Artigos inéditos

Philip Roth e a decadência democrática: o que a literatura adiciona ao subcampo das “erosões democráticas”?

Philip Roth and democratic backsliding: what does fictional literature have to offer to discussions regarding democratic decay?

Marcio Camargo Cunha
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Brasil
Guilherme Ornelas Monteiro
Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Brasil

Philip Roth e a decadência democrática: o que a literatura adiciona ao subcampo das “erosões democráticas”?

Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e73446, 2024

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 13 February 2023

Accepted: 08 October 2023

Resumo: A ascensão do populismo e o fortalecimento do autoritarismo vêm colocando em risco as instituições que sustentam o sistema político e responsabilizam o governo. A explicação de como várias democracias liberais recuaram institucionalmente é o principal problema de pesquisa do novo subcampo da ciência política sobre erosões democráticas. Encontrar um padrão para o processo de regressão democrática, estabelecer indicadores para identificar potenciais ameaças e prever se essas ameaças serão capazes de minar as instituições democráticas são os objetos de estudo desse ramo. No entanto, o atual estado da arte nas discussões acadêmicas possui um foco estreito a fatores institucionais, sem considerar elementos mais abrangentes, como fatores sociais, culturais e até psicológicos. Estamos particularmente interessados no papel da ficção literária na pesquisa da decadência da democracia, ou seja, entender como a narrativa ficcional pode oferecer mais elementos para pensar, analisar e reimaginar o mundo. A literatura ficcional é capaz de explicar o desenvolvimento de sistemas políticos autoritários? Considerando o atual viés institucionalista acadêmico, usamos Complô Contra a América (2004) e Pastoral Americana (1998), de Philip Roth, para argumentar que a decadência da democracia precisa ser repensada como um processo combinado não apenas com retrocessos na esfera institucional, mas também com elementos dos contextos social, cultural e psicológico.

Palavras-chaves: Philip Roth, Erosões democráticas, Literatura ficcional, Direito e literatura.

Abstract: The rise of populism and the strengthening of authoritarianism have been jeopardizing the institutions that underpin the political system and hold the government accountable. The main research problem in the debate around democratic backsliding is explaining how several liberal democracies have regressed institutionally. The academic work has been pinpointing some thoughts on how to find a pattern to this process and if it is possible to establish enough indicators to identify potential threats and forecast whether these threats will be able to undermine democratic institutions. However, previous research tends to anatomize and centralize the debate around democracy's decay to institutions recessions that ultimately constitute very reductive forms of analysis. We are particularly interested in the role of literary fiction in democracy decay research, that is, to understand how fiction literature can operate to give us more elements to think, analyze and re-imagine the world. Is literature capable of creating meaning for how authoritarian political systems develop? Considering how the current work has been framing our perceptions, we use Philip Roth's The Plot Against America (2004) and American Pastoral (1998) to argue that democracy decay needs to be rethought as a process combined not only with setbacks in the institutional sphere but also with elements on the social, cultural and psychological contexts.

Keywords: Philip Roth, Democratic backsliding, Literary fiction, Law and literature.

1. Introdução

Nos últimos anos, as democracias contemporâneas têm se deparado com desafios complexos relacionados à erosão de estruturas que historicamente sustentaram a competição política organizada e pacífica. Esse fenômeno tem suscitado preocupações, pois as instituições democráticas têm sido alvo de pressões internas e externas, muitas vezes resultando em um enfraquecimento da coesão social, da participação cívica e da governança eficaz (LEVITSKY & ZIBLATT, 2018; PRZEWORSKI, 2019; GARGARELLA & ROA-ROA, 2020; GINSBURG & HUQ, 2018; NUSSBAUM, 2018; DIAMOND, 2019; NAIM, 2022). Apesar de ter surgido recentemente, o novo subcampo de estudos sobre erosões democráticas já consolidou premissas substanciais que explicam os fatores que têm levado diversos países a retroceder institucionalmente. Talvez a afirmação teórica que melhor sintetiza esse subcampo é a de que regimes democráticos hoje são ameaçados não apenas por choques abruptos tais como intervenções militares violentas, mas sim pela desvirtuação de suas próprias instituições, em um processo de lenta e gradual erosão. No ciclo atual de desmonte democrático, líderes autoritários ascendem ao poder pela via eleitoral e, uma vez no poder, gradativamente eliminam as salvaguardas que antes sustentavam o equilíbrio da competição política e eleitoral.

Contudo, apesar dos significativos avanços em termos de compreensão dos fatores institucionais que têm contribuído ou permitido o desgaste de regimes democráticos, os estudos da ciência política desse campo possuem limitações. O argumento do presente artigo é que o estado da arte atual nas discussões sobre desgastes/regressões ou erosões democráticas possui um foco estreito, quase que exclusivamente voltado a fatores institucionais e sem considerar elementos mais abrangentes, como fatores sociais e econômicos. Se este argumento estiver correto, a literatura não acadêmica pode fornecer lentes teóricas relevantes, não abrangidas pelas análises tradicionais da ciência política institucionalista, para a compreensão do fenômeno das erosões democráticas. Nesse artigo, nos focamos na obra de Philip Roth, em especial Complô Contra a América (ROTH, 2004) e Pastoral Americana (ROTH, 1998). Essas obras podem nos ajudar a compreender os fatores sociais, psicológicos e até familiares que alimentam o momento de desgaste que democracias contemporâneas atravessam. Obras literárias como essa contribuem para uma compreensão holística do fenômeno das erosões democráticas, perpassando as análises muito fragmentadas dos campos institucionalistas ou culturalistas da Ciência Política.

Para compreender as erosões democráticas, abordagens institucionalistas e culturalistas podem se valer da literatura ficcional para compreender a complexidade dos fenômenos envolvidos nesse processo. Complô se passa na primeira metade do século XX, nos EUA, e Pastoral se passa entre os anos 1960 e 1970, também nos EUA, e ambas as obras terem sido escritas na virada do século (em 1997 e 2004), antes, portanto, da ascensão de movimentos políticos que têm sido considerados por muitos analistas contemporâneos como ameaças à democracia (como o trumpismo, o neofascismo, os populismos latino-americanos). Mesmo assim, ambas as obras são supreendentemente atuais, sendo que os elementos das narrativas servem para compreender o fenômeno contemporâneo da decadência democrática, inclusive para além dos Estados Unidos. A atualidade das obras e dos elementos nelas presentes sobre erosões democráticas é, por si só, um indício de que o fenômeno que agora vivemos talvez não seja tão inédito na história mundial: as obras de Roth nos auxiliam a compreender que raiva, ressentimento, preconceito e tentativas de subjugação são elementos que há muito fazem parte do sistema político, mesmo em tempos considerados historicamente como democráticos

Em ambas as obras Roth tensiona “a dinâmica das relações pessoais frente ao contexto político” (TAYLOR, 2010, p. 313) em que as histórias se passam (início da 2ª guerra em Complô e guerra do Vietnã em Pastoral). Na verdade, nossa proposta é realizar talvez mais explicitamente o que Roth já realiza em sua obra: utilizar a ficção e as suas múltiplas imbricações com a realidade (inclusive por meio de sonhos, referências autobiográficas, metáforas, entre outros) para acessar camadas de conhecimento e de imaginação que passam desapercebidas por narrativas convencionais sobre as erosões democráticas. A obra de Roth é repleta de “ficções úteis que nos permitem discutir um determinado assunto” (SHOSTAK, 2000, p. 25); ou seja, a obra de Roth reforça a “primazia da ficção - e da elaboração de ficções - como uma forma de adquirir conhecimento” (SHOSTAK, 2000, p. 27). Parte da obra de Roth consiste em realizar esse constante deslocamento entre realidade e ficção - o autor acredita explicitamente no poder da ficção em afetar as nossas compreensões coletivas sobre o mundo (ASTRUC, 2000). Complô Contra a América, por exemplo, descortina um cenário político marcado por violência, discriminação e exclusão de determinados grupos sociais (SCHWEBER, 2005) - fatores que comumente são deixados de lado em análises acadêmicas, inclusive por parte da corrente culturalista da ciência política, que tende a se focar em elementos mais abstratos como “engajamento cívico”, “participação social”, entre outros

Este artigo se insere assim em uma linha de pesquisa mais ampla que reconhece o papel da literatura ficcional como um instrumento poderoso de compreensão de fenômenos políticos, sociais e jurídicos (a título de exemplo, pode-se citar WIGMORE, 1922; GEST, 1913; HASTE, 1997; BOROWITZ, BLOOD & INK, 2002; BREEN, 1984). O trabalho de Roth demonstra que “a literatura nos dá uma forma de compreender o significado de nossas vidas, que ela é um recurso para uma compreensão de nós mesmos e também de processos de mudanças sociais” (STOW, 2004, p. 80).

O artigo se divide nas seguintes partes: na próxima seção, analisamos brevemente os principais argumentos das obras mais relevantes da ciência política sobre o tema das crises da democracia. Na seção 3, nos voltamos à análise de parte da obra de Philip Roth, em especial os livros Complô Contra a América e Pastoral Americana, com a finalidade de destacar a relevância de fatores extra-institucionais para a derrocada de regimes democráticos. Na seção 4, abordamos detidamente três autores que, a nosso ver, têm buscado analisar as erosões democráticas de forma mais ampla do que a literatura tradicional, escrevendo obras cientificas que não podem ser facilmente enquadradas como apenas institucionalistas ou culturalistas. Por fim, apresentamos uma breve conclusão.

2. Erosões democráticas: o que a ciência política nos permite visualizar/compreender?

Nesta seção, apresentamos algumas das premissas, argumentos e conclusões dos principais autores que, nos últimos anos, ofereceram explicações para compreender o atual momento de desgaste e dificuldades de sistemas democráticos representativos.1

Talvez o argumento central do subcampo das erosões democráticas como um todo é o de que a destruição da democracia por meio de um ato bem demarcado de golpe de Estado já não é a única ou principal forma de implosão de regimes democráticos. Levitsky e Ziblatt (2018) mostram que nos últimos anos democracias continuam se desfazendo, mas agora o processo é engatilhado a partir de dentro do próprio sistema e por meios muito mais graduais, sutis e difíceis de serem percebidos e combatidos. Líderes autoritários se valem das próprias instituições democráticas para subverter paulatinamente as regras do sistema e eliminar os “pontos de veto” (TSEBELIS, 2009) dos sistemas políticos. Esses líderes se valem das próprias eleições para chegar ao poder e, uma vez em tal posição, transformam o regime de forma a eliminar ou drasticamente reduzir as chances reais de oposição. De acordo com esses autores, existem alguns atores que podem proteger os regimes democráticos dessas investidas autoritárias. Os partidos políticos desempenham função crucial nesse sentido: para eles, “a guarda bem-sucedida dos portões da democracia exige que partidos estabelecidos isolem e derrotem as forças extremistas” (LEVITSKY & ZIBLATT, 2018, p. 34) e “sempre que extremistas emergem como sérios competidores eleitorais, os partidos predominantes devem forjar uma frente única para derrota-los” (LEVITSKY & ZIBLATT, 2018, p. 35).

Em Przeworski (2019), mudam os fatores institucionais que importam para a derrocada de regimes democráticos, mas não o pressuposto teórico de que a sustentação de uma democracia depende essencialmente de arranjos institucionais. Przeworski culpa essencialmente o sistema de governo presidencialista como principal fator de desmoronamentos institucionais, reforçando assim uma longa tradição da ciência política (por exemplo, LINZ, 1990). O argumento principal é o de que arranjos institucionais importam porque afetam a formação de coalizões: o presidencialismo, por exemplo, dificulta a formação de coalizações e leva governos à paralisia decisória e consequentemente à percepção de que o sistema político não consegue dar conta das demandas que lhe são apresentadas pela sociedade. Os defeitos institucionais do presidencialismo são exponencializados, para Przeworski, pela representação proporcional, que também figura como um fator institucional de risco para regimes democráticos, por causar ou contribuir para a polarização política. Przeworski também aponta o declínio do tradicional sistema partidário como um fator importante para pensar a derrocada de regimes democráticos. Aqui o autor é enfático: partidos políticos são a principal forma de estruturar conflitos em uma sociedade, mas perderam nos últimos anos a sua “função de integração social” (PRZEWORSKI, 2019, p.152), diminuindo sua capacidade de disciplinar seus eleitores. Partidos são substituídos assim por formas mais amorfas de organização da ação coletiva, tudo isso ocorrendo em paralelo a um processo de individualização ou descentralização de conflitos.

Em Diamond (2019) o argumento principal é o de que os contemporâneos desafios para a manutenção de regimes democráticos residem em certos comportamentos dos governos russo, chinês e americano. Segundo Diamond (2019), a ameaça russa se encontra no sistema de desinformação com alcance global sustentado pelo governo para colocar dúvidas, incertezas e obscuridades em processos eleitorais de vários países. A interferência russa nas eleições de 2016 dos Estados Unidos é apenas um dos casos em que houve esse tipo de manobra de fomento de descrenças às instituições, mas outros países como França, Alemanha, Holanda e Inglaterra (vide Brexit) foram objeto desse comportamento.

Diamond (2019) também chama atenção à ambição chinesa de tentar ter pontos de controle em face da soberania de outros países por meio do aporte financeiro nos setores da mídia, das universidades, dos negócios e da política. O autor exemplifica que os grandes empréstimos oferecidos pelo governo chinês aos países ainda em desenvolvimento comprometem o adimplemento em curto médio prazo, ao passo que a China tende a aumentar sua influência nos países devedores, os forçando a aceitar uma renegociação de dívida em troca da venda de seus ativos estratégicos (como portos, por exemplo). Nesse contexto, a China passa a ocupar importante espaço e exercer grande influência no processo de desenvolvimento do país, impactando as políticas públicas e os poderes constituídos do Estado devedor.

Em Naim (2022), o que justifica os processos globais de recessão democrática pode ter a resposta encontrada em três elementos: populismo, polarização e pós-verdade. Para o autor, esses elementos - aquilo que ele chamará de 3Ps - são os principais alicerces que justificam uma sociedade transitar de um modelo democrático para um cenário de autoritarismo. Os 3Ps são incompatíveis e antagônicos com a racionalidade democrática. Enquanto o populismo se evidencia na espetacularização da corrupção, da violência, do endossamento das forças armadas, por exemplo, e a polarização em uma lógica dicotômica que compromete a disposição da população para dialogar com novas representações políticas, a pós verdade se consubstancia naquilo que o autor chama de pseudodireito (em uma analogia ao termo pseudociência), cuja ideia é a de que a utilização das normas e legislações por líderes autoritários é vocacionada a subvertê-las - trazendo uma aparência de legalidade, mas o seu mérito se movimenta em enfraquecer as instituições estatais (NAIM, 2022).

Autores que analisam o processo de erosões democráticas a partir do Direito Constitucional seguem talvez a mesma premissa teórica: a de que a democracia tem morrido por causa do desvirtuamento das regras por parte de líderes autoritários.

Nosso argumento principal neste artigo é o de que o subcampo que analisa erosões democráticas é dotado que que chamamos de “viés institucionalista”, caracterizado por um foco excessivo em fatores institucionais ligados à desconstrução de regimes políticos democráticos e por uma consequente cegueira frente sobretudo a fatores sociais relacionados à decadência democrática. A hipótese que guia o presente artigo é a de que os fatores institucionais podem ser componentes importantes para explicar as atuais crises da democracia, mas eles jamais podem ser vistos como suficientes. Regimes autocráticos precisam de mais do que líderes autoritários para se sustentar: precisam que atitudes autoritárias sejam compartilhadas por membros da sociedade, precisam que a sociedade em si se adeque a práticas autoritárias. Nesse sentido, Roth nos permite fazer um giro de pensamento: em vez de falarmos apenas em sistemas políticos autoritários, talvez devêssemos dar mais ênfase em sociedades autoritárias - ou seja, o autoritarismo é sobretudo uma construção social.2

3. O que Complô Contra a América nos mostra para além dos fatores institucionais?

Philip Roth (1933-2018) foi um novelista estadunidense cujas obras, em sua maior parte, dialogam com a identidade judaica atrelada às temáticas políticas e sociais. Roth foi um dos principais romancistas judeus de língua inglesa, conhecido por narrativas que têm algumas temáticas em comum: o antissemitismo, as formas de vivência, convivência e sobrevivência da comunidade judaica nos Estados Unidos, as transformações econômicas vivenciadas pelos Estados Unidos durante e após a segunda guerra, os movimentos sociais, políticos e econômicos que transformaram o país a partir do conflito mundial. A escrita de Roth é marcada pela conjunção de acontecimentos reais atrelada à narrativa ficcional de distopia e de histórias alternativas.

Nos focaremos aqui em Complô Contra a América (ROTH, 2004) e em Pastoral Americana (ROTH, 1998). Ambas as obras são especialmente úteis para refletir sobre o constante diálogo e tensão entre realidade e ficção e entre história e imaginação que marcam a obra de Roth como um todo (BERRYMAN, 1990). Na primeira obra, Roth apresenta uma sociedade americana pré-segunda guerra mundial que, paulatinamente, introjeta e replica comportamentos de discriminação, marginalização e hostilidade contra judeus em concomitância com um governo federal intransigente.

Complô é narrado por Philip, uma criança integrante de uma família judaica-americana em Newark. A história se ambienta em um contexto alternativo de sucessivas vitórias do regime nazista no plano internacional e da ascensão vertiginosa à presidência de Charles Lindbergh - famoso aviador americano -, um líder quase que totalmente alinhado a Hitler. A trama do livro se desenvolve a partir de um futuro alternativo: o que poderia ter acontecido nos Estados Unidos se Charles Lindbergh tivesse concorrido e derrotado Franklin Roosevelt nas eleições presidenciais de 1940 e tivesse guinado o país mais na direção do Eixo do que dos aliados? A ficção construída a partir da ideia de “alternate history” nos permite ampliar a imaginação de elementos políticos (BOESE, 2014). Esse governo distópico de Lindbergh “cresce não a partir de impulsos democráticos, mas sim da intolerância antidemocrática que ainda não foi completamente derrotada pela cultura democrática” (TAYLOR, 2010, p. 336). Ou seja, “a confusão moral e os deslocamentos sociais produzidos por comportamentos de cidadãos de regimes democráticos livres pode criar oportunidades para a exploração da democracia por parte de oligarquias” (TAYLOR, 2010, pp. 336-337).

Para além do protagonista-narrador, a trama se desenvolve em torno de alguns personagens principais: o primo Alvin, que representa o idealismo combativo e como esse idealismo é totalmente dilacerado e literalmente decepado com a guerra; o pai Herman, que representa a resistência passional, dramatizada e desprovida de qualquer efetividade ou qualquer capacidade de agregar pessoas e ideias contra o nazifascismo; o vizinho Seldon, que representa o sujeito convertido em objeto pelo nazismo, o ser que perde totalmente o controle sobre seu destino e se move completamente à deriva das ações dos outros, e sofrendo por isso um final trágico; a tia Evelyn e o irmão Sandy, que representam o colaboracionismo, ou seja, o comportamento de desresponsabilização e de complacência com a violência e a postura contraditória de replicar ações que ameaçam a existência da comunidade oprimida em troca de benefícios pessoais como riqueza e proximidade ao poder.

Complô expõe que o processo de desgaste democrático se origina e se desenvolve em núcleos sociais e familiares, ambientes em que ideias fascistas podem florescer, se desenvolver e criar um contexto de transição a uma conjuntura de violência. Complô nos mostra as diversas camadas imbricadas de racismo existentes no âmbito da sociedade americana (MICHAELS, 2006), ao passo que nos permite vislumbrar também o avanço totalitário em cenários que outrora tinham instituições estatais democráticas (COELHO, 2018).

A construção narrativa de ruptura da democracia é apresentada por Complô em etapas. A família do narrador Philip vai sendo gradualmente submetida a formas de opressão e violência exercida pela própria sociedade. Um dos primeiros momentos em que isso ocorre é quando os personagens visitam Washington e são expulsas do hotel em que estavam hospedados. Inconformada, a família indaga à gerência do hotel sobre o motivo pelo qual aquilo teria acontecido. O gerente diz que o quarto do hotel já estava predestinado a outros viajantes, mas essa é uma primeira e clara ação antissemita que aparece na narrativa. Ainda disfarçada, não violenta, relativamente sutil e inócua, essa ação racista marca o estágio inicial de um conjunto de ações e pensamento que irão gradualmente se intensificar ao longo da narrativa, esticando os limites do politicamente aceitável e os limites da convivência pacífica e harmônica de ideias.

Aqui temos uma primeira ilustração de uma conduta excludente e preconceituosa que parte de membros da comunidade - não se trata de uma repressão ou exclusão estatal. É, portanto, a construção de um contexto cuja própria sociedade fecha espaços de participação da vida comunitária e obstaculiza o exercício substancial de direitos, mesmo que inicialmente se trate de direitos triviais.

A simbiose entre um Estado e uma sociedade autoritárias é evidenciada no programa “American Absorption”. Criado pelo governo Lindbergh como um plano de remoção de judeus de grandes centros urbanos para localidades rurais mais remotas, o programa se esconde por trás da fachada “educacional” que consistia em promover o “intercâmbio” de crianças judias para os estados do sul e meio-oeste americanos, cuja população majoritariamente apoiava o governo Lindbergh. Em uma tentativa oblíqua de impedir a liberdade religiosa, o programa tinha como lema levar “jovens da cidade para conhecer as formas de vida tradicional do interior da pátria” (ROTH, 2004, p.61). O programa revelava um ideal político agrário, cujas características são o individualismo, a invalidação do ambiente intelectual acadêmico e o antissemitismo (SCHWEBER, 2005). Essa tática de dispersão tornou a população judaica vulnerável a violências de todos os tipos: não apenas a perda de sua comunidade coletiva, mas agressões físicas e psicológicas.

Diluir e pulverizar núcleos comunitários é uma estratégia que torna mais fácil o poder de cooptação estatal, dissolvendo a capacidade de resistência de grupos oprimidos. A descrição que Roth faz do programa American Absorption encontra paralelos reais da Alemanha Nazista, na qual programas orientados a introjetar no corpo social jovem as ideologias nazistas foram instituídas como políticas de Estado. Hitler concebia a juventude como instrumento de importante relevância para a perpetuação de suas ideologias (PAGAARD, 2005). Utilizando-se de um passado marcado por crises econômicas, políticas e sociais como pretexto argumentativo, os discursos hitleristas direcionados à juventude baseavam-se em uma promessa de um futuro disruptivo com o passado caótico, condicionando a aliança da juventude - facilmente manipulável em tempos de crises - às crenças do partido Nacionalista Socialista como um dos critérios para um futuro próspero (KUNZER,1938).

Na narrativa de Roth, Sandy, irmão mais velho do protagonista, é selecionado para participar do programa American Absorption, tendo vivido com uma família em uma fazenda em Kentucky. Sandy se voluntariou a realizar trabalhos braçais em plantações e cumprir com uma grade escolar indicada pelo próprio governo, cujo ensinamento visava revisar a história americana. A grande questão é que Sandy, depois de sua estadia no Kentucky, e mesmo sendo ele próprio judeu, passa a reproduzir o discurso nazista de desprezo e estigmatização dos judeus e de identificação da América rural como a portadora dos verdadeiros valores americanos. O programa consegue assim fragmentar os judeus tanto geograficamente (deslocando-os para localidades remotas do país) quanto emocionalmente (rompendo famílias e comunidades por meio da cooptação ideológica de alguns dos próprios membros da comunidade judaica).

Essa tática tornou possível que a anuência com atos de exclusão, antes compartilhada somente por grupos hegemônicos opressores, se intercambiasse aos grupos oprimidos. De qualquer forma, o mais importante é que, apesar de o programa American Absorption ter sido criado e idealizado pela administração Lindbergh, a sua efetividade se deve não tanto em obrigar ou forçar o deslocamento de judeus, mas sim em convencer ou iludir as próprias pessoas de que há algo de errado com a concentração de judeus em grandes centros urbanos e na comunhão de suas vidas.

O ficcional presidente Charles Lindbergh aliava suas falas e atuações políticas a partir da ideia de que os Estados Unidos deveriam manter neutralidade ante a escalada do regime nazista. Entre seus primeiros atos de governo, Lindbergh assina tratado de paz com a Alemanha nazista, se comprometendo a não impedir a expansão alemã na Europa. A proposta de paz e de neutralidade frente à Alemanha representa, na obra ficcional, a indiferença das pessoas frente a atos de discriminação e de violência perpetrados por regimes políticos e mostra como essa indiferença pode ser nociva e contribuir para desfazer laços sociais.

A radicalização da sociedade americana fictícia se intensificou ainda mais quando o filho de Lindbergh fora supostamente sequestrado em um complô formado pelo governo nazista. Essa história, que aparece em Complô quase como uma narrativa ficcional dentro do universo ficcional, se assemelha ao que chamaríamos hoje de uma teoria da conspiração: era uma história que tinha elementos mínimos de realidade, mas cujos detalhes são totalmente ofuscados. A frenesi gerada em torno do suposto ocorrido legitima que o governo federal adote ações ainda mais incisivas: nesse cenário, as instituições policiais, como o FBI, passaram a operar com vistas a investigar e coagir cidadãos judeus os quais eram tidos, pelo governo, como potenciais ameaças à segurança nacional.

O episódio do sequestro do filho de Lindberg em Complô possui inúmeros paralelos com situações reais em que regimes democráticos, ou regimes políticos em transição de democracias para autocracias, se utilizam de uma ameaça - real ou imaginária - para criar e desenvolver mecanismos de defesa desproporcionais e que acabam minando liberdades civis e políticas. Talvez o mais conhecido e mais documentado episódio tenha sido o encarceramento, em campos de concentração na Califórnia, de japoneses e cidadãos americanos de ascendência japonesa após o ataque de Pearl Harbor, ato que foi inclusive referendado como legítimo pela Suprema Corte norte-americana em Korematsu (ROBINSON & ROBINSON, 2005). Mais recentemente, a ameaça do terrorismo e os ataques de 11 de setembro de 2001 também levaram os Estados Unidos a violarem brutalmente direitos fundamentais da comunidade muçulmana no país e fora dele (KAPLAN, 2005).

O livro é concluído com dois anti-climax. Em um deles, Seldon, vizinho, amigo e colega da escola de Philip, e que também é de família judaica-americana, é vítima dessa conjuntura de progressiva radicalização da sociedade. Após ter que se mudar com sua mãe para Danville, Kentucky - a essa altura da narrativa o programa American Absorption já estava se tornando muito mais claramente um programa de remoção forçada - Seldon se torna órfão. Em um tumulto violento antissemita ocorrido na cidade, sua mãe é abordada por integrantes de um grupo radical, ocasião em que é cercada e assassinada. Seldon, que representa a inocência e até mesmo a incompreensão extrema que uma criança - despida talvez dos preconceitos estruturantes da sociedade -, é incapaz de assimilar a morte da mãe.

O segundo anti-climax da história é o episódio em que Alvin, primo de Philip, retorna à casa de seu tio Herman após um longo período de ausência. Alvin aparecera no início da história, quando, revoltado com a impossibilidade de os Estados Unidos fazerem frente à expansão alemã, se alista ao exército canadense para lutar na Europa contra o regime nazista, ocasião em que acaba perdendo a perna em combate tendo que retroceder aos Estados Unidos com seus objetivos e ideais totalmente destruídos. Alvin, descontente com o país, se afasta de sua família e cidade natal. Alvin simboliza o cerceamento de ideias e de imaginação política, a desesperança e o processo de resignação ante o poder sistêmico, isto é, a impossibilidade de influenciar o contexto social tamanho o poder hegemônico em afastar, enfraquecer e dissipar resistência política. Alvin, embora por um momento estivesse resoluto e confiante em fazer frente ao governo, após perder a perna lutando no exército canadense, também perdeu seus ideais e esperanças políticas.

Em suma, vemos em Complô contra a América que um governo autoritário e nazista faz diferença. Ele efetivamente transforma a vida das pessoas de uma forma que não seria e não é possível em regimes democráticos. Contudo, as formas talvez mais efetivas de esses governos conseguirem atingir suas finalidades repressivas é convencendo as pessoas a se unirem a ele, utilizando-se da violência de forma complementar, isto é, convencer, iludir, manipular e seduzir as pessoas - mais do que forçá-las a atuar contra o seu comportamento. Ao recontar a história das pessoas que colaboraram e construíram regimes totalitários em paralelo às instituições políticas, Complô é uma poderosa forma de lembrar das memórias e histórias que frequentemente são “enterradas por baixo da história oficial” (GROSS, 2010, p. 17).

4. A violência como forma de resolução de conflitos: as lições de Pastoral Americana sobre erosões democráticas

Pastoral Americana é a história da família dos Levov, que é composta por três personagens: Seymour (o “Sueco”), sua esposa Dawn e Merry, a filha do casal. Nesse livro, o pano de fundo da história dessa família é o conturbado contexto da guerra do Vietnã, os protestos contra a guerra que começavam a se tornar violentos nos Estados Unidos, as reivindicações por justiça econômica e racial que também muitas vezes desembocavam em conflitos e massacres policiais, entre outros. Na narrativa do livro há diversos elementos que mostram uma desestruturação e desmonte de elementos que sustentam regimes democráticos. Em especial, vemos o conflito entre o personagem Sueco, que representa o sonho americano em sua máxima extensão - o homem viril, filho de uma família de imigrantes que cresceu no período pós-guerra, enriqueceu com o negócio da família (uma indústria têxtil), casou-se com uma finalista do concurso de Miss America e tornou-se um cidadão respeitado e admirado - e sua filha Merry, que é a negação de todos esses valores. Pessoa com deficiência (ela é gaga, apresenta extrema dificuldade de comunicação e é profundamente deprimida), Merry nega todo o conjunto de valores representados pelos pais ao se unir a movimentos radicais de oposição à guerra do Vietnã. Na própria descrição de Roth, Merry é a “a filha que o transporta para fora da sonhada pastoral americana e para dentro de tudo o que representa a sua antítese e o seu inimigo, para a fúria, a violência e o desespero da contrapastoral - para a selvageria nativa americana” (ROTH, 1998, p.97). Na medida em que vai se radicalizando, Merry acaba plantando uma bomba na agência local dos correios, matando um homem e causando profundo impacto na vida dos pais. Após a fuga da filha, o personagem Sueco vê seu mundo perfeito (que representa o “período de ouro” da democracia americana, em que o crescimento econômico e melhoria das condições de vida pareciam infinitos) se desfalecer na medida em que busca sua filha. Após anos, o Sueco encontra sua filha em uma casa abandonada, em um bairro de Newark tomado por desabrigados e usuários de drogas, em condições físicas e mentais degradantes. Merry se transformara em uma realidade infinitamente inferior à expectativa social que sobre ela se projetava e à trajetória de seus pais - e a partir de sua trajetória Roth tenta demonstrar o resultado de um país que não soube lidar com suas próprias deficiências, não resolveu as suas violências internas e não e com isso desmoronou o sonho de uma democracia estável, próspera e em contínuo estado de progresso.

Conforme Penteado (2016), o sistema social-político apresentado no livro incentiva ou até mesmo prende os personagens dentro do status quo, sendo que as pessoas que tentam sair das estritas margens de possibilidade do regime são naturalmente atingidas por uma visão estruturalista e binária do mundo, a qual tenta enquadrar pessoas dissidentes (Merry) como moralmente reprovadas, sujas e necessitadas de limpeza. A personagem Merry também é uma alegoria para o fato de a democracia não conter previsões sobre os limites da liberdade - para ela, a liberdade individual é tão extrema que inclui a possibilidade de matar e planejar atos terroristas. Merry representa assim a possibilidade de pessoas se utilizarem das liberdades democráticas para perseguir o objetivo de destruir a própria democracia.

Há assim uma discussão de fundo sobre as consequências notoriamente nocivas de um sistema político que dá liberdade total aos cidadãos, inclusive no sentido de não limitar as possibilidades de uso da violência. A obra de Roth nos permite visualizar, assim, que “a liberdade individual não é nenhuma panaceia”, e nos permite ver também a dicotomia entre “liberdade individual e repressão social” (TAYLOR, 2010, p. 320); nos protagonistas, “a sedução da liberdade individual se torna tão grande que a geração rompe com obrigações e compromissos domésticos” (TAYLOR, 2010, p. 328). Há um comportamento social violento contra pessoas pelas quais nutrem pensamentos divergentes e dissonantes da maioria. As pessoas tidas por dissidentes são aproximadas a fatores de impureza, sujeira, doença, podre e, ao final, descartável.

Nesse romance, Roth mostra que a ordem democrática pode ser minada à medida em que integrantes da sociedade utilizam a violência como mecanismo extralegal de projeção de mudanças sociais. Roth mostra que o sistema democrático talvez não ofereça, para determinadas pessoas, mecanismos suficientes para alterações sociais repentinas. Logo, Pastoral Americana mostra a incapacidade do sistema político democrático representativo de traduzir ou acolher todos os interesses e perspectivas políticas, o que relega algumas pessoas a uma perda de identidade política, levando-as a adotar comportamentos extralegais como ferramentas vocacionadas a efetivar direitos e de combater a opressão e as injustiças. Essa conjuntura de ausência de representação política ou de crise da democracia representativa implica em grupos sociais paulatinamente desafiarem os limites postos pelo sistema de convivência harmônica de ideias.

Assim como acontece com o personagem Alvin em Complô, em Pastoral o impedimento físico da protagonista Merry (a sua gagueira) é uma alegoria para a sua falta de inserção no sistema político vigente; a gagueira representa a sua dificuldade em transmitir a sua voz política (EAGLE, 2012). A sensação de deficiência do sistema político, descrita pelo Roth por analogia à gagueira de Merry, é característica comum em diversos Estados, o que propicia a busca de grupos sociais por outros métodos de alteração política os quais, por vezes, são alheios ao ordenamento jurídico. No entanto, diferentemente do que foi concebido por Merry, operar fora do sistema legal não significa propriamente em se apoiar da violência, barbárie ou anarquia, (MARTIN, 1970).

A literatura de Roth, nesse sentido, revela o desenvolvimento e progressão da violência quanto ferramenta de mudança social. Pastoral Americana escancara como a radicalização política dissolve contextos micros - relações particulares - e tem potencialidade de fissurar contextos macros - sistema democrático.

5. A multiplicidade causal da erosão democrática e a necessidade de construção de novos gêneros narrativos.

Roth nos permite retomar uma questão antiga da ciência política: que atitudes e comportamentos devemos esperar de cidadãos em sistemas políticos? (TAYLOR, 2010). Esse autor nos ajuda a retomar à tradição da Ciência Política que se debruça sobre a importância da interação entre Estado e Sociedade. Essa longa tradição - que historicamente remonta a Tocqueville e, no século XX, a Almond e Verba (1965), chegando em autores como Pateman (1992), Inglehart (2002) e Putnam (1996) e mais contemporaneamente em teorias como a da “democracia aberta” de Landemore (2020) e da accountability social de Peruzzotti e Smulovitz (2006) - acrescenta “à análise das instituições políticas (...) uma dimensão cultural que não as reduz e que se liga a processos com que atores sociais lhe atribuem verdade e legitimidade” (FAGUNDES, 2008, p. 74). Enfatiza, portanto, a importância de atores “extra estatais” para a construção de regimes políticos fortalecidos e que promovam a liberdade. Nesse sentido, a obra de Roth, se aliado à tradição culturalista da Ciência Política, permite perceber que “as tentativas de mensuração cultural não devem ser percebidas como fórmulas padronizadas, mas como processos intricados e adaptativos que necessitam abraçar a criatividade e a capacidade de se ajustar aos contextos e objetos de estudo específicos” (MOHR & GHAZIANI, 2014).

Neste item do nosso artigo, oferecemos três interpretações contemporâneas sobre a conjuntura atual que parecem fazer um melhor esforço em conjugar na análise os diferentes elementos - sociais, políticos, econômicos, culturais e até psicológicos - que têm sido relevantes para compreender o fenômeno.

A primeira narrativa é oferecida por Anne Applebaum (2020). Neste livro, que mistura técnicas de análise próprias da história, do jornalismo, da ciência política e até mesmo da autobiografia, Applebaum parece corroborar a nossa visão de que o autoritarismo é criado sobretudo na sociedade. Descrevendo a ascensão do fascismo na Inglaterra, nos Estados Unidos e na Polônia, a partir das trajetórias de três personagens políticos de cada um desses países, Applebaum mostra como “as pessoas são atraídas para a ideologia fascista, uma a uma, como “mariposas sendo atraídas para um fogo” (APPLEBAUM, 2020, p. 12). Applebaum rejeita assim o argumento (presente tanto em Przeworski quanto em Mounk) de que a derrocada democrática é causada por tendências de declínio econômico ou aumento de desigualdades - as pessoas que são atraídas pela ideologia fascista não foram prejudicadas economicamente pelas transformações vivenciadas pelo mundo nos últimos anos; pelo contrário, essas pessoas se desenvolveram e ascenderam nesse contexto.

Applebaum argumenta que certas pessoas têm uma “pré-disposição autoritária” - essencialmente, essas pessoas têm uma estrutura de pensamento binária que é incapaz de reconhecer a complexidade e de tolerar o debate. A pré-disposição autoritária não é uma ideologia, mas sim uma “estrutura mental” (APPLEBAUM, 2020, p. 14) que pode não se manifestar em um momento ou em um contexto, mas sim em outro.

Naturalmente, o cultivo do autoritarismo é fermentado pela existência de líderes ou partidos que Applebaum chama de “leninistas.” Mas os líderes autoritários não destroem a democracia sozinhos. Eles precisam de “pensadores, intelectuais, jornalistas, bloggers, escritores e artistas que irão solapar nosso atual conjunto de valores, e depois imaginar o novo sistema a vir” (APPLEBAUM, 2020, p. 18). Líderes autoritários fomentam e exploram o ressentimento da população, direcionando-a a se voltar contra si própria e a valer-se da violência como forma padrão de resolução de conflitos. Esse tipo de autoritarismo é poderoso porque, segundo Applebaum,

Não precisa de violência para permanecer no poder. Em vez disso, ele se sustenta em um quadro de elites para administrar a burocracia, a mídia estatal, os tribunais e, em alguns lugares, empresas estatais. Esses clérigos contemporâneos compreender seu papel principal, que é o de defender seus líderes, não importando o quão desonestos forem seus discursos, o quão grande for sua corrupção e o quão desastrosas seus impactos sobre a população ordinária (APPLEBAUM, 2020, pp. 25-26).

A segunda narrativa é oferecida por Nichols (2021). Esse autor coloca no centro de suas preocupações o fato de que uma parte expressiva da população de democracias consolidadas, como Estados Unidos, França e Itália, hoje apoia explicitamente a ideia de um governo militar. O grande desafio dessas democracias é o fato de que “gerações sucessivas em democracias ao redor do mundo pensam que é cada vez menos ‘essencial viver sob uma democracia’” (NICHOLS, 2021, p. 3). Os cidadãos são levados por “narrativas sedutoras” que envolvem elementos de vingança, ressentimento, de uma nostalgia que promete o retorno a um passado mais simples e dicotômico.3 A democracia sobreviveu desde a segunda guerra mundial a todos os tipos de choques externos: guerras, crises econômicas profundas, e mesmo a atual crise sanitária. Mas hoje o principal desafio às democracias é interno:

Cidadãos de uma democracia sempre podem agir melhor, especialmente se os eleitores levarem a sério a ideia de que eles são comissários de seus governos (...) Ao invés disso, os mesmos cidadãos [ou seja, cidadãos das atuais democracias] embarcaram em uma busca por bodes expiatórios, habilitados e encorajados por intelectuais e oportunistas que trabalham fortemente para racionalizar o comportamento e as atitudes iliberais do público (NICHOLS, 2021, p. 8).

Assim, o principal problema das democracias contemporâneas é o fato de que os próprios cidadãos estão se voltando contra ela, “rejeitando as atitudes e comportamentos que sustentaram a forma democrática de governo” (NICHOLS, 2021, p. 12). Essa circunstância é especialmente difícil de solucionar porque “cidadãos iliberais não se veem como iliberais; eles pensam em si mesmo como populistas ou ultrademocráticos (ao menos nas áreas em que seus próprios grupos têm interesses em jogo” (NICHOLS, 2021, p. 19). Isso torna o autoritarismo especialmente perigoso, talvez até mais perigoso do que os assaltos que sofreu na década de 1930, porque ideologias antidemocráticas vão “silenciosamente se estabelecendo” (NICHOLS, 2021, p. 20), sem que as pessoas consigam sequer percebê-lo até que seja tarde demais.

A democracia não se desfaz quando instituições param de funcionar, mas sim quando os cidadãos começam a “ver a democracia como um jogo para perdedores, a tratar os votos como armas e a acreditar que as leis existem apenas para proteger um grupo específico e punir todos os outros” (NICHOLS, 2021, p. 23). O desfazimento de regimes democráticos está associado, assim, ao desengajamento de cidadãos com o sistema político, quando as pessoas deixam de ter “as qualidades morais fundamentais que fazem a democracia funcionar e permitem que os cidadãos cooperem e respeitem os direitos alheios e enxerguem a si mesmos como membros de uma comunidade” (NICHOLS, 2021, p. 62)

Uma terceira narrativa é oferecida por Martha Nussbaum (2018). Nussbaum é uma entusiasta em reconhecer nos sentimentos importantes objetos de análise para a compreensão de aspectos maiores como a política e os conceitos de democracia e de justiça. A afirmação prática que sintetiza a ideia de Nussbaum é a de que os sentimentos são construções culturais. Os fatores que nos transmitem medo, nojo, raiva e inveja são construções paulatinamente criadas em sociedade e, portanto, são sustentadas por relativismos regionais, de classe, de gênero e de raça. Entre esses sentimentos que precisam ser cuidadosamente intermediados, Nussbaum identifica no medo um potencial deletério às democracias. Isso porque o medo ofusca a capacidade das pessoas de tomarem decisões pensadas, organizadas e que foram deliberadas com racionalidade. Em verdade, o medo nos projeta a tomar decisões imediatistas e egoístas, vocacionadas a garantir o bem estar individualista e, assim, é capaz de fomentar conflito, pois “o medo facilmente dá origem a bodes expiatórios, a fantasias de vingança e de inveja aos afortunados - sejam aqueles vitoriosos na eleição ou aqueles dominantes social e economicamente” (NUSSBAUM, 2018, p.16).

É a partir dessa perspectiva que Nussbaum entende que os discursos políticos são cruciais para nutrir um imaginário coletivo que contribua à democracia. Para exemplificar, Nussbaum enxerga no presidente Bush W. Bush um ator político que desempenhou um importante papel em desvincular a imagem da Al-Qaeda e outros grupos terroristas com o islamismo na ocasião do episódio de 11 de setembro, sendo apto, em seus discursos, a diminuir a estigmatização da religião. Outro ator político importante foi Martin Luther King Jr. que para Nussbaum foi capaz de lutar contra a injustiça racial se desatrelando da fantasia de retribuição punitiva. Essas posturas não encontram paralelo na figura de Trump que “atiça o medo criando uma sensação de perigo grande e ilimitado (o ocidente, o oriente) e de iminência e urgência. Em seguida, segue para a retórica da culpa e da autodefesa, enquanto o medo alimenta a raiva.” (NUSSBAUM, 2018, p. 51).

Nesse sentido, Nussbaum (2018) argumenta que a manutenção do medo em sistemas democráticos é capaz de alimentar uma lógica política que visa a extinção de oposições, ou seja, “um grupo quer derrubar as políticas do outro simplesmente porque elas são ou foram proeminentes, em vez de se engajar em um esforço comum para criar a melhor solução” (NUSSBAUM, 2018, p. 121). Logo, a democracia, quando encarada com medo, pode direcionar o nosso futuro político a uma abordagem perigosa e de controle autoritário. Os sentimentos que estão vinculados ao uso do sistema democrático são importantes e precisam ser alicerçados com outras perspectivas. Por isso, Nussbaum nos convida a ter cautela nas abordagens políticas que sucedem episódios de medo:

Em termos políticos, a democracia certamente envolve algum medo, e o medo pode ser útil em muitas áreas da vida democrática, quando os fatos subjacentes estão corretos. Medo do terrorismo, medo de estradas e pontes inseguras, medo da própria perda da liberdade: tudo isso pode levar a uma ação protetora útil. Mas, quando direcionada ao próprio futuro do próprio projeto democrático, uma abordagem temerosa provavelmente será perigosa, levando as pessoas a buscar o controle autocrático ou a proteção de alguém que controlará os resultados para elas. (NUSSBAUM, 2018, p. 158)

Vemos aqui, em síntese, que tanto Applebaum, Nichols quanto Nussbaum tentam ir além da análise meramente de instituições e demonstram como é a própria população que sustenta (ou não) a existência de um regime democrático. Esses autores inauguram novos e necessários gêneros narrativos marcados pela transdisciplinaridade entre história, ciência política, psicologia e jornalismo, e justamente por se localizarem nas fronteiras dessas diversas disciplinas conseguem, a nosso ver, chegar mais longe do que outros autores que se focam estreitamente em análises institucionalistas.

5. Conclusões

Este artigo buscou chamar atenção para a necessidade de expandirmos nossa estrutura analítica ao refletirmos sobre o tema das erosões democráticas, e ressaltou o papel fundamental que a literatura ficcional pode ter nesse sentido. Depois de uma breve revisão dos principais autores que têm abordado o tema na ciência política (item 2), descrevemos analiticamente duas obras de Philip Roth e mostramos como a história ficcional e distópica pode nos ajudar a enxergar elementos que análises estritamente acadêmicas frequentemente ignoram (itens 3 e 4). Em seguida, discorremos sobre três autores que, a nosso ver, têm se movimentado no sentido de recuperar uma abordagem mais abrangente e culturalista sobre o atual estágio de declínio democrático que contemporaneamente vivenciamos em diversos países.

O declínio do consenso acerca do regime democrático como o melhor regime político já inventado para solucionar pacificamente conflitos entre os cidadãos é um fenômeno complexo, que deve ser encarado como tal a partir de análises que levem em conta os múltiplos fatores que têm contribuído para sua materialização. Não podemos, como parece insistir parte da literatura acadêmica, nos limitar a encontrar uma única causa ou uma causa preponderante para esse fenômeno. Precisamos utilizar todas as ferramentas analíticas construídas pelas ciências humanas e sociais e mesmo fora delas para formarmos uma compreensão realmente densa acerca dos elementos relacionados ao declínio democrático. Para tanto, podemos e devemos valer-nos da literatura para compreender como a liberdade morre, como a dominação de alguns sobre outros se consolida e como as pessoas aceitam injustiças sem maiores protestos ou desconfortos. A nossa falha principal na compreensão do atual contexto político é, a nosso ver, uma falha de imaginação, e, portanto, devemos fazer um trabalho melhor para compreender realmente o que se passa à nossa volta e como podemos reagir para salvar a democracia.

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Notes

1 Cabe referenciar, ainda que rapidamente, os autores que se contrapõem à ideia de que está em curso um processo de erosão democrática. Daniel Treisman (2023) questiona o pressuposto amplamente difundido de que o mundo está testemunhando uma crescente erosão democrática em escala global. Por meio de uma análise dos índices de qualidade democrática e dos dados disponíveis, o autor demonstra que, no panorama atual, a proporção de nações que mantém sistemas democráticos está, na verdade, próxima do ápice histórico. O autor reconhece a existência de indícios que apontam para uma certa diminuição no comprometimento social com o ideal democrático em partes do público norte-americano, o que, por si só, não traz evidências substanciais que associem esse declínio de apoio à democracia à degradação ou colapso das estruturas democráticas liberais.
2 Em sentido contrário, Larry Bartels (2023) defende que o enfraquecimento da democracia na Europa não é resultado da vontade dos eleitores comuns, mas sim das estratégias empregadas pelas elites políticas, que visam alcançar objetivos políticos favoráveis.
3 Em sentido semelhante, sobre a expansão das fake news em democracias, veja-se Cunha Filho (2019)
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