resultado.
Nesse aspecto dialógico da máquina reside um ponto de atenção: a ferramenta parece ter varrido apenas textos já associados à marca, o que tornou a criação enviesada e repetitiva, incorrendo até mesmo em plágio não-sinalizado. Um usuário sem o repertório robusto ou um olhar mais atento poderia aceitar esses resultados sem critério e ser acusado de plágio. Não houve qualquer conexão com elementos alheios ao universo já estabelecido da marca.
Sob a perspectiva do bricoleur, a inteligência artificial generativa do ChatGPT se mostrou limitada. Quando desafiada a criar uma campanha, a máquina sempre estruturou suas propostas em título, objetivo, estratégia e etapas, sem qualquer margem para inovação da entrega. A reiterada recomendação de vídeos emocionais, ainda que pudesse nos levar à uma constância da Coca-Cola, mostrou um enviesamento que prejudica o pensamento criativo.
Além disso, em vários momentos, a falta de leitura do contexto mercadológico e midiático para além da marca gerou erros crassos, como recomendações defasadas para o cenário brasileiro contemporâneo (como a sugestão do Snapchat, com baixa adesão na cultura digital do país atualmente) ou descoladas do que a marca supostamente faria (como focar em comunicar uma mudança sazonal da fórmula, o que eles não fazem).
Tendo em vista todos esses pontos, a ferramenta não substitui, e possivelmente não substituirá, o trabalho criativo feito por humanos. Por um olhar estrutural, é uma máquina treinada e estimulada por humanos. Por um olhar prático, seus resultados demandam um repertório crítico capaz de julgá-los, pois, se o usuário confiar plenamente, poderá ser levado ao equívoco ou enviesar a máquina a continuar errando. Como sintetiza Cathy O’Neil (2020, p. 13), “sem feedback (...) um mecanismo estatístico pode continuar fazendo análises ruins (...) sem nunca aprender com seus erros”.
Porém, ao mesmo tempo, a ferramenta tem a potencialidade de servir de base à criatividade ao fornecer o estado da arte da comunicação de uma marca, apresentando uma miríade de lugares-comuns ao seu universo semântico, otimizando as pesquisas sobre as históricas linhas comunicacionais de um determinado cliente. No contexto da aceleração do trabalho criativo, pode ser um dos muitos instrumentos disponíveis para otimização do tempo, sendo importante o reconhecimento das limitações dessa práxis algorítmica que embasa a ferramenta, reconhecendo que “o papel desses modelos é subsidiar o processo de tomada de decisão” (KAUFMAN, 2022, p. 219) e não dar as respostas finais.
Para futuros estudos, é interessante testarmos as mesmas possibilidades criativas do ChatGPT (bem como em outras ferramentas de inteligência artificial generativa) com outros tipos de marcas de refrigerante, como, por exemplo, Guaraná Jesus, uma marca regionalizada que desafiaria a máquina a pensar localmente, e Wewi, uma marca de pequena expressão publicitária com pouco histórico de comunicação. Somente na empiria poderemos enxergar as potencialidades e limitações da inteligência artificial na execução de tarefas originalmente feitas por humanos.