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Recepção: 20 Junho 2021
Aprovação: 29 Março 2022
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2022/60544
Resumo: Reflete sobre o objeto constituição como objeto jurídico-linguístico. Para tanto, instala uma escuta materialista da prática jurídico-doutrinária, constituindo um corpus analítico baseado no funcionamento discursivo de algumas definições em dizeres classificatórios sobre constituição. Compreende que a prática discursiva da doutrina jurídica possui um caráter dividido e dominado conjunturalmente pela eficácia da ideologia da transparência.
Palavras-chave: Discurso jurídico, Ideologia, Doutrina.
Abstract: This is a reflection on the constitution as a legal-linguistic object. Therefore, a materialist listening is applied to the legal-doctrinal practice, constituting an analytical corpus based on the discursive functioning of some definitions in classificatory statements about constitution (as an object). It is understood that the discursive practice of the legal doctrine has a divided character, and is dominated, at the moment, by the effectiveness of the transparency ideology.
Keywords: Legal discourse, Ideology, Doctrine.
Introdução
Há, sem dúvida, em nossa sociedade e, imagino, em todas as outras, mas segundo um perfil e facetas diferentes, uma profunda logofobia, uma espécie de temor surdo desses acontecimentos, dessa massa de coisas ditas, do surgir de todos esses enunciados, de tudo o que possa haver aí de violento, de descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse grande zumbido incessante e desordenado do discurso.
Michel Foucault1
Crise do direito. Crise jurídica. Crise da constituição. Crise constitucional. Crise hermenêutica. Crise da hermenêutica. Crise da jurisdição. Crise do judiciário. Crise democrática. Crise de legitimidade democrática. Crises da democracia. 2 Sob a diversidade e proliferação dessas formas que tocam numa série, perpetuamente reorganizável, de objetos paradoxais, funcionando “[...] em relações de força móveis, em mudanças confusas, que levam a concordâncias e oposições extremamente instáveis” (PÊCHEUX, 2015a, p. 116), tais como: direito, constituição, hermenêutica, interpretação, judiciário, democracia etc., parece se instalar, em nossa ontologia do presente,3 um espécie de temor apocalíptico quanto à instabilidade imaginária do chamado Estado democrático de direito.
No cerne dessa problemática, perguntas - tais como: o que (não) diz a constituição? O que (não) quis dizer o constituinte? O que (não) deve dizer o juiz sobre a constituição? O que é uma constituição? - entrecruzam-se, repetem-se e movimentam identificações e tomadas de posição distintas, em discussões acaloradas na Suprema Corte, no campo das mídias televisivas e digitais, dentre outros espaços enunciativos, pondo em jogo a eficácia material da ilusão de que, no jurídico, tudo já tem sentido e isso não constitui problema algum.
É sob a tentativa de contribuir com a instalação de uma escuta materialista desses sentidos, cuja opacidade é visibilizada a partir de um gesto de leitura, que este texto se articula e propõe as suas questões. Isso numa conjuntura em que os dizeres constitucional e sobre constituição suscetibilizam a agudização e o alarido do que pode e deve significar ser sujeito e, a um só tempo, ser falante em uma formação social como a nossa.
Proponho aqui três movimentos. Num primeiro momento, discorrerei, brevemente, sobre algumas das possíveis relações entre direito e linguagem. Num segundo, sobre a prática discursiva jurídico-doutrinária. Num terceiro, finalmente, construirei o meu gesto de análise, a partir do funcionamento discursivo de alguns enunciados definitórios materializados em dizeres classificatórios sobre constituição.
Tentarei, por meio do dispositivo discursivo-analítico de leitura,4 suscetibilizar os efeitos de uma prática compreensiva que vise à deslocalização tendencial do sujeito enunciador, através de um desregramento que, sistemático, trata de desfazer e afetar os liames do performativo, para que o dito, o escrito e o escutado possam, finalmente, identificarem-se ao “[...] puro efeito de um eco anônimo devolvido pelas bordas [...]” (PÊCHEUX, 2016, p. 28).
2 Linguagem e direito
Propondo-se a responder ao questionamento de como trabalhar (n)a relação entre linguística e direito, Sigales-Gonçalves (2020) discerne dois tipos de preocupação. A primeira se refere ao trabalho profissional quanto à mencionada relação. A segunda, ao trabalho teórico entre as duas ciências e seus respectivos objetos, a saber: a língua e o direito. A autora, então, define o que seria um objeto advindo de um tal entremeio possível: o objeto linguístico-jurídico. Em suas palavras:
Compreendemos objetos linguístico-jurídicos como objetos relativos a fatos de língua (objeto linguístico) levados à esfera jurídica (objeto jurídico), seja para a aplicação na transformação de práticas de instituições jurídicas e de operadores do direito, seja para a compreensão da estrutura e do funcionamento do Direito (SIGALES-GONÇALVES, 2020, p. 370).
Quanto aos possíveis caminhos de definição desse objeto híbrido, Sigales-Gonçalves indica pelo menos três: a linguística forense, o direito linguístico e a interação em contextos jurídicos, bem como as análises do discurso jurídico. A primeira perspectiva trabalha a língua como prova para a resolução de litígios jurídicos, como, por exemplo: em se tratando de língua escrita, casos de atribuição de autoria, verificação de plágio e disputa por nomes de marcas; em se tratando de material sonoro, leva-se em conta os aspectos fonético-acústicos do disfarce da voz, do uso de técnicas acústicas para a verificação do locutor, do efeito do celular no sinal de fala, da prosódia etc. A segunda, ainda em vias de constituição efetiva no Brasil, ocupa-se, em suma, dos direitos e deveres linguísticos, a partir de práticas diversas de regulação da língua e dos falantes em relação a ela. Na terceira, a delimitação do objeto recai sobre a descrição e análise do funcionamento de práticas discursivas, seja a partir dos estudos da fala-em-interação, seja a partir da Análise do Discurso, em suas variadas vertentes.
Aproximando-se da última perspectiva, Warat (1985) percorre as principais tendências desde as quais o direito representa a sua relação com a linguagem: a semiologia saussuriana, o neopositivismo lógico, a filosofia da linguagem ordinária e a nova retórica. A essas, o autor contrapõe a sua proposta, a qual denomina Semiologia do Poder. Segundo ele:
[...] a semiologia do poder pretende analisar a significação como instrumento de controle social, como estratégia normalizadora e disciplinar dos indivíduos, como fórmula produtora do consenso, como estágio ilusório dos valores de representação, como fetiche regulador da interação social, como poder persuasivo provocador de efeitos de verossimilhança sobre as condições materiais da vida social, como fator legitimador do monopólio da coerção e como fator de unificação do contraditório exercício do poder social (WARAT, 1985, p. 18).
O programa investigativo apresentado pelo autor, desta maneira, visa a desmistificar as diversas práticas discursivas conforme as quais o saber jurídico se legitima, bem como a destruição dos mitos que o organizam enquanto senso comum teórico (WARAT, 1982). Isso porque Warat compreende que as incidências, no saber jurídico, de teorias sobre a linguagem respondem à dicotomia saussuriana língua/fala5 e, que a despeito de tentarem desestruturar a doxa linguística dos juristas, converteram-na em uma episteme conforme o modelo positivista, isto é, cederam à ilusão de uma linguagem purificada, sintática e semanticamente, muito embora tenham revelado questões pragmáticas “[...] com as quais se pretendia ora denunciar as forçosas imprecisões e aberturas significativas das palavras da lei, ora indicar as funções tópico-retóricas da maior parte das noções e categorias do saber jurídico dominante” (WARAT, 1985, p. 99). Contudo, ainda que tais questões pragmáticas tenham sido visibilizadas, para o autor, há uma comprovada insuficiência analítica no que se refere à relação das enunciações jurídicas com as práticas políticas e ideológicas da sociedade, bem como quanto às suas próprias dimensões políticas, do que a semiologia política que propõe se ocupa.
Desde o intento de esboçar uma reflexão sobre a discursividade de constituição,6 significante que nomeia um objeto linguístico-jurídico, nos termos acima discutidos, este trabalho se inscreve, linhas gerais, na terceira perspectiva que situa um objeto desdobrado na relação entre direito e linguagem, a partir da descrição e análise do funcionamento das práticas discursivas jurídicas.7 Dessa maneira, tendo em conta que, a priori e em si, uma constituição não diz nada, compreendo, junto com Canotilho (2002, p. 5), que “[...] as ‘imagens’ e representações do Estado e da Constituição são [...] ‘construções intelectuais’ e não ‘descrições da realidade’ [...]” as quais, “[...] devidamente contextualizadas, [...] transportam, desde logo, um ímpeto político-ideológico particularmente forte”.
Aproprio-me aqui da crítica feita por Warat quanto às incidências tradicionais do saber linguístico sobre o saber jurídico, ao que acrescento que tais dão a ver “[...] processos espontaneamente representados-deformados, tornados, propriamente irreconhecíveis [...]” (PÊCHEUX, 2014, p. 80) numa dada conjuntura. Ainda, reinscreverei a noção de senso comum teórico dos juristas (WARAT, 1982), doravante SCTJ, numa perspectiva desde a qual se possa ler as maneiras pelas quais o saber jurídico se apossa do saber linguístico convertendo-o em matéria-prima representacional de sua filosofia espontânea da linguagem.8
Com respeito, assim, à instalação de uma escuta analítica do funcionamento da ilusão epistêmica do direito e que considera a necessidade teórica de se observar a forma como o político e a exterioridade determinam os funcionamentos linguísticos, subjetivo um dispositivo de investigação que tem a produção de sentido como possibilitada pela inscrição da língua na história, compreendendo a metáfora não como desvio lateral, mas condição (uma palavra por outra) de haver encontro do significante com a exterioridade, lugar de existência material do objeto discurso, enquanto objeto teórico. Desde essa perspectiva teórico-analítica, a que se pode também chamar Semântica Discursiva (HAROCHE; PÊCHEUX; HENRY, 2007), é possível pensar a relação de entremeio entre: sujeito, como efeito da ideologia e de seu assujeitamento ao inconsciente; língua, enquanto base comum de processos discursivos diferenciados; e história, como objetividade material contraditória, pelo que se organizam filiações e tomadas de posição diversas.
3 A prática discursiva jurídico-doutrinária
As análises produzidas a partir do dispositivo conceitual da Semiologia do poder têm privilegiado a relação entre ensino e saber jurídico, com o intuito de mostrar como que, não acidentalmente, o discurso do professor de direito contribui na formação do SCTJ, esse último compreendido como:
[...] um conhecimento constituído, também, por todas as regiões do saber, embora aparentemente, suprimidas pelo processo epistêmico. O senso comum teórico não deixa de ser uma significação extra-conceitual no interior de um sistema de conceitos, uma ideologia no interior da ciência, uma doxa no interior da episteme (WARAT, 1982, p. 52).
Ele designa, portanto, “[...] as condições implícitas de produção, circulação e consumo das verdades nas diferentes práticas de enunciação e escritura do direito” (WARAT, 1987, p. 57). Em relação a isso, o discurso docente, como lugar de poder:
[...] estabelece os ‘topoi’ e as fórmulas tópicas, mediante as quais se constitui o imaginário teórico dos juristas, organizador de seus diferentes discursos. Encoberto pelo saber jurídico dominante, existe um pensamento tópico que permite aos juristas assumir as principais categorias organizadoras do seu saber como coisas óbvias e não problemáticas. Esse universo tópico latente, baseado em costumeiros pontos de vista, é o que rouba aos juristas a possibilidade de compreender o papel do jurídico nos jogos sociais não previstos no sistema tópico postulado. Eis a função das escolas de direito, que nos permite apontá-las como o lugar logotécnico dominante (WARAT; ROCHA; CITTADINO, 1981, p. 146).
Colados a esse processo de construção das obviedades jurídicas através do ensino estão os discursos doutrinários materializados nos manuais de direito, a partir do que o saber jurídico vai levando adiante a sua “crise dogmática” (STRECK, 2007), por meio de uma operacionalidade jurídica estandardizada e do caráter pré-fabricado que ela outorga a determinadas fórmulas convocadas à repetição no discurso docente. Dessa maneira, não apenas a análise da prática discursiva do professor de direito é fundamental para a compreensão das condições pelas quais o SCTJ se produz e se sustenta. Faz-se igualmente oportuno investigar outras práticas discursivas jurídicas, a exemplo da prática discursiva jurídico-doutrinária, viés que assumirei como ponto de partida desta reflexão. Sendo a prática discursiva jurídico-doutrinária um lugar de fabricação de obviedades de sentido, uma análise, como a que aqui é empreendida, proposta a investigar as leis de funcionamento e eficácia material do imaginário teórico dos juristas em nossa formação social se mostra bastante profícua.
Para Edelman (1976), a doutrina jurídica representa o apêndice professoral do capital, um corpus de comentários das leis e decisões judiciais e de obras “teóricas” acerca do direito. A doutrina é, de acordo com esse autor, o espaço privilegiado de funcionamento da ideologia jurídica, isto é, o lugar em que se elabora a defesa e ilustração do discurso jurídico, do ensino jurídico e da produção da prática jurídica. Partindo disso, proponho pensar a prática discursivo-doutrinária do direito como uma prática estruturante da ideologia jurídica na língua,9um discurso sobre o jurídico, compondo-se de enunciados definitórios, predicativos, que, didaticamente, representam as suas asserções como objetivamente “verdadeiras” pelo apagamento do sujeito da enunciação. Assim, um lugar ritual de fabricação de pré-construídos, isto é, de evidências de saber para o direito; de definição de pertenças prévias e recíprocas, de diferenciação, ligação e questionamento dos sujeitos nela inscritos e dos enunciados a partir daqueles.10
Como prática de dizer sobre o jurídico, a enunciação doutrinária torna objeto aquilo de que fala e contribui na institucionalização de sentidos, o que é licitado pela eficácia material das ilusões de linearidade e de homogeneidade da memória.11 O enunciador tomado nessa prática se inscreve num lugar de autoridade e transita “[...] na co-relação entre o narrar/descrever um acontecimento [juridicizado] singular, estabelecendo sua relação com um campo de saberes já reconhecido pelo interlocutor” (MARIANI, 1996, p. 64). É trabalhada, então, nos termos de Orlandi (1990), a polifonia através da organização das diferentes vozes dos discurso do direito em sentido estrito. A memória discursiva12 é aí organizada, disciplinada e reduzida como memória jurídica responsável pela alimentação do SCTJ e pela sustentação de ilusão epistêmica que lhe dá forma:
[...] com um arsenal de sintagmas prontos, pequenas condensações de saber, fragmentos de teorias vagamente identificáveis, coágulos de sentido surgidos do discurso dos outros, elos rápidos que formam uma minoria do direito a serviço do poder (WARAT, 1987, p. 59).
De meu interesse é, portanto, investigar de que maneira o discurso doutrinário sobre constituição, disciplinariza a memória do dizer e constrói os seus sintagmas prontos, as suas evidências de sentido, especificamente, ao converter o saber linguístico em matéria-prima representacional da filosofia espontânea da linguagem dos juristas, região específica de seu senso comum teórico.
4 Um gesto analítico
Uma reflexão sobre a discursividade em que se inscreve o objeto linguístico-jurídico constituição, em minha perspectiva, precisa considerar, sem prejuízo do concurso das respectivas exterioridades à prática discursiva jurídica: a) o discurso da constituição; b) o discurso sobre constituição (por exemplo, a doutrina jurídico-constitucional); e/ou c) a forma como o discurso sobre constituição organiza as diferentes vozes no discurso da constituição e os efeitos de sentido13 que disso decorrem. Nesta seção, elejo o segundo tipo de funcionamento da prática discursiva jurídica, propondo uma investigação do discurso jurídico-doutrinário. Desejo visibilizar como, a partir desse funcionamento específico, o SCTJ põe em jogo a sua filosofia espontânea da linguagem ao dizer sobre constituição.
Percorrendo a memória de arquivo jurídico-doutrinária14 de dizeres sobre constituição e considerando que, metodologicamente, não é relevante uma exaustividade horizontal15 do intradiscurso16 em que as sequências apresentadas a seguir são tomadas, recorto,17 no campo dos discursos de classificação das constituições, aquele cuja relação entre linguagem e direito me parece mais bem pronunciar-se como um sintoma: o critério classificatório dito ontológico (ontologische klassifierung der Verfassungen), proposto por Karl Loewenstein (1959), para quem uma constituição (Verfassung) pode ser: a) normativa (normative); b) nominal (nominalistische); c) semântica (semantische).
Partirei de gestos de interpretação materializados em diferentes manuais jurídicos, tendo como referência, para a organização de corpus e em função de meus objetivos analíticos, o funcionamento dicursivo dos enunciados definitórios, havidos como mecanismos de produção de um efeito de ilusão referencial (MARIANI, 1996). Quanto à especificidade semântica do dizer classificatório em questão, proponho entendê-lo como espaço político18de funcionamento de uma fantasia categorial, através de operações de saturação, estabilização e generalização, tais como divisão, distinção, repartição, ordenação, coordenação, hierarquização etc. do sensível. Sejam as sequências discursivas19:
Essas são as três sequências discursivas de referência selecionadas em minha montagem de corpus. Na prática discursiva jurídico-doutrinária, tais sequências estão presentes no espaço enunciativo dos manuais jurídicos, um dos lugares rituais de defesa, ilustração e suplementação das ilusões sustentantes do discurso jurídico. Elas põem em funcionamento um dizer definitório, de efeito classificatório, sobre o objeto constituição, nos termos que discuti acima. Para analisar as relações de sentido em jogo, darei consequência aos seguintes conceitos operacionais: a falta, o excesso e o estranhamento (ERNST, 2009). Sob a dependência dos propósitos analíticos deste empreendimento leitor, observareo aquilo que é dito demais, dito de menos e que emerge de maneira inesperada nos enunciados, cada um desses havido como um gesto de repetição20 através do que um mesmo se faz retornar
[...] mas que, justamente pelo fato de retornar em um outro lugar e um outro tempo, é outro (a repetição é ela mesma a ínfima diferença que permite seu reconhecimento e seu esquecimento), a ruptura da identidade do que retorna, disseminada, no que a repete, a insistência do que se repete relacionada ao deconhecimento da ‘causa’ dessa repetição, a suspeita de que essa ‘causa’ esteja ligada a uma perda, uma ‘falha’ irremediável (não há um acontecimento, um texto originário que se repetiria) (COURTINE; MARANDIN, 2017, p. 46).
As sequências recortadas apresentam uma forma sintática relativamente regular. Elas são introduzidas por SN (Det+N+ADJ) + VSER + X, sendo: SN (sintagma nominal), Det (determinante), N (nome), ADJ (adjetivo), VSER (verbo ser), X (paráfrase definitória). Veja-se o quadro a seguir:
Descrevendo, inicialmente, a primeira parte (SN) das definições, observo que a posição de determinante do nome (Det) aparece ora preenchida, por um artigo definido plural (as) ou singular (a), como em 1 (a. As constituições normativas.../ b. As constituições nominais.../ c. ...a Constituição semântica...), ora não preenchida (Ø), como em 2a (Ø Constituição Semântica...) e 3 (a. ...Ø constituição nominalista.../ b. ...Ø constituição semântica...). Nos casos em que não há realização do determinante na superfície linguística (2a e 3a e 3b), a saturação do N, conforme interpreto, realiza-se estritamente no discurso, isto é, indica um processo discursivo mediante o qual a memória do dizer intervém para que os sentidos dos SN sejam específicos e não indefinidos.21 Caso contrário, restaria prejudicado o efeito de completude gestado pelos enunciados definitórios. É assim que a falta dos determinantes, segundo penso, investe os SN singulares (2a, 3a e 3b) como entradas, que, conforme o esquema de um dicionário ou enciclopédia, introduzem suas definições sob o efeito-verbete no interior das sequências em que ocorrem.
Ao observar o funcionamento determinativo dos adjetivos22 atuando na saturação discursiva do nome constituição, considero que “[...] o processo de determinação de um substantivo envolve questões sintáticas e semânticas [...]” (INDURSKY, 2013, p. 214) e que “[...] o adjetivo pode funcionar como um elemento capaz de saturar o substantivo, constituindo-se em um determinante discursivo [...]” (p. 215, grifo da autora). Sendo assim, a construção de referentes discursivos através da combinação N + ADJ será tomada aqui como efeito de uma injunção ideológica que compele o seu enunciador à saturação de expressões nominais, para limitar sua extensão e limitar a sua referência atual, de maneira a produzir-se um efeito de completude definitória. Por meio da determinação discursiva, então, as expressões nominais se qualificam a ocupar o lugar de entradas no intradiscurso dos enunciados definitórios em análise.
Dentre os quatro determinantes discursivos que compõem as aludidas entradas dos enunciados definitórios materializados nas sequências em exame, três são os que me chamam mais atenção devido ao seu aspecto metalinguageiro: nominais, semântica e nominalista. Esses adjetivos, em minha leitura, interferem na cadeia sob a forma de uma ponte de heterogeneidade (AUTHIER-REVUZ, 1990), desde a qual são remetidos à língua como exterior ao discurso em enunciação. Trata-se da convocação de um outro saber, qual seja, o saber linguístico, a partir do qual os enunciados definitórios têm representada a sua constituição. Dessa maneira, o lugar da determinação discursiva dos N por meio dos mencionados adjetivos é também o lugar em que se pode ler o funcionamento de um imaginário de língua afetando os enunciadores desde a prática discursiva jurídico-doutrinária em que são tomados.
Ao refletir, assim, a respeito da(s) imagem(ns) de língua que licencia(m) a saturação discursiva dos N por meio dos adjetivos em questão, o exame das paráfrases definitórias se mostra salutar. Por uma questão de recorte, alcance e objetivos analíticos, deterei-me naquelas que definem constituição semântica (1c, 2a e 3b). Tais se inscrevem num processo discursivo em que têm lugar diferentes versões definitórias, afetadas pela variança23 como base para a sua textualização (ORLANDI, 2001). Elas estabelecem, ainda, relação parafrástica entre si, ao tempo que, afetadas pela variança, são atravessadas pela polissemia. Assim, ao se ler a definição presente em 2a como paráfrase de 1c, fica visibilizado o efeito metafórico24 constituindo o dito em 2a como formulação do não dito em 1c.
1c: a formalização do poder de quem o detém no momento
2a’: a legitimação dos interesses da classe dominante...25
É possível ler “da classe dominante” (2a), desse modo, como a formulação do tangenciado pela construção “de quem o detém no momento” (1c). Essa variança parece indicar algo quanto à filiação histórica em relação a que tomam posição os enunciadores de uma e de outra sequência. Para interpretá-la, levantarei duas hipóteses. Seja o conceito de formação discursiva (doravante FD):
[...] aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa etc.) (PÊCHEUX, 2014, p. 147).
Havendo tais versões definitórias como gestos de interpretação quanto ao saber inerente à FD em que se inscrevem os respectivos enunciadores, cabe constatar que - enquanto tomadas de posição em face do Sujeito (Universal), isto é, da forma-sujeito que governa a respectiva FD - tais gestos não se constituem como atos originários de seus sujeitos-falantes26. Antes, são o efeito, na forma-sujeito, da “exterioridade” do real ideológico-discursivo, em que cada tomada de posição:
[...] resulta de um retorno do ‘Sujeito’ no sujeito, de modo que a não-coincidência subjetiva que caracteriza a dualidade sujeito/objeto, pela qual o sujeito se separa daquilo de que ele ‘toma consciência’ e a propósito do que ele toma posição, é fundamentalmente homogênea à consciência-reconhecimento pela qual o sujeito se identifica consigo mesmo, com seus ‘semelhantes’ e com o ‘Sujeito’ (PÊCHEUX, 2014, p. 160).
Em relação ao que precede, compreendo que as paráfrases definitórias 1c e 2a materializam tomadas de posição distintas em relação ao saber que interpela os seus enunciadores e que constitui o sentido de seus enunciados. Numa primeira hipótese, pode-se interpretar que a variança que aí se textualiza é indicativa de que os enunciadores se reconhecem diferentemente em uma mesma FD, considerando-se que o recalcado em 1c possa ser nela licitado. Isto é, o não formulado em 1c e sim em 2a, nestes termos, poderia ser dito, mas não o foi por não ser conveniente27 a um gesto de definição que se representa como abstrato e indeterminado28 em relação às conjunturas e objetos a que pode significar.
Numa segunda hipótese, é possível supor que a variança entre o não-formulado em 1c e o formulado em 2a é indicativa de filiações diversas, isto é, do reconhecimento de seus respectivos enunciadores em FD opostas especificamente quanto ao objeto (constituição semântica). Dessa maneira, teria-se que: a) o não-formulado em 1c pertenceria ao indizível da FD que afeta o seu enunciador; b) o formulado em 2a traduziria a materialização do que pode/deve ser dito na FD outra; c) a variança entre 1c e 2a indicaria que há uma fronteira dividindo contraditoriamente o dizível em formas-sujeito distintas, pelo que se facultam tomadas de posição diversas para os enunciadores de uma e de outra versão definitória.
Na forma como eu leio, as paráfrases definitórias 1c e 2a textualizam o político de modo diferenciado. Em 1c, por denegação. Em 2a, pelo efeito de divisão. No primeiro caso, permanece não dito o titular do poder, através da construção (quem o detém no momento). No segundo, esse não só é dito (classe dominante) como implica, transversamente, o seu outro (classe dominada). Dessa maneira, formalizar o poder de x e legitimar os interesses de y se opõem semanticamente, oposição que realiza um dos efeitos materiais da determinação histórica do discurso do direito como nova língua de madeira da época moderna, “[...] na medida em que ela representa no interior da língua, a maneira política de negar a política” (PÊCHEUX, 1990, p. 11).
Contudo, se, por um lado, a paráfrase definitória formulada pelo enunciador de 2a, parece materializar uma tomada de posição identificada em relação a sua forma-sujeito respectiva; por outro, a formulada pelo enunciador de 1c indica um movimento de recuo crítico em relação a ela. Isso, como interpreto, em face do efeito de sentido de distanciamento produzido pelo funcionamento do verbo ser no futuro do pretérito do indicativo (seria). Ademais, cabe mencionar que é somente na sequência 1, em que está linearizada 1c, que há a ocorrência do discurso relatado, enquanto marcação formal-enunciativa da distância, já que, nas demais sequências, os gestos definitórios incorporam o saber proveniente da memória, ou o deslocam, sob um efeito de homogeneidade e mediante uma tomada de posição identificada de seus enunciadores em relação ao Sujeito Universal de sua(s) respectiva(s) FD. Segundo penso, essa posição de recuo é efeito da sobredeterminação do interdiscurso29 sobre as fronteiras da FD matriz de sentido de 1c.
Contrastando a relação parafrástica entre as versões definitórias 1c e 2a - as quais, definindo um mesmo objeto, o fazem sob formas diferentes - com a observada em 3b, compreendo que, nessa última, a paráfrase definitória é invadida radicalmente pela polissemia:
3b. … aquela cuja interpretação de suas normas depende da averiguação de seu conteúdo significativo...
Não há qualquer alusão ao poder político e/ou ao seu titular, como ocorre em 1c e 2a. Neste caso, a definição põe em jogo outro sentido de constituição semântica, dessa vez, como relativo à averiguação de seu conteúdo significativo. É em face, assim, de um discurso sobre a interpretação que o enunciador em questão formula a paráfrase definitória, a qual opera sentidos diversos em relação às demais; de onde acredito poder dizer que as definições examinadas (1c/ 2a e 3b) se inscrevem em redes de memória distintas, as quais se tocam na relativa estabilidade da superfície significante, isto é, através da retomada de construções sintagmáticas já existentes no interdiscurso, mas se disjugem nos termos de sua interincompreensão e desentendimento recíprocos30.
Da ordem do ex-cêntrico o fato de que é somente em 3b que o determinante discursivo semântica se relaciona ao sentido da constituição que classifica, relação que se sustenta na imaginarizada oposição entre denotação (constituição nominalista) e conotação (constituição semântica). Em 1c e 2a, paradoxalmente, semântica diz respeito a um sem-sentido especificamente jurídico-normativo: discursivização do não-sentido do sentido como sem-sentido e tamponamento do político como próprio ao sentido. Em 1c, o sem-sentido de uma forma que não informa a matéria (prática real). Em 2a, o de uma legitimação que é estritamente política, passando supostamente ao largo do jurídico.
Se em 1c e 2a o saber discursivizado materializa gestos de interpretação possibilitados mediante a incorporação contraditória do discurso outro pela(s) sua(s) respectiva(s) FD, discurso esse que tem na classificação ontológica das constituições de Loewenstein um de seus principais lugares de ancoragem imaginária e efeito de fundação;31 em 3b, diferentemente, a retomada do mesmo saber é afetada por uma infelicidade performativa (PÊCHEUX, 2015c), por um esquecimento que a situa na ordem de uma memória lacunar ou com falhas (COURTINE, 1999), licitando variança como sintoma de que o objeto do discurso é agenciado por outro nível de opacidade, como relativo a outra FD em tensão com aquela(s) em que se reconhecem os enunciadores de 1c e 2a. Em 3b, assim, o enunciador pode se constituir como autor do enunciado definitório, historicizando a sua relação com o Outro (interdiscurso); enquanto que, em 1c e 2a, as paráfrases definitórias textualizam, entre si, gestos de repetição formal.32
O procedimento de descrição das definições em funcionamento no dizer classificatório sobre as constituições auxilia, segundo a análise proposta, em compreender que: a) a prática discursiva jurídico-doutrinária é dividida em seu interior; b) nenhum dos gestos definitórios analisados é materialmente neutro; pelo contrário, as operações linguístico-discursivas de saturação em jogo na ilusão categorial da doutrina jurídica são da ordem do político e, por meio da circunscrição de suas pertenças, intervêm no sensível em termos de reprodução não econômica das relações de produção (ALTHUSSER, 2008). É assim que, segundo penso, a filosofia espontânea da linguagem, enquanto região do SCTJ e de seus modos de fazer laço social na história, empurra algo para o impossível,33 considerando as relações interpretáveis como efeitos de antecipação gestados no sempre-ainda (COURTINE, 2009) da(s) FD em presença.
Se as ditas constituições normativas podem, então, funcionar como um parâmetro constitucional no imaginário democrático, a chamada constituição semântica se inscreve, de maneira dominante, na memória de um futuro constitucional que não pode acontecer.34 É interessante observar, a esse respeito, como que, nas sequências discursivas a seguir, as quais integram o domínio de atualidade35 constituído para as três sequências discursivas de referência em análise, os sentidos de constituição semântica: a) comparecem para significar, de maneira estabilizada, a constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937; b) são atualizados pela discursivização de um futuro espectral rondando o presente político da constituição em vigor:36
4. A Constituição do Estado Novo ou Polaca - pela clara vinculação com os ideais nazi-fascistas - foi elaborada por Francisco Campos e deveria ser submetida ao plebiscito nacional, fato que nunca aconteceu. Texto outorgado em 10 de novembro de 1937, teve como base a ditadura de Getúlio Vargas e sua implantação era justificada pelo medo da infiltração comunista em terra brasilis. Sua característica principal foi a centralização do poder nas mãos do Executivo que governava através de decretos. Foi uma constituição semântica uma vez que servia apenas para legitimar o poder de Vargas (TRINDADE, 2015, online, grifo meu).
5. Embora Loewenstein não cogitasse naquelas décadas de uma onipotência do judiciário, parece que este último poder assumiu uma condição de protagonista político no Brasil. Contudo, na medida em que o judiciário age a partir de estratégias políticas de ocupação de espaços de poder em vez de se colocar como guardião da Constituição e das leis, esse fortalecimento do protagonismo judicial pode paradoxalmente conduzir a um constitucionalismo semântico no modelo loewensteiniano. Se a Constituição deixa de ser parâmetro decisório e é substituída pela “opinião pública” ou pela “voz das ruas”, como já dito por Ministros da atual composição do Excelso Pretório, o risco desse semantismo constitucional é considerável e é possível alegoricamente encomendar um réquiem hermenêutico para a Constituição balzaquiana brasileira (GALINDO, 2018, p. 4, grifo meu).
A sequência 4 foi recortada de intradiscurso, produzido em um manual de direito constitucional, em que o enunciador diz sobre a história das constituições brasileiras, pondo-se em jogo um efeito de estabilização da memória política do país. O funcionamento do verbo ser no pretérito perfeito do indicativo (foi) não é, então, neutro ou descritivo, mas intervém como a materialização de uma tomada de posição afirmada contra o exercício autoritário e centralizado do poder no governo Vargas, no que a definição de constituição semântica ganha corpo para significar a constituição do período (1937). Encontro aqui posição de interpretação análoga à afirmada pelos enunciadores das versões definitórias 1c e 2a, com a ressalva de que, tal como em 2a, em 4 o titular do poder é designado. Neste caso, por força da redução da contradição histórica ao efeito de exemplificação do antagonismo quanto à conjuntura de que se fala e em relação ao que o verbete é convocado a se atualizar.
A sequência 5 foi recortada do intradiscurso de texto publicado em espaço enunciativo informatizado de divulgação de notícias e artigos jurídicos denominado Justificando - mentes inquietas pensam o Direito. Em sua seção de apresentação, afirma-se uma tomada de posição pró-democracia e contra “[...] um Judiciário tão partidarizado, reacionário e desvinculado da Constituição Federal, dos fundamentos da República” (online). O enunciador articulista retoma sentidos de constituição semântica para, assim, a despeito de discursivizar uma reflexão sobre os a época (2018) trinta anos da constituição atualmente vigente, fazer frente a um futuro político que ameaça se concretizar: o de um constitucionalismo semântico que se reescritura,37 na linearidade da sequência, como semantismo constitucional.
Ao se redizer o já-dito verbetizado pela memória institucional, esse emerge ressignificado, convocando à deriva as posições que o interpretam como relativo ao sentido (3b) e a um sem-sentido jurídico-normativo (1c e 2a). Transformadas, as aludidas posições se qualificam a ocupar um lugar na sequência, através da conjunção de processos morfológico-derivacionais (afixação) e sintáticos, injungidos pela ideologia, que atuam sobre a entrada. Esses processos possibilitam, assim, o efeito da sinonímia contextual entre os SN constitucionalismo semântico e semantismo constitucional. Tem-se, então, o sem-sentido de um judiciário onipotente e protagonista, que averigua o significado da constituição, ao invés de se colocar como guardião de sua literalidade, a partir da “opinião pública” ou da “voz das ruas”, o que faz da interpretação uma de suas estratégias políticas de ocupação de espaços de poder.
Sem-sentido porque, em minha compreensão, opõe-se a um dizer fundador (ORLANDI, 1993) das constituições modernas, com que se identifica o enunciador, cuja significância domina e instala as condições de formação de dizeres sobre a interpretação judicial no espaço jurídico regulamentar (PÊCHEUX; GADET, 2004). Trata-se de um dizer ancorado da discursividade iluminista da separação de poderes, segundo penso. A sua materialidade repetível38 - o juiz é a boca que pronuncia as palavras da lei e dos três poderes, o de julgar é, de alguma forma, nulo -,39 introjetada pela FD em que está inscrito o enunciador em questão, horizontaliza-se na sequência examinada, tendo como uma de suas reformulações possíveis: “o judiciário age a partir de estratégias políticas de ocupação de espaços de poder em vez de se colocar como guardião da Constituição e das leis”.
Retornando às duas hipóteses que levantei anteriormente com respeito às tomadas de posição 1c e 2a indicarem ou não a presença de FD opostas, ou modalidades distintas de identificação dos enunciadores em questão quanto a uma mesma; impende insistir no fato de que “[...] uma FD não é ‘uma só linguagem para todos’, tampouco ‘cada um com sua linguagem’, mas ‘as linguagens em um mesmo’” (COURTINE; MARANDIN, 2016, p. 39, grifo dos autores). Direi, portanto, e sem mais delongas, que as tomadas de posição 1c e 2a se inscrevem num mesmo saber, de onde constituição semântica pode e deve ser significada como um sem-sentido jurídico-normativo, mesmo que seja licitada alguma variança e oposição intrínsecas (sob as formas e os efeitos da abstração e da representação democrática da divisão, repectivamente). A essa matriz de sentido, relativamente idêntica e divida em relação a si mesma, notarei FD1. Por outro lado, a 3b corresponde outro nível de opacidade, estruturando historicamente outras formas de repetição e regularização do objeto. A esse saber outro notarei FD2.
Ao interpretar os efeitos de diálogo entre as posições 1c, 2a e 3b e seu domínio de atualidade, delimitado aqui pelas sequências 4 e 5, pode-se compreender que, ao significar o objeto do discurso em questão, o enunciador de 4 se reconhece na forma-sujeito da FD1. Por outro lado, o saber que estrutura o enunciador de 5 não se refere nem à FD1, tampouco à FD2, mas a um fusionamento das posições por elas comandadas, que, sobredeterminado pelo interdiscurso, faz delas a matéria-prima de um saber-matriz outro, a que notarei FD3. Segundo penso, essa terceira forma de dispor dos objetos só é possível porque as FD1 e 2 não representam gramáticas ideológicas diversas ou põem em jogo repetições isoladas, mas realizam e desenvolvem uma mesma formação ideológica: a dominante conjuntural que outorga o lugar de dominância à FD3, quanto aos sentidos ora descritos, para conter uma alteridade, de cujo sintoma é o protagonismo judicial: espaço virtual de representação do discurso outro e de investimento das fronteiras cambiantes e porosas da FD3.
Para situar essa opacidade, pergunto: o que é necessário40 que seja a língua para que constituição semântica possa fazer sentido, na prática discursiva jurídico-doutrinária, pela estabilização da memória constitucional e enquanto delimitação de um futuro espectral rondando a constituição atualmente vigente? Direi: uma máquina retórica, fragmentada e descontextualizada, sob imagens de língua aparentemente distintas, isto é, pequenas condensações de saber vagamente identificáveis (FD1 e FD2), para ser, novamente, reunida e repetida como diferente de si mesma (FD3). É assim que se pode processar, no discurso, um semântico: a) como relativo a um sem-sentido normativo, em que a constituição é uma mercadoria fabulosa para inglês ver, isto é, uma inflexão do significado (democrático) da verdade como propaganda ideológica de um exercício anti-democrático do poder; b) como relativo a uma “classe” de constituição interpretável em oposição a uma “classe” de constituição aplicável; c) reescrito como o sem-sentido de um judiciário que interpreta o significado da constituição atualmente vigente, ao invés de aplicá-la em sua literalidade/normatividade. É só uma noção de língua enquanto máquina retórica que pode conter, no interior de si mesma, o par assimétrico denotação/conotação, realizando o primado imaginário do literal sobre a metáfora. Nos termos de Pêcheux (1990, p. 11-12):
Espaço da artimanha e da linguagem dupla, linguagem de classe secreta onde o ‘bom entendedor’ encontra sempre sua salvação, a língua da ideologia jurídica permite conduzir a luta de classes sob a aparência da paz social: o que os clássicos do marxismo chamaram ‘fraseologia’ ou ‘frase democrática’.
Assim, a filosofia espontânea da linguagem do jurídico, enquanto região específica de seu senso comum teórico, leva adiante, em termos de reprodução não-econômica e relativamente interna das relações de produção atuais, a ilusão do literal como sustentáculo do Estado de direito. E isso sob a simulação de esquemas lógico-formais necessária ao espaço jurídico regulamentar. Falo de uma formação ideológica sustentante do imaginário jurídico de língua, qual seja, a ideologia da transparência, que, junto a outra, a de que somos todos sujeitos, opera efeitos específicos em nossa formação social. Conforme Althusser (2008, p. 284, grifo do autor):
Como todas as evidências, incluindo as que fazem como que uma palavra ‘designe uma coisa’ ou ‘possua uma significação’ (portanto, incluindo as evidências da ‘transparência’ da linguagem), essa ‘evidência’ de que você e eu somos sujeitos - e de que isso não crie problema - é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. Com efeito, o caráter próprio da ideologia é impor (sem que se dê por isso, uma vez que se trata de ‘evidências’) as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer e diante das quais a inevitável e natural reação de exclamar (em voz alta, ou no ‘silêncio da consciência’): ‘é evidente! é isso mesmo! é mesmo verdade!’
Isso deve significar, numa formação social em que domina o Modo de Produção Capitalista, que à ilusão “plenamente visível” de que somos todo sujeitos de direito - leia-se: livremente submissos - alinhe-se a da sistematicidade jurídica, conforme a qual, saturando-se, o direito possa colocar em prática a sua necessidade histórica de redução das contradições possíveis, tratando de assegurar o primado ideológico do literal sobre o sentido outro.
5 Linguagem e senso comum (teórico dos juristas)
Definir e classificar são da ordem do político. Por meio dessas operações linguageiras, a doutrina elabora a sua defesa e ilustração do discurso, do ensino e da produção da prática jurídicos. Isso, pondo em jogo um procedimento de comentário, desde o que se representa no interior da ilusão enunciativa, mas também epistêmica, de que os sentidos adquirem nela o seu início e, assim, assegurar a redução da memória do dizer à memória jurídica. Como discurso sobre o jurídico, estruturante da ideologia jurídica na língua, a prática definitória e classificatória jurídico-doutrinária se ritualiza por meio da fabricação de pré-construídos. Como verdadeiros coágulos de sentido, fragmentos descontextualizados do discurso outro, esses são desnivelados e reconvocados através de gestos de repetição e paráfrase. Pertenças constantemente reinvestidas e estabilizadas pelos seus suportes: sujeitos e enunciados. Dizer sobre constituição, classificá-la em espécies categoriais é, então, dispor da eficácia material da ideologia em dada conjuntura, atuando na saturação sintática e discursiva dos objetos: generalizar, estabilizar, dividir, distinguir, repartir, ordenar, coordenar para hierarquizar sentidos na relação com uma memória que se representa como linear e homogênea, embora constantemente surpreendida, aqui e ali, na insistência do outro sentido. Trabalho da heterogeneidade.
Diante disso, refletir sobre o SCTJ me leva, a partir do gesto analítico empreendido, a reinscrever a própria noção genérica de senso comum na contradição. Ora, como entendo, sequer o senso comum em geral poderia, numa perspectiva materialista, ser concebido como um a priori sócio-histórico, um campo de evidências compartilhado pelos sujeitos nele inscritos, ou ainda como uma época no sentido de um certo mentalismo historiográfico. Nisso está a relevância do conceito de FD como operador da clivagem, representativo do fato de que as evidências constitutivas do senso comum são sempre e conjunturalmente cindidas, já que sobredeterminadas por um estado interdiscursivo de combinações e dominâncias. Precisamente pelo que precede, não se poderia circunscrever o SCTJ ao campo relativo a uma sociedade (jurídica) de discurso,41 conservadora e produtora de discursos circulantes em espaços restritos. Antes, ao tratar do SCTJ, supondo o lugar do Outro e do real histórico, torna-se admissível o seu desdobramento no social como dispersão. Disso parecem representativas formulações cotidianas, nas quais talvez se poderia ler a transformação conjuntural das condições de enunciação doutrinária, tais como:
Judiciário não é legislativo.42
[...] o supremo NÃO legisla [...].43
A obrigação do STF não é criar leis e sim proteger a constituição, único que deve debate sobre esse assunto e criar leis é o legislativo que são eleitos pelo povo Brasileiro.44
Formulações que fazem frente ao espectro do “semantismo constitucional” (sequência 5), desdobrado na dispersão do social como juridismo45 - por exemplo, pela possibilidade da sinonímia entre as palavras lei e decisão e dos campos lexicais a elas associados, no cotidiano das mídias digitais (Twitter e Youtube, especificamente). Em a, b e c é possível ler a retomada de evidências sustentantes do imaginário teórico do jurídico, dando lugar a posições doutrinárias inscritas em diferentes ordens do cotidiano, distintos regimentos enunciativos e jogos de linguagem. Isso, conforme penso, corrobora a tese de que nem a doutrina jurídica é um mundo à parte do social, uma sociedade de discurso, nem o SCTJ constitui o campo homogêneo e circunscrito das suas ideias, a sua “secreta” superestrutura abstrata e imaterial. Ao revés, tem-se a eficácia material de uma ideologia, a do direito, e de suas obviedades sobre um mundo que é, ao mesmo tempo, Um e não-Um, que não para de se dividir.
Retornando à problemática da filosofia espontânea da linguagem e de sua estruturação material na discursividade da língua como SCTJ (divisão do trabalho das evidências do imaginário teórico do direito em FD), desejo, ainda, sublinhar outro sintoma implicado na relação direito/linguagem. Ao retomar de Warat (1987) a compreensão de que o fazer científico do jurídico se constitui no interior e pelos efeitos de uma ilusão epistêmica, toco a questão, posta por Bobbio (1990), da jurisprudência, definida como ciência do direito em sentido estrito (LARENZ, 1997), enquanto análise da linguagem: “Sobre esta base, y sólo sobre esta base, se convierte en ciencia” (BOBBIO, 1990, p. 184). Aproximo essa afirmação de outra do mesmo autor:
[...] hasta hoy el jurista no ha podido nunca reencontrarse a sí mismo y a su trabajo en las principales figuras de ‘científico’ propuestas por las distintas concepciones de la ciencia. En otras palabras, hasta hoy la jurisprudencia no ha logrado nunca reconocerse plenamente a sí misma en la definición de ciencia que ha ido siendo formulada por las distintas teorías de la ciencia (BOBBIO, 1980, p. 172).
Não estariam as condições mesmas desse “reconhecimento do jurista no lugar de cientista” obstruídas desde sempre pelos processos ideológico-espontâneos que simulam constitutivamente a relação entre os mecanismos da dedução conceitual e os operadores jurídicos? E, se o direito não é um “domínio de aplicação” da Lógica, pura e simplesmente (PÊCHEUX, 2014), não podendo o jurista realizar algo mais, na mais otimista das hipóteses, do que uma prática folk integrável (PAVEAU, 2018), como resta e o que resta da/à jurisprudência?
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