Artigos inéditos
O Estado moderno entre o capital e a guerra
The modern state between capital and war
O Estado moderno entre o capital e a guerra
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e79453, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Received: 08 October 2023
Accepted: 13 April 2024
Resumo: O artigo trata do processo de subsunção formal e real do Estado ao capital, tendo como um dos eixos fundamentais o evolver da guerra. Busca-se articular o objeto em suas dimensões lógica e histórica a partir da exposição de O Capital, o que, espera-se, servirá de base para a análise de fenômenos que vão do fetichismo jurídico aos nexos entre o Welfare e o Warfare State, passando pelos padrões de intervenção do Estado na economia, bem como para sustentar a atualidade da crítica marxiana ao Estado e ao direito.
Palavras-chave: Estado, Capital, Guerra, Polícia.
Abstract: The article deals with the process of formal and real subsumption of the State to capital, having as one of the fundamental axes the evolution of war. The aim is to articulate the object in its logical and historical dimensions based on the exposition of Capital, which, it is hoped, will serve as a basis for the analysis of phenomena that range from legal fetishism to the links between Welfare and the Warfare State, passing through the patterns of State intervention in the economy, as well as to sustain the relevance of the Marxian critique of the State and the Law.
Keywords: State, Capital, War, Police.
1. Introdução
As contribuições teóricas do campo da crítica da economia política sobre a relação entre guerra, Estado e capital têm adquirido redobrada atualidade em um contexto crítico em que diversos Estados-nacionais estão engajados em uma verdadeira corrida armamentista, e conflitos bélicos pululam pelo mundo, ao ponto de o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, constatar que a humanidade pode estar "a um mal-entendido, a um erro de cálculo da aniquilação nuclear" (DEUTSCHE WELLE, 2022). É à análise dos nexos entre guerra, Estado e capital que as páginas que seguem serão dedicadas. Tal tríade marca os primórdios do modo de produção capitalista, formando um nó que, malgrado suas decisivas transformações ao longo do tempo, jamais se desfez. Afinal, como propugnam Alliez e Lazzarato (2018, p.15),
[...] sem o exercício da guerra no exterior e sem o exercício da guerra civil no interior das fronteiras do Estado, jamais teria sido possível acumular capital. E também o inverso: sem a captura e a valorização da riqueza operada pelo capital, o Estado jamais poderia exercer as funções administrativa, jurídica e de governamentalidade, nem organizar exércitos cada vez mais poderosos.
Num primeiro momento, pretende-se lançar as bases conceituais elementares de análise sobretudo com base na exposição de O Capital e no ensaio “Sobre o Estado”, de Fausto (1987)1. No item seguinte, será necessário introduzir considerações relativas a um nível mais concreto de análise, que concerne à constituição do espaço nacional e das relações interestatais. Mais especificamente, será considerado o lugar que a guerra e a militarização ou a policialização da vida social desempenham na constituição do modo de produção especificamente capitalista. A sequência do texto será dedicada à subsunção do Estado ao capital, e para tanto serão analisadas brevemente quatro dimensões desse processo: as mudanças nas estruturas de gestão estatais e privadas; a atuação do Estado como agente econômico direto; a regulação estatal da concorrência intercapitalista; e, ainda, a mediação estatal dos antagonismos de classe, tanto por meio de medidas repressivas quanto de mecanismos de integração. Essa exposição culminará com a discussão sobre a relação entre Welfare e Warfare State, que conduzirá, enfim, a breves ponderações sobre a atualidade dessa abordagem teórica, a partir de alguns relevantes fenômenos contemporâneos, à guisa de considerações finais.
2. O Estado nos primeiros momentos da exposição de O Capital
Da perspectiva da crítica da economia política é possível, e talvez forçoso, desenvolver o conceito de Estado a partir da exposição do conceito de capital. Sabe-se que ao longo de O Capital de Marx o Estado encontra-se pressuposto, sendo posto apenas em alguns momentos decisivos, a partir das exigências do desdobramento categorial.
Nos primeiros parágrafos do segundo capítulo da obra, intitulado “O processo de troca”, em meio ao mais elevado nível de abstração da análise, Marx lembra que o intercâmbio mercantil exige que os proprietários das mercadorias se constituam como indivíduos reificados, como meros portadores das mercadorias, cuja “vontade reside nas coisas” (MARX, 1996a, p.310). O intercâmbio mercantil pressupõe uma economia atomizada e anárquica, em que os detentores de mercadoria travam relações mediadas por contratos formais ou informais. Dessa forma, as relações jurídicas são a contraface da relação entre mercadorias, e cumpre aos portadores das mercadorias tornar-se “sujeitos do direito” (PACHUKANIS, 2017, p.111). Junto com a imensa coleção de mercadorias se estabelece uma “cadeia infinita de relações jurídicas” (PACHUKANIS, 2017, p.111). E do mesmo modo como o valor de uso é rebaixado a suporte do valor, e o trabalho concreto é reduzido a trabalho abstrato, “a multiplicidade concreta das relações do homem para com a coisa surge como vontade abstrata do proprietário”, e as determinações concretas do indivíduo são reduzidas à abstração do sujeito jurídico (PACHUKANIS, 2017, p.141-142).
Ou seja, o fetichismo da mercadoria deve se conjugar com o fetichismo jurídico, afinal, o intercâmbio envolve o respeito a regras que interditam a apropriação violenta das mercadorias alheias; compreende, portanto, um contrato, que por sua vez pressupõe um quadro legal e uma força repressiva que garanta sua efetivação, ou seja, um arcabouço jurídico e uma força policial postas pelo Estado. Com isso se evidencia que mesmo nas relações econômicas aparentemente mais singelas encontra-se latente, em potência, a violência. Sua sombra, portanto, recobre os contratos em sua origem e em sua finalidade, seja na ameaça do roubo, seja na do emprego da violência legítima no caso de sua violação. Direito e violência, por conseguinte, são inextricáveis (BENJAMIN, 1986, p.167). Afinal, constatara Adam Smith (apud ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.93), “só ao abrigo do magistrado civil é que o proprietário […] pode dormir uma única noite em segurança. […] Onde não há propriedade, ou pelo menos nenhuma que exceda o valor de dois ou três dias de trabalho, o governo civil não é tão necessário”.
Deitam-se por terra, assim, as vulgatas em torno da clivagem entre base e superestrutura que alimentam o economicismo, posto que a generalização das mercadorias depende da consolidação do sistema jurídico e do Estado moderno. E algo semelhante pode ser dito do dinheiro, cuja exposição logo no terceiro capítulo de O Capital exige, nesse caso explicitamente, a evocação do Estado. Se o dinheiro, tanto quanto o Estado, não é fruto de uma convenção, já que em sua existência moderna está atrelada à generalização da forma mercadoria e de sua circulação em larga escala, seu papel como padrão de preço e meio de circulação exige a atuação estatal, que também irá influenciar a função de meio de pagamento e de entesouramento, visto sua importância na estruturação e no funcionamento do moderno sistema monetário e creditício (MELLO, 2017). Deve-se insistir, as formas elementares do capital, mesmo nos momentos iniciais de sua apresentação, pressupõem o Estado.
Da mesma forma, o Estado desempenha papel decisivo na mediação entre a circulação e a produção imediatas, que corresponde à passagem da primeira para a segunda e a terceira sessões de O Capital. Aqui o Estado aparece como “guardião da identidade” (FAUSTO, 1987, p.311), afinal, a relação de exploração, desigualdade e coerção que fundamenta o processo de valorização do valor, a extração de mais-valia, expressa-se necessariamente, no âmbito da circulação, como igualdade jurídica entre livres possuidores de mercadoria que voluntariamente se engajam em transações econômicas.
Convém precisar melhor esse movimento. Como se sabe, o capital só existe ao mobilizar o trabalho vivo, criador de valor, e ao se apropriar de parte desse valor sem troca de equivalentes. Seu pressuposto é justamente a reprodução da desigualdade entre proprietários e não-proprietários dos meios de produção, que se funda na expropriação, original e sempre reposta, dos produtores diretos, e no controle sobre seu tempo. O capital deve, então, rebaixar a força de trabalho a si, como capital variável, e ao confrontá-la na forma de meios de produção, o capital constante, trabalho morto que se vivifica sugando o sangue dos vivos, a população trabalhadora. Por conseguinte, para se constituir enquanto sujeito automático, o capital, tendo por substância o trabalho abstrato, precisa reiteradamente subsumir o trabalho a si e negá-lo, constituindo-se enquanto a contradição em processo (MÜLLER, 1982). Logo, vê-se operar aqui um princípio identitário que é uma das formas elementares de manifestação e de mistificação da contradição. Entende-se a insistência de Adorno (2009, p.129) em afirmar que a “identidade é a forma originária da ideologia”.
Sob sua égide, como que por um passe de mágica, a exploração, a espoliação, a coerção e a desigualdade econômicas são coercitivamente transfiguradas em liberdade (PACHUKANIS, 2017, p.143). Trata-se, portanto, de uma exigência que dimana da contradição fundamental do capital, cuja existência se desdobra em uma essência e uma aparência que se constituem e negam reciprocamente, sem o que a desigualdade imanente ao capital não poderia se reproduzir. Algo correlato pode ser dito do papel do Estado - também por meio das suas estruturas jurídicas e políticas -, na produção de uma comunidade ilusória de livres e iguais cidadãos, como contraponto às tendências de atomização social, aos antagonismos de classe, e ao princípio geral da guerra de todos contra todos, próprio à dinâmica concorrencial capitalista, agonística, anárquica e voraz (cf. MARX, 2010).
O Estado emerge assim como um elemento central - porém limitado - para evitar que o evolver dessa contradição conduza ao colapso do capitalismo. Novamente nas palavras insuspeitas de Smith (2010, p.208),
[...] as leis e o governo podem ser considerados aqui, e de fato em todo caso, como uma combinação dos ricos para oprimir os pobres, e preservar a si próprios a desigualdade de bem que, de outro modo, seria rapidamente destruída pelos ataques dos pobres, os quais, se não fossem impedidos pelo governo logo reduziriam os outros a uma igualdade por meio da violência aberta.
Seja a título de ilustração, seja como momento necessário do desdobramento expositivo, ao longo da análise da produção imediata Marx é levado a recorrer à introdução de elementos históricos concretos, e também aqui a relevância do Estado salta à vista. O papel do Estado no disciplinamento da classe trabalhadora e de mediação da luta de classes é objeto de consideração em capítulos como “A jornada de trabalho”, “Maquinaria e grande indústria”, e “A lei geral da acumulação de capital” (MARX, 1996a, 1996b). No entanto, essa necessidade de apreender o Estado a partir do conceito de capital resulta do fato de que, por meio de um complexo e lento processo, o Estado moderno foi convertido, em certo sentido, na forma política do capital. Ou melhor, se a emergência do Estado moderno e do capital enquanto sujeito automático fazem parte de um mesmo processo, de modo que a consolidação do capital é impensável sem a existência do Estado, não deixa de ser verdade que ao se erguer sob seus próprios pés o capital subsumiu o Estado, amoldando-o de acordo com as exigências de sua autovalorização.
Em seu processo de consolidação, a violência estatal originária, característica do processo de acumulação primitiva e sempre reposta, é legitimada e legalizada pelo próprio Estado em formação, tornando-se sinônimo de ordem social. E toda contestação a essa estrutura de dominação passa a ser encarada, sob as lentes ideológicas do Estado, não como contraviolência, mas como violação violenta da ordem, que autorizaria a reação estatal - por sua vez, não como um ato terrorista, mas como mera contraviolência. Em meio a esse quiproquó, não apenas a violência estatal é convertida em pacificação e a contraviolência revolucionária em violência, mas de modo mais geral, a exploração, a desigualdade, a miséria e as opressões inerentes à reprodução capitalista são naturalizadas e convertidas em ordem, ao passo que as práticas não-conformistas são criminalizadas (FAUSTO, 1987).
Com isso, busca-se dissimular o fato de que “a jurisdição penal do Estado burguês é o terror de classe organizado, que difere apenas em grau das assim chamadas medidas de exceção, empregadas em momentos de guerra civil” (PACHUKANIS, 2017, p.207), de modo que a violência de classe está no cerne do sistema jurídico moderno, fundado, efetivamente, no antagonismo entre capital e trabalho. Convém recordar que tanto no Manifesto Comunista quanto em O Capital fala-se de uma guerra civil entre capital e trabalho, ou do capital contra o trabalho, e isso nada tem a ver com um mero artifício retórico.
3. A guerra interna: polícia e antagonismos de classes
Ora, “o mais forte nunca é suficientemente forte para ser sempre o senhor, senão transformando sua força em direito e a obediência em dever” (ROUSSEAU, 1983, p.25), e por isso que Carl Schmitt (apud SAFATLE, 2017, p.74) propôs que o “protego ergo obligo [protejo logo obrigo] é o cogito ergo sum [penso logo existo] do Estado”, de tal modo que a soberania estatal “necessita da contínua perpetuação do perigo de violência disruptiva, necessita da imagem de uma iminente morte violenta caso o espaço social deixe de ser controlado por um poder soberano ilimitado” (SAFATLE, 2017, p.74).
É por isso que essa sociedade sempre produzirá e “encontrará ameaças à segurança” (NEOCLEOUS, 2016, p.2). Ou seja, “um modelo de manutenção policialesco da ordem socioeconômica”, típico das formações sociais capitalistas, argumenta Menegat (2019), “não tem como realizar sua finalidade sem se afirmar em meio a um ‘estado de guerra’”. Como enfatiza Neocleous (2014, p.14), o exercício do poder policial é exercido contra os “inimigos da ordem”, e é ele mesmo crucial para a instituição da “nova ordem do domínio burguês”.
A polícia é a manifestação efetiva do poder soberano, que desaba sobre a cabeça de seus súditos. Salientando seu caráter impositivo e arbitrário, Foucault (2008, p.457) apresenta a polícia como “o golpe de Estado permanente. É o golpe de Estado permanente que vai se exercer, que vai agir em nome e em função dos princípios da sua racionalidade própria, sem ter de se moldar ou se modelar pelas regras de justiça que foram dadas por outro lado”. É uma das manifestações do estado de exceção permanente que distingue as formações sociais capitalistas, tal como analisado por Benjamin (1986, p.166):
A infâmia dessa instituição [a polícia] [...] consiste em que ali se encontra suspensa e separação entre poder instituinte e poder mantenedor do direito [...] “Por questões de segurança”, a polícia intervém em inúmeros casos, em que não existe situação jurídica definida, sem falar dos casos em que a polícia acompanha ou simplesmente controla o cidadão, sem qualquer referência a fins jurídicos [...]. Seu poder é amorfo, como é amorfa sua aparição espectral, inatacável e onipresente na vida dos países civilizados.
Dada a sua relevância e capilaridade, o policiamento não envolve apenas as forças policiais, o sistema carcerário e o direito penal, mas se intromete no exercício do poder por meio das mais diversas instituições, que tendem a compor uma “polícia social unificada” (NEOCLEOUS, 2000, p.130)2. Há de se recordar aqui, por exemplo, o desenvolvimento do panoptismo, no final do século XVIII. Este, segundo seu criador, o “arquifilisteu Jeremias Bentham, o oráculo insípido, pedante e tagarela do senso comum burguês do século XIX” (MARX, 1996b, 241), seria uma elevada forma disciplinar que, partindo de sua aplicação carcerária inicial, deveria revestir o conjunto das instituições sociais.
É preciso ter em vista, ainda, que no contexto da acumulação primitiva foi necessário mobilizar não apenas leis terroristas contra a vagabundagem e a mendicância, mas também todo um conjunto de instituições dedicadas a amoldar a população trabalhadora de acordo com as necessidades da acumulação, que se impõem como uma “segunda natureza” (ELIAS, 1993, p.197). Na origem do capitalismo, portanto, aprendeu-se que “os medos formam um dos canais - e dos mais importantes - através dos quais a estrutura da sociedade é transmitida às funções psicológicas individuais” (ELIAS, 1993, p.269). Desse modo, na modernidade, os mecanismos de autocontrole mental, que competem para moldar hábitos e comportamentos socialmente validados, ainda de acordo com Elias (1993, p.196-7), estão intimamente ligados aos dispositivos estatais de dominação social. E, conforme O Manifesto Comunista (MARX e ENGELS, 2007, p.198), nesse campo a polícia exerce um relevante papel, posto que “os burgueses pagam bem o seu Estado e fazem com que a nação inteira também o faça para que eles, os burgueses, possam pagar mal [os trabalhadores] sem correr perigo”.
Assim, ao mesmo tempo em que atua como um instrumento político e ideológico, na condição de uma permanente ameaça que assombra a população trabalhadora e a coage ao conformismo, a polícia desempenha uma função econômica nada desprezível, garantindo não apenas a continuidade da produção, como também o arrocho salarial.
4. A guerra externa: militarismo e antagonismos de classe
Nos primórdios do capitalismo, como se argumentou alhures (MELLO, 2023), a guerra exerceu papel decisivo, entre outros, na destruição das relações sociais propriamente feudais, na consolidação do sistema colonial, na universalização do dinheiro como nexo fundamental das relações sociais, na constituição de sistemas tributário e de crédito, no impulso à produção de inovações tecnológicos e ao desenvolvimento industrial, elementos interligados que, por sua vez, são ao mesmo tempo frutos e condições da emergência dos Estados-nacionais. Logo, no processo de constituição do modo de produção capitalista, Estado, guerra e capital formam uma tríade indissociável.
Afinal, a nação é “a base material-territorial de que carece o capital para se desenvolver”, e o Estado-nacional é o “suporte abstrato e político para o capital internacional” (CHAUÍ, 2001, p.107). Assim como o capital só existe na forma de múltiplos capitais individuais em concorrência entre si, também o Estado-nação se consolida em oposição a outras forças materiais de base territorial, que eventualmente tem como desenlace a guerra. Ao mesmo tempo, na fórmula provocadora de Tilly (1985, p.171), “a guerra faz Estados”, de modo que “banditismo, pirataria, rivalidade entre gangues, policiamento e guerra pertencem todos ao mesmo continuum”. O Estado moderno carrega o militarismo em seu DNA, ou, nas palavras de Benjamin (1986, p.164), “o militarismo é a compulsão para o uso generalizado da violência como um meio para os fins do Estado”. Seja porque os exércitos constituem uma relevante instituição estatal, seja porque estimulou a criação de diversas outras “organizações complementares: tesouros, serviços de abastecimento, mecanismos de recrutamento, órgãos de coleta de impostos e muitas outras” (TILLY, 1996, p.127).
A busca da guerra, pelos detentores do poder, ainda de acordo com Tilly (1996, p.14), conjuga uma espécie de colonização externa e interna, em meio a disputas entre aparatos armados pelo domínio de territórios e populações, o que pressupõe o reiterado acúmulo de meios para a realização da guerra. Em meio a esse processo, não apenas a lucrativa prática da pilhagem das regiões derrotadas torna-se atrativa, mas também o estabelecimento de estruturas permanentes de controle territorial. Sob o argumento da proteção das populações contra ameaças externas e internas, ergue-se um cada vez mais robusto aparato administrativo, jurídico, policial e de arrecadação de tributos, o que denunciaria as raízes gangsteristas do Estado moderno. Ao Estado cumpriria, na síntese de Tilly (1985, p.180), as funções de produção da guerra, de modo a eliminar ou neutralizar seus rivais fora de seus domínios; de produção do próprio Estado, de modo a eliminar ou neutralizar seus inimigos internos; de garantia da proteção de seus “clientes”, pelos mesmos dispositivos; e a de extração, a aquisição dos meios necessários para o cumprimento das outras três funções.
Deve-se, portanto, contestar o tópos liberal que associa comércio, propriedade privada, segurança, Estado, e lei à paz (NEOCLEOUS, 2014, p.7). Ao contrário, é a guerra, interna e externa, que institui e garante a reprodução da ordem e da paz burguesas. Denunciando o fato de que é o próprio dominador que institui o arcabouço jurídico e que define o que é ordem e o que é paz, Benjamin (1986, p.164) assevera que esta
[...] designa, por assim dizer, a priori, uma sanção de toda vitória, sanção necessária e independente de todas as demais relações jurídicas [...] A sanção consiste em reconhecer a nova situação como um novo "direito", independentemente se ela necessita de fato alguma garantia para ter continuidade ou não. Portanto, se a violência da guerra enquanto primitiva e arquetípica pode servir de modelo para qualquer violência para fins naturais, a toda violência desse tipo é inerente um caráter legislador.
Em sentido complementar, Pachukanis assevera que “o Estado, como organização classista de dominação e como organização para a condução de guerras externas, não exige uma interpretação jurídica e, por essência, não a admite” (PACHUKANIS, 2017, p.168). Trata-se do domínio da razão de Estado, da articulação entre força e conveniência. Articulação essa que é atravessa pelas hierarquias próprias ao sistema interestatal, e por relações coloniais e imperialistas.
É por esse motivo, por exemplo, que as guerras coloniais, a mais frequente e abrangente modalidade de guerra, são comumente designadas por guerras não convencionais, ou como um conflito de segunda ordem, literalmente, pequenas guerras. Nesse sentido, Neocleous lembra que entre 1815 e 1914 não houve um único mês em que as forças armadas britânicas não estivessem engajadas nalgum conflito bélico, e não obstante, esse período é amplamente reconhecido como Paz de Cem Anos (NEOCLEOUS, 2014, p.5). Dissimula-se assim o suplício de milhões e a espoliação de boa parte da parcela habitada do planeta (NEOCLEOUS, 2014, p.6), e ao mesmo tempo se escamoteia os nexos entre acumulação de capital e violência sistemática e terrorista.
De resto, como constatara Ernest Jünger, um apologista do militarismo, “a guerra colonial é a matriz histórica da evolução da guerra” (JÜNGER apud ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.171). E isso é decisivo, uma vez que no espaço colonial vigorava, desde sempre, a desmedida, a ausência de limites, a indistinção “entre paz e guerra, entre guerra regular e guerra irregular, entre militares e civis” (ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.172), entre guerras justas ou injustas, e as várias convenções tão prezadas pelo dito direito internacional.
Para melhor compreendê-lo, é preciso insistir que o Estado, esquivando-se de sua própria abjeção, decreta a violência como não-violência, a usurpação como progresso, a exploração como justiça, e sanciona, impositivamente, a lei que irá legitimar esse estado de coisas. Na relação entre Estados, que cumpre agora considerar, essa lógica também se impõe, em certo sentido. De acordo com Schmitt (2006), que expôs com perspicácia, ainda que afirmativamente, a natureza violenta do Estado moderno, a estabilização das fronteiras europeias e a produção de mecanismos de compensações e punições entre Estados-nação, que foi decisivo para o regramento da guerra civil em seu interior e para a estabilização necessária à consolidação de tais Estados, pressupôs a existência de um “grande reservatório” de recursos e de um vasto campo para o exercício da guerra sem peias, ou onde vigora o estado de exceção permanente. Logo, a colônia é “o fato espacial fundamental [raumhafte Grundtatsache] do direito internacional europeu” (SCHMITT apud ALLIEZ E LAZZARATO, 2018, p.156), posto que o recalque (parcial e seletivo) da violência no âmbito europeu exigiu a produção de um espaço regido pela violência desmedida, pela rapina e pelo genocídio.
Noutras palavras, de acordo com Schmitt (2006, p.140), as temíveis e imprevisíveis guerras civis dos séculos XVI e XVII - baseadas em “lealdades supraterritoriais” - foram superadas ou racionalizadas por meio da estatização da guerra, tornada apanágio de Estados mutuamente reconhecidos como soberanos, em meio ao surgimento de uma “nova ordem espacial - um equilíbrio de estados territoriais no continente europeu em relação ao império marítimo britânico e no contexto de vastos espaços livres”. Nesse processo, as relações de poder foram, em grande medida, “de-teologizadas” (SCHMITT, 2006, p.140). Ao mesmo tempo, a guerra foi enquadrada no direito internacional, ou melhor, no direito europeu, posto que, na prática, foi limitada a “conflitos entre Estados europeus territorialmente definidos” (SCHMITT, 2006, p.141). O restante do globo foi considerado “território livre”. Portanto, entre os séculos XVI e XIX, sempre nos termos de Schmitt, a guerra no interior da Europa foi racionalizada e humanizada, e discriminou-se entre o criminoso e o rebelde, de um lado, e, de outro, o inimigo, juridicamente reconhecido e, portanto, não mais objeto de aniquilação. Esse processo teve como contraface a imposição da mais abjeta selvageria e de uma violência desmedida no restante do mundo.
5. A natureza agonística da nação
Diante de acontecimentos distantes no tempo e no espaço, tais como a Guerra do Vietnã, as guerras balcânicas, as guerras do Iraque e do Afeganistão, ou as mais recentes guerras da Síria e da Ucrânia, dentre tantas outras, percebe-se que segue atual a denúncia de Orwell (apud NEOCLEOUS, 2014, p.32):
Em nosso tempo, o discurso e a escrita política são em grande parte a defesa do indefensável […]. A linguagem política tem que consistir em grande parte em eufemismo, petição de princípio e pura imprecisão nebulosa. Aldeias indefesas são bombardeadas do ar, os habitantes expulsos para o campo, o gado metralhado, as cabanas incendiadas com balas incendiárias: isso se chama pacificação.
A produção artificiosa da nação, como suposta unidade mais ou menos homogênea em termos sociais, culturais ou biológicos, e do nacionalismo, como princípio disciplinar, aglutinador e mobilizador, foram e seguem decisivos para sustentar essa dinâmica. Com isso o Estado lança mão de mais um instrumento coativo de autolegitimação, posto que “a mera existência de uma nação é usada como demonstração da sua razão de ser íntima, quando na realidade constitui apenas um sintoma da atuação de um Estado” (BERNARDO, 2018, p.295), seja ele consolidado e reconhecido pelos demais, seja um Estado em aspiração. “Em qualquer caso”, conclui Bernardo (2018, p.295), “a nação é construída a partir de um centro de poder, a cuja ação se deve a homogeneização de culturas e tradições”.
Coroa-se assim a autoimolação em nome do Estado como dever cívico supremo, naturalizando a guerra e positivando a reificação: “ou ficar a pátria livre, ou morrer para o Brasil”; “Deutschland über alles” [“Alemanha acima de tudo”]; “Brasil acima de todos”. O nacionalismo torna-se, então, não apenas um motor da máquina de guerra, mas também um dispositivo contrainsurgente da maior importância, numa articulação entre conflitos domésticos e externos3.
A produção da nação pelos Estados em processo de consolidação corrobora a constituição de um novo regime temporal, e uma nova forma de temporalização da história. O tempo é unificado e convertido num instrumento de poder; as variegadas historicidades são totalizadas e reduzidas a uma única; os acontecimentos são selecionados, hierarquizados, e ordenados, compondo um continuum; a abertura da história é negada em favor de uma perspectiva teleológica, e a heterogeneidade da população compreendida sob a égide do Estado é apagada, o que equivale a extirpar seu passado e substituí-lo por outro, artificioso. Como quem controla o passado controla o presente, “as premissas do totalitarismo moderno existem na matriz temporal inscrita no Estado moderno, já implicada pelas relações de produção e pela divisão social capitalista do trabalho” (CHAUÍ, 2001, p.114).
Para tanto, não apenas a história foi funcionalizada pelo Estado. Pelo contrário, vê-se que as guerras interestatais, junto com a colonização externa e interna promovida pelos Estados-nacionais foram o solo em que se desenvolveram as ciências modernas, não apenas a história, mas também a demografia, a geografia, o direito, a engenharia, a arquitetura, bem como a medicina social, a psiquiatria, a zoonose, etc. e etc. (cf. NEFF, 1963; FOUCAULT, 2003).
Não é à toa que logo depois da declaração da independência do Brasil foi criado o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Como relata Schwarcz (2019), seu primeiro concurso público teve como pergunta, simplesmente, “Como se deve escrever a história do Brasil”. O vencedor foi o naturalista bávaro Karl von Martius (1794-1868), com uma tese que antecipa a ideologia da democracia racial. Para sustentá-la, o autor mobilizou a metáfora da história brasileira como um rio caudaloso, constituído pelos portugueses, que receberia afluentes secundários, os indígenas e os negros. Estes seriam purificados pelo curso principal, somando-se a seu curso triunfal rumo ao progresso. O supremacismo do “civilizador branco” haveria, assim, de ser preservado, ao mesmo tempo em que a violência da invasão, da escravização e do genocídio indígena e negro seria apagada.
Contra o mito iluminista do progresso, que tem como um de seus operadores a projeção da violência e da barbárie sobre quem quer que se pretenda subjugar, explorar e eliminar, deve-se encontrar a verdade da modernidade nas minas e nas plantations espalhadas pelo sistema colonial, no massacre das revoltas camponesas, nas workhouses, na Inquisição, e nas guerras que lhes subjazem. Numa violência não apenas originária, mas sempre identificável para observadores atentos, e que hoje salta à vista até de quem não desejaria reconhecê-la. Desse modo, os nexos entre guerra, Estado e acumulação de capital não se limitam ao capitalismo em seu nascedouro. Ao contrário, argumenta Rosa Luxemburgo (1985, p.311), “o militarismo desempenha, na história do capital, uma função histórica bem determinada. Ela acompanha os passos da acumulação em todas as suas fases históricas”, e revela-se hoje particularmente ameaçadora.
6. A subsunção real do Estado ao capital
Em seu nascedouro, o capital se ergue por sobre uma base material e técnica que não lhe é adequada. Na sessão sobre a mais-valia relativa, no primeiro livro de O Capital, Marx analisa a passagem da subsunção formal à subsunção real do trabalho ao capital, em que a estrutura produtiva artesanal é avassalada e paulatinamente revolucionada por completo, até emergir um estofo material que corresponda ao conceito de capital, o sistema de máquinas, e que os trabalhadores parciais se reduzam à condição de trabalhadores-apêndices. Algo similar pode ser dito das formações sociais pretéritas ou extracapitalistas, que são primeiramente subjugadas e depois amoldadas às exigências da acumulação de capital, diante de seu processo totalitário de expansão mundial. Em certo sentido, e é isso que importa considerar aqui, o mesmo se passa com um Estado ainda carregado de determinações do Antigo Regime, que de modo contraditório compete para que o capital se erga sob seus próprios pés, mas que no bojo desse processo é submetido a transformações decisivas, tornando-se, por assim dizer, a forma política do capital, em seu processo de constituição como uma totalidade contraditória e fragmentária, que procura segmentar e dominar as diferentes dimensões da vida social.
É evidente que, mesmo depois de subsumido ao capital, o Estado moderno não se mantém estático e imutável; ao contrário, e justamente por isso, ele evolve incessante e contraditoriamente. A apreensão lógica do Estado, em chave crítica, precisa acompanhar esse movimento histórico, e para tanto, cumpre destacar agora alguns de seus momentos fundamentais, distinguindo quatro dimensões: as mudanças nas estruturas de gestão estatais e privadas; a atuação do Estado como agente econômico direto; a regulação estatal da concorrência intercapitalista; e, ainda, a mediação estatal dos antagonismos de classe, tanto por meio de medidas repressivas quanto de mecanismos de integração, o que será tratado numa sessão à parte, mais longamente.
A emergência da economia de comando, coetânea à guerra total, inaugurada pelas guerras napoleônicas e consolidada pelas Guerras Mundiais, não pode ser dissociada de uma série de transformações na estrutura e na dinâmica de gestão estatal e empresarial, acompanhando o processo de concentração e centralização de capital e a formação de grandes conglomerados trustificados na segunda metade do século XIX (HOBSBAWM, 1994, p.52). Essa trustificação é correlata à tendência à integração horizontal e, sobretudo, vertical da produção, ou seja, a internalização de uma série de atividades e funções que permite que elas sejam coordenadas, rotinizadas e racionalizadas de tal forma a reduzir os ditos custos de transação, de circulação, e de informação, a aumentar o controle das fontes de insumos, a diminuir os estoques e os tempos de rotação, e a aproveitar melhor os elementos da produção por meio dos ganhos de escala. Trata-se de uma revolução administrativa que teria, na conhecida - e mistificadora - formulação de Alfred Chandler, substituído a “mão invisível” do mercado pela “mão visível” da gestão, no bojo da consolidação das “empresas multidivisionais” e de um padrão tecnocrático de dominação social4.
Longe de configurar um desvio de rota, trata-se de desdobramentos inerentes ao evolver das formações sociais capitalistas, afinal, se é próprio ao modo de produção capitalista a reprodução ampliada do capital e o desenvolvimento do mercado mundial, o que em certa medida se confunde com as tendências à concentração e à centralização do capital, é mister concluir que este exige o incessante aperfeiçoamento de mecanismos de integração econômica e de planejamento dos investimentos e das estruturas de circulação de capital em suas distintas formas funcionais. Nesse sentido, argumenta Bernardo (2009, p.179), “a indispensável integração dos processos produtivos exige sempre a coordenação no nível das superestruturas políticas”, de modo que, desde de os primórdios do capitalismo, “com o mercado se articula a planificação”. E aqui o Estado desempenha papel central, tendo assumido, em certa altura, tamanho protagonismo no processo de planejamento econômico que justificou o emprego da expressão capitalismo de Estado para se designar uma fase do desenvolvimento capitalista, ou para descrever realidades nacionais tão diversas como a dos EUA à época do New Deal, da Alemanha nazista, da URSS e mesmo da China contemporânea (ALAMI e DIXON, 2020).
Em relação à segunda das dimensões supracitadas, de acordo com Ruy Fausto (1987) quando o Estado atua como agente econômico, ele busca “preencher uma espécie de vazio” que redunda da incapacidade dos diversos capitalistas individuais em suprir todas as necessidades do sistema, o que evidentemente se modifica em cada contexto. Não apenas as suas contradições, mas também as limitações em sua atuação colocariam a dita sociedade civil na berlinda. Diante disso, o Estado é instado a investir nas condições gerais de produção e na inovação tecnocientífica, bem como em outros setores em que a escala e o volume de investimentos são relativamente muito elevados, e em que a taxa de rotação de capital é relativamente lenta e as perspectivas de retorno são baixas, vis-à-vis as taxas de lucro vigentes e os riscos percebidos.
O Estado converte-se, assim, em “proprietário-capitalista”, adquirindo ou criando empresas, em meio a “uma espécie de repetição da pretensa acumulação primitiva [...] no interior do sistema” (FAUSTO, 1987, p.326-7), uma forma de “expropriação dos expropriadores, no interior do capitalismo” (FAUSTO, 1987, p.327). Porém não na forma convencional, da fagocitose de capitais mais débeis por aqueles mais competitivos, e sim na forma de centralização estatal, que se vale de sua impositiva capacidade arrecadatória, regulatória e de mobilização de políticas fiscais e monetárias5.
Como fora constatado por Gramsci (2001, p.277), em Americanismo e Fordismo, na virada do século XIX para o século XX o Estado foi “investido de uma função de primeiro plano no sistema capitalista, como empresa (holding estatal) que concentra a poupança a ser posta à disposição da indústria e da atividade privada, como investidor a médio e longo prazo”. Além de garantir o devido curso aos “investimentos realizados por seu intermédio” (GRAMSCI, 2001, p.277), o Estado foi movido a ampliar seu campo e seus mecanismos de intervenção, por meio de um vasto conjunto de políticas econômicas, que envolveram protecionismo, operações de salvamento de empresas insolventes, subsídios, medidas antidumping, entre outras (GRAMSCI, 2001, p.277).
Com isso, adentra-se a terceira dimensão considerada por Fausto, ou seja, a tendência do Estado em intervir no regramento da concorrência e dos movimentos de centralização de capital - por exemplo, por meio de políticas antitrustes -, com vistas a reduzir os riscos e assegurar “uma racionalidade menos irracional ao modo de produção” (FAUSTO, 1987, p.316). Porque, como se sabe, é por meio da concorrência que “se efetivam as leis do sistema”, ao mesmo tempo em que “irrompem as [suas] contradições” (FAUSTO, 1987, p.315). Ao se manifestarem na forma de crises, é como se tais contradições permitissem que a “essência do modo de produção abrisse caminho se libertando da sua aparência” (FAUSTO, 1987, p.316). É diante dessa emergência que se desenvolvem políticas anticíclicas, que buscam conter ou suavizar tais crises. Também é aqui que entram as políticas estatais relacionadas à equalização das taxas de lucro, destinadas, por exemplo, a promover desvalorizações controladas em certos ramos da produção ou a catapultar a transferência de valor para setores de maior composição orgânica, bem como políticas que buscam se contrapor à tendência de queda das taxas de lucro (SALAMA, 1980)6.
7. O Estado “social” sob signo de Jano
Junto ao processo de universalização do modo de produção especificamente capitalista, generalizam-se também os conflitos sociais que lhes são inerentes. Em meio a greves, boicotes, abaixo-assinados, demonstrações de rua etc., e mesmo a grandes lutas insurrecionais, pari passu à emergência de sindicatos, partidos e outras organizações e movimentos sociais, a população trabalhadora organizada em classe passa a constituir, ao menos potencialmente, uma ameaçadora força revolucionária. Como recorda Marx (1996b, p.359), “a burguesia nascente precisa e emprega a força do Estado para ‘regular’ o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites convenientes à extração de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio trabalhador num grau normal de dependência”. Porém, sobretudo a partir de meados do século XIX, o Estado é chamado a reprimir violentamente, por um lado, e a integrar as lutas e as organizações trabalhistas em seus marcos, por outro, o que em geral envolve racionalizar e arrefecer o ímpeto predatório do capital sobre uma parcela da população trabalhadora.
Assim, em articulação com o despotismo fabril e com a coerção econômica do desemprego e da miséria, mediada pela reprodução da superpopulação relativa (MARX, 1996b, cap. 23), o Estado deverá, de saída, limitar as jornadas laborais e regulamentar as condições de trabalho, as formas de luta e de associativismo da população trabalhadora (que até a metade do século XIX era legalmente proibido em países como a Inglaterra e a França), e reconhecer juridicamente a assimetria que existe entre as partes contratantes quando se relacionam os patrões e os empregados. Essa mudança do direito positivo, de certa forma, dá cabo da aparência de igualdade entre ambos, e tem implicações sobre a própria forma do contrato de trabalho, que passa a ser, em muitos casos, coletivo, e não mais individual.
Entretanto, mesmo significando uma desmistificação da aparência do sistema, essa mudança não implica na revelação da sua essência e das suas contradições, na medida em que não se reconhece o próprio contrato como aparente; ao contrário, substitui-se uma aparência por outra, agora marcada pela diferença. Por esse motivo, “no capitalismo contemporâneo não é mais a identidade mas a diferença que oculta a contradição”, argumenta Ruy Fausto (1987, p.319), uma vez que ela “revela a contradição, no sentido, negativo, de que questiona a identidade, mas ao mesmo tempo a mistifica. A diferença enquanto categoria objetiva (não enquanto fim) é talvez a categoria fundamental do reformismo”7.
Desse modo, a desigualdade essencial do sistema aparece, mas tal qual a violência, ela o faz de maneira mistificada: no caso, não como contradição, mas como mera assimetria entre empregadores e empregados. Não obstante, essa aparição, que se dá apenas com a análise das leis do desenvolvimento da sociedade civil, acaba por suprir uma deficiência da análise feita “no nível da pura contemporaneidade do sistema”, posto que “na oposição das determinações correspondentes à dualidade aparência/essência da sociedade, oposição que separa a igualdade (identidade)-abstração-não-violência da desigualdade (contradição)-concretização-violência, faltava precisamente a aparição da desigualdade” (FAUSTO, 1987, p.320).
A aparição da desigualdade como diferença produz outros desdobramentos, na medida em que obriga o Estado a encarar as determinações concretas dos membros da sociedade que outrora ele havia recalcado no idílio da cidadania abstrata. Assim, além de uma comunidade política, o Estado passa a aparecer também como comunidade econômica, que é ilusória da mesma maneira que a primeira. Afinal, “dizer que o Estado pressupõe uma comunidade significa que o Estado assume a realização de certas tarefas, mas que ele as realiza no interior das exigências formais do sistema, sistema que se baseia na exploração e na dominação de classe” (FAUSTO, 1987, p.321). Logo, ao se efetivar políticas sociais protetivas ou redistributivas, aquilo que está pressuposto aparece como posto, porém de forma mistificada, já que o Estado evidentemente não pode realizar transformações no sentido de acabar com as desigualdades essenciais do sistema, o que seria o mesmo que se destruir a si próprio. Afinal, constatara o jovem Marx, se o Estado buscasse dar cabo às mazelas sociais que são inerentes à vida privada, ele teria que aboli-la, porém à medida que ele só existe em oposição à vida privada, seria forçado a abolir a si próprio. Porém, arremata Marx (2010, p.107), “suicídio é contra a natureza”.
Em outras palavras, ao reconhecer as diferenças, o Estado acaba por instituir uma nova pressuposição - a comunidade econômica -, que leva o Estado a atuar no sentido de garantir um certo nível de bem-estar à população. Um caso emblemático é o da Alemanha após a unificação e a Guerra Franco-Prussiana. Nas palavras de Hobsbawm (1987, p.150-1), “Bismarck, lógico como sempre, já na década de 1880 decidira cortar as raízes da agitação socialista por meio de um ambicioso esquema de previdência social”, que envolvia seguros de saúde e de desemprego, aposentadorias, entre outros. Com isso, inaugurou um paradigma que logo foi adaptado e implementado por outros Estados-nacionais (FIORI, 1997).
Acrescenta-se ainda, de passagem, que uma das formas de mediar os conflitos sociais e garantir elevados padrões de produtividade é intervir no processo de subjetivação dos trabalhadores e de disciplinar seus comportamentos, e também aqui o Estado desempenha um papel central. Sob as severas exigências físicas e mentais da produção e do consumo de massas, argumenta Gramsci (2001, p.267), o Estado se engaja em uma série de iniciativas puritanas, como a de afirmação da família monogâmica e de combate ao alcoolismo, afinal, “é preciso que o trabalhador gaste ‘racionalmente’ o máximo de dinheiro para conservar, renovar e, se possível, aumentar sua eficiência muscular-nervosa, e não para destruí-la ou danificá-la”.
É preciso atualizar assim, repetidamente, aquilo que Marx constatara em seu estudo sobre a acumulação primitiva, ou seja, que depois da separação violenta entre produtores e meios de produção e das leis sanguinárias contra a vagabundagem, foi necessário mobilizar todo um aparato institucional, disciplinar, e ideológico para que a população trabalhadora internalizasse, “por educação, tradição e costume”, os imperativos da acumulação como leis naturais evidentes (MARX, 1996b, p.358). E em cada etapa do desenvolvimento do capitalismo aquela atualização pressupôs uma ampla mobilização do Estado.
8. A simbiose entre Warfare e Welfare State
Cada uma das dimensões do intervencionismo estatal foi desenvolvida ou catalisada em meio à produção e ao exercício da guerra. Ao menos desde a Revolução Francesa, e sobretudo a partir da segunda metade do século XIX tornou-se evidente que o engajamento e a exposição às agruras da guerra exigiam não apenas a intensa mobilização do patriotismo e a demonização do inimigo, mas também o oferecimento de contrapartidas estatais à população, que historicamente assumiram a forma da expansão de direitos sociais, sistemas previdenciários e ampliação do sufrágio (HOBSBAWM, 1994, p.51). Segundo Menegat (2019), o alistamento militar obrigatório e o recrutamento em massa fizeram com que “as exigências de grandes sacrifícios nas guerras nacionais obrigassem os Estados a estabelecer novos pactos com a sociedade”, de modo que “parte dos direitos políticos no século XIX, assim como a seguridade social no XX, estiveram marcados por esta grande transformação”8.
Algo semelhante é sustentado por Ehrenreich (apud ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.210), quando afirma que “de fato, os estados de bem-estar social modernos […] são igualmente produtos da guerra - isso é, de tentativas governamentais de apaziguar os soldados e suas famílias”. Por exemplo, insiste a autora, nos Estados Unidos “a Guerra Civil levou à instituição de benefícios para viúvas, que foram o predecessor do bem-estar em seu auxílio às famílias com filhos dependentes” (EHRENREICH apud ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.210). A construção de sistemas estatais protetivos e a extensão do sufrágio, deve-se insistir, deu-se em meio a um tumultuoso processo, particularmente agonístico no caso da população feminina (cf. ALLIEZ e LAZZARATO, 2018).
Se no pós-Segunda Guerra esses direitos tenderão a se estender nos países capitalistas centrais, isso será feito sempre de modo discriminador e limitado, sobre os escombros das organizações e das parcelas mais radicalizadas da classe trabalhadora, e sem arranhar o patriarcado. E ainda valendo-se de relações colonialistas e imperialistas estabelecidas com um sem-número de países capitalistas periféricos. Boa parte das políticas trabalhistas e previdenciárias serão aí balizadas pelo pacto keynesiano envolvendo o Estado, as corporações empresariais e as burocracias sindicais, e excluindo parcelas significativas da população. E sempre objetivando turbinar a acumulação e evitar sedições, especialmente diante da polarização entre os blocos capitalista e soviético, no interior da Guerra Fria.
Convém retomar o tema do fordismo por um momento. Se este, por definição, articula produção em massa a consumo em massa, foi a guerra que garantiu a escala produtiva e a demanda que permitiu sua consolidação e difusão (MENEGAT, 2019). Vê-se assim o “elo agressivo de trabalho em massa, consumo em massa e destruição em massa” (KURZ, 1997, p.356), e se compreende a consolidação de uma “simbiose entre governo e produtores de armamentos privados especializados” (HOBSBAWM, 1994, p.52), desde o final do século XIX. No pós-guerra, essa dinâmica produtiva exigiu não só o crescente investimento no complexo industrial-militar, mas também a introdução de importantes transformações no consumo civil, que passavam, entre outras coisas, pela expansão do crédito e do endividamento familiar. Desse modo, a consolidação mundial do fordismo foi em grande medida possibilitada e condicionada pela guerra total, e uma parte não negligenciável do incremento na produtividade do trabalho e da acumulação de capital no pós-guerra, decisivo para a gestão social, encontra seu fundamento em inovações tecnológicas engendradas no bojo dos conflitos mundiais.
De acordo com Arantes (2021), apoiado em Herbert Marcuse, um corolário da guerra total é a emergência, nos países capitalistas centrais, da “sociedade da mobilização” total, por meio de uma “espantosa simbiose [...] entre Warfare e Welfare” (ARANTES, 2021, p.51). Essa nova sociedade já poderia ser flagrada no discurso de posse de Roosevelt, em março de 1933, em que se propõe que a Grande Depressão e o desemprego em massa deveriam ser encarados como “uma emergência de guerra, como se a nação estivesse sob ataque de um inimigo externo” (ARANTES, 2021, p.46), o que veio a se materializar, por exemplo, na Lei de Segurança Social de 1935. Não obstante, aquela simbiose ganha momento com a deflagração da Guerra Fria, momento em que se promulga uma nova Lei de Segurança Nacional que estabelece o Departamento de Defesa, o Estado Maior Unificado, o Conselho Nacional de Segurança e a CIA: “numa palavra”, conclui Arantes (2021, p.48), “estava oficialmente criado o fetiche dos fetiches, o Estado de Segurança Nacional”. Desde 1947, portanto, os Estados Unidos passaram a ter dois governos, um visível, e outro “operando na sombra [...], secreto e autoritário, em estado de guerra permanente e intervenções encobertas recorrentes” (ARANTES, 2021, p.49).
É notório que no contexto da Guerra Fria, em ambos os lados da contenda, as cúpulas militares se fortaleceram e as forças armadas “passaram a desempenhar acima de tudo funções administrativas e econômicas no interior do próprio país” (BERNARDO, 2018, p.1349). Diante disso, a democracia burguesa se tornou ainda mais quimérica, afinal, como decidir democraticamente sobre apertar ou não o botão, diante da perspectiva de holocausto nuclear? É por esse motivo que Virilio (apud ALLIEZ e LAZZARATO, 2018, p.303) identificará tecnocratas e militares, os quais, chafurdando na racionalidade teleológica, tornam-se imunes à “dimensão apocalíptica do horizonte negativo”.
Todo esse arcabouço institucional intrincado, que conduz Thompson (e, antes dele, Wright Mills) à conclusão de “os EUA e a URSS não possuem complexos militares-industriais: são esses complexos” (THOMPSON, 2005, p.205), faz com que os militares sejam “civilianizados”, ao mesmo tempo em que “mais e mais civis são militarizados” (THOMPSON, 2005, p.205). Assim, talvez mais do que a consolidação do aparato militar como “um aparelho suplementar ou alternativo ao poder civil” (BERNARDO, 2018, p.1353), exista aí uma convergência tecnocrática, em que o Estado se converte num imenso aparato de guerra, no qual os gestores civis revelam-se tão ou mais belicistas que os próprios militares9.
9. Considerações finais
Uma leitura apressada talvez atribua a muitas das proposições acima apresentadas um caráter anódino ou extemporâneo. Para evitá-lo, a título de considerações finais, há de se insistir que algumas das ideias expostas talvez possam fornecer chaves para a compreensão de fenômenos contemporâneos.
No que tange ao papel do Estado na mediação dos antagonismos sociais, viu-se, por um lado, que a constituição de um aparato estatal que efetiva políticas trabalhistas, previdenciárias, educacionais, sanitárias, habitacionais etc. para parcelas mais ou menos amplas de sua população teve como pressuposto, entre outros, a constituição de um robusto sistema de gasto e de dívida pública, que por sua vez dependeram da reprodução ampliada do capital, da elevação da produtividade do trabalho e da ampla extração de mais-relativa, que ao reduzir os custos de reprodução da força de trabalho e catapultar a produção de massas, permite melhorar as condições de existência de parte da população trabalhadora sem comprometer a dinâmica da acumulação. Por outro lado, a interferência direta do Estado na reprodução da população trabalhadora na forma das referidas políticas também foi resultado de lutas e do espectro da revolução social.
Se é assim, num momento em que o capital enreda-se numa crônica crise de sobreacumulação, e que, depois de acumular vitórias sobre a classe trabalhadora, parece afirmar seu domínio global sem contestações decisivas, não surpreende que tenha havido uma expressiva mudança na forma como se concebe a comunidade econômica ilusória, no sentido de destruir eventuais limites à sede capitalista por mais-valia, a desbaratar o Estado de bem-estar social, onde este veio à existência, substituindo políticas de cunho universalizante por políticas focalizadas - boa parte das quais concebida, gerida e executada por instituições privadas, ainda que financiadas pelo Estado - e a exacerbar o uso da violência direta na gestão da vida social, como expresso, entre outros, no encarceramento em massa.
Em tal contexto, o identitarismo do capital revela-se com particular vigor, em chave cínica ou positiva. Nesse ponto, adentra-se outra frente de atuação do Estado, que se refere aos processos de subjetivação e de condicionamento de comportamentos da população trabalhadora. É no momento de colapso dos sistemas estatais protetivos e de precarização das condições de trabalho e de existência de boa parte da população que se difunde a ideologia do capital humano - termo fetichista, que afirma o rebaixamento do humano ao capital, por meio de uma relação de identidade - e a do empreendedorismo, as quais competem para positivar cinicamente a subsunção do trabalho ao capital, ocultar as distinções de classe, convertendo empregados em supostos colaboradores, e naturalizar as mazelas sociais produzidas pela atual dinâmica da acumulação de capital.
Essas ideologias estão em linha também com o mantra neoliberal segundo o qual não existe sociedade, apenas indivíduos e famílias. Estes concebidos de modo reificado como agentes econômicos que se movem em todos as dimensões da vida social a partir do princípio da concorrência, e cujo espaço fundamental de interação é o mercado, guiados por suas supostas preferências e livres de coação (FRIEDMAN, 1985). Subjaz a esse ideário uma concepção negativa de individualidade e de liberdade, que se confundem com a lógica da propriedade privada, em que toda alteridade aparece como limite e ameaça. Além disso, o dito mercado aparece como uma ordem moral frágil, que precisa ser protegida das múltiplas e iminentes ameaças coletivistas (FRIEDMAN, 1985). Nesse sentido, os ideólogos neoliberais abraçam, implícita ou explicitamente, a concepção de Estado total qualitativo de Carl Schmitt, detentor de “meios inéditos de poder” para despolitizar a sociedade, impedir a “emergência de forças subversivas em seu seio’” (SCHMITT apud CHAMAYOU, 2020, p.339), e fomentar os “mercados competitivos” (FRIEDMAN, 1985). Como diria Thatcher, “em nosso partido, nós não almejamos um Estado fraco. Ao contrário, precisamos de um Estado forte para preservar tanto a liberdade como a ordem” (THATCHER apud CHAMAYOU, 2020, p.366), uma política de contrarrevolução permanente. Daí compreende-se a naturalidade com que os próceres do neoliberalismo abraçam regimes autocráticos sanguinários, e mesmo os recentes encontros entre neofascismos e neoliberalismo.
Cumpre constatar ainda que tal sanha identitária se coaduna com a proeminência assumida pelas formas fictícias do capital, pois na fórmula D-D’, própria ao capital portador de juros e do capital fictício - que exprime o desiderato do capital de acumulação automática, liberto das vicissitudes da produção -, o capital pretende se relacionar consigo mesmo, valorizando-se magicamente. Com isso, toca-se em mais uma dimensão decisiva da intervenção estatal, relativa às condições de concorrência intercapitalista e à dinâmica das crises econômicas. Nessa seara, destacam-se nas últimas décadas as políticas de salvamento das empresas “grandes demais para quebrar”, e mais recentemente as de “afrouxamento monetário” (quantitative easing).
Se desde os primórdios do capitalismo o sistema da dívida estatal apareceu como pilar do sistema de crédito, seu papel na produção e reciclagem do capital fictício tornou-se central, num contexto de crise crônica de sobreacumulação e de crescente primazia da dimensão fictícia da acumulação. Também aqui vê-se que os neoliberais não se acanham ao aplaudir as políticas estatais em prol de corporações em vias de falência.
A última dimensão a ser destacada é a do continuum entre guerra e polícia. Tome-se, à guisa de exemplo, o modismo das chamadas guerras de quarta geração ou das guerras híbridas, cujos próprios ideólogos fazem questão de afirmar explicitamente o caráter permanente e contrarrevolucionário. Como lembra novamente Neocleous (2014, p.9), o Manual de Campo de Contrainsurgência do Exército e do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA, atualizado em 2006, reconhece que “a guerra e o policiamento estão dinamicamente ligados” e que “os papéis da polícia e das forças militares […] se confundem”. Em face a um modo de produção que parece se aproximar de seus limites históricos infranqueáveis, marcado por catástrofes de toda ordem, sociais, econômicas, bélicas, ambientais, entre outras, e que responde a elas com o reforço da espoliação e da exploração da população trabalhadora e da natureza, não surpreende a atual tendência à intensificação da militarização ou da milicianização da vida social, à multiplicação de medidas de exceção contra contingentes populacionais “sobrantes” ou “indesejados”, e o emprego da violência contrarrevolucionária por parte de estruturas estatais e paraestatais.
Em suma, ao considerar os nexos entre Estado, capital e guerra, deixa-se aqui muitas pontas soltas, mas também, espera-se, indica-se alguns caminhos para atá-las numa construção conceitual consistente a partir da crítica da economia política.
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Notes