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A filosofia do direito como filosofia projetual: a crítica jusfilosófica diante da crise do pensamento utópico
Igor Moraes Santos
Igor Moraes Santos
A filosofia do direito como filosofia projetual: a crítica jusfilosófica diante da crise do pensamento utópico
Philosophy of law as projectual philosophy: the juridical-philosophical critique in the crisis of utopian thought
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 3, e85889, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
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Resumo: A crítica jusfilosófica contemporânea tem exercitado sobretudo uma dimensão negativa, deixando de apresentar uma dimensão positiva, propositiva, que oferte o novo, tão necessário em tempos de crise do pensamento utópico e de suposta ausência de alternativas. Propõe-se, então, reavaliar como a filosofia do direito, na condição de filosofia prática, ao tematizar o agir, prescreve e oferece possibilidades de futuro. Para tanto, examinar-se-á a conjetura, em Reale, e a imaginação institucional, em Unger, extraindo-lhes elementos para repropor a jusfilosofia como pensamento projetual. Concluir-se-á que a filosofia do direito possui potencialidades imaginativas que podem ser aproveitadas a fim de conceber projetos de novas normas, instituições e sociedades, reaproximando pensamento e ação.

Palavras-chave: Filosofia do direito, Filosofia prática, Pensamento projetual.

Abstract: Contemporary legal-philosophical criticism has predominantly exercised a negative dimension. It has not, however, presented a positive, propositional dimension that offers something new in times of crisis in utopian thinking and the alleged absence of alternatives. It is then proposed to reevaluate how the philosophy of law, as a practical philosophy, when thematizing action, prescribes and offers possibilities for the future. To this end, the concept of conjecture, in Reale, and institutional imagination, in Unger, iwill be examined for the purpose of assembling elements to re-propose philosophizing about law as projectual thinking. It will be concluded that the philosophy of law possesses imaginative potential that can be harnessed to conceive projects for new norms, institutions and societies, reconnecting thought and action.

Keywords: Philosophy of law, Practical philosophy, Projectual thinking.

Carátula del artículo

Dossiê: Direito e Práxis 15 anos: perspectivas para o horizonte da crítica do direito

A filosofia do direito como filosofia projetual: a crítica jusfilosófica diante da crise do pensamento utópico

Philosophy of law as projectual philosophy: the juridical-philosophical critique in the crisis of utopian thought

Igor Moraes Santos
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 3, e85889, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 20 March 2024

Accepted: 20 July 2024

1. Introdução

A crítica do direito levada a cabo no campo jusfilosófico a partir da segunda metade do século XX, por correntes de múltiplas inspirações, prometia a construção de novas formas de juridicidade e sociabilidade. Um original pensamento crítico viria atender às demandas urgentes de denúncia das limitações e contradições ideológicas do juspositivismo hegemônico e das instituições estabelecidas, exacerbadas em um cenário de mudanças políticas, econômicas e sociais cada vez mais aceleradas. Acreditava-se que o trabalho de desmistificação e desvelamento pela crítica levaria ao nascimento de novos modos de se pensar o direito, capazes de propor alternativas à normatividade e à sociedade vigentes.

Ocorre que, simultaneamente ao desenvolvimento e à proliferação da crítica jurídica, difundiu-se um ideário pessimista acerca das possibilidades do tempo presente. Teóricos de linhagem pós-modernista, à luz das experiências totalitárias, passaram a apontar o fim das utopias, metarrelatos idealistas que suplantariam a diversidade e a liberdade. A crítica jusfilosófica logo constatou que a alegada ausência de alternativas era só aparente e deixava no horizonte, convenientemente, apenas o capitalismo globalizado. Contudo, não parece ter sido capaz de dar o exemplo, quer dizer, oferecer novas utopias em contrapartida.

Embora a atuação negativa da crítica, isto é, anti-ideológica, focada em desocultar e desconstruir, continue imprescindível, são recorrentes os alertas sobre a carência de uma dimensão positiva, que proponha alternativas factíveis à realidade jurídico-política atual. Com efeito, quem destrói assume a responsabilidade de reconstruir. A questão é que o ato propositivo não é etapa ulterior, e sim concomitante à investida denunciatória, sugerindo o novo à medida que nega. Qual pode ser, então, a configuração da dimensão propositiva da crítica na filosofia do direito diante do quadro corrente de descrença em alternativas?

Objetivando responder a essas indagações, aventa-se como hipótese radicalizar a natureza prática da filosofia do direito. Mais especificamente, sugere-se reavaliar como a jusfilosofia, na condição de filosofia prática, ao tematizar o agir, prescreve, relaciona-se com o devir, sobretudo em uma época de barreiras à transformação. Para tanto, propõe-se uma investigação que, depois de apontar alguns dos limites da crítica jusfilosófica nas últimas décadas frente às exigências utópicas hodiernas (i) e reavaliar a posição da filosofia jurídica como filosofia prática, verificando potencialidades utópicas da juridicidade (ii), examinará formulações teóricas de dois conhecidos jusfilósofos brasileiros das últimas décadas (iii) para, ao final, sugerir um terceiro caminho, na forma do pensamento projetual (iv).

Na análise revisional, serão invocadas a conjetura, cuja legitimidade epistêmica propugnou Reale, e a imaginação programática (ou experimentalismo institucional) de Mangabeira Unger. Ambos os autores, porém, não dão passos decisivos. Aproveitar-se-á, então, seus instrumentais para propor o pensamento jusfilosófico crítico como pensamento projetual. Ver-se-á o jusfilosofar como exercício de imaginação conjetural dedicado a projetar novos modelos de ação e formas de organização social, política e jurídica. Em conclusão, espera-se confirmar a possibilidade de a crítica proceder prescritivamente, elaborando projetos que tracem rumos e mostrem passos iniciais nessa direção.

2. Limites e paradoxos da crítica na filosofia do direito contemporânea

Pode-se remontar as origens da crítica contemporânea aos movimentos contraculturais dos anos 1960, marcados por pleitos de resistência aos poderes instituídos, inclusive à ciência, às regras e às tradições. No âmbito do direito, esse ideário ganhou corpo específico desde então. A primeira grande incursão deu-se contra a decrépita ideologia positivista. Dentre os fundamentos iniciais, a crítica jurídica recorreu à longeva força do marxismo e, com o abalo das esperanças socialistas, também ao pós-modernismo. Partiu-se, em ambos os vieses, da insatisfação com o ideário moderno liberal, que não cumprira com suas promessas. Um dito “pensamento jurídico tradicional” justificaria e legitimaria esse frágil discurso ideológico, difundindo conceitos e teorias idealistas, desistoricizadas e supostamente neutras. Frente a ele se posiciona um autodeclarado “pensamento jurídico crítico” que, objetivando desmitificar essa ideologia jurídica, emancipar e autoconscientizar, tomará a forma de “contradiscurso”, isto é, lançar-se-á como postura contra-hegemônica, desconstrutiva, marginal, transgressora, disruptiva.

No entanto, os fundamentos conceituais parecem, frequentemente, descriteriosos e vagos. Nem mesmo a oposição nuclear entre pensamento “crítico” e “tradicional” encontra fácil definição1. Wolkmer (2003, p. 174) chega a admitir ser “crítica” termo “ambíguo e abrangente” com “inúmeros significados”. Isso é particularmente verdade na América Latina, onde movimentos críticos se disseminaram sem precisão técnica e epistêmica. O citado autor, por exemplo, reúne, sob o epíteto “pensamento jurídico crítico”, nomes tão diversos quanto Miaille, Paulo Freire e Enrique Dussel. Para D’Auria (2017a, p. 37-39; 2015, p. 17-21) e Coelho (2003, p. 331-333), a crítica pode acabar descaracterizada quando engloba sob seu manto todo tipo de contra-hegemonia ou interdisciplinaridade. Com efeito, nem todo discurso alternativo ou subversivo é necessariamente crítico (D’AURIA, 2017b, p. 47; CORREAS, 1993, p. 58-59). Abertura e fluidez conceituais contribuem para a difusão, mas, em excesso, ameaçam tornar a crítica mero topos retórico (WARAT, 1984, p. 25).

Deve-se, antes, indagar se a formulação crítica é capaz de propor verdadeira inovação. Uma resposta não parece fácil, principalmente em um tempo em que tantos se proclamam “críticos”. Essa pluralidade, decorrente da adoção de paradigmas variados e do traçado de propósitos diversos, produz contradições. Observa-se, nesse sentido, por um lado, a alegação de que ferramentas críticas ajudarão a converter o direito em instrumento de emancipação (SAAVEDRA LÓPEZ, 1994, p. 7), por outro, a convocação a uma fuga do direito (DOUZINAS; GOODRICH; HACHAMOVITCH, 2005, p. 9-13). Qualquer que seja a orientação, não há dúvidas de que se propugna sobretudo “categorias de ruptura ao instituído” (WOLKMER, 2002, p. 78). Ocorre, porém, que nem sempre se é claro acerca dos novos caminhos a serem percorridos.

Coelho (2003, p. 16-17; 303) interpreta que essa crítica rupturalista2 se satisfaz em pretender ser um saber alternativo. De fato, ela acredita realizar uma ruptura epistemológica com o pensamento tradicional (CLÈVE, 1983, p. 52-55), o que faria dela própria a ciência ou filosofia verdadeira. No entanto, de facto, não detalha como funciona nem o que seja esse processo crítico (D’AURIA, 2015, p. 42-44), por vezes se esquivando com a alegação de que ele ainda restaria por inventar (MIAILLE, 1992, p. 74-75). Além disso, se abundam afirmações confiantes de que a filosofia do direito crítica opera “mediante a força da negação” (MATOS, 2015, p. 129) ou busca um não-direito (RIVERA LUGO, 2014, p. 128-130), elas são imprecisas em indicar qual seria o novo prometido em lugar do destituído ou como chegar a ele. Em outros termos, tem-se uma crítica de dimensão predominantemente negativa, consequência admitida por Warat: “Talvez a destruição seja o dobro da construção” (2000, p. 58)3.

Ao restar amiúde “presa entre os modelos de destruição e subtração” (GUARDIOLA-RIVERA, 2012, p. 212-214), a crítica tende a gerar um pessimismo que denega possibilidades emancipatórias ao pensamento jurídico. Se os primeiros críticos se viam como “vanguarda de uma nova época” (MIAILLE, 2014, p. 267), logo se preocuparam com os riscos dos produtos da sua crítica (WARAT, 1995, p. 346). Pelas tentações totalitárias que poderiam representar, autocensuraram os esforços de proposição de novas sociedades, instituições, direitos. O antiutopismo encontrou um aliado conveniente em muitas filosofias do direito críticas contemporâneas.

2.1. Crise do pensamento utópico

O pensamento jurídico é, de fato, um campo carregado de antiutopismo (ALMEIDA, 2016, p. 19). No entanto, isso é válido hoje para quase todas as esferas do conhecimento. O ideário antiutópico, que ascende a partir da Segunda Guerra Mundial com intelectuais europeus refugiados nas academias anglo-americanas, como Arendt, Berlin, Hayek e Popper, difundiu um conceito alargado de utopia, inicialmente tentando abranger movimentos diversos como o nazismo e o stalinismo (JACOBY, 1999, p. 42ss; 2005, p. x-xiii). Acusada de idealismo, dogmatismo, acientificidade (AGUILA TEJERINA, 1984, p. 39-49), tal como os metarrelatos modernos e a Ilustração, ela foi incriminada de não cumprir suas promessas de liberdade e felicidade. Ao contrário, teria entregado coletivização, disciplina, planificação e racionalismo (BACZKO, 1999, p. 105); presumiria um consenso universal sobre o direito, a justiça e as instituições que reprimiriam a diversidade de valores e de visões de mundo (DAHRENDORF, 1966, p. 88-89); validaria a crença no domínio da razão, na salvação pelos emancipadores (SPAEMANN, 1980, p. 9; 13; 237-249; BERLIN, 1990, p. 15).

Como lapida Hinkelammert (2013, p. 20), o antiutopismo identificou-se com “antissocialismo”, desejando substituir a utopia socialista pela “utopia de uma sociedade sem utopias”, inclusive no direito (DOUGLAS; SARAT; UMPHREY, 2014, p. 6). Porém, também o marxismo clássico reprovou a utopia por carecer de cientificidade (RAMIRO AVILLÉS, 2008, p. 10; RICOEUR, 1997, p. 23). Na linguagem marxiana-engelsiana, significa especular em detalhes, abstratamente, sobre uma futura sociedade, erro grave dos primeiros socialistas, pois esse pensar depende da análise dos modos de produção concretos. Por isso, Marx e Engels se recusaram a conceber projetos de nova ordem social. Para a tradição marxista posterior, o utopismo nada mais será do que uma resposta do liberalismo que não toca na base social e econômica do capitalismo (LUKÁCS, 1958, p. 9; MÉSZÁROS, 2011, p. 523-524). Por fim, o utópico será recusado também por uma esquerda antiautoritária pós-modernista que pleiteia, em seu lugar, antiestatalismo e micropolítica (JAMESON, 2005, p. xi-xii).

Há, portanto, em diferentes espectros ideológicos e teóricos, tendências antiutópicas, as quais compartilham a reprodução de falsas equivalências entre utopismo e fantasia. Com efeito, todo intento utópico acaba caracterizado como quimera, ilusão, possibilidade vazia, wishful thinking. Para amenizar o preconceito, há quem tente conferir roupagem “científica” (BACZKO, 1979, p. 8; 451) ou mesmo outro nome para ressaltar a viabilidade prática, como a “utopia concreta” de Bloch (2005) e a “utopia realista” de Rawls (1999, p. 6; 11). No entanto, seguem a lição marxiano-engelsiana: não detalham o conteúdo nem apontam passos para efetivação. O citado Rawls (1997), por exemplo, lança apenas postulados formais, a fim de que sejam universais, sem considerar a variabilidade cultural e axiológica, ou seja, uma utopia a-histórica e abstrata. Por outro trajeto, e com conclusões mais extremas, não é diferente o experimento utópico de Nozick (2011). Portanto, ao tentarem soar menos irreais, muitos utopistas se arriscam a endossar a acusação de que almejariam se colocar fora da história (BERLIN, 1990, p. 40-41).

Essa imputação de a-historicidade é falsa, decerto. A utopia é determinada por suas relações com a realidade que deseja transformar, a começar pelas circunstâncias que a inspiram (TROUSSON, 1999, p. 14). Na realidade, o problema é a relação equivocada feita entre imaginação e ação (HINKELAMMERT, 2013, p. 396). De fato, a partir de fins do século XVIII e, com maior força, do século XIX, diante do exemplo da Revolução Francesa, temeu-se que o pensamento utópico deixasse de se ocupar com ilhas fictícias e, ao tomar o futuro como alcançável, tornasse as utopias programas políticos organizados em busca de implementação (BACZKO, 1999, p. 7-8; CHAUÍ, 2008, p. 11; GOODWIN E TAYLOR, 1982, p. 15). Para combater esse perigo, reforçou-se a identidade entre utópico e quimérico, por exemplo, comparando a ideia com a experiência histórica, sobretudo as malsucedidas. Outro caminho foi espalhar distopias, esboços de sociedades hipotéticas que, em vez de lograrem felicidade e liberdade, entregariam autoritarismo, controle e opressão (SARGENT, 1982, p. 565).

Qualquer que tenha sido a opção, a invalidação de todo esforço para pensar soluções e imaginar o futuro conduz à aceitação do existente. Pode-se ver uma tal resignação com o status quo em vias distintas (CASTRO, 2017, p. 35-36), como no otimismo neoliberal, que propagandeia as democracias ocidentais e a economia de mercado como o ápice do desenvolvimento humano, o “fim da história”, vide Fukuyama; ou ainda no pessimismo da Escola de Frankfurt, que, interpretando o exaurimento das tendências emancipatórias da Ilustração, suplantadas pela razão totalitária e convertidas em dominação, conclui pela impossibilidade de transformação (ADORNO E HORKHEIMER, 1985, p. 11-24; 48; 83; 88-89; NOBRE, 2004, p. 52-53).

Em todo caso, não resta dúvida de que o tempo atual tem aquiescido com a aparente “ditadura da ausência de alternativas” (UNGER, 2009, p. 1; 2017, p. 281-282), adotando “como seu programa não ter um programa” (ANKERSMIT, 2001, p. 2). Diante desse quadro, não basta apontar a falsidade dessas interpretações. Urge uma crítica que também seja capaz de mostrar as alternativas em falta (ANDERSON, 1996, p. 105). Em outros termos, o pensamento jurídico-político crítico reclama uma dimensão propositiva.

2.2. Dimensões da crítica jusfilosófica

A acusação de que a crítica tem deixado de oferecer vias claras de mudança não é nova e, como se viu acima, tem explicação plausível em diversos fatores. Destacou-se parte desse fenômeno nas jusfilosofias contemporâneas, relacionando-as às tendências antiutópicas em curso. Nesse quadro complexo, no qual neoliberalismo e pensamento único confluem com as inconsequências internas da crítica, desponta uma filosofia do direito que titubeia em explorar instrumentos normativos ou propositivos, isto é, utopias, ideais e projetos.

Exemplo claro desse fenômeno são os Critical Legal Studies. Reconhecem os próprios crits que, embora muitos tenham percebido cedo a necessidade de propor alguma visão tangível de boa sociedade, os instrumentos da crítica negativa, como o trashing, usados em excesso, obstaculizaram a admissão de propostas normativas (HUTCHINSON E MONAHAN, 1984, p. 227-229). Com isso, apesar de terem ajudado a “perturbar o consenso”, admitem não terem conseguido fazer do pensamento jurídico “fonte de ideias sobre regimes sociais alternativos” (UNGER, 2017, p. 54-55).

Esse cenário emerge também em outras experiências de crítica jusfilosófica. Trata-se de “um fracasso mundial, com consequências globais” (UNGER, 2017, p. 27-28), relacionado ao estado atual do pensamento crítico como um todo (RANCIÈRE, 2008, p. 79-80). Até ele próprio foi acusado de herdeiro do Iluminismo e desacreditado (SUBIRATS, 2004, p. 159-162; BENHABIB, 1986, p. 178-179), ou seja, também cultores da crítica se lançaram contra ela. Maldonado (1971, p. 37) já apontava, há mais de cinco décadas, a ligação entre o abandono dos empenhos construtivos e a autoculpabilização pelos excessos da razão moderna. Contudo, notava a facilidade dessa saída para críticos de regiões nas quais ao menos algumas das expectativas sociais do utopismo e da Ilustração se concretizaram (Ibid., p. 66; HABERMAS, 1987, p. 105-109; GOODWIN E TAYLOR, 1982, p. 229). Não se justificaria, porém, para todos. Como conclui Maldonado (1971, p. 40), tem-se a “renúncia à ação em nome de uma ação sem finalidade precisa”, dando origem a um “niilismo projetual”.

Ora, recusar ao direito qualquer potencial transformativo, do mesmo modo que à política e, em última instância, à razão (ROUANET, 1987, p. 11-13; CALLINICOS, 1993), certamente não contribui para reverter a situação lamentada por muitos críticos de que hoje “não há propostas éticas, ontológicas, não há alternativas, não há utopias, não há mundo novos” (ONFRAY, 2008, p. 53). O resultado, na verdade, é apenas a produção de um pensamento jurídico preso a concepções “que limitam a visão do que o direito é e pode vir a ser” (UNGER, 2017, p. 27-28), que não mais acredita na capacidade da crítica, sobretudo em seus potenciais construtivos (D’AURIA, 2020, p. 97-98). No entanto, a tarefa do pensamento crítico, insiste Grüner (2011, p. 27-29), junto com sua dimensão negativa, abrange sim o “sentido ‘positivo’ de uma construção conceitual-hipotética” de saída da realidade posta. Toda crítica, além de apontar problemas, também tenta articular proposições:

deve-se reconhecer que a história não pode terminar no ponto da total negatividade, pois nenhuma força social consegue apresentar suas reivindicações como uma alternativa hegemônica sem também indicar, pelo menos em esboços gerais, a dimensão positiva/afirmativa de sua negação radical. (MÉSZÁROS, 2008, p. 13)

A crítica jusfilosófica precisa, portanto, de ousar oferecer algo (UNGER, 1998, p. 3 e 21; 2004, p. 18-19; 2005, p. 49-50). A urgência é para elaborar propostas de alternativas possíveis, de sugestões de soluções factíveis, de projetos de novas instituições, sociedades, normas, enfim, para exercitar a dimensão positiva da crítica. Cientes disso, nem todos perderam a esperança na capacidade do pensamento jurídico crítico. Há quem, como Coelho (2003, p. 13-15), busque introduzir a “crítica” como “dimensão construtiva e prospectiva do saber”. Ele defende que a teoria crítica do direito “deve ir além da simples denúncia”, para “indicar o caminho da superação [...], contribuir para a elaboração de novas categorias aptas a pensar prospectivamente o que é melhor para o homem e para a sociedade”. Também García Villegas e Rodríguez (2003, p. 17-18) sinalizam que a crítica deve ter um “momento desconstrutivo” e um “momento reconstrutivo”, pelo qual vai “além da demolição da tradição com o fim de propor práticas, instituições e formas de pensar” que “representem alternativas viáveis e críveis”. No mesmo sentido, D’Auria (2017b, p. 47; 2015, p. 17-21), para quem “todo questionamento da crítica pressupõe já e sempre alguma idealização alternativa ao discurso ou à instituição criticada”.

Portanto, em um cenário filosófico global de temor à propositura de ação crível e exequível, compartilhado também pelos jusfilósofos, impõe-se à filosofia do direito reconstituir o pensamento e a imaginação jurídica (SOLÓRZANO ALFARO, 2003, p. 155-156). Mas como fazê-lo?

Uma vez que a todo instante se alude à necessidade de o pensamento jusfilosófico atentar-se com os caminhos para a transformação, o que implica pensar na ação - inclusive estando a aproximação com a práxis no centro das preocupações da crítica jurídica das últimas décadas -, cogita-se reexaminar a natureza prática da filosofia do direito. O enfoque há de ser, em especial, entrever como a jusfilosofia, ao tematizar o agir humano, prescreve, relaciona-se com o devir e, assim, lida com um objeto que contém potencialidades utópicas.

3. A filosofia do direito como filosofia prática no século XXI

Os antigos inauguraram a definição de filosofia. Aristóteles aponta que a razão humana possui uma função prática, diversa da contemplativa, dando origem a modos diferentes de pensamento (Da alma III, 9; Metafísica VI, 1025b25). O conhecimento prático não busca conhecer o que é a virtude, mas como tornar-se virtuoso (Ética a Nicômaco II, 1103b27-30), tomando por objeto a ação humana voluntária ordenada para um fim, como descreve Tomás de Aquino (I Ethica I, 1, 1). Refletindo isso, a filosofia tem uma parte ativa, a filosofia prática, dedicada a pensar como o ser humano vive. Na síntese de Cícero, o filosofar sobre o verdadeiro e o falso, o justo e o injusto, o desejável e o indesejável, é um modo diverso do filosofar sobre as razões últimas da vida e da natureza (Academia Priora V, 20).

Cabe notar que, na concepção clássica, embora a filosofia possa tomar por objeto a racionalidade prática, o filosofar prático não é movido por esse modo da razão. Todo filosofar, segundo Platão, principia com o thaumazein (Teeteto 155d), assombramento ou maravilhamento diante do inexplicável, que levará ao elenchos (O sofista 231b5-8), refutação, exame argumentativo do discurso, colocando-o em dúvida (Mênon 84a-b). Porém, sem dar-se por vencido, o filósofo insiste, na esperança de uma solução (Eutífron 15b-d), da euporia para a aporia identificada (SALGADO, 2018, p. 59). A resposta será teórica, assim como o processo para obtê-la. Mesmo quando pretende saber o que é o justo, a liberdade ou o melhor governo, nessa visão grega fundante, a filosofia não recorrerá à razão prática, mas à razão teorética. Conclui-se, então, pela impossibilidade de o filosofar, inclusive prático, orientar diretamente a ação humana, restringindo-se a tematizá-la no plano especulativo.

No entanto, mesmo entre os expoentes clássicos, existe abertura para uma distância menos rígida. Vale recordar Avicena, para quem a filosofia prática se dedica a saber para que se saiba o que se tem de fazer e, assim, o faça (Lógica I, 2, 1.1). Isso quer dizer que, não obstante a filosofia seja saber pelo saber, a filosofia prática tem a peculiaridade de lidar com o agir e, em última instância, intenciona que o ser humano aja a partir desse conhecimento acerca da ação. Ela enriquece a racionalidade prática, pois esta, enquanto razão prudencial, se dotada de mais amplo e profundo saber, poderá melhor orientar a ação.

A assunção desses outros aspectos das relações entre filosofia e razão prática, entretanto, somente ocorreu de maneira mais explícita com Marx. Na célebre 11ª Tese sobre Feuerbach, declara que “os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”. O foco marxiano é o idealismo, sobretudo alemão, marcado por abstracionismo, absolutismo e a-historicidade, em lugar do qual oferece o materialismo, que assume a teoria como “prático-crítica” e “revolucionária” ao reconhecer a realidade como práxis, “atividade humana sensível” (MARX, 2007, p. 533-535). Marx gerou fortes reações. Todavia, estabeleceu uma nova e incontornável etapa dos debates filosóficos: fez admitir que as ideias não executam a si mesmas, dependendo da ação humana, e provocou a revisão da relação da filosofia com o interesse humano. Como desenvolverá a Escola de Frankfurt, os filósofos são seres humanos historicamente situados, dotados de objetivos, desejos e emoções das quais não podem se separar. Todo filosofar, mesmo se crendo movido exclusivamente pelas exigências da razão, nunca deixa de orientar-se para algo, de ter em vista um fim último, que, no mínimo, é a realização da humanidade pela racionalidade. Confessar isso significa apenas reconhecer como o pensar opera e sempre operou. E muitas vezes é melhor que esteja consciente desse seu proceder e assuma as suas potencialidades.

A filosofia prática aproveita-se peculiarmente dessas novas perspectivas. Enquanto reflexão sobre o agir humano, tematiza a racionalidade prática. Mas não apenas. Pode-se vê-la interligando-se com a razão prática, trazendo-a para o cerne do filosofar prático: se aquela se volta à avaliação de fins, à análise de sua alcançabilidade e à realização desses factíveis, este último inevitavelmente também estará assim operando ao tomá-lo como objeto. Com isso, fica claro que a filosofia prática não é só saber sobre o agir, como também “saber para e a partir do agir” (CORTINA, 2000).

À luz desse redirecionamento, Martínez Doral (1988, p. 136-137; 170-175) interpreta que o filosofar prático também busca o conhecer, mas em função da atividade humana, logo, repercute na conduta, pois foca no “modo de orientar a ação do homem no cumprimento das múltiplas tarefas da vida”. Para o autor, então, o objeto gnosiológico derradeiro é sempre uma decisão a ser tomada em uma situação concreta, nutrindo intenção de conformar a ordem da convivência. Igualmente a jusfilosofia: ela não se limita a constatar a natureza do direito ou da justiça, volta-se também à realização de ambos. Por isso, ainda que não lhe caiba efetuar concretamente a regulação ou o comportamento, a ação é o seu fim mediato. Em especial quando se aproxima da ética, a filosofia do direito assume a missão de “nortear o ser humano para viver o mais adequadamente possível” (ADEODATO, 1996, p. 2-3). Disso decorre certa primazia no interior do campo filosófico prático: uma vez que o direito é o lugar de realização de valores, consolidados em instituições e leis, as construções jusfilosóficas se apresentam como locus onde os valores práticos são articulados para poderem ser aplicados (VEGA, 2018, p. 14-16). Por essa razão, para Cunha (2013, p. 159; 2013a, p. 44), a filosofia do direito pode ser considerada a “filosofia da normatividade em toda a sua dimensão”.

A partir dessas considerações, mostra-se pertinente a intenção de recuperar e radicalizar a filosofia jurídica como filosofia prática na contemporaneidade. Reafirmar esse caráter não significa confundi-la com pragmatismo nem descaracterizar o seu perfil filosófico (CUNHA, 2009, p. 22). Implica apenas ver que a tarefa gnosiológica da filosofia do direito se faz em consonância com a sua natureza prática (HERVADA, 2000, p. 52), que o seu fim teórico se complementa com seu fim prático de produzir um saber dirigido à realização de algo (MACÍA MANSO, 1975, p. 202). Eis a razão de Calsamiglia (1984, p. 46) concluir que “uma filosofia jurídica que seja boa na teoria, mas que não sirva para a prática, não é uma boa filosofia jurídica”. Para atender a essa exigência, ela concebe modelos de ação, instituições e sociedades, que, mesmo enquanto tais, já afetam o real, pois os seres humanos a todo tempo direcionam seu agir e pensar de acordo com imagens de futuro, embora cientes de que são trabalho por fazer (BLOCH, 2005, p. 196-197). Por todo o direito, aliás, escolhas são feitas hoje buscando determinar o amanhã, como os contratos e as leis (FINNIS, 2017, p. 1). Assim também as constituições, que aspiram realizar novas sociedades (CUNHA, 1996; AMBRÓSIO, 2015, p. 147-148). Todas essas questões, típicas da filosofia do direito, evidenciam um tensionamento entre passado e futuro. Não é essa tensão também imanente ao utópico?

3.1 Potencialidades utópicas da juridicidade e do pensamento jurídico

Destacou-se, acima, a ligação da dimensão positiva da crítica com o caráter prático da filosofia do direito. Esse viés propositivo, ressaltou-se ao final, também se conecta com o objeto da jusfilosofia, uma vez que o direito carrega em si, a todo momento, uma tensão entre o passado e o futuro, mais comumente traduzida na relação entre ser e dever ser.

Em cada contexto histórico-social, o ser humano se posiciona frente ao mundo, valora-o, afirmando se algo deve ou não ser buscado: “quando reputamos algo valioso e nos orientamos em seu sentido, o valioso apresenta-se como fim que determina como deve ser o nosso comportamento” (REALE, 1999, p. 543-544). A norma surge quando se considera o valor tão importante que o generaliza e projeta para o futuro sob a forma de modelos de conduta (MONCADA, 1966, p. 36-37), os quais, em razão da liberdade, poderão ser ou não observados, realizando ou negando aquele valor (REALE, 1998, p. 300-301). O dever ser, com isso, é expressão da projetualidade na normatividade ética, e, em especial, na normatividade jurídica. O direito confere à norma instrumentos não presentes na moral e na religião, a fim de assegurar a realização dos valores projetados (Ibid., p. 301-304; SALGADO, 2006, p. 53-54). Ainda assim, permanece possibilidade, pois não há garantia de concretização ou de sucesso. Portanto, o que faz é projetar valores, objetivos, e oferecer meios para alcançá-los.

Tendo isso em vista, surpreende que a imaginação seja qualidade tão pouco atribuída ao jurista. Geralmente associado a uma racionalidade objetiva e neutra, dedicada a aferir a realidade como ela é, a começar pelo direito positivo, não caberia a ele pensar em normas diversas daquelas postas ou em uma ordem jurídica ideal (COSTA, 2011, p. 167-173). Mas foi a crise generalizada da imaginação e da utopia que levou à “exclusão de expectativas, previsões, desejos, ou seja, de projetos sobre o direito que poderia ser” (COSTA, 2011, p. 174). O discurso jurídico, em si mesmo, a todo momento concebe um mundo ideal, não só no sentido de inexistente na práxis, como também de sociedade pretendida, ou seja, projeta:

O mundo possível que o discurso jurídico constrói, na verdade, não é só um mundo imaginado, é também um mundo projetado: os sujeitos, os tipos de ação, as normas, os papéis, as transgressões, as sanções, as hierarquias dos quais o relato jurídico compõe não são sujeitos se "reais", não são sequer os sujeitos e ações da experiência cotidiana, mas pertencem, de todos os modos, a uma narração que, no momento que se imagina os próprios personagens e ações como figuras do próprio mundo, tende também a impô-los como figuras da "realidade". O discurso jurídico é, intrinsecamente, também um projeto de sociedade. [...] Qualquer que seja seu papel específico, o jurista imagina para realizar, imagina para construir, imagina uma forma de sociedade que ele (regra geral, no mesmo instante) descreve, prescreve, deseja. (COSTA, 2011, p. 197)

O jurista imagina, portanto, e essa imaginação tem um caráter projetual, operante já como esquema de atuação sobre a realidade. Na leitura de Costa (2011, p. 198-199), o discurso do saber jurídico “pensa a ordem do direito ‘que é’ (também) como projeto de uma sociedade que deve ser, que poderá ser (será)”. Ressalva, porém, que essa projetualidade não tem caráter propriamente utópico, pois não pretende abalar a ordem que o legitima. O que aqui se revela é que, na verdade, está capacitado a fazê-lo, e o faz principalmente no âmbito da filosofia do direito, espaço privilegiado do exercício imaginativo. Nessa instância do saber jurídico, sim, a imaginação pode ser plenamente utópica, projetando condutas e até sociedades. No entanto, também não fica claro como isso opera na jusfilosofia.

4. Para uma dimensão propositiva da crítica jusfilosófica

Como sublinhado acima, muitos recusam a paralisia jusfilosófica da contemporaneidade, propugnando a dimensão positiva da crítica. Poucos, contudo, sugerem instrumentos operativos claros para tanto. Identificam-se, ao menos, duas formulações nesse sentido, as quais, por isso, merecem um exame atento: a “conjetura”, em Miguel Reale, e a “imaginação programática” ou “experimentalismo institucional”, em Roberto Mangabeira Unger. Veja-se.

4.1. A legitimidade da conjetura

O método descartiano, predominante na modernidade, exige um juízo pautado na razão demonstrativa, único capaz de atingir a certeza. Não há lugar para juízos com base no provável, como a conjetura. Reale observa, entretanto, que a conjeturalidade jamais foi integralmente abandonada pela filosofia. Nicolau de Cusa, por exemplo, entendia a mente humana limitada, de modo que toda proposição acerca do verdadeiro constitui apenas conjetura, isto é, aproximação da verdade de Deus (REALE, 2001, p. 76-80). Posteriormente, nomes como Bernoulli, Locke e Leibniz pleitearão a conjetura como instrumento para lidar com âmbitos da vida nos quais não se pode chegar ao certo e indubitável, mas é necessário agir e julgar, restando, então, o provável, previsível e argumentativo. É esse o tom ainda presente nos resgates da conjetura no século XX por Bertrand de Jouvenel (1964, p. 16-17), que a invoca para lastrear previsões fundadas do futuro, e Karl Popper (2008, p. 17; 76, 84-86), que a enxerga como tentativa de solução de problemas, expectativa provisória, sujeita a refutação por hipóteses de explicação melhores, dinâmica de todo conhecimento científico.

Reale, diferentemente, almeja reconhecer o pensamento conjetural como forma de conhecimento legítimo e pleno, aplicável em especial à metafísica. Para ele, sem se confundir com probabilidade, analogia ou intuição, a conjetura busca ir além da experiência, do empiricamente comprovável, lidando com o transcendente, o “como se” (REALE, 2001, p. 45-48). Assim, permite ao ser humano satisfazer a sua “natural ansiedade de compreensão total” (Ibid., p. 49; 55). Conjetura e verdade complementam-se. Com efeito, muitas soluções buscadas para aporias só podem ser alcançadas a partir de exercícios de imaginação criadora, a aportar razões de verossimilhança (Ibid., p. 17-19). Esses juízos de plausibilidade são dotados de status epistemológico próprio (REALE, 1998, p. 132), sendo aferidos em contextos particulares nos quais exsurgem como respostas coerentes, mormente ao se harmonizarem com a experiência. Em outros termos, o raciocínio conjetural é o raciocínio plausível ou problemático, que completa aquilo que não consegue ser expresso como “conceitos experimentalmente verificados” (REALE, 2001, p. 11-12; 56; 1999, p. 64; 114).

Apesar do enfoque metafísico, Reale admite a presença da conjetura na vida cotidiana e na produção epistêmica em geral, como sinaliza a atenção crescente ao plausível e ao metafórico nos últimos tempos (Ibid., p. 25-26). Sem a pleitear como a única e verdadeira forma de conhecimento (ADEODATO, 2002, p. 91-95), concede que ela se estenda a outros âmbitos do saber quando tratam de temas que desafiam os “limites da razão” (REALE, 2001, p. 11-12). É o caso do direito, com seu caráter problemático e juízos razoáveis. E também da filosofia do direito, que conta com uma perspectiva “metafísica”, voltada para “questões que o filósofo sabe que não vai poder responder definitivamente” (ADEODATO, 1996, p. 3). São exemplos os problemas axiológicos que perpassam a decisão e a justiça (REALE, 2001, p. 12) e, já se pontuou, os desafios para pensar o futuro, aquilo que ainda não é. Ao proceder por imaginação e plausibilidade, partindo da experiência e com ela dialogando (REALE, 1992, p. XXIII-XXIV), a conjetura surge como meio pelo qual o jusfilosofar pode conceber o novo.

Vale ressaltar que, provavelmente, muitos críticos se absteriam de reconhecer o pensamento conjetural como ferramenta para a criação jusfilosófica por recearem se aproveitar de autores com alinhamentos ideológicos discutíveis, como Popper e Reale. Apesar disso, parece válido querer encontrar nele um genuíno caráter crítico. As próprias palavras de Reale (2001, p. 46-47) o deixam entrever:

Conjeturar é, sempre, uma “tentativa” de pensar além daquilo que é conceitualmente verificável, mesmo na linha do provável, por admitir-se a necessidade de cogitar-se de algo correlato, que venha completar o experienciado, sem perda do sentido do experienciável que condiciona a totalidade do raciocínio. Esse “ir além” só pode valer enquanto suposição ou pressuposição, num discurso crítico, embora de natureza diversa dos discursos demonstrativo e probabilístico, por não culminar em soluções axiomáticas, ou mesmo relativamente certificáveis, mas apenas em soluções plausíveis.

Não se trata de qualquer crítica, mas sobretudo da crítica em dimensão positiva ou propositiva. Reale (2001, p. 48) sinaliza a conjetura como aliança entre razão e imaginação para criar um novo (ainda) além da experiência, mas respeitando esta última, posto ser ela tudo o que se tem até então. É imaginação orientada pela razão e balizada pela história.

4.2. A imaginação institucional

Para Roberto Mangabeira Unger, “a vocação maior do pensamento jurídico” é engajar-se na compreensão e transformação da sociedade, a fim de responder à necessidade de ampliação das ofertas de “configurações alternativas”. Essa tarefa, pondera, só pode ser realizada “trabalhando com os materiais conceituais e institucionais que nos foram dados pela história”, sendo no direito “onde encontramos esses materiais em seu detalhamento mais rico e preciso”. Embora improvável, o jurista é o agente mais bem capacitado a entender e operar esse arcabouço, pois pode enxergar, “nas variações existentes e acessíveis do direito constituído”, a matéria-prima para construir uma vida melhor (UNGER, 2017, p. 24; 69; 2004, p. 227-228). Como toda tentativa de criar futuros alternativos para a sociedade exige imaginá-los e discuti-los (UNGER, 2004, p. 9), Unger convoca à retomada do papel do pensamento jurídico “na imaginação detalhada de futuros alternativos para a sociedade” (2017, p. 50).

A imaginação é uma qualidade de todas as faculdades humanas, que permite ver e fazer conexões entre ideias (UNGER, 1987, p. 204). Quando ela une ações e ideais em “instituições que dão corpo a pensamentos”, tem-se uma imaginação institucional (AMBRÓSIO, 2015, p. 157). Instituição, define Castoriadis, é “rede simbólica, socialmente sancionada”, que abrange normas, valores, linguagem, utensílios e procedimentos para agir, formando um magma coerente e complexo de significações que embebe, orienta e dirige a vida social. Toda sociedade “cria o seu próprio mundo”, institui a si própria, determinando o que é o real, tem sentido e valor para si (CASTORIADIS, 2000, p. 159; 1999, p. 277-282). Esse imaginário social produz numerosas naturalizações, impõe várias concepções como necessárias, exigindo que sejam conservadas e reproduzidas. No entanto, observa Unger, muitas vezes se trata de ilusões, “necessidades falsas”, como o ideário da democracia liberal e da economia de mercado. O direito e a sociedade são produtos da ação e do intelecto humanos, não entidades naturais, eternas, submetidas a inexoráveis leis da história (UNGER, 1998, p. 25-26; 2004, p. 17; 2005, p. 13; ALMEIDA, 2016, p. 77; 80; TEIXEIRA, 2009, p. 12).

A tese de Unger é que o pensamento jurídico foi castrado em seus potenciais de inovação pelo “fetichismo institucional”, um modo de pensar que acredita nessas concepções e as toma como a única realidade possível. Nesse quadro, a questão das instituições é mero “problema de engenharia social circunstancial”, posterior e menor, importando ao filósofo somente pensar em princípios de justiça, ideais, falar sobre esperanças. No entanto, afirma, “não são momentos ou atividades separados”. Ao contrário, “cada ideal social e cada interesse de grupo adquire parte de seu significado a partir das estruturas sociais”, ao passo que lutam “contra os limites impostos pelas estruturas do momento” (UNGER, 2004, p. 13-14; 17). Isso significa que realidade e imaginação precisam ser articuladas em um pensar empenhado em compreender o mundo e em dar forma aos desejos de sua transformação. Nesse sentido, o direito e o pensamento jurídico muitas vezes foram “o lugar em que um ideal de civilização assume forma institucional detalhada”. Logo, é neles que “a união entre interesses e ideais deve se materializar em estruturas práticas” (Ibid., p. 9).

O pensamento jurídico tem o potencial de “se tornar uma ferramenta-mestra de imaginação institucional”, principalmente se “mobilizar variações de pequena escala no direito estabelecido, e soluções desviantes ou subordinadas na doutrina corrente” (Ibid., p. 12; 41; 2017, p. 51-52). É o que faz a imaginação institucional. Ela desenvolve os “juízos de possibilidades contrafáticas” que usualmente informam nossas percepções sobre as forças reais de transformação (UNGER, 2004, p. 11). Tendo em vista as oportunidades da realidade histórica, experimenta novas instituições, mas sem se prender à sociedade estabelecida. Preocupa-se também em configurar esses experimentos: respeitando os limites inerentes à teoria, a imaginação se faz programática, isto é, propõe opções concretas de transformação das estruturas jurídicas, sociais e econômicas. Essas mudanças são pensadas para ocorrer às vezes por pequenos incrementos e desvios, outras, por grandes movimentos ou numerosas mudanças em curto período, a depender das oportunidades e do “possível adjacente”. Por buscar implementar-se, o produto da imaginação toma corpo de programas,

[...] ampliações institucionalmente imaginadas do nosso repertório conhecido de opções sociais, experimentos mentais a serviço de práticas de ajuste, levados alguns passos adiantes de onde normalmente levamos no dia-a-dia do raciocínio político e jurídico. Seu desenvolvimento especulativo não é um substituto para o paciente trabalho de ajuste com constrangimentos prementes, necessidades imediatas e oportunidades acidentais do aqui e agora. Não obstante, por meio de tal ampliação da imaginação política e social, podemos lutar mais resolutamente contra a corrente e o destino, e enfraquecer o poder de nossas circunstâncias sobre o nosso pensamento. Podemos ver mais claramente as escolhas obscurecidas por nossos compromissos do momento, e juntar o tático ao visionário. (UNGER, 2004, p. 169)

No fundo, o exercício experimental de imaginação convocado por Unger não é inédito. Como nota Almeida (2016, p. 89), ele é próximo àquele consubstanciado nas utopias literário-filosóficas modernas. E continua a ser uma urgência para o pensamento jurídico-político. Mais do que nunca, clama-se pela “tradução de esperança em ideias” (UNGER, 2004, p. 10). Como sugere Unger (2017, p. 282), “aprender a imaginar as estruturas atuais ou possíveis é o projeto que a história universal do pensamento jurídico nos propõe agora”.

4.3. Por que não pensamento projetual?

Reale e Unger invocam instrumentos presentes no próprio operar da filosofia do direito e do pensamento jurídico. A escolha por uma reapreciação de ferramentas teóricas esquecidas ou desacreditadas se revela original e pertinente às necessidades da jusfilosofia crítica contemporânea, mormente por enfatizar a liberdade de pensar para além das estruturas dadas e por ofertar produtos teóricos consistentes com as premências da prática.

Ainda assim, os autores analisados parecem ter deixado de dar passos decisivos. Reale não associa a conjetura especificamente à filosofia do direito, embora depois a tenha admitido em campos diversos da metafísica em sentido estrito. Em especial, ele não relaciona o pensamento conjetural ao caráter prático da jusfilosofia, em sua função prescritiva. Unger, por sua vez, é um dos poucos jusfilósofos a explicitamente oferecer esboços de alternativas. Com isso, se fica exposto a ataques, tem o mérito de mostrar-se como exemplo do que diz. Contudo, não se atentou à face epistêmica do processo de criação. Preocupado sobretudo com propósitos aplicativos imediatos, nas vertentes econômicas, administrativas e técnicas, possivelmente por sua afinidade com o pragmatismo estadunidense, não ressalta que são as criações do pensamento que tornam pensável o que não é ou não é ainda (CASTORIADIS, 1998, p. 26). Por isso, acaba por ignorar a presença da conjetura na experimentação institucional, mencionada apenas obliquamente (UNGER, 1998, p. 7).

Em virtude das limitações apontadas, mas consciente do êxito alcançado por Reale e Unger, sugere-se alguns realinhamentos. O principal deles é ver uma complementação entre ambos: a conjetura, enquanto imaginação orientada pela razão, é como procede a imaginação institucional, empenhada na experimentação de novas opções para a vida social, e a filosofia do direito, quando conjetura, faz justamente experimentações institucionais imaginativas. Se isso é verdade, será preciso reconhecer também que, antes de experimentar novas instituições, a imaginação opera conjeturalmente, isto é, age, orientada pela razão, definindo fins e traçando os modos de concretizá-lo. Ela faz-se, assim, imaginação projetual.

Todo ser humano nasce jogado a um mundo em andamento. Na interpretação de Heidegger, encontra-se cercado não apenas de imposições e limitações preexistentes, mas também de condições de possibilidade de compreender, de agir. É, portanto, poder-ser (OLIVEIRA, 2017, p. 13). Com efeito, o sujeito nunca está inteiramente dado. Ele próprio é uma “possibilidade” (CASTORIADIS, 2004, p. 56), por conseguinte, um ser projetual (QUARTA, 1993, p. 6), porque tem valores e conforme eles projeta a sua ação, quer dizer, é enquanto realiza o seu dever ser, que é realizar a si mesmo (REALE, 1979, p. 81-82; 1999, p. 209).

Assim, a projetualidade se expressa pela ideia de que o ser humano é capaz de transcender a sua situação histórico-social, pois sempre pode ir um pouco além (TEIXEIRA, 2009, p. 12-14; UNGER, 2004, p. 13). E a todo tempo faz isso. Pensar é, já, “transpor” o dado, tornar real um ainda-não, fazer “imaginações prospectivas” (BLOCH, 2005, p. 14; 25), que podem ser descritas como conjeturas dirigidas ao futuro, a forma da operação executada quando se arrisca a imaginar como ele pode ser. Embora o amanhã dificilmente será igual às visões que se tem dele (FRYE, 1980, p. 10-11), “sem o projeto, o pensar, não há transformação progressiva, portanto não há transformação propriamente dita” (SALGADO, 2018, p. 2). O pensamento do futuro é, assim, indispensável para a própria concretização do futuro.

A imaginação pode - e deve - prometer satisfação, principalmente ao conceber algo melhor ou mesmo perfeito. Diante de um estado preferível, surge um desejo impaciente, exigência de realização. Se isso ocorre, “a mera imaginação se torna um ideal”, ou seja, exara que o mundo assim deve ser (BLOCH, 2005, p. 50). Essa normatização impele, então, ao direcionamento de esforços para o delineamento dos caminhos de realização do ideal, para tornar o dever ser em ser, ou seja, para a concepção de projetos.

Referir-se a dever ser implica invocar, mais uma vez, a liberdade. Um projeto, tal como a norma, é sempre e apenas um possível. Nada garante o seu sucesso. Não há meios únicos ou predeterminados de realização. Qualquer manual de instruções é suspeito (UNGER, 1987, p. 213). Por isso, projeto não se confunde com predição, projeção de futuro que não deixa margem para um porvir diferente, verdadeira profecia. Também não se resume a prognóstico, que é “passivo diante do que virá” (AMBRÓSIO, 2015, p. 142), nem significa planejamento, fazer planilhas, planos rígidos, com percursos demarcados e inalteráveis (TEIXEIRA, 2009, p. 19-20). Projeção, diversamente, é “intenção de uma transformação do real, guiada por uma representação do sentido desta transformação, levando em consideração as condições reais e animando uma atividade”. Oferece um sentido, orientação, sem se deixar fixar em ideias definitivas (CASTORIADIS, 2000, p. 97-98). Pelo risco de tais confusões, apontou-se ser discutível a escolha de Unger por “programa”. Na definição de Morin, programa é “sequência de ações predeterminadas que deve funcionar em circunstâncias que permitem sua efetivação”, e embora economize pensamento, antecipando a reflexão, fica à mercê das circunstâncias externas para seu sucesso ou fracasso. O próprio Morin prefere falar em “estratégia”, pensamento que, preparando-se para o novo, adapta-se ao inesperado, a fim de integrá-lo e enriquecer a ação (MORIN, 2005, p. 90). Unger não ignora e, ao aludir a um “pensamento estratégico”, sublinha a importância de a antecipação imaginativa do futuro ser acompanhada de habilidades de adaptação às circunstâncias (UNGER, 1998, p. 29).

Por projeto, tem-se aqui em vista, mais especificamente, o labor jusfilosófico de indicação de caminhos, de elaboração de propostas, realçando que isso inclui traçar um rumo e definir alguns passos - ao menos iniciais - em sua direção. Justamente por não pretender dividir o pensamento do futuro em etapas ou funções de programação e estratégia, projetualidade aparece como conceito mais adequado, assim como conjeturalidade, quando se joga luz no aspecto epistêmico dessa operação. Em outros termos, tem-se a filosofia do direito operando sob a forma de exercício conjetural prospectivo que resulta em projetos.

Apesar de reunir ações, instituições e normas possíveis, com as quais vislumbra a transformação, o projeto jusfilosófico não tem propósito instrumental ou utilitário. Mesmo quando dialoga e se aproveita de reflexões econômicas, sociológicas, administrativas ou técnicas, mantém perfil especulativo, pois, resultando da conjetura, trabalha com suposições, possibilidades, conquanto embasadas na experiência. Por isso, a via traçada ou o resultado esperado podem ser corrigidos ou abandonados sem que configurem fracasso ou erro. A depender do juízo prudencial, o pensamento projetual pode conceber mudanças gerais ou locais, rápidas ou graduais, articuladas ou fragmentadas. Sem deixar de ambicionar transformações estruturais, pode reconhecer que nem sempre elas são possíveis por revoluções, ou mais efetivas a reforma e a atuação gradual (UNGER, 1998, p. 16ss; 2004, p. 46-47; 2005, p. 18ss; 2009, p. 164-166). Como afirma Unger (1998, p. 263; 2005, p. 84), a direção importa mais do que a distância; o que conta é povoar o mundo com alternativas.

Pode-se concluir, assim, que a projetualidade jusfilosófica, no exercício da imaginação conjetural, parte da experiência histórica para entrever limites e oportunidades; trabalha com o possível, não só em razão da liberdade, como também por mirar alguma implementação; organiza-se com objetivos imediatos (modificação de condutas, instituições, normas) e mediatos (transformação social ampla e profunda). Além disso, pode integrar-se a um projeto mais largo, nos quais se inserem outros projetos, concomitantes ou sucessivos, e dirigir-se a propósitos variados. Mesmo quando adota larga escala e duração, ressalva-se, não ambiciona conceber um único projeto para resolver todos os problemas de um Estado, de um sistema jurídico ou do mundo. Ciente da complexidade da realidade e da falibilidade humana, pleiteia o futuro na forma de projetos ex tempore locoque, em cada caso, em cada presente, com a “ajuda de expectativas e conjeturas” (VIEHWEG, 1969, p. 14-15).

Portanto, a jusfilosofia projetual apreende o seu tempo em pensamento e, a partir disso, o transcende, mas se mantendo vinculada ao material histórico-social do qual exsurge:

Um projeto filosófico é parte de um projeto histórico no quanto é ideológico isto é, pertence a uma fase e a um nível específicos de desenvolvimento social, e os conceitos filosóficos críticos se referem (não importando quão indiretamente!) a possibilidades alternativas desse desenvolvimento. [...] Ao falar e pensar por si, o filósofo fala e pensa de uma determinada posição em sua sociedade e o faz usando o material transmitido e utilizado por essa sociedade. Mas, ao fazê-lo, ele fala e pensa dentro de um universo comum de fatos e possibilidades. Através dos vários agentes e camadas individuais da experiência, através de diferentes “projetos” que guiam os modos de pensar dos negócios da vida diária para a Ciência e a Filosofia, a interação entre um sujeito coletivo e um mundo comum persiste e constitui a validez objetiva dos universais. (MARCUSE, 1973, p. 202-203)

Marcuse reaprecia a filosofia como capaz de libertar o pensamento da escravidão do estabelecido, especialmente por permitir projetar alternativas. Ela pode “mostrar a realidade como aquilo que realmente é e mostrar aquilo que essa realidade impede de ser” (Ibid., p. 187). Para tanto, tem à disposição instrumentais presentes em todo filosofar, mas dos quais nem sempre está ciente, mormente em tempos de antiutopismo e fetichismo da crítica negativa. Também é o caso da filosofia do direito com a imaginação conjetural e os projetos.

5. A filosofia do direito como filosofia projetual: entre ideia e história

Concomitante à busca pela inteligibilidade do direito, a jusfilosofia, em sua dimensão prática, busca fazer o direito cada vez mais justo (SALGADO, 1996, p. 23-24). Ela percebe bem que nem todo direito realiza a justiça e não ignora esse fato. Encarrega-se, nos limites de suas capacidades, a reforçar que, apesar disso, deve-se perseguir a ideia de justiça, pois só será direito enquanto empenhar-se nisso. Com efeito, toda ordem jurídica se propõe a realizar o justo e, se muitas vezes fracassa, conserva essa intenção (RECASÉNS SICHES, 2008, p. 4). Ainda que seja no discurso, isso não é insignificante no quadro de resignação com o real.

O insucesso na concretização da ideia de justiça, o malogro dos projetos de sociedade justa, sobretudo na forma das utopias, permanece sendo suscitado para invalidar aspirações de formas alternativas de sociedade e de vida. Porém, se há falhas e contradições na ação, cabe à jusfilosofia oferecer novos projetos de direito, instituições e sociedades, junto com as consequências esperadas (STAMMLER, 1930, p. 132). A “radical bivalência de real e ideal” do humano é exatamente o que constitui a história (REALE, 2000, p. 260).

O produto primeiro da conjetura jusfilosófica, pode-se notar, não é o projeto, mas, antes e abstratamente, a ideia, isto é, hipótese, paradigma, modelo, referencial de perfeição, esquema regulativo de caráter conjetural (QUARTA, 2015, p. 29-31; 127-128; SALGADO, 1995, p. 132ss; REALE, 1998, p. 156-157). Conservando-se ideia, o conjeturado permanecerá irrealizável. Com efeito, mesmo pretendendo intervir na realidade, a ideia constitui um conjunto de princípios racionais, irrealizável por sua própria essência, ao menos enquanto não for canalizada em um projeto (QUARTA, 1993, p. 6; ZUOLO, 2009, p. 84-89). Eis também onde entra a filosofia do direito: ela não apenas pensa a ideia de justiça, como também perscruta os caminhos para realizá-la, tendo nos projetos esse suporte.

Reitera-se que a filosofia do direito, assim como a filosofia política, na qualidade de filosofia prática, é instância privilegiada do encontro entre ação e teoria. Mas possui limites, que são o limiar de todo pensar: carece de instrumentos para fazer-se realidade por si mesma e jamais se converterá em pura ação, não apenas porque isso significaria sua extinção, mas também pela impossibilidade de esgotar o que pensar sobre o real. Ainda assim, a filosofia do direito concebe o produto do pensamento que chega mais próximo da ação: o projeto. Além de desejar o futuro, sob a orientação da razão e em harmonia com a experiência, ela imagina e traça modos de realizar o imaginado, converte-o em objetivo e tenta alcançá-lo: projeta. Faz-se, assim, filosofia normativa, que trabalha com o dever ser, elaborando, na sua dimensão positiva, conjeturalmente, projetos de novas normas, instituições, sociedades.

Não é de hoje que se atribui uma tal função à filosofia do direito. Del Vecchio a caracterizava por diferentes tipos de investigações, dentre as quais a deontológica, que consistia tanto na crítica da legitimidade e racionalidade do direito quanto na especulação sobre o ideal. Essa abordagem expressa que “a mente humana jamais foi inteiramente passiva ante o Direito, jamais se contentou com o facto consumado como se este fosse um limite intransponível”. A filosofia jurídica ocupa-se também “daquilo que deve ou deveria ser Direito” (DEL VECCHIO, 1979, p. 306-307). Díaz (1974, p. 266; 404), por sua vez, reputa a axiologia jurídica, empenhada no dever ser, como a pedra de toque da legitimidade da filosofia do direito por analisar as possibilidades de transformação. Até mesmo o vetusto Groppali (1906, p. 35; 349) admitia, entre os escopos dela, o estudo das condições e das normas para “melhorar no tempo os ordenamentos jurídicos”4. A dimensão deontológica, portanto, decorre do caráter axiológico ínsito ao jusfilosofar. Pérez Luño (2008, p. 100-101; 140) chega a afirmar que a deontologia é a função da filosofia do direito por antonomásia.

A investigação deontológica ajuda a mostrar a importância irrecusável da crítica jusfilosófica que submete o existente a um juízo de dever ser e concebe a ideia a servir de critério de medida. Quer dizer, ela evidencia a crítica em dimensão positiva, que projeta o melhor direito e a melhor sociedade possíveis de acordo com a situação histórico-social presente, e então retorna para julgar se, de acordo com as circunstâncias concretas, a realidade vigente satisfaz o possível ou ainda cabe ser aprimorado, corrigido ou substituído (RECASÉNS SICHES, 2008, p. 14; SOLAR CAYÓN, 2003, p 268-269). Portanto, faz parte da tarefa do filósofo do direito investigar os fundamentos de uma ordem jurídica justa e trabalhar “para que a justiça se faça história” (REALE, 1977, p. 14).

Assim proceder não é medir a jusfilosofia em termos de utilidade ou reduzi-la à política. Pleiteia-se, apenas, deixar às claras uma ambição sempre presente na história do pensamento jurídico, mas frequentemente ignorada, senão mesmo escondida, vez que o direito queria se apresentar como eticamente neutro. Logo, reinvocar o caráter deontológico da filosofia do direito é convocar não só a se pensar em modificações nas estruturas jurídicas e institucionais, como também a assumir o empenho axiológico de toda juridicidade.

6. Conclusão

A crítica jusfilosófica, em seu ponto de partida, indicou, corretamente, a necessidade de um novo pensamento que fosse capaz de contribuir para transformar a sociedade e as instituições. No entanto, em vez de dar-se como exemplo, passou a reprovar os intentos normativos, sobretudo se ambicionassem concretização, por seus riscos antidemocráticos. Imersa em autoculpabilização, parece ter comprado parte do discurso neoliberal, pois, se não concorda que ele seja “a única alternativa viável, a utopia antiutópica” (ALMEIDA, 2018, p. 2244), endossou a suposta insensatez de toda formulação propositiva substancial. Enredada em denúncias, desconstruções e desvelamentos ideológicos, desproveu-se de ferramentas e de pretensões projetuais. Como resultado, encerrou-se cada vez mais na dimensão negativa, renunciado à dimensão positiva.

No presente trabalho, buscou-se identificar algumas dessas incongruências das filosofias do direito críticas contemporâneas e mostrar como a própria jusfilosofia, enquanto filosofia prática, contém elementos a permiti-la encarar os desafios hoje em curso. Pôde-se ver que ela, ao tomar como objeto o direito, revela-se instância especial de meditação sobre o viver em comum e livre (SALGADO, 1994, p. 77; 84). Liberdade implica possibilidades de ser e de agir, uma existência além dos fatos, projetada na norma, nos textos constitucionais, nas utopias de novas sociedades. Portanto, ao pensar sobre a liberdade consubstanciada no direito, a jusfilosofia, tal como a juridicidade, apresenta incontestável aspecto projetual.

A conexão entre possibilidade e projetualidade reinvoca, mais uma vez, a tese marxiana de transformação do mundo. Embora convertida em lugar-comum pelos críticos, eles não conseguiram conectar com sucesso esse lema à projetualidade intrínseca ao direito e à tarefa correspondente da jusfilosofia. Talvez isso decorra do fato de que a filosofia nunca propôs limitar-se a interpretar o mundo em vez de transformá-lo (BADIOU; NANCY, 2017, p. 38-39). O que exige é não se limitar ao conhecimento e à explicação do ser, colocando também em questão se aquilo que é - e ainda não é - merece ser (PÉREZ LUÑO, 2008, p. 36). Em termos mais diretos, jamais perder de vista a conexão entre ser e dever ser.

A crítica tem preterido esse laço quando deixa de “proceder à criação de outras instituições que tomariam seu lugar” (CASTORIADIS, 2004, p. 30). Decerto, mais difícil do que ceder à convocação para a destruição é conjeturar projetos, propor algo novo que seja crível, factível e realizável. Trata-se de um compromisso sujeito à cobrança, não tanto de concretização integral, mas de empenho genuíno. Se imaginar pode não ser complicado, todavia, nem todos estão preparados para a responsabilidade exigida por um projeto. Mais do que nunca é necessário restabelecer o elo entre “consciência crítica” e “consciência projetual” (MALDONADO, 1971, p. 128-129).

A relação humana com o futuro pode dar-se de diferentes modos. A filosofia do direito, em particular, pode fazê-lo por meio dos projetos, lançando metas em direção ao porvir, finitas, tais como o próprio ser humano, situadas na história, aferidas prudencialmente nas entrelinhas do real5. Enquanto filosofia prática, o pensamento jusfilosófico proporciona uma reflexão idiossincrática do futuro e um exercício próprio de projetualidade.

Assim como Marcuse reavaliou a operação filosófica ao conclamar à retomada dos projetos, aqui, ao propor-se a associação entre jusfilosofia e projetualidade, incita-se também a repensar a atuação da filosofia do direito. Nesse trajeto, percebe-se que, felizmente, alguns jusfilósofos têm cogitado revitalizar a imaginação e os projetos, seja pela redignificação das utopias, seja pela legitimidade da conjetura, ou ainda cultivando experimentalismos. Cada um reforça, a seu modo, a urgência por uma dimensão positiva frente à crítica negativa. Não estão sozinhos. Encontram a história da filosofia do direito e da filosofia prática ao seu lado.

Supplementary material
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Notes
Notes
1 É certo que essa oposição remonta à Escola de Frankfurt, que cunhou a terminologia designativa do paradigma vigente e do paradigma de oposição: a teoria tradicional aspira objetividade, neutralidade, separação entre ser e pensar; a teoria crítica, por sua vez, é consciente da sua inseparabilidade da sociedade e da ação, reconhece as contradições do todo social e em si, ao mesmo tempo em que o condena. Cf. HORKHEIMER, 1975; HABERMAS, 1990, p. 198-201; NOBRE, 2004, p. 23.
2 Para uma análise da postura filosófica “rupturalista”, ver D’HONDT, 1979, p. 7ss.
3 Para uma incursão mais aprofundada na crítica jusfilosófica de matiz rupturalista, ver o nosso SANTOS, 2024.
4 No mesmo sentido, diversos outros clássicos da filosofia do direito, inclusive alguns fortemente positivistas, como PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 156 e KELSEN, 1962, p. 131.
5 Nesse sentido, GADAMER, 2012, p. 189.
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