Artigos inéditos
Received: 24 July 2023
Accepted: 07 April 2024
DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2024/77983
Resumo: O fenômeno da mobilização social do Direito é caracterizado pela busca de diversos grupos sociais pelo Poder Judiciário a fim de concretizar direitos ameaçados ou extintos por outros poderes. Em decisão recente do Supremo Tribunal Federal, enquadrada em tal fenômeno, os direitos da mulher ao trabalho e à família foram destacados quando o órgão determinou o dever imediato dos entes municipais de oferecerem vagas em creches e pré-escolas públicas diante da omissão estatal destes, no julgamento do Recurso Especial 1008166. As políticas públicas de educação infantil desempenham importante papel na desestruturação da jornada múltipla de trabalho das mulheres, um problema relacionado à divisão sexual do trabalho e à desigualdade de gênero. Tendo em vista a pertinência de tal tema, este artigo buscou explorar essa relação através de uma pesquisa documental e teórica, com enfoque dedutivo. Também se buscou aprofundar as questões levantadas no julgamento mencionado ligadas à discriminação de gênero, alcançando conclusões que ressaltam a essencialidade do Direito nas lutas feministas por reconhecimento social e jurídico.
Palavras-chave: Igualdade de gênero, Conciliação família-trabalho, Mobilização do Direito.
Abstract: The phenomenon of social mobilization of Law is characterized by the search of various social groups by the Judiciary in order to implement rights threatened or excluded by other powers. In a recent decision of The Federal Supreme Court, framed in this phenomenon, women’s rights to work and family were highlighted when the body determined the immediate duty of municipal entities to offer vacancies in public day care centers and preschools in view of the State’s omission, in the judgment of Special Appeal 1008166. Public policies on early childhood education play an important role in disrupting women’s multiple workdays, a problem related to the permanence of the sexual division of labor and the permanence of gender-assisted structures in Brazilian society. Bearing in mind the pertinence of such a theme, this article sought to explore this relationship, through documentary and theoretical research, with a deductive approach. It also sought to deepen the issues processed in the procedural judgment linked to gender discrimination, reaching conclusions that emphasize the essentiality of Law in feminist struggles for social and legal recognition.
Keywords: Gender equality, Family-work conciliation, Mobilization of Law.
Introdução
Nos últimos anos, desde a consolidação do Estado Democrático de Direito, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, o Poder Judiciário brasileiro tem desempenhado um papel ativo na estrutura institucional do país. Cada vez mais frequentemente, grupos sociais diversos têm recorrido aos âmbitos do Judiciário, a fim de resolver conflitos e concretizar direitos que se encontram ameaçados ou são desconsiderados por outras esferas de poder.
Em uma das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, relacionada ao fenômeno descrito, o colegiado estabeleceu que o dever constitucional do Estado de assegurar o atendimento em creche e pré-escola às crianças de até 5 anos de idade é de aplicação direta e imediata, sem a necessidade de regulamentação pelo Congresso Nacional. Com isso, ficou determinado que os municípios brasileiros possuem a obrigação de assegurar a oferta de vagas em instituições de educação infantil públicas a todas as crianças incluídas nessa faixa etária. Por unanimidade, também se decidiu que a oferta de vagas para a educação básica pode ser reivindicada na Justiça por meio de ações individuais (Supremo Tribunal Federal, 2022). A questão foi discutida no dia 22 de setembro de 2022, no Recurso Extraordinário (RE) 1008166, Tema 548 da repercussão geral, e a solução deve ser aplicada a, pelo menos, 28.826 processos que tratam da mesma controvérsia e que estavam com a tramitação suspensa em outras instâncias (Supremo Tribunal Federal, 2022).
A tese de decisão da Suprema Corte baseou-se majoritariamente no voto do ministro-relator do caso, Luiz Fux, que destacou a necessidade de proteção do direito das crianças à educação, assegurado constitucionalmente e em dispositivos infraconstitucionais, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, reconhecendo que, mesmo diante da escassez de recursos, os entes municipais são primariamente responsáveis por proporcionar a concretização da educação infantil mediante a adoção de políticas públicas eficientes (Fux, 2022).
Contudo, uma outra tese de relevância na decisão foi a desenvolvida pela ministra Rosa Weber, que reconheceu a relação entre o dever estatal de assegurar vagas em creches e escolas de educação infantil e a segurança do exercício do direito ao trabalho e à família dos cidadãos brasileiros, especialmente, das mulheres trabalhadoras. A ministra apontou que o direito social das crianças à educação infantil tem correlação com os da liberdade e da igualdade de gênero, devido às dificuldades que as mulheres enfrentam para a conciliação dos projetos de vida pessoal, familiar e laboral (Supremo Tribunal Federal, 2022). Em suas próprias palavras, ‘’em razão da histórica divisão assimétrica da tarefa familiar de cuidar de filhos e filhas, o tema insere-se na abordagem do chamado constitucionalismo feminista” (Supremo Tribunal Federal, 2022).
A ministra realiza uma análise do caso a partir de uma metodologia feminista, caracterizada pela ‘’pergunta pela mulher’’1.A necessidade da adoção de tal perspectiva no campo do Direito demonstra-se pelo fato de que as relações de poder entre as mulheres e os homens se estabelecem culturalmente de modo desigual (Butler, 1999). Como apontado no voto, há uma divisão histórica e socialmente construída do trabalho, caracterizada pela atuação dos homens na esfera pública e produtiva, e das mulheres na esfera privada e reprodutiva, algo que não foi superado com a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Dessa forma, a oferta de vagas em creches e pré-escolas públicas atua como uma política de segurança ao trabalho ao oferecer uma alternativa à delegação condicionada socialmente do cuidado dos filhos menores às mulheres, permitindo a estas a escolha de uma maior participação ou inserção no mercado laboral, principalmente àquelas pertencentes a classes sociais baixas, cujos núcleos familiares não dispõem dos recursos econômicos para financiar serviços de cuidado infantil privado.
A perspectiva adotada pela ministra ainda levanta uma série de outras questões importantes de natureza social, jurídica e econômica a respeito das consequências e proporções da desigualdade de gênero na sociedade e institutos estatais brasileiros. O intuito desse artigo, portanto, é explorar essas questões, de modo a elucidá-las e tecer reflexões críticas acerca da sociedade brasileira e dos meios governamentais. Para isso, utiliza-se um método de análise exploratório, com base em uma pesquisa teórica e documental, que foi dividida em três partes.
A primeira parte do artigo concentra-se em caracterizar a divisão sexual do trabalho e a jornada múltipla de trabalho da mulher no Brasil, tendo como substrato a literatura científica de extração feminista e a análise de dados socioeconômicos nacionais. A segunda parte reitera o uso da perspectiva feminista no julgamento do RE 1008166 e no âmbito Judiciário brasileiro, relacionando-a ao fenômeno da mobilização do Direito e judicialização dos conflitos político-sociais e estabelecendo uma hipótese para a causa da omissão estatal julgada pelo Supremo, a partir da análise social realizada na primeira parte do estudo. Por fim, a terceira parte do artigo busca discutir a questão da desigualdade de gênero no Brasil e estabelecer questionamentos acerca do papel do Direito diante desse problema.
1. Mecanismos de conciliação família-trabalho e desmantelamento da jornada de múltipla de trabalho feminina: perspectivas a partir das políticas públicas de educação infantil
Primeiramente, é preciso explorar com maior profundidade a relação entre a elaboração de políticas públicas voltadas para a educação infantil e a segurança no exercício dos direitos fundamentais ao trabalho e à família das mulheres brasileiras. Mostra-se necessário, no entanto, fazer uma ressalva antes de partir para a análise em si: o uso da categoria gênero em estudos sociais possui a intenção de problematizar a posição da mulher em sociedade ou, mais do que isso, problematizar o ‘’ser mulher’’ (Gomes, 2018). Parte-se do pressuposto de que as relações de gênero são, basicamente, relações de poder, desiguais e hierárquicas e não meras dicotomias ou relações simétricas e complementares, como entendem as categorias de pensamento comum (Almeida, 1996), o que se torna evidente diante das dificuldades de conciliação entre família e trabalho verificáveis na atual realidade social.
A palavra ‘’conciliação’’ implica, em seu significado, a noção de um conflito preexistente, que, no caso, trata-se do conflito entre as esferas laboral e familiar, caracterizado pelas dificuldades de conciliar as responsabilidades e os cuidados exigidos pelo universo familiar com as pressões e compromissos do universo do trabalho. Este conflito é essencialmente marcado pela desigualdade de gênero e pela divisão sexual do trabalho2, isto é, uma construção histórica e social díspar das identidades masculinas e femininas, que designa ao homem adulto a responsabilidade da provisão da renda familiar e às mulheres, as obrigações de reprodução do mundo doméstico, incluindo o cuidado e a criação de filhos e filhas (Faur, 2006).
Essa forma particular da divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o princípio de separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o princípio hierárquico (um trabalho de homem “vale” mais que um trabalho de mulher). Esses princípios são válidos para todas as sociedades conhecidas, no tempo e no espaço. Podem ser aplicados mediante um processo específico de legitimação, a ideologia naturalista. Esta rebaixa o gênero ao sexo biológico, reduz as práticas sociais a “papéis sociais” sexuados que remetem ao destino natural da espécie (Hirata; Kergoat, 2007, p.599).
Tal discurso naturalista sustenta-se a partir das diferenças sexuais3 entre homens e mulheres, expandindo-as e incorporando-as a um discurso social. De acordo com a filósofa Carole Pateman (2009), o patriarcado recorre à natureza e à suposição de que a função natural das mulheres consiste na criação dos filhos e filhas para prescrever seu papel doméstico e subordinado na ordem das coisas. Em uma linha de argumentação antropológica, a explicação para esta subordinação e para o menor valor universalmente atribuído ao feminino (em comparação àquele atribuído ao masculino) estaria no fato das mulheres e a vida doméstica simbolizarem a natureza, uma esfera que a maioria das culturas, principalmente as ocidentais, enxergam como sendo de ordem inferior (Ortner, 1974)4. É preciso advertir, entretanto, que essa oposição mulheres/natureza e homens/cultura é, em si mesma, uma construção cultural e não algo que se dê naturalmente, já que, na realidade, a mulher não está mais próxima da natureza do que o homem, pois ambos são seres conscientes e mortais (Ortner, 1974). A principal função de tais interpretações biológicas, desse modo, mostra-se ser criar e manter os parâmetros de desigualdade de gênero.
A atribuição social do cuidado ao feminino, em oposição à atribuição da produção e da força ao masculino, se relaciona também à dicotomia entre o meio público e o privado. Carole Pateman (2009) assinala que a separação entre as esferas pública e privada é uma das principais características do liberalismo, cuja origem se relaciona com o desenvolvimento das teorias contratualistas no século XVIII; porém, esta separação não se aplicaria de modo igual a todos os indivíduos:
No estado natural ‘’todos os homens nascem livres’’ e são iguais entre si, são ‘’indivíduos (...). Mas as mulheres não nascem livres, elas não têm liberdade natural. As descrições clássicas do estado natural também contêm um tipo de sujeição - entre homens e mulheres. Com exceção de Hobbes, os teóricos clássicos argumentam que as mulheres naturalmente não têm os atributos e as capacidades dos ‘’indivíduos’’. A diferença sexual é uma diferença política; a diferença sexual é a diferença entre liberdade e sujeição. As mulheres não participam do contrato original através do qual os homens transformam sua liberdade natural na segurança da liberdade civil. As mulheres são o objeto do contrato (Pateman, 1993, p.21).
Tal argumento se manifesta na relação entre trabalho remunerado e não remunerado e nas relações sociais entre os sexos (Sousa; Guedes, 2016): o trabalho dos homens na esfera pública é visto como produtivo e digno de remuneração, enquanto o das mulheres na esfera privada, sobretudo o trabalho doméstico, não é remunerado nem entendido como parte da produção capital.
É importante apontar ainda que, de acordo com Danièlle Kergoat (2010, p. 100), é impossível explorar a divisão sexual do trabalho sem considerar seu aspecto consubstancial, isto é, o modo como as relações de sexo se relacionam com outras de raça e classe, formando um “entrecruzamento dinâmico e complexo do conjunto de relações sociais, cada uma imprimindo sua marca nas outras, ajustando-se às outras e construindo-se de maneira recíproca”, intensificando, muitas vezes, desigualdades estruturais, o que se torna verificável a partir da análise das circunstâncias de entrada e permanência das mulheres no mercado de trabalho no Brasil, um país de passado colonial e escravista, marcado por discriminações em seu âmbito social e cultural.
O ingresso das mulheres no mundo econômico se deu por uma série de fatores5. No caso do Brasil, o aumento da atividade feminina no mercado de trabalho se deu no século XIX, marcado pela consolidação do capitalismo no país, pelo incremento da vida urbana e pela ascensão da burguesia (Perrot, 2005). Este aumento, contudo, foi marcado por discriminações de naturezas diversas, como aquelas associadas a preconceitos raciais, etários e de gênero, que afetaram profundamente também o papel que cada mulher dentro do mercado de trabalho6.
Com a entrada do século XXI, as inovações tecnológicas, o capitalismo, e a globalização desencadearam a impulsão e especialização das mulheres para o mercado de trabalho (Baylão; Schettino, 2014). O advento dos métodos anticoncepcionais femininos também desempenhou um papel importante no processo de entrada e permanência das mulheres no universo laboral, ao conceder a estas escolhas em relação ao processo reprodutivo (Baylão; Schettino, 2014), uma clara demonstração da permanência da divisão sexual de funções à medida que um dos principais fatores por trás do avanço feminino na esfera produtiva foi precisamente este aumento do controle das mulheres sobre sua fertilidade e, consequentemente, do seu papel dentro da esfera privada.
Assim, seguindo a linha de raciocínio estabelecida, nota-se que a entrada das mulheres no mercado de trabalho não equilibrou as funções atribuídas aos sexos, pelo contrário, reforçou as desvantagens vividas pelas mulheres, que atualmente compartilham com os homens, de forma equânime ou não, a provisão financeira da família juntamente com a responsabilidade da esfera reprodutiva (Sousa; Guedes, 2016), assumindo, de tal maneira, jornadas múltiplas de trabalho.
Para ilustrar melhor tal situação, far-se-á uma análise de dados nacionais acerca das assimetrias de gênero no mercado de trabalho.
As mulheres representam uma parcela considerável da força de trabalho brasileira desde a década de 1970. A presença feminina no trabalho assalariado quase dobrou entre 1970 e 1990, chegando a quase 33 milhões de trabalhadoras em 1999, o que correspondia a pouco mais de 41% da População Economicamente Ativa - PEA (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1999).
Apesar da presença das mulheres no mercado de trabalho brasileiro ter se mantido, a taxa e quantidade de trabalho doméstico com as quais estas têm que lidar não diminuiu ao longo dos anos. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua) sobre Outras Formas de Trabalho, realizada em 2019, este tipo de trabalho, classificado como ‘’invisível’’ e não remunerado, pesa muito sobre as mulheres, ao ponto de grande parte delas dedicarem cerca de 20 horas semanais a este tipo de atividade. A pesquisa apontou que, naquele ano, 146,7 milhões de pessoas (ou 85,7% da população nacional à época), realizaram afazeres domésticos, sendo a participação das mulheres correspondente a 92,1% e dos homens, 78,6%. A pesquisa também registrou que a taxa de realização de afazeres domésticos é maior entre pessoas ocupadas (89,6%) do que entre as não ocupadas, e que as mulheres ocupadas dedicam cerca de 8,1 horas mais do que os homens a tais atividades, e as não ocupadas, aproximadamente 11,9 horas a mais (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019).
No item da pesquisa referente ao cuidado de parentes moradores no domicílio, isto é, crianças, idosos e pessoas enfermas ou com deficiência, foram contabilizadas 54,1 milhões de pessoas, com a predominância de mulheres (36,8%) em relação aos homens (31,8%) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019). As diferenças dos resultados por grupos de idade apontam que a realização de cuidados é maior entre 25 e 49 anos, o que possivelmente está ligado à presença de filhos; as mulheres também são a maioria cuidadora nessa faixa etária, com 49,3% contra 36,9% dos homens (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019). A análise por cor ou raça apontou que esse tipo de trabalho é feito mais por mulheres pretas (39,6%) e pardas (39,3%) do que por brancas (33,5%) (IBGE, 2019), o que demonstra a consubstancialidade de discriminações intensificada pela divisão sexual do trabalho.
No caso das mulheres pretas, é necessário esclarecer que sua entrada no universo laboral se deu anteriormente ao marco dos anos 1970, e de maneira atrelada ao racismo e à desigualdade de gênero. Como explica Lélia González (2020, p.33), no período que se sucedeu à abolição, coube à mulher preta sustentar moral e a economicamente os demais membros da família através da duplicação do seu trabalho físico e doméstico, à medida que “era obrigada a se dividir entre o trabalho duro na casa da patroa e as suas obrigações familiares”. Tal realidade não se alterou de maneira substancial com o passar do tempo e o desenvolvimento do mercado de trabalho7. Segundo infográfico elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), em 2022, cerca de 5,9% da população ocupada brasileira correspondia a empregadas domésticas, das quais 91,4% eram mulheres e, dentre estas, 67, 3% eram pretas.
Maria Betânia Ávila e Verônica Ferreira (2020) não deixam de apontar que as tarefas que a empregada doméstica realiza estão dentro da divisão sexual do trabalho, pois não deixam de ser entendidas como parte do trabalho de mulheres, isto é, de responsabilidade da mulher-mãe, dona de casa, esposa, configurando, entre mulheres, uma cadeia trabalhista de exploração e invisibilidade, marcada por desigualdades históricas de gênero, classe e raça. Dessa forma:
Quando as mulheres patroas, através da contratação do trabalho de outras mulheres, se liberam do tempo do trabalho doméstico, parcial ou integralmente, com tudo mais que isso significa, se faz a possibilidade de liberar o uso do seu tempo diário para outras atividades, para acessar o mundo do trabalho assalariado, a esfera pública, para descansar, cuidar de si, estudar etc., sem, no entanto, mexer com a estrutura da divisão sexual do trabalho. Daí o conflito de interesses se desloca para a relação entre mulheres, e os homens se mantêm como exteriores às responsabilidades do trabalho doméstico. O trabalho doméstico se mantém como uma questão de mulheres, e a relação de dominação/exploração entre homens e mulheres se reproduz e se imbrica com as relações sociais de raça (Ávila; Ferreira, 2020).
Demais dados que comprovam a desigualdade na organização dos trabalhos domésticos no Brasil são referentes ao período social contemporâneo, posterior à crise econômica gerada pela pandemia mundial da Covid-19. Em tempos de crise econômica, verificou-se com frequência que as consequências negativas atingem com maior rapidez as mulheres e que, ao mesmo tempo, a recuperação delas acontece mais lentamente (Kon, 2013). Segundo a Pnad Contínua publicada no quarto semestre de 2021, pelo IBGE, a taxa de desemprego do país havia recuado para 11,1%, porém, a taxa de desemprego entre mulheres ficou acima da média nacional (13,9%). Isso pode estar relacionado ao fato de mulheres terem tido de deixar o mercado de trabalho para cuidar dos filhos, devido ao eventual fechamento de creches e escolas durante a pandemia, ou com o fato da trabalhadora feminina ser menos valorizada que o trabalhador masculino, sendo, portanto, escolhida para ser dispensada antes deste em um momento de corte de custos em uma empresa.
A taxa de serviço doméstico também cresceu no período pandêmico8. Em uma pesquisa organizada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), em 2020, 49% dos entrevistados notaram que o trabalho doméstico aumentou durante a pandemia do coronavírus, e apesar da taxa de percepção ter sido parecida entre homens e mulheres (respectivamente, 47% e 50%), a divisão desigual de tarefas permaneceu à medida que a responsabilidade por atividades como limpeza, preparo de refeições e acompanhamento escolar dos filhos recaiu majoritariamente sobre as mulheres9.
Também se nota que houve um aumento do arranjo monoparental feminino no Brasil (núcleo simples, formado por mães com filhos), que passou de 11, 5% em 1980 para 15,3% em 2010, e também do arranjo monoparental masculino, que, ainda que permaneça menor do que o primeiro, passou de 0,8% em 1980 para 2,2% em 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010)10. Isto significa que houve um crescimento do número de famílias em que a opção de uma divisão igualitária de serviços domésticos é fisicamente impossível caso não tenham condições de contratarem serviços externos.
Deste modo, fica evidente a permanência de uma profunda divisão sexual do trabalho na sociedade brasileira, que força muitas mulheres a adotarem uma jornada múltipla de trabalho, na tentativa de lidar tanto com a atribuição dos serviços domésticos quanto com as responsabilidades laborais e pressões econômicas. As políticas de ofertas de vagas em creches e pré-escolas públicas possuem a capacidade de desconstruir esta jornada múltipla, proporcionando às mulheres e às suas famílias, principalmente àquelas de classes sociais mais baixas, que não possuem recursos para financiar serviços de cuidado infantil particulares, lugares seguros e bem estruturados para suas crianças se desenvolverem, transformando a obrigação de cuidado dos filhos e filhas pequenos, inicialmente pertencente apenas ao âmbito privado e à esfera de atividades das mulheres, em uma preocupação pública e governamental.
Tendo sido explorada a relação entre a desigualdade de gênero e as políticas públicas discutidas na decisão judicial em análise, é necessário entender os significados discriminantes por trás da omissão estatal quanto à oferta de vagas em instituições públicas de educação infantil e como esse problema passou das agendas do Legislativo para os tópicos de discussão do Judiciário brasileiro.
2. A exclusão do gênero das pautas das agendas públicas e o feminismo na mobilização do poder Judiciário
No Brasil, a Constituição de 1988 foi um marco no estabelecimento de parâmetros de proteção da dignidade da pessoa humana. O documento instituiu o Estado Democrático Social de Direito, caracterizado pela “inserção da lei fundamental do Estado Democrático nas estratégias de justiça política” (Canotilho, 2001). Em outras palavras, tornou-se parte dos deveres do Estado a proteção e promoção dos direitos fundamentais dispostos na Constituição11. Pode-se notar, portanto, nas configurações constitucionais atuais, a consideração da importância da igualdade para além de seu aspecto formal, atingindo também seu aspecto material. Como explica Konrad Hesse (1988, p.330):
Igualdade jurídica material não consiste em um tratamento igual sem distinção de todos em todas as relações. Senão só aquilo que é igual deve ser tratado igualmente. O princípio da igualdade proíbe uma regulação desigual de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regra igual. A questão é quais fatos são iguais e, por isso, não devem ser regulados desigualmente.
Nesse sentido, o Estado brasileiro possui a incumbência de promover maneiras de seus cidadãos terem acesso a recursos que lhes permitam usufruir dignamente de seus direitos, levando em consideração as dificuldades inerentes às diversas realidades do cenário social nacional. Um dos mecanismos estatais utilizados para atingir tal objetivo são as políticas públicas, que podem ser definidas como a totalidade de ações, metas e planos que os governos (nacionais, estaduais ou municipais) traçam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público (Amaral; Caldas; Lopes, 2008).
No caso das políticas de creches e pré-escolas públicas, o dever da sua elaboração está previsto diretamente na Constituição, nos artigos 6º, caput12, 7º, inciso XXV13 e 208, inciso IV14. Também há previsões semelhantes na regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que considera a educação infantil como a etapa inicial da educação básica em seu artigo 2915; estabelece, em seu artigo 4°, inciso II, que a educação escolar pública será efetivada mediante a oferta estatal de educação infantil gratuita às crianças de até cinco anos de idade; e, em seu artigo 11, inciso V, que os Municípios incumbir-se-ão de oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas (Brasil, 1996).
Dessa forma, o que se encontrou em discussão no julgamento do RE 1008166 não foi exatamente a necessidade de políticas públicas voltadas para creches e pré-escolas municipais, já que a relevância de tal tema foi perfeitamente ditada pela Constituição, mas sim o modo como os recursos governamentais são utilizados na concretização daquelas. As políticas públicas de educação infantil relacionam-se tanto com o direito à educação das crianças quanto com o direito ao trabalho e à família dos trabalhadores, especialmente das mulheres, já que, como ficou comprovado, a sociedade brasileira é marcada por uma profunda divisão sexual do trabalho. Ambos os direitos são classificados como direitos sociais, que cometem ao Estado o dever ativo de prover as pessoas de meios para que possam atingir sua dignidade e demandam investimentos para que possam ser efetivados (Chueri et al, 2022).
Tal concretização, portanto, é marcada por decisões políticas e governamentais que se expressam, principalmente, nas agendas públicas dos governos, isto é, o conjunto de discussões políticas que avaliam quais questões merecem a atenção do sistema estatal (Capella, 2018). Essas agendas são marcadas pelas chamadas “escolhas trágicas”: como o dinheiro não é onipresente, a decisão de se implementar determinada atividade resulta no sacrifício da respectiva quantia necessária (ou se gasta aqui ou ali, nunca nos dois objetivos ao mesmo tempo) a demandar escolhas muito trágicas (Chueri et al, 2022). Essas escolhas devem observar o princípio do mínimo existencial, ou seja, que as prestações mínimas, necessárias à vida digna, possuem a obrigação de serem alcançadas, com esforços ativos do Estado, conforme já estabelecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal:
A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, (...) compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemática, causada pela insuficiência e disponibilidade financeira e orçamentária, a proceder a verdadeiras ‘escolhas trágicas’, em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial (ARE 639337 AgR, rel. Min. Celso de Mello, Dje 15/09/2011).
Contudo, a ordem de prioridades de destinações econômicas nas agendas públicas segue sendo, mesmo com a observância de tal princípio, decidida por escolhas políticas, que inevitavelmente se ligam aos grupos presentes no cenário governamental e às concepções ideológicas destes. No caso da desigualdade de gênero no Brasil, esse é um ponto de análise importante. Como já fora explicado antes, a dicotomia público/privada e a subordinação da mulher à esfera privada a impediu por muito tempo de participar do campo político (relacionado à esfera pública) ativamente (Pateman, 2009) e, portanto, deliberar conjuntamente com os demais grupos políticos a destinação de recursos para políticas públicas. Mesmo atualmente, em que se nota uma maior participação feminina na política em virtude do avanço dos movimentos feministas e democráticos, esta mentalidade dicotômica não foi superada: do ponto de vista econômico, o controle dos recursos produtivos ou ainda do controle de poder influir no processo de desenvolvimento segue hierarquizado, estando os homens sempre em um nível superior às mulheres (Kon, 2013).
É possível que um dos fatores que influenciaram a ocorrência da omissão estatal em estudo é o fato do cuidado infantil ainda ser visto pela maioria dos grupos políticos do cenário atual, mesmo que não de maneira completamente consciente, como uma atividade de âmbito privado e de responsabilidade exclusiva das mulheres; dessa forma, não seria necessário investir na criação e sustentação de creches e pré-escolas públicas, à medida que tal trabalho poderia ser realizado pelas mães das crianças.
Na maior parte das vezes, os responsáveis por estas políticas consideram que estas questões, por estarem relacionadas a normas sociais ou tradições culturais, deveriam ser abordadas e resolvidas pelas instituições sociais que se dedicam ao tema e não por políticas econômicas, que trazem outras prioridades. Porém, a eficácia de ações esbarra também na falta de conhecimento sobre a natureza das desigualdades e dos ônus que causam sobre o bem-estar e o desenvolvimento aos países (Kon, 2013, p.36).
Tal conclusão também se liga ao movimento da mobilização social do poder Judiciário, pois é em uma tentativa de desviar desta dicotomia e da discriminação de gênero que ainda marca severamente as agendas públicas do país, que muitas mulheres têm recorrido ao sistema Judiciário como meio de resolução de conflitos relacionados a omissões estatais e a divisão sexual do trabalho.
A judicialização da política pode ser caracterizada como a expansão da atuação dos tribunais ou dos juízes, tanto em relação à transferência do poder decisório dos poderes legislativo e executivo para os tribunais quanto à disseminação de métodos de tomada de decisão judicial fora da esfera judicial adequada (Tate; Vallinder, 1995). É preciso, no entanto, analisar tal fenômeno para além do enfoque nos tribunais, buscando compreender os motivos sociais que levaram determinadas questões a serem resolvidas no âmbito do Judiciário. Como ressalta Michael McCann (2010, p.180; 183), “os tribunais são apenas um vínculo institucional ou um ator nos complexos circuitos de disputas políticas”, de modo que se torna necessário “entender o fortalecimento judicial como um complexo processo que envolve diversos atores do Estado e da sociedade, e que os interesses devem ser entendidos em termos de visões e ideias emergentes”.
No caso do julgamento do Recurso Extraordinário 1008166, a adoção de uma perspectiva feminista no voto da ministra Rosa Weber exemplifica precisamente esta emergência de visões e ideias sociais que vão sendo incorporadas ao Direito a partir de interpretações dos princípios dispostos na Constituição. Houve a consideração da divisão assimétrica das responsabilidades laborais e domésticas entre homens e mulheres no momento da decisão, conforme apontado pela própria ministra (Supremo Tribunal Federal, 2022), de maneira a se realizar uma concretização das disposições sobre igualdade ditadas constitucionalmente, em artigos já antes mencionados. Ainda se pode relacionar o método de interpretação da ministra com o desenvolvimento do constitucionalismo feminista, citado por ela própria.
O chamado ‘’constitucionalismo feminista’’ ao qual a ministra se refere é um movimento recente, nascido das lutas e estudos feministas e de interpretações contemporâneas da aplicação e conceituação dos direitos fundamentais. Ele parte do pressuposto de que as relações de poder entre homens e mulheres são patriarcais e desiguais, e que, intencionalmente ou não, muitas vezes o constitucionalismo acaba por deslegitimar ou silenciar as mulheres (Montañez, 2014). Dessa forma, o constitucionalismo feminista preza pela incorporação da perspectiva feminista em interpretações constitucionais, a fim de desmantelar discriminações diretas e indiretas no campo do Direito.
Embora se possa discutir se cabe às Cortes ou Legislaturas a tarefa de promover a igualdade de gênero a partir da lente do constitucionalismo feminista, no Brasil é certo que o Parlamento é mais restritivo aos direitos das mulheres (...) Portanto, uma interpretação que olhe o direito constitucional a partir da pressuposição de uma desigualdade de gênero que possa responder à proporcionalidade da aplicação da Constituição de maneira equânime aos homens e às mulheres deve ser também o papel do Supremo Tribunal Federal (STF), já que é o seu caráter contramajoritário que lhe garante o papel de proteger minorias (Barboza; Demetrio, 2019, p.3).
É importante destacar que a utilização dos tribunais como meio de resolução de conflitos envolvendo ameaças aos direitos ao trabalho e à família das mulheres não é uma ocorrência restrita ao cenário nacional. Ao redor do mundo, tribunais de outros países lidaram com questões parecidas como a elencada no julgamento do RE 1008166. Faz-se menção, por exemplo, ao caso Nichola Salvato v. Secretary of State for Work and Pensions, julgado em 2021, pela Suprema Corte do Reino Unido, no qual a peticionária, uma mãe solteira, endividada por ter que arcar com os custos de creches para os seus filhos para que pudesse trabalhar, protestou contra a política de crédito universal do país, que exigia apólice de pagamento para que os pais pudessem ser reembolsados os valores gastos com o cuidado infantil (Alta Corte de Justiça do Reino Unido, 2021). A peticionária alegou que a compensação deveria ser oferecida aos pais antecipadamente, contanto que eles fossem capazes de provar que são responsáveis pelos pagamentos dos serviços de creches e pré-escolas (Carr, 2021). A Suprema Corte julgou a favor da peticionária, entendo que a política de pagamento a priori era desproporcionalmente prejudicial sobre as mulheres, à medida que estas, principalmente quando mães solteiras, recebiam substancialmente menos do que os homens, como um grupo social (Alta Corte de Justiça do Reino Unido, 2021)16.
Outro caso de relevância para o tema é o Jessica Simpson vs. Pranajen Group Ltd.o/a Nimigon Retirement Home, julgado em 2019, no Tribunal de Direitos Humanos de Ontário (Canadá). A peticionária alegou que havia sofrido discriminação por parte de seu empregador quando este a demitiu depois que ela não pode mais ser flexível em relação as suas horas de trabalho, por causa de suas obrigações de cuidado com o seu filho autista, em particular por precisar acompanhá-lo no horário em que ele descia do ônibus escolar (Karimian, 2019). O Tribunal canadense compreendeu que a verdadeira razão por trás da demissão da peticionária foi a insatisfação com a sua indisponibilidade de horários em decorrência da necessidade de cuidar de seus filhos, o que caracterizou uma discriminação com base em seu status familiar, ficando a empresa obrigada a pagar indenização por lesão à dignidade, sentimento e autorrespeito da peticionária (Corte Superior de Justiça de Ontário, 2019)17. Apesar de não tratar diretamente do requerimento de vagas em creches escolares ou dos subsídios financeiros para serviços de cuidado infantil, como o caso brasileiro e britânico, respectivamente, o julgamento em questão expôs com precisão a difícil tarefa de conciliação entre as esferas familiar e laboral na realidade feminina, especialmente em casos envolvendo parentes ou crianças com necessidades especiais, assim como evidenciou a falta de valorização do trabalho feminino e o modo como os padrões laborais de desempenho são moldados a partir de uma perspectiva discriminatória, já que a flexibilidade de horários de um trabalhador exigida pela empresa não considerava a desigual divisão sexual dos serviços de cuidado e domésticos.
Dessa maneira, torna-se evidente a importância da adoção de uma perspectiva feminista no julgamento do RE 1008166, que levou em consideração a divisão assimétrica da tarefa familiar de cuidados de filhos e filhas, influenciada pela separação entre as esferas pública e privada e a subordinação das mulheres a esta última, tendo oferecido uma ‘’rota de escape’’, por assim se dizer, à perpetuação de tal dicotomia nas agendas de políticas públicas brasileiras. Esta relação ainda exemplificou o modo como o âmbito judiciário vem sendo utilizado como meio de conquista e asseguramento de direitos que se encontram ameaçados em outras esferas do poder público, em uma expansão das suas interpretações constitucionais e áreas de atuação, caracterizando o fenômeno da judicialização da política e da mobilização social do meio jurídico.
Entretanto, para que esta análise ultrapasse definitivamente níveis superficiais de reflexão, é fundamental que se realize, por último, questionamentos mais abrangentes acerca das consequências da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no caso em estudo, perguntando-se a respeito dos reais impactos que ela terá não somente no cenário de elaboração de políticas públicas, mas também na desconstrução da divisão sexual do trabalho e no combate às desigualdades de gênero nos âmbitos sociais e governamentais brasileiros.
3. Um questionamento mais abrangente: a atuação do Direito na desconstrução do papel da mulher como o sujeito conciliador
Com a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no julgamento do RE 1008166 ficou estabelecido aos gestores municipais a explícita advertência, afirmada agora no âmbito do Judiciário, da necessidade de que os orçamentos municipais sempre procurem proporcionar vagas em creches e pré-escolas públicas para todas as crianças na idade qualificada. Não só isso, como também estabeleceu remédios judiciais, através de reivindicações individuais de vagas na Justiça, para que todas as crianças possam frequentar as instituições públicas de cuidado e educação infantil (Supremo Tribunal Federal, 2022).
Entretanto, os efeitos de tal decisão judicial, assim como das teses levadas em conta no momento do julgamento, também geram consequências para além dos meios institucionais. Como explica Michael McCann (2010, p.186):
Quando o tribunal atua em uma disputa particular, ele pode de uma só vez: aumentar a relevância da questão na agenda pública; privilegiar algumas partes que tenham demonstrado interesse na questão; criar novas oportunidades para essas partes se mobilizarem em torno da causa; e fornecer recursos simbólicos para esforços de mobilização em diversos campos.
Dessa forma, a repercussão da decisão em estudo extrapola o âmbito das políticas públicas, incentivando o desenvolvimento de notícias, discussões e trabalhos acadêmicos sobre as teses apresentadas e estabelecendo precedentes para que mais matérias relacionadas ao direito à educação infantil das crianças e ao direito ao trabalho e à família sejam levadas aos meios do Judiciário para que possam ser resolvidas. Isso é o que Marc Galanter (1983) chama de “efeitos irradiadores” da mobilização do direito, ou seja, os reflexos da apresentação de uma demanda ao tribunal e a consequente decisão sobre ela tem o potencial de gerar efeitos que vão muito além do caso em si.
No caso da desigualdade de gênero, a adoção de uma perspectiva feminista no voto da ministra Rosa Weber possui os mesmos efeitos nos quesitos de publicidade e efetivação, despertando novas discussões no campo judiciário e social a respeito da divisão assimétrica de trabalhos domésticos entre homens e mulheres. Todavia, para que o combate à desigualdade de gênero na sociedade brasileira seja de fato efetivo, é preciso que os métodos de análise feminista, como a pergunta pela mulher18 e outros, como o raciocínio prático feminista e o aumento da consciência19, ultrapassem o campo do Judiciário e sejam incorporados também em outros campos do ‘’fazer Direito’’, como o Legislativo, o Executivo e o institucional, adentrando as agendas públicas com substancialidade e embrenhando-se aos meios educacionais e acadêmicos.
Em relação à divisão sexual do trabalho, a expansão do uso dos métodos feministas deve ser acompanhada pelo desenvolvimento de estudos sociais e econômicos que auxiliem o campo do Direito em suas atribuições20. É de suma importância que se reconheça o papel fundamental que o trabalho doméstico desempenha na manutenção social e, da mesma forma, incitar discussões sobre reintegração da esfera pública e privada, que busquem acentuar igualmente a participação feminina no meio público e a masculina no meio privado. Como ressalta Carole Pateman (2009, p.64-65, tradução nossa):
O feminismo persegue uma ordem social diferenciada dentro da qual as diversas dimensões são distintas, mas não separadas ou opostas, baseado em uma concepção social da individualidade, que inclui as mulheres e os homens como seres biologicamente diferenciados, mas não como criaturas desiguais. No entanto, mulheres e homens, e o privado e o público, não estariam em harmonia. Dadas as implicações sociais das capacidades reprodutivas das mulheres, seguramente é utópico supor que a tensão entre o pessoal e o político, entre o amor e a justiça, entre individualidade e comunidade desaparecerá com o liberalismo patriarcal.
Além disso, também se mostra necessário um maior esforço por parte do campo legislativo na luta pela desconstrução da visão social da mulher como a única (ou a melhor) responsável pelas tarefas de cuidado. Conforme explicado anteriormente, a questão do cuidado não é, e não deve ser encarado, como um assunto só de mulheres, por debater relações de interdependência que tocam a sociedade como um todo. Ainda assim, percebe-se que o tema trabalho segue sendo debatido como um conflito da realidade feminina, principalmente pelo fato das as construções sociais do gênero masculino atribuírem aos homens o papel de provedor e não de cuidador (Faur, 2006). Do mesmo modo como é necessário repensar o papel construído para as mulheres a partir da divisão sexual do trabalho, também é preciso rever o papel condicionado aos homens, a fim de que estes também tenham seus direitos à convivência familiar assegurados e a desigualdade de gênero possa ser combatida em sua plenitude21. Conforme observa Eleonor Faur:
Nessa perspectiva, fica evidente que, para que haja uma efetiva conciliação entre família e trabalho, e que seus efeitos colaterais não continuem perpetuando os privilégios masculinos nem a sobrecarga feminina, é necessário um novo ‘’contrato sexual’’ que inclua, mas, ao mesmo tempo, ultrapasse a definição de políticas trabalhistas e a própria conciliação, para o que também é necessário rever as políticas culturais, educacionais e de comunicação. Esse tipo de contrato deve incorporar o homem não apenas como parte do problema, mas principalmente como corresponsável na busca de um novo equilíbrio (Faur, 2006, p.534, tradução nossa).
Em resumo, ressalta-se a fundamentalidade da expansão do uso de métodos de análise feministas nos meios práticos e acadêmicos do Direito nacional, acrescentados de pesquisas e estudos sociais, econômicos e demográficos profundos, com o intuito de enriquecerem os campos de discussões das agendas públicas e dos agentes institucionais, afim de combater as consequências da divisão sexual do trabalho e de outros aspectos da desigualdade de gênero na sociedade brasileira.
4. Considerações finais
A perspectiva feminista adotada no voto da ministra Rosa Weber, no julgamento do Recurso Extraordinário 1008166, tratando-se da omissão estatal por parte dos governos estaduais quanto ao oferecimento de vagas em creches e pré-escolas públicas, tratou de um grave problema social brasileiro: a desigualdade de gênero, que afeta diariamente a rotina das mulheres trabalhadoras, impondo a essas jornadas múltiplas de trabalho, e, consequentemente, o desgaste físico e mental resultante de tal fenômeno. Atribuídas socialmente o papel de cuidadoras, as mulheres são obrigadas a assumir os trabalhos domésticos e a lidar com as responsabilidades laborais, quando inseridas no mercado de trabalho, ocasionando um conflito entre as esferas da família e do trabalho que expõe a vulnerabilidade da concretização do acesso destas aos seus direitos à igualdade, ao exercício seguro e livre do trabalho e à família, assegurados pela Constituição Federal de 1988.
A adoção de um método de análise jurídico feminista pela ministra permitiu o esclarecimento da importância dos serviços públicos de educação infantil para a inibição da jornada múltipla de trabalho das mulheres e para a proteção de seus direitos já citados, principalmente no caso daquelas pertencentes a classes socioeconômicas baixas ou expostas a outros tipos de vulnerabilidades sociais.
A reflexão elaborada pela ministra e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal também elencaram uma séria de outras questões relacionadas aos impactos da desigualdade de gêneros nas agendas de políticas públicas e ao fortalecimento do feminismo jurídico por meio da mobilização do Judiciário brasileiro e do Direito como um todo. Apesar da importância da decisão proferida, que impôs o dever estatal ao governos municipais de dispor de vagas a todas as crianças, a desconstrução da divisão sexual de trabalho e o combate à desigualdade de gênero no panorama político-social nacional ainda se prova ser um tema essencial de preocupação governamental, que deve suscitar a expansão do uso dos métodos jurídicos feministas em outros âmbitos do Direito e estudos de naturezas diversas, capazes de auxiliarem o campo jurídico em tal disposição.
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Notes