Artigos inéditos
Received: 19 January 2023
Accepted: 04 February 2024
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/72628
Resumo: Em 2023, a Lei Maria da Penha completou 17 anos, tempo suficiente para que seus principais conceitos fossem compreendidos pelo sistema jurídico. No entanto, decisões de diversos tribunais brasileiros expressam resistência à incorporação do paradigma de gênero e incompreensão sobre o conceito de violência baseada no gênero. A partir de revisão de literatura de pesquisas sobre a interpretação da Lei Maria da Penha, este artigo objetiva trazer evidências sobre a existência de uma tendência a interpretações restritivas dos tribunais sobre o conceito de violência baseada no gênero para a concessão de medidas protetivas, aumentando os obstáculos para o acesso das mulheres à justiça e violando a lei Maria da Penha, convenções e recomendações de mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos das mulheres.
Palavras-chave: Paradigma De Gênero, Violência Baseada No Gênero, Lei Maria Da Penha, Acesso À, Justiça, Jurisprudência.
Abstract: In 2023, the Maria da Penha Law celebrated its 17th anniversary, a sufficient period for its main concepts to be understood by the legal system. However, decisions from various Brazilian courts express resistance to the incorporation of the gender paradigm and misunderstanding of the concept of gender-based violence. Through a literature review of research on the interpretation of the Maria da Penha Law, this article aims to provide evidence of a trend towards restrictive interpretations by courts regarding the concept of gender-based violence when granting protective measures. This trend increases obstacles to women's access to justice, violating the Maria da Penha Law, conventions, and recommendations of international mechanisms for the protection of women's human rights.
Keywords: Gender Paradigma, Gender-based Violence, Maria da Penha Law, Access to Justice, Jurisprudence.
1. INTRODUÇÃO: O gênero como um novo paradigma
A lei de violência doméstica e familiar brasileira (lei 11.340/2006) - conhecida como Lei Maria da Penha (LMP) - completou, em 2023, 17 anos e foi assim denominada para dar cumprimento à recomendação de reparação simbólica à vítima Maria da Penha tendo em vista à responsabilização internacional do país no Caso Maria da Penha Fernandes v Brasil (Comissão Interamericana de Direitos Humanos, 2001). A lei, que é fruto de uma proposta de organizações feministas e dos movimentos de mulheres, inaugura o gênero como paradigma jurídico. Com base no paradigma de gênero e da violência baseada no gênero (doravante VBG), a LMP criou um novo marco normativo e um sistema jurídico autônomo com regras próprias de interpretação, de aplicação e de execução, com fundamento nos direitos humanos das mulheres (Campos; Carvalho, 2011).
Passados mais de 15 anos, era de se esperar que já estivesse absorvida pelo poder judiciário. No entanto, a sua implementação continua a enfrentar diversos obstáculos. Se inicialmente as resistências residiam em uma interpretação jurídica duvidosa sobre a constitucionalidade da lei, mais recentemente pode-se dizer que há interpretações que não consideram o papel das instituições (Machado; Prado, 2022), divergências sobre a natureza jurídica das medidas protetivas e sobre o conceito de violência baseada no gênero. É sobre a disputa em torno do conceito de violência baseada no gênero que se ocupa este artigo.
Embora o conceito de gênero tenha ultrapassado os limites do pensamento feminista e norteado a elaboração de políticas públicas, sua incorporação no Direito ainda é problemática. As análises feministas sobre o direito remontam aos anos oitenta, mas é com a Lei Maria da Penha que o gênero ganha estatuto jurídico nacional. A lei Maria da Penha ao mencionar, em seu preâmbulo, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) indica que conceitos normativos convencionais fazem parte de sua gramática interpretativa, dentre eles, o de violência baseada no gênero.
A violência baseada no gênero é um conceito associado ao gênero porque explica a assimetria nas relações de gênero e o uso da violência como mecanismo para manter essa assimetria. Portanto, o conceito de gênero e violência baseada no gênero são indissociáveis, razão pela qual Camilla de Magalhães Gomes e Nayara Costa da Silva (2019, p.15) afirmam que a violência baseada no gênero é o gênero expresso em três espécies (doméstica, familiar e íntimo-afetiva), pois o escopo da lei é a proteção da mulher contra a violência baseada no gênero.
A adesão a esse paradigma implica em profunda revisão teórica, metodológica e de interpretação de categorias jurídicas utilizadas para balizar a aplicação da lei, tais como vulnerabilidade, hipossuficiência, dependência, subordinação e motivação de gênero, pois conflitam com o paradigma de gênero previsto na LMP.
E por que podemos afirmar que o gênero/violência baseada no gênero é um novo paradigma? Se tornarmos o tradicional conceito de paradigma de Thomas Kuhn (1998, p.222) como “aquilo que os membros de uma comunidade partilham” e inversamente “uma comunidade científica consiste em pessoas que compartilham um paradigma”, pode-se argumentar que o gênero é um conceito compartilhado por acadêmicas e pesquisadoras feministas de diversas áreas do conhecimento, cujas comunidades científicas compartilham o paradigma de gênero.
Conforme Lia Zanotta Machado (1998, p. 108-109), a construção do paradigma de gênero se afirma no compartilhamento da “ruptura radical entre a noção biológica de sexo e a noção social do gênero”; no “privilegiamento metodológico das relações de gênero sobre as categorias mulher e homem ou feminino e masculino e na transversalidade de gênero”, isto é, no entendimento de que a construção social do gênero é perpassada por diferentes áreas do social. Desse modo, as categorias gênero e relações de gênero permitem pensar que a construção social do gênero é “arbitrária em relação à diferenciação dos sexos de homens e mulheres”, ou seja, “não existe a mulher e não existe o homem enquanto categorias universais”(Machado, 1998, p. 109).
Portanto, o gênero desnaturalizou as categorias homens e mulheres afirmando a sua construção social e cultural ou, ainda, performática (Gomes Magalhães, 2022) e mudou a rede conceitual por meio da qual interpretávamos o mundo. Assim, estamos diante de um novo paradigma - o paradigma de gênero - desenvolvido pela teoria feminista e compartilhado por diversas comunidades acadêmicas feministas e de estudiosas e estudiosos do gênero. O gênero constitui-se então como um paradigma teórico, um método de análise e de interpretação. Esse novo paradigma ingressou no campo jurídico por meio da teoria feminista do direito e da lei Maria da Penha. E, como todo novo paradigma, o gênero encontra resistências na velha tradição jurídica que trabalha com categorias universais de homem e mulher, masculino e feminino e definições jurídicas descontextualizadas. A recepção de um novo paradigma requer, portanto, uma redefinição da teoria jurídica e uma reinterpretação de conceitos jurídicos, isto é, mudar o olhar e os métodos de análise.
A pergunta que norteia a pesquisa está assim formulada: É possível reunir evidências de que os tribunais brasileiros resistem à incorporação do paradigma de gênero ao interpretarem a violência baseada no gênero na LMP? Para responder à indagação realizou-se revisão de literatura sobre pesquisas jurisprudenciais realizadas em tribunais brasileiros com o objetivo testar a hipótese de que a jurisprudência indica uma forte tendência de não incorporação do paradigma de gênero.
Para a revisão de literatura dois aspectos foram considerados: a) pesquisas anteriores realizadas sobre o tema; b) discussão teórica sobre o tema. A busca pelas pesquisas sobre jurisprudência foi realizada no Portal de Periódicos Capes e no Portal Scielo, em março de 2023 , com o seguinte descritor: “lei Maria da Penha nos tribunais”. O Portal Scielo apresentou três documentos que foram descartados por não se relacionarem ao objeto da pesquisa. No portal Capes foram encontrados 53 documentos. Após a leitura dos resumos dos artigos expostos no sitio eletrônico, foram selecionados 18 artigos que foram relidos, e, dessa segunda leitura excluíram-se 10 artigos que não se relacionavam aos objetivos deste artigo. Foram ainda incluídos dois artigos que não apareceram nos sítios eletrônicos consultados, mas que tratavam do tema da pesquisa. Ao final, a amostra foi constituída de 10 artigos e abrange jurisprudência dos estados da região Sul (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina), parte do Sudeste (Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro), Centro-Oeste (Brasília), Nordeste (Alagoas). Embora a amostra não seja representativa de todo o país, pois há ausência da região norte e apenas um tribunal do Nordeste, é possível afirmar que há evidências de uma tendência dos tribunais brasileiros de não incorporação do paradigma de gênero.
A hipótese é que o binarismo sexual e a introdução de categorias normativas não previstas na lei ressignificam negativamente o conceito de gênero/violência baseada no gênero e, por isso, impedem a incorporação do novo paradigma. E, em diálogo com documentos internacionais, discute-se o conceito de violência de gênero presente em documentos de direitos humanos das mulheres e os obstáculos normativos para o acesso das mulheres à justiça. O artigo está estruturado em duas seções, além da introdução e considerações finais. Na primeira, discute-se o conceito de gênero (estrutural e normativo), seus cruzamentos com raça/etnia, classe e a violência baseada no gênero interpretada pelos tribunais. Na segunda, debate-se as consequências normativas da intepretação restritiva do conceito para o acesso das mulheres à justiça e para uma prestação jurisdicional de boa qualidade.
2. O DEBATE SOBRE O GÊNERO
2.1 O gênero como um conceito estrutural
O gênero é uma categoria central nos estudos feministas e a partir da contribuição dos feminismos negros e decoloniais, necessariamente deve ser pensado em sua interconexão com marcadores de raça/etnia, classe, sexualidade em sociedades periféricas (Crenshaw, 1991; Carneiro, 2019; Lugones, 2019; Gomes, 2018). Por isso, pensar as relações de gênero significa refletir sobre os corpos sobre os quais elas incidem. O gênero não é um conceito ou categoria universal (Oyewúmí, 2018), tampouco é explicado por uma única teoria. As teorias feministas adotam diversas perspectivas sobre o gênero. Para os propósitos deste artigo, compreende-se o gênero como uma categoria estrutural atravessada ou entrecruzada pela raça/etnia, classe, sexualidade, idade, etc. e, que informa relações assimétricas de poder entre homens e mulheres (e entre as diversas mulheres e diversos homens) e como essa assimetria constrói relações desiguais que são mantidas por normas sociais e legais. Gênero também é uma categoria discursiva, que cria e recria o gênero por meio da linguagem, na qual se inclui o direito.
A perspectiva estrutural do gênero nas sociedades modernos/coloniais pode ser verificada, por exemplo, nos indicadores de desigualdade social e raça no trabalho que colocam as mulheres em posições de discriminação. As mulheres brasileiras recebem 77,7% do salário dos homens. A disparidade aumenta quando o cargo é mais elevado, chegando a 69% do salário pago aos homens que detém cargo de chefia. A situação é pior para as mulheres negras, que, mesmo tendo curso superior, recebem 33% menos que uma mulher não negra (Instituto Locomotiva, 2020, s/p). Isto significa que o gênero e o racismo são determinantes para a desvalorização do trabalho feminino e para a ausência de qualificação para obter postos e salários melhores. Além disso, a divisão do trabalho doméstico sobrecarrega as mulheres que gastam 21,4 horas semanais com tarefas domésticas enquanto que os homens dedicam apenas 11 horas do seu tempo para essas tarefas (Júnia, 2020, s/p). Tais fatores dificultam o acesso das mulheres a empregos mais bem pagos. É, portanto, a assimetria de gênero e raça que está na base da existência de uma maioria de mulheres negras como trabalhadoras domésticas no país.
Na América Latina e no Caribe são 18 milhões de trabalhadoras(es) domésticas(os), dos quais 88% são mulheres (OIT, 2021, s/p). No Brasil, em 2020 havia 4,9 milhões de trabalhadores domésticos, sendo que 3 milhões eram mulheres negras (DIEESE, 2020,s/p). Esses dados demonstram que, embora as mulheres sejam economicamente ativas, estão em trabalhos menos valorizados socialmente e o racismo é um fator determinante para o menor rendimento obtido pelas mulheres (DIEESE, 2020, s/p). O mesmo se observa na política, lugar em que as mulheres são ainda uma minoria nos parlamentos, bem como chefe/as de estado e de governo, ministras e nas altas cortes de justiça (Campos, 2018; Campos; Castilho, 2022).
A posição subalternizada das mulheres não é um fato aleatório, faz parte de uma estrutura que cria padrões duradouros para as relações sociais, ou seja, uma ordem de gênero que organiza a sociedade como um todo (Connell; Pearse, 2015, p.156). É dentro da ordem de gênero que as relações de gênero, as identidades e subjetividades são constituídas e reproduzidas. Nesse sentido, pode-se afirmar que o gênero é estrutural e que em sociedades muito desiguais e hierárquicas há uma estrutura patriarcal das relações de gênero (Connell; Pearse, 2015, p.157).
Os diferentes papeis de gênero e as subjetividades também são construídas cotidianamente na ordem de gênero, de modo que a violência pode significar coisas distintas para homens e mulheres. Muitos homens pensam que é correto agredir psicológica ou fisicamente uma mulher que não reproduza os papeis a ela assinalados, e as mulheres podem entender o uso da violência como socialmente aceita pelo fato de não se adequarem às expectativas sociais. Esse é um aspecto estrutural do gênero que tem sido negligenciado pelo poder judiciário ao considerar a violência baseada no gênero com uma determinante individual.
Nesse sentido, o conceito de violência baseada no gênero é usado porque tal violência é moldada pelos papéis, status e expectativas de gênero e têm legitimado e ajudado a perpetuar a violência contra as mulheres (Russo; Pirlott, 2006, p.181). Por essa razão, não reconhecer a violência de gênero em suas diversas manifestações legitima a violência contra as mulheres.
2. 2 Violência baseada no gênero como um conceito jurídico
Normativamente, o conceito de gênero está presente em diversos documentos internacionais como na Declaração e na Plataforma de Ação de Pequim (1995). A violência baseada no gênero é definida na Plataforma de Pequim (item D - Violência contra a Mulher, parágrafo 113) como “quaisquer atos de violência, inclusive ameaças, coerção ou outra privação arbitrária de liberdade, que tenham por base o gênero e que resultem ou possam resultar em dano ou sofrimento de natureza física, sexual ou psicológica, e que se produzam na vida pública ou privada” (ONU, 1995, p.189). Por sua vez, a Recomendação Geral 33 sobre Acesso à Justiça, do Comitê que monitora a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comitê CEDAW), conceitua gênero como “identidades, atributos e papeis socialmente construídos para mulheres e homens e ao significado cultural imposto pela sociedade às diferenças biológicas, que se reproduzem constantemente no sistema de justiça e suas instituições”(ONU, 2015, par.7, p.4). Já na Recomendação Geral 19 (RG 19) referente à violência contra mulheres, a expressão discriminação contra as mulheres (Artigo 1 da Convenção CEDAW) inclui a violência baseada no gênero (ONU, 1992) e a violência contra as mulheres é uma forma de discriminação porque afeta as mulheres de modo desproporcional, pelo fato de serem mulheres. Além disso, a violência contra as mulheres está assentada em estereótipos de gênero que perpetuam práticas e abusos na família, cujas consequências contribuem para manter as mulheres em papéis de subordinação e contribuem para o seu baixo nível de participação política e para o seu nível inferior de educação, de competências e de oportunidades de trabalho (ONU, 1992).
A violência baseada no gênero viola os direitos e liberdades, dentre eles, o direito à igualdade perante a lei e os estados estão obrigados a adotarem todas as medidas para a eliminação da discriminação e violência contra as mulheres. Além disso, conforme a Recomendação Geral 35 a violência de gênero contra as mulheres deve ser vista com um problema social e não individual, que requer respostas abrangentes, para além de eventos específicos, agressores individuais e vítimas/sobreviventes (ONU, 2017, par.9).
Desse modo, a violência de gênero afeta as mulheres ao longo da vida (incluindo meninas) e assume diversas formas que incluem “atos ou omissões que causam ou podem causar ou resultar em morte, dano ou sofrimento físico, sexual, psicológico ou econômico para as mulheres, ameaças de tais atos, assédio, coerção e privação arbitrária de liberdade” (ONU, 2017, par. 14).
Para reconhecer essa violência e evitar a revitimização das mulheres, o Comitê CEDAW recomenda que os Estados adotem, dentre outras medidas preventivas, a “capacitação, educação e treinamento obrigatórios, recorrentes e efetivos para membros do Judiciário, advogados e policiais (...) (ONU, 2017, par.30, e) com o objetivo de promover a compreensão sobre “Como os estereótipos e preconceitos de gênero levam à violência de gênero contra as mulheres e a respostas inadequadas a ela” (ONU, 2017, par. 30, e, i).
Por sua vez, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) conceitua a violência contra mulheres como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (Artigo 1). Essas normas internacionais fundamentam a lei Maria da Penha e sua definição da violência doméstica e familiar como ‘qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial’ que pode acontecer no ambiente doméstico, na família e nas relações entre parceiros íntimos (art. 5o, I, II, III).
Esse conceito é central na lei Maria da Penha e deve ser entendido à luz da teoria feminista e das convenções e recomendações mencionadas, pois a LMP reflete os esforços feministas que incorporam os estudos de gênero, sendo ainda uma resposta aos compromissos internacionais firmados pelo Estado brasileiro para a erradicação da violência contra mulheres.
Por isso, o gênero e a violência baseada no gênero são categorias do ordenamento jurídico que devem ser adequadamente apropriadas por profissionais do direito. Se o gênero é uma categoria estrutural, como afirmamos, ele fundamenta a violência baseada no gênero, isto é, a violência que é exercida sobre corpos femininos e feminizados em virtude das relações assimétricas de poder. Por isso, a violência prevista na lei Maria da Penha não pode ser desassociada do gênero. Assim, toda e qualquer violência praticada contra mulheres nas relações domésticas, familiares e íntimo-afetivas é uma violência baseada no gênero porque reflete as relações assimétricas de poder que conferem ao masculino um suposto “mando” ou supremacia e às mulheres uma suposta “obediência” ou inferioridade. Essa é a razão pela qual não há que se questionar se há “motivação de gênero” e/ou qualquer outra condição, pois essas são dadas pelas relações hierárquicas e assimétricas de poder construídas em uma sociedade patriarcal e não pela biologia. No entanto, os tribunais brasileiros resistem em assimilar o paradigma de gênero e de violência baseada no gênero.
2.2 O gênero nos tribunais
No julgamento sobre a constitucionalidade da Lei Maria da Penha (ADC 19), o Ministro-relator afirmou que “A mulher é eminentemente vulnerável quando se trata de constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em âmbito privado e que “Não há dúvida sobre o histórico de discriminação e sujeição por ela enfrentado na esfera afetiva” (Brasil, 2012, p.3). Argumenta também que há uma vulnerabilidade presumida da mulher no âmbito privado e nas relações afetivas, pois “a mulher é eminentemente vulnerável (...) no âmbito doméstico e a vulnerabilidade não necessita ser provada porque decorre de um “histórico de discriminação e sujeição” contra as mulheres na esfera afetiva. Por isso, afirma que há necessidade de uma legislação específica para promover a igualdade material (Brasil, 2012, p.5).
Se é verdade que há uma história de longa duração de discriminação contra mulheres na esfera afetiva (e na esfera pública), relacioná-la à uma vulnerabilidade presumida sem defini-la, essencializa as mulheres e dá margem a diversas interpretações.
Em 2013, o Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro anulou a decisão de uma vara de violência doméstica que havia condenado um ator por ter agredido sua ex-namorada, uma atriz da televisão brasileira, durante uma festa. O ator recorreu da condenação e o Tribunal de Justiça do estado reformou a sentença condenatória argumentando que as personagens do processo eram atores renomados, o que levaria a concluir que a vítima, que não convivia em relação de afetividade estável com o réu “não pode ser considerada uma mulher hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade” (Rio de Janeiro, 2013, p.1).
Nessa decisão, o Tribunal exigiu que a condição de vulnerabilidade fosse comprovada, adicionou a necessidade da hipossuficiência e de uma relação de afeto estável. Ao entender que a vítima não era vulnerável, não era hipossuficiente (economicamente bem sucedida) e não estava em uma relação de afetividade estável (tinha rompido o relacionamento) revogou a condenação do ator. Posteriormente, a decisão do TJRJ foi reformada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reafirmou que a vulnerabilidade ou hipossuficiência são presumidas nas relações íntimas de afeto e que o namoro, mesmo tendo acabado, é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação, o que caracteriza violência doméstica. Argumentou ainda que há uma presunção de hipossuficiência da mulher e por isso o Estado deve oferecer proteção especial para reequilibrar a desproporcionalidade existente e que, em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração dessa presunção, cuja condição seria intrínseca à mulher na sociedade atual (Brasil, 2014).
A decisão do STJ ao afirmar que a relação íntima de afeto independe de coabitação está em conformidade ao art. 5°, III, da LMP que dispõe que a violência doméstica e familiar pode ocorrer “ em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (Brasil, 2006). Portanto, a interpretação do TJRJ confrontou expressa previsão legal. No entanto, o STJ ao sustentar que tanto a vulnerabilidade quanto a hipossuficiência são presumidas nas relações domésticas íntimas de afeto essencializa as mulheres, pois considera que essas condições são inerentes às mulheres, como se decorressem da biologia e não de uma violência estrutural da sociedade patriarcal. Ao afirmarem que as mulheres são presumidamente vulneráveis e hipossuficientes retiram sua condição de sujeito-pessoa de direitos que está provisoriamente nessa situação e lhes devolvem a vitimização que a lei procurou evitar (Campos, 2011; Gomes; Santos, 2019). Ao mesmo tempo, ignora ou não analisa outras condições, como por exemplo, o racismo e a deficiência que colocam algumas mulheres em situações de maior vulnerabilidade (Machado, Prado, 2022; Mello, 2016).
Diversas pesquisas demonstram que os tribunais ora entendem a violência como presumida, ora devendo ser comprovada. Em sua pesquisa de mestrado, Rúbia Abs da Cruz (2017) analisou 38 decisões do Superior Tribunal de Justiça entre 2006 e 2016 e revelou que em apenas 20 delas foi acolhida a tese da presunção da violência. Estudo de Camilla Magalhães Gomes e Nayara Maria Costa da Silva Santos (2019) examinou 18 decisões do STJ entre dezembro de 2008 a agosto de 2016 e verificou que o binômio vulnerabilidade/hipossuficiência era entendido tanto como presumido quanto exigindo comprovação concreta. A mesma tendência foi observada por Thiago Pierobom de Ávila e Cyro Jatene (2019), Fabiana Cristina Severi e Flávia Passeri Nascimento (2019), Márcia Nina Bernardes e Mariana Albuquerque (2029), Thais Darães e Isadora Vier Machado (2018) e Vanessa Silva e Paula Pinhal de Carlos (2018). O binômio vulnerabilidade/hipossuficiência é recorrente nas decisões dos tribunais.
Mas, o conceito de vulnerabilidade é impreciso. A vulnerabilidade, como condição inerente, deve ser compreendida como um elemento comum a todas as pessoas, homens e mulheres, como uma condição humana, pois somos interdependentes uns dos outros (Canotilho, 2022). Na perspectiva de Martha Finneman (2010), a vulnerabilidade substitui a ideia de sujeito autônomo pela de sujeito vulnerável. Por isso, para Mariana Canotilho (2022, p.141), em um novo constitucionalismo do comum, o novo sujeito de direitos deve ser entendido como pessoa vulnerável e carente de relações interpessoais. Nascemos, crescemos e envelhecemos vulneráveis e essa vulnerabilidade como condição inerente à pessoa humana demanda cuidado e proteção coletiva. A pandemia da Covid-19 explicitou, inequivocamente, a vulnerabilidade humana e necessidade de cuidados recíprocos e coletivos.
Mas a vulnerabilidade também pode ser compreendida como decorrente da estrutura patriarcal (Bandeira; Thurler, 2009) das relações de gênero que atinge mulheres de maneira desproporcional e da qual a violência é uma manifestação. Nesse sentido, as mulheres são vulneráveis porque vivemos em uma sociedade machista, racista e heteronormativa, pautada nas relações hierárquicas de gênero/raça/sexualidade. Ou seja, a vulnerabilidade é decorrente dessa estrutura e não de uma condição prévia feminina, pois alguns grupos sociais estão em situação de maior vulnerabilidade que outros.
As desigualdades sociais, econômicas, culturais, ou decorrentes de injustiças sistêmicas, por exemplo, são causas externas que colocam determinados grupos sociais em condições de maior risco social. As mulheres, especialmente indígenas, negras, imigrantes, trabalhadoras com pouca escolaridade ou recursos econômicos, dentre outras, encontram-se em situações de maior vulnerabilidade (Canotilho, 2022) e portanto, sujeitas à violência desproporcional. A idade e a deficiência (Bastos, 2009; Mello, 2016) também são fatores que elevam a vulnerabilidade das mulheres. Nesse sentido, como afirmam Gomes e Silva (2019, p.19), “o que o tribunal faz e não poderia fazer é a categorização dos “tipos” de mulher que estariam sob a proteção da lei”. Portanto, quando a vulnerabilidade é pensada como condição inerente deve-se assumir que todas as pessoas são vulneráveis, mas enquanto condição externa, algumas pessoas estão mais vulneráveis que outras. Nesse sentido, a vulnerabilidade não é condição intrínseca (como essencialidade) às mulheres e, portanto, não pode ser utilizada como critério de exclusão para a aplicação da lei, mas de maior proteção, especialmente daquelas que se encontram nesses grupos ou nessas condições.
Por isso, a proteção prevista na lei Maria da Penha não está condicionada à uma vulnerabilidade presumida ou que deva ser comprovada. A proteção decorre do entendimento da existência de uma ordem patriarcal das relações de gênero na qual a violência é uma manifestação de poder e de controle sobre corpos femininos e feminizados. Trata-se de uma violência estrutural que é manifestada também por ações individuais. Essa violência é, como afirmam Lia Zanotta Machado e Maria Tereza Magalhães, “sempre disciplinar” (1999, p. 233-234) e pode ser cometida por (ex) marido, companheiro, pai, irmão, tio, sobrinho, etc., pois o objetivo da conduta é “introduzir o controle, o medo” (...) caso a mulher não siga as regras de conduta impostas (Bandeira; Thurler, 2009, p. 163).
Entender a vulnerabilidade como condição histórica, como afirma o STF, significa reconhecer que o gênero é estrutural e fundamenta as relações desiguais de poder entre homens e mulheres e que as mulheres estão socialmente em condições de desigualdade em uma história de longa duração. No entanto, o entendimento dos tribunais é divergente, e a presença do binarismo sexual e do binômio vulnerabilidade/hipossuficiência e outros requisitos têm sido uma exigência persistente na jurisprudência para a comprovação da violência de gênero, sendo reproduzidas nos diversos graus de jurisdição.
A reprodução da jurisprudência pode ser entendida como uma técnica de resistência ao paradigma de gênero, pois, por meio dela, os membros do grupo (magistratura, ministério público) aprendem a ver as mesmas coisas quando confrontados com situações que seus predecessores (tribunais superiores) já aprenderam a ver como semelhantes (os critérios não previstos na lei). Dessa forma, os tribunais inferiores quando confrontados com situações que os tribunais superiores vêm (decidiram) como semelhantes, tendem a reproduzir acriticamente as decisões. É o que se procura demonstrar a seguir.
Pesquisa com análise de 47 decisões do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJAL), entre 1996 e 2010, realizada por Larissa Cavalcante, Carlysson Gomes e Lisandra Moreira (2017) buscou compreender como o TJAL interpreta o gênero e encontrou, por um lado, categorias fixas de vítima e agressor e por outro, tentativas de descaracterizar a vítima como capaz de reagir a agressão e ainda, a vítima como vulnerável (Cavalcante; Gomes; Moreira, 2017, p.71). A pesquisa aponta ainda que a construção do masculino, do homem agressor recorre à ideia de periculosidade e reiteração delitiva (p.76), criando um perfil de agressor adequado à lei e reforçando estereótipos de gênero.
Por sua vez, a pesquisa de Thais da Silva Durães e Isadora Vier Machado com 56 acórdãos dos tribunais do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina sobre a aplicação da LMP a relações entre mulheres lésbicas, encontrou apenas quatro decisões e identificou, tanto a aplicação, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quanto a não aplicação da lei, no Tribunal de Santa Catarina que afirmou que:
(...) os autos envolvem uma suposta agressão praticada por uma agente mulher contra uma vítima mulher, não havendo, portanto, uma violência que se originou de uma vulnerabilidade física, uma hipossuficiência financeira e afetiva da agredida em relação à sua agressora[...]. (grifou-se) (Durões; Machado, 2017, p.30).
Dentre as decisões analisadas, 27 envolveram conflitos entre mãe-filha/madrasta-enteada, 14 entre sogra e nora, 03 envolvendo irmãs, 04 abrangeram conflitos entre cunhadas, 01 entre prima/tia/sobrinha. Segundo as autoras, os Tribunais reproduzem
uma interpretação heterossexual da violência doméstica, ao aplicar, no contexto de incidência da Lei Maria da Penha” , a leitura de supremacia do homem sobre a mulher, demonstrando dificuldade em compreender a mulher como agressora em cenários de violência doméstica, tendo como parâmetro a categoria gênero. (Durões; Machado, 2017, p.38).
Houve dissenso entre os tribunais do Sul em aplicar a lei para conflitos envolvendo lesbiandades, mas uma tendência a não aplicá-la, e a omissão à condição lésbica, reforçando a invisibilidade dessa violência, e ainda, o uso de critérios como hipossuficiência física e sujeito homem (Durões; Machado, 2017, p.39).
De modo semelhante são os resultados da pesquisa realizada por de Vanessa Ramos da Silva e Paula Pinhal de Carlos (2018) que analisou 163 decisões do Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul proferidas entre 2006-2016, envolvendo conflito de competência entre Varas/Juizados de Violência Doméstica e Familiar e varas criminais comuns. As autoras encontraram uma ampla utilização da palavra gênero entendido como “submissão da mulher com base no gênero”, “motivação de gênero”, “violência baseada em questões de gênero”, e que a maioria das decisões não apresentava nenhum referencial teórico. Apenas 13 decisões mencionavam referencial teórico de gênero (Silva; Carlos, 2018, p.58). Além disso, alguns acórdãos confundem sexo e gênero, outros reduzem o conceito de gênero à submissão ou subordinação da mulher ao homem que assume posição de dominação; outros associam o conceito de gênero à vulnerabilidade ou hipossuficiência, ou exigem a existência de relação íntima de afeto (Silva; Carlos, 2018, p.59). Conforme as autoras, em 130 decisões houve a associação entre gênero, vulnerabilidade e hipossuficiência. Em uma delas, o Tribunal do estado entendeu que a violência com base na questão de gênero deve ser praticada por pessoa do sexo masculino contra pessoa do sexo feminino, pois o intuito da lei é proteger a mulher em situação de vulnerabilidade (Silva; Carlos, 2018, p.58).
A confusão entre gênero e sexo aprisiona o gênero no sexo (masculino e feminino), já que a violência deve ser cometida por pessoa do sexo masculino contra pessoa do sexo feminino e distorce o conceito de gênero ao entender a violência baseada no gênero como violência baseada no sexo. Além disso, contraria o parágrafo único do artigo 5o da lei que estabelece que as relações de violência independem de orientação sexual.
Em outra decisão, o mesmo Tribunal entendeu não se tratar de violência doméstica porque não havia submissão da vítima frente ao agressor em razão de gênero, ou mesmo situação de vulnerabilidade, hipossuficiência e inferioridade física ou econômica, além de não residirem na mesma residência (Silva; Carlos, 2018), sustentando a necessidade de comprovar a existência de hipossuficiência ou inferioridade física ou econômica. Tem-se, então, argumentos que não compreendem o conceito de violência baseada no gênero como estrutural e o uso da violência como forma de controle sobre o corpo feminino insubmisso, demonstrando um problema de interpretação textual da lei que explicitamente refere que a violência nas relações íntimas de afeto independe de coabitação (art. 5o, III).
Em uma decisão envolvendo violência cometida por um tio contra a sobrinha, o TJRS entendeu que a condição de hipossuficiência da vítima é presumida tendo em vista a superioridade de força física do sexo masculino perante o feminino, já que a vítima não conseguia, por si mesma, cessar o constrangimento que sofria (Silva; Carlos, 2018). Nesse argumento, a perspectiva biológica do sexo (força masculina) é tomada como parâmetro para o entendimento da violência de gênero. Mesmo em decisões que aplicam a LMP, revela-se o déficit teórico de compreensão do conceito de violência baseada no gênero contra mulheres. Face à existência de inúmeras publicações feministas sobre o tema, pode-se afirmar que demonstram resistência à incorporação do paradigma de gênero.
Resultados similares também foram encontrados na pesquisa realizada por Márcia Nina Bernardes e Mariana Albuquerque (2019), no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro em que analisaram 163 acórdãos proferidos entre 2012-2015 e 2018-2019. As autoras identificaram duas linhas argumentativas: a) “basta ser mulher”, para que incida a LMP e, b) além de ser do sexo feminino, é necessário demonstrar vulnerabilidade, dependência, hipossuficiência e fragilidade em relação ao agressor. As autoras apontam que a relação entre vulnerabilidade e violência de gênero é lacônica, e nem sempre esteve presente. Em muitos casos, o critério da vulnerabilidade e não o da violência de gênero fundamentou decisões, o do parâmetro da faixa etária (a violência decorria da própria idade e não do gênero), ou o de um “teste de gênero” em crimes sexuais, fazendo uma suposição se a vítima fosse masculina poderia sofrer também violência e ainda, o critério da relação vítima/agressor decidiu a incidência (ou não) da lei. Em casos em que a vítima era companheira, esposa, ou filhas a maior parte das decisões foi pela aplicabilidade da lei. O mesmo não ocorreu quando as vítimas não estavam em uma relação amorosa e eram mães, filhas, irmãs e cunhadas (Bernardes; Albuquerque, 2019, p.239). As autoras também encontraram menção à subordinação, dominação intencional, relação de submissão/dominação. Afirmam que os achados da pesquisa apontam para a dificuldade do Tribunal em distinguir sexo e gênero e para uma “definição do perfil da vítima como sujeito do sexo feminino, frágil, vulnerável, dependente, adulta e em uma relação conjugal” (Bernardes; Albuquerque, 2019, p.242).
Não muito diferente foram os resultados da pesquisa realizada por Thiago Pierobom de Ávila e Cyro Vargas Jatene (2019) em decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) proferidas entre 2013 e 2018, tendo como vítimas, mulheres idosas. Os autores afirmam que duas correntes doutrinárias permeiam as decisões: a da proteção absoluta, para a qual a violência é presumida e a da proteção relativa, para a qual há necessidade de sua comprovação. Nessa pesquisa que examinou casos envolvendo violência doméstica e familiar praticada por filhos contra mulheres idosas, em 25% dos casos houve o reconhecimento da violência presumida (proteção absoluta) e em 75% deles houve a exigência de comprovação da vulnerabilidade (proteção relativa). Ou seja, majoritariamente o tribunal exigiu evidências de vulnerabilidade. Essa tendência, como mencionado, também está presente na pesquisa de Camilla Magalhães Gomes e Nayara Santos (2019) com 18 decisões do Superior Tribunal de Justiça. À mesma conclusão chegaram Fabiana Severi e Flávia Passeri Nascimento (2019) no exame de 252 julgados dos Tribunais de Justiça de Minas Gerais e São Paulo, entre março e fevereiro de 2016. As autoras observaram que os critérios de vulnerabilidade e hipossuficiência têm condicionado a existência da violência de gênero ou o estereótipo de mulher adulta que é agredida por um homem.
Em outro estudo, Thiago Pierobom de Ávila e Christiane Mesquita (2020) analisando 36 decisões do TJDFT envolvendo violência doméstica praticada por irmão contra irmã, em junho de 2018, encontraram que em apenas dois casos não houve exigência da comprovação da vulnerabilidade. Ou seja, nos 34 casos restantes, o Tribunal exigiu a comprovação concreta de vulnerabilidade ou discriminação à mulher.
Em uma das decisões analisadas, o Tribunal afirmou que a aplicação da Lei deve ser restrita aos casos em que a agressão perpetrada no círculo de convivência doméstica seja resultante da imposição do gênero masculino sobre o feminino, pois do contrário haveria violação do princípio constitucional de igualdade entre os sexos, o que criaria discriminação injustificada entre homens e mulheres. O Tribunal entendeu ainda que na agressão de um irmão contra a irmã não se verificou relação de inferioridade ou hierarquia, já que o fato da desavença foi apenas o alto volume do equipamento de som e que a reação do irmão foi desproporcional por estar drogado ou embriagado, sem qualquer ligação com o gênero feminino. Afirmou ainda que estaria em curso uma tendência de ampliar o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher para abranger o maior número possível de casos razão pela qual deve-se evitar “aplicar os rigores da Lei Maria da Penha apenas em razão do vínculo familiar entre as partes” (Distrito Federal e Territórios, 2015, apud Ávila; Mesquita, 2020, p.181).
Novamente, o desconhecimento da violência estrutural de gênero presente no uso da força por parte de um homem (o irmão) para impor a sua vontade sobre uma mulher (a irmã), não reconhece a “imposição do gênero masculino sobre o feminino” que tem sido socialmente justificada em nossa sociedade e pelo Direito, como no caso em tela que legitimou o uso da violência contra mulheres. Dessa forma, a decisão viola frontalmente os dispositivos legais e descaracteriza a violência familiar praticada por irmão contra irmã, eliminando semanticamente o artigo da lei que expressamente caracteriza a violência doméstica e familiar em relações de parentesco.
Afirma Lia Zanotta Machado que “é exatamente quando irmãs ou companheiras reagem diante da imposição da vontade de irmãos, familiares ou companheiros que a prática da violência de gênero se dá” (Machado, 2016, p.167). A autora argumenta que a hierarquia de gênero firma-se no “tripé que constitui a figura do patriarca: ser do sexo masculino; ter idealmente a função de provedor e ter idealmente maior idade que seus familiares e agregados” (Machado, 2016, p. 169). Esses elementos atuando de forma associada potencializam a legitimidade do poder masculino que, nos conflitos familiares, pode ser deslocado para outra figura, como o irmão. Nesse sentido, é o masculino que permite essa auto atribuição de autoridade e poder (Machado, 2016, p. 169). Assim, a hierarquia é uma auto atribuição dada por deslocamento do poder em nome do pai/patriarca para o irmão. É essa análise de gênero que os tribunais não fazem e por isso, como na decisão em comento, o TJDF sustenta que não há hierarquia de gênero, mas uma simples desavença familiar.
Aspecto que também chama atenção na decisão é a afirmação de que há em curso uma tendência para ampliar o conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher para abranger o maior número possível de casos. Nesse sentido, o Tribunal, decidindo a contrario sensu do que prevê a lei, indica que pretende reduzir a aplicação da lei, descumprindo o seu dever de agir com devida diligência, prevenir, cumprir e fazer cumprir o ordenamento jurídico.
Assim, a jurisprudência que está se consolidando nos tribunais exige a comprovação da hipossuficiência, vulnerabilidade, subordinação, motivação de gênero, submissão, dependência econômica e/ou de outros requisitos, embora haja corrente dentro do mesmo tribunal afirmando que “em nenhum momento, o legislador condicionou esse tratamento diferenciado à demonstração dessa presunção (…)” (Brasil, 2014).
As decisões dos tribunais estaduais espelham os julgamentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reiteradamente vêm limitando a aplicação da LMP e consolidando o entendimento de que não é suficiente que a violência seja praticada contra a mulher em uma relação familiar, doméstica ou de afetividade, pois deve ser evidenciada a situação de vulnerabilidade ou hipossuficiência, em uma perspectiva de gênero ou motivação de gênero. Assim, mesmo que o crime tenha sido praticado no âmbito das relações domésticas e familiares, se não houver demonstração de ter sido motivado por questões de gênero, não haveria incidência da lei Maria da Penha.
Essa tendência observada nos julgados demonstra que o gênero tem sido manipulado pelos tribunais para adequar-se a um determinado entendimento dogmático, o que Marta Machado e Olívia Guaranha (2020) denominam de “dogmática encarnada”, cujos reflexos não são apenas “dogmáticos”, pois interferem diretamente na vida das mulheres.
Ao associarem categorias normativas como vulnerabilidade, hipossuficiência, dependência, subordinação, inferioridade física, dentre outras ao conceito de violência baseada no gênero e afirmarem o binarismo sexual, os tribunais buscam reconfigurar o gênero e a violência baseada no gênero para que esses conceitos se ajustem a categorias jurídicas conhecidas dos juristas. Essa estratégia criadora de gênero tem como resultado a limitação da proteção legal com a exclusão de mulheres que não atendem aos requisitos criados (ilegalmente) pelos tribunais. Ou seja, a reconfiguração do gênero é excludente, pois derivada de uma interpretação restritiva que deixa de fora as mulheres que neles não se enquadram.
Por fim, é importante pontuar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial no. 1977124/SP (2021/0391811-0)1 que admitiu a aplicação da LMP a mulheres trans. Considerando tratar-se de decisão recente, ainda não é possível verificar se os tribunais estaduais seguirão o entendimento.
3. Consequências: déficit do acesso das mulheres à justiça e à uma justiça de boa qualidade
As decisões dos tribunais que restringem o conceito de violência baseada no gênero ao incluírem critérios não previstos na lei têm como resultado jurídico, a obstrução do acesso à justiça e consequentemente, a violação da LMP e dos tratados de direitos humanos das mulheres, já que negam a proteção àquelas que não se enquadram aos seus critérios.
A Recomendação Geral 33, do Comitê CEDAW, afirma que “o direito de acesso à justiça é multidimensional [e] abarca a justiciabilidade, disponibilidade, boa qualidade, provisão de remédios para as vítimas e a prestação de contas dos sistemas de justiça” (ONU, 2015, p.3).
A Recomendação foi criada porque o Comitê observou
Uma serie de obstáculos e restrições que impedem as mulheres de realizar seu direito de acesso à justiça, com base na igualdade, incluindo a falta de proteção jurisdicional efetiva dos Estados partes em relação a todas as dimensões do acesso à justiça (ONU, 2015, p. 3).
Dentre os obstáculos que impedem ou dificultam o acesso das mulheres à justiça estão “os requisitos, procedimentos e práticas em matéria probatória” (ONU, 2015, p.3). Nesse sentido, pode-se afirmar que a criação de requisitos por parte tribunais para “provar a motivação da violência baseada no gênero” são obstáculos impostos pelo sistema de justiça que comprometem a aplicabilidade da lei e o acesso das mulheres à justiça.
Na perspectiva da justiça multidimensional, a dimensão da justiciabilidade é entendida como “o acesso irrestrito das mulheres à justiça, bem como a capacidade e o empoderamento para reivindicar seus direitos estabelecidos na Convenção enquanto titulares desses direitos” (ONU, 2017, par. 14, a). Portanto, o binarismo sexual e critérios como vulnerabilidade, hipossuficiência, dependência, subordinação, dentre outros, limitam o acesso irrestrito das mulheres à justiça e as desempoderar, pois aquelas que, na avaliação de magistrados, não se encontram nessa situação, são excluídas da proteção legal. Para garantir o acesso à justiça o Comitê recomenda aos Estados que:
g) Revisem regras sobre o ônus da prova, a fim de assegurar a igualdade entre as partes, em todos os campos nos quais as relações de poder privem as mulheres de um tratamento justo de seus casos pelo judiciário (ONU, 2017, par.15).
Ao exigirem que determinados requisitos ou condições sejam comprovadas, os tribunais colocam sobre as mulheres o ônus de provarem que se encontram em situação de violência doméstica. Negam, portanto, a existência da violência estrutural, revitimizam as mulheres e obstaculizam o acesso à justiça, violando expressamente as normas nacionais e convencionais. Nesse sentido, não prestam justiça de boa qualidade porque as decisões não são sensíveis ao gênero e não estão adequadas aos parâmetros internacionais (CEDAW, 2017, par.18, a). Ainda na dimensão da boa qualidade da justiça, o Comitê Recomenda que os estados (b) adotem indicadores para medir o acesso das mulheres à justiça e (e) implementem mecanismos para garantir que as regras probatórias, investigações e outros procedimentos legais e quase judiciais sejam imparciais e não influenciados por estereótipos e preconceitos de gênero.
Além disso, os tribunais devem prestar contas de suas atividades em conformidade aos parâmetros internacionais e para isso, o Comitê recomenda que os Estados desenvolvam mecanismos efetivos e independentes para observar o acesso das mulheres à justiça a fim de garantir que os sistemas de justiça estejam de acordo com os princípios da justiça multidimensional. (ONU, 1018, par. 18, a)
Ao olhar para as práticas do poder judiciário brasileiro, sustento que a dimensão da justiciabilidade resta comprometida, uma vez que as exigências feitas pelos tribunais para a concessão de MPUs obstaculizam o acesso à justiça, são revitimizadoras, desestimulam a busca por direitos e desempoderam as mulheres. Portanto, a prestação jurisdicional brasileira é de má qualidade, pois há exigências que são colocadas sobre os ombros das mulheres. Além disso, a ausência de indicadores para medir o acesso das mulheres à justiça compromete a prestação jurisdicional de boa qualidade e o monitoramento das decisões judiciais. Como venho argumentando, a violência de gênero é estrutural razão pela qual não cabe indagar se há motivação de gênero ou condicionar a concessão de MPUs a outros requisitos. Ainda, a ausência de mecanismos efetivos e independentes para observar o acesso das mulheres à justiça é outro elemento da má qualidade da justiça no país. A justiciabilidade e boa qualidade da prestação jurisdicional estão comprometidas.
Com o objetivo de cumprir com as obrigações decorrentes das normas internacionais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recentemente criou e recomendou, por meio da Resolução 128/2022, a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (Brasil, 2021). E em 2022, instituiu a Ouvidoria Nacional da Mulher que tem dentre seus objetivos “receber e encaminhar às autoridades competentes demandas, dirigidas ao Conselho Nacional de Justiça, relacionadas a procedimentos judiciais referentes a atos de violência contra a mulher” (art. 3o, I) e “receber informações, sugestões, reclamações, denúncias, críticas e elogios sobre a tramitação de procedimentos judiciais relativos à violência contra a mulher, mantendo o interessado sempre informado sobre as providências adotadas”(art. 3o, II) (Brasil, 2022, p.1-2). Mais recentemente, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 123/2022 para que os órgãos do Poder Judiciário brasileiro observem os tratados e convenções internacionais de direitos humanos e o uso da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. E, inspirado nessa Recomendação, lançou o Pacto Nacional pelos Direitos Humanos que prevê
a inclusão da disciplina de direitos humanos em editais de concurso para ingresso na magistratura, o fomento a capacitações em direitos humanos e controle de convencionalidade, a publicação de cadernos jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal em temas como direitos humanos das mulheres, das pessoas LGBTI, dos povos indígenas, da população afrodescendente e das pessoas privadas de liberdade, e um concurso de decisões judiciais e acórdãos em direitos humanos, já em andamento (Fux, 2022, s.p).
A essas iniciativas alinham-se ainda o Observatório dos Direitos Humanos criado em 2020 e a Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos no âmbito do CNJ, estabelecida por meio da Resolução 364/2021. Essas iniciativas demonstram os esforços do poder judiciário para que as decisões da Corte Interamericana e os tratados de direitos humanos sejam, de fato, incorporados às decisões judiciais e por conseguinte, à jurisprudência dos tribunais brasileiros. Todas são iniciativas recentes e promissoras que, se cumpridas, deverão contribuir para que o paradigma de gênero seja definitivamente incorporado às decisões, superando a atual situação de violação da lei Maria da Penha e das convenções de proteção aos direitos humanos das mulheres. No entanto, os esforços do CNJ não podem limitar-se a edição de normativas internas, porque a não adoção do paradigma de gênero têm consequências concretas sobre a vida das mulheres.
Considerações finais
A inclusão do paradigma de gênero na lei Maria da Penha importa em uma profunda mudança metodológica e doutrinária sobre o entendimento do gênero e da violência baseada no gênero. O binarismo sexual e a ressignificação do conceito de gênero e violência baseada no gênero pelos tribunais, com a inclusão de critérios não previstos em lei, criam obstáculos jurídicos para o acesso das mulheres à justiça, pois colocam sobre as mulheres o ônus da prova da existência da violência de gênero. As recentes iniciativas do Conselho Nacional de Justiça apontam para a incorporação do paradigma de gênero. No entanto, para que isso se traduza em uma mudança hermenêutica há necessidade de capacitação, apropriação da produção teórica feminista em todos os níveis do poder judiciário brasileiro, incluindo os tribunais superiores e o monitoramento das decisões judiciais para que estejam alinhadas aos parâmetros internacionais. Resta saber qual a força do CNJ para fazer com que suas resoluções sejam efetivamente cumpridas e reverter a tendência de resistência ao paradigma de gênero evidenciada neste artigo.
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Notes