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Direito Comparado Decolonial: novas posturas epistemológicas, novas metodologias e os desafios para a realização do estudo jurídico comparado a partir do Brasil

Decolonial Comparative Law: new epistemological stances, new methodologies and the challenges for carrying out comparative legal studies from Brazil

Deo Campos Dutra
Universidade Católica de Brasília, Brasil. Email
Luiz Eduardo Camargo Outeiro Hernandes
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Brasil

Direito Comparado Decolonial: novas posturas epistemológicas, novas metodologias e os desafios para a realização do estudo jurídico comparado a partir do Brasil

Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e80496, 2024

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Received: 01 December 2023

Accepted: 26 April 2024

Resumo: O Direito Comparado brasileiro se ressente em oferecer aos juristas nacionais ferramentas teóricas críticas capazes de dialogar com particularidades sociais, culturais e históricas do Brasil. De forma paralela, a teoria decolonial vem sendo apresentada como uma nova e importante chave teórica apta a oferecer ao Direito Comparado importantes avanços não só em sua teoria, bem como em sua atividade prática. A presente investigação se insere nesse contexto, e pretende responder se o direito comparado decolonial pode oferecer as posturas epistemológicas e a metodologia adequada para preencher essa lacuna na teoria do direito comparado brasileiro. Para responder a este problema inicial, este texto se divide em dois momentos. No primeiro deles investiga o chamado bovarismo epistêmico dos estudos jurídicos comparados nacionais. Numa segunda parte, apresenta analiticamente as contribuições do Direito Comparado Decolonial e como estas mesmas contribuições podem ser decisivas para o avanço do campo no país.

Palavras-chave: Teoria da Comparação Jurídica, Direito comparado, Teoria Decolonial, Direito Comparado Decolonial.

Abstract: Brazilian Comparative Law fails to offer national jurists critical theoretical tools capable of dialoguing with the social, cultural, and historical particularities of Brazil. In parallel, decolonial theory has been presented as a new and crucial theoretical key capable of offering essential advances in comparative law not only in its theory but also in its practical activity. The present investigation is inserted in this context. It aims to answer whether decolonial comparative law can offer the epistemological stances and the appropriate methodology to fill this gap in the theory of Brazilian Comparative Law. In this sense, this investigation has two moments. The first investigates the so-called epistemic bovarism of national comparative legal studies. The second part analytically presents the contributions of Decolonial Comparative Law and how these same contributions can be decisive for advancing the field in the country.

Keywords: Theory of comparative Law, Comparative law, Decolonial Theory, Decolonial Comparative Law.

Introdução

O direito comparado brasileiro é marcado pela sua pouca teorização. Geralmente identificado com a dogmática do direito privado, seus trabalhos estão primordialmente caracterizados pela realização de um estudo comparado do direito sem, contudo, podermos identificar claramente o emprego de alguma chave teórica onde o pesquisador claramente recorre para a realização da interpretação dos dados obtidos em sua comparação. Temos, portanto, predominantemente, uma prática comparativa brasileira teoricamente estéril.

De forma paralela, o que tem sido percebido em outros centros acadêmicos no mundo é um movimento oposto a realidade brasileira. Cada vez mais, discussões em torno da teoria da comparação jurídica não só são produzidas, como são incorporadas aos trabalhos onde se realiza algum tipo de estudo comparado do direito.

Esses debates acerca da teoria da comparação jurídica, por sua vez, acabaram por alcançar uma certa autonomia e hoje movimentam de forma independente uma série de discussões, muitas vezes acaloradas, em torno daquilo que iremos nomear de escolas da teoria da comparação jurídica.

Neste sentido, podemos perceber não só uma disputa com relação aos paradigmas dominantes da área e seus oponentes, bem como importantes reinterpretações desses mesmos paradigmas, na busca por uma nova validação da comunidade acadêmica sobre sua relevância e atualidade.

Ao contrário do que uma leitura apressada pode sugerir, é importante ressaltar que os debates ocorridos dentro do âmbito da teoria da comparação jurídica, há muito deixaram de ser estritamente vinculados ao método. Se ainda existem relevantes questionamentos metodológicos, e eles são essenciais para o campo, o que podemos identificar hoje são sofisticadas teorizações interdisciplinares que avançam não só para um diálogo interno profícuo com áreas como a teoria do direito, a filosofia e a epistemologia jurídica, bem como com outros campos das ciências sociais e humanas.

As reflexões extraídas dos teóricos da comparação jurídica também há muito deixaram de ser de interesse apenas de parte da comunidade jurídica dedicada a este objeto de pesquisa. Hoje, elas podem ser consideradas de utilidade para todo o direito interno e percorrem temas espinhosos, mas inevitáveis, para as sociedades contemporâneas.

Tópicos como, por exemplo, a pluralidade cultural, a desigualdade econômica e a relação intrincada entre a política e o direito orbitam importantes debates, que compõem uma série de investigações, que, sob a ótica do direito comparado, construíram sólidas contribuições que vão desde a eficácia da incorporação de itens jurídicos estrangeiros pelo direito interno até mesmo o próprio conceito de norma jurídica e de direito. Temos, portanto, um arco de investigações científicas que devem ser aproveitadas por juristas das mais diversas áreas.

Historicamente podemos perceber que construções vindas de diversas áreas impactaram o direito comparado. A desconstrução de Derrida, a teoria sistêmica de Luhmann ou até mesmo os estudos críticos do direito, são exemplos de como as perspectivas teóricas construídas fora do campo podem ser aliadas essenciais para a investigação comparada.

Entre os estudos realizados recentemente podemos identificar a mobilização da teoria feminista e até mesmo dos estudos pós-coloniais como objeto de preocupação por parte de alguns comparatistas. São debates ainda recentes, pouco desenvolvidos, mas com um potencial enorme para o campo.

O tema da decolonização do direito e, consequentemente, do direito comparado, também passou a compor a preocupação de parte dos estudiosos da teoria da comparação jurídica. Já sedimentado como objeto de investigação em diversos outros campos do direito, o tema da decolonização passa a ganhar cada vez mais impulso, e diversas contribuições advindas das reflexões decoloniais começam a ser percebidas como chaves úteis para os estudiosos que pretendem realizar estudos comparados do direito.

Este trabalho se insere neste recorte. Desta forma, este estudo tem como principal objetivo questionar se a teoria decolonial pode ser uma chave de leitura útil para a realização da comparação jurídica. Desta forma, nossa problematização caminha no sentido de indagar se a teoria decolonial é uma ferramenta com potencial para inserir no direito comparado novos insights aptos a oferecer uma nova interpretação aos resultados identificados num eventual trabalho de comparação jurídica.

Para isso, pretendemos percorrer um caminho argumentativo em torno de algumas ideias principais. Num primeiro momento nossa intenção é apontar aspectos do colonialismo epistêmico no Direito Comparado Brasileiro. Assim, temos como intenção demonstrar, a partir de uma seleção meramente exemplificativa, como a melhor doutrina brasileira não construiu seus estudos comparados tendo como marca a preocupação em refletir criticamente e contextualmente os itens jurídicos estrangeiros analisados. Ao contrário, ela acaba por adotar uma posição epistemologicamente subserviente às reflexões teóricas produzidas no Norte-Global. Este fenômeno é denominado por nós como bovarismo epistêmico.

A segunda e última etapa desta investigação pretende identificar as principais chaves teóricas da Teoria Decolonial que tratam da comparação jurídica. Aqui, adotando uma perspectiva descritiva, planejamos apresentar ao leitor as principais contribuições constituídas até o momento pelos estudos jurídicos decoloniais comparados.

De forma paralela, e aqui adotando uma postura metodológica prescritiva, ambicionamos demonstrar como o campo contribui de forma significativa para o avanço dos estudos jurídicos comparados, sobretudo se os estudos forem realizados no Brasil. Desta forma, pretendemos comprovar nossa hipótese inicial, qual seja, aquela que afirma que, ao adotar os aportes teóricos vindos da teoria decolonial, o direito comparado pode não só ser realizado de forma mais científica, metodologicamente rigorosa e crítica no Brasil, bem como de uma maneira mais contextualizada e condizente com a realidade social, cultural e histórica do país.

Para a produção deste estudo, adotaremos um processo metodológico descritivo e analítico (CHAMPEIL--DESPLATS, 2014) privilegiando pesquisas qualitativas (GRAWITZ, 2001; POUPART et al, 2020; GUSTIN, DIAS, NICÁCIO, 2020) de cunho teórico (DEMO, 1995) e bibliográfico (GIL, 1991). Nesse sentido, adotamos o método hipotético-dedutivo, assumindo nossa hipótese inicial como uma conjectura que visa responder à problemática aqui exposta (POPPER, 1975; MARCONI; LAKATOS, 2007).

1. Direito Brasileiro e Sistemas Jurídicos Estrangeiros: o bovarismo epistêmico e a prática jurídica comparada no Brasil.

A utilização de sistemas jurídicos estrangeiros como parte do processo de compreensão do direito sempre esteve presente nos estudos jurídicos brasileiros. Marcado por um olhar fixo em direção ao Norte Global1, o direito brasileiro tem importantes estudos no campo do direito comparado.

As pesquisas em torno da taxonomia das famílias jurídicas, por exemplo, viram na academia brasileira um ambiente frutífero para uma reflexão na busca por identificação mais adequada na possível similaridade entre as famílias jurídicas.

Já em 1893, Clóvis Bevilaqua, produz um histórico estudo identificando pontos específicos na natureza do direito latino-americano que o diferenciariam das propostas até então existentes, sobretudo aquele liderado por Ernest Glasson em 1880.

Para o professor de direito comparado do Recife, relata Mariana Pargendler, as leis na América Latina não poderiam ser incluídas em nenhum dos grandes sistemas jurídicos até então sistematizados. Neste sentido, este direito latino-americano estaria marcado por uma natureza sui generis, sobretudo pelo fato de que ele possuiria influências Espanholas e Portuguesas, mas, também, em razão de serem oriundos de nações ainda muito jovens que estariam construindo suas próprias tradições (2012, p. 1049).

Da mesma maneira, em 1903, no seu curso de Legislação Comparada, Candido Luiz Maria de Oliveira, também contribuiu com sua própria classificação dos sistemas jurídicos, mas sem grandes alterações à já proposta por Bevilacqua. Ambos os estudos, centrais em seu pioneirismo e relevância para o direito comparado brasileiro, ocupam, sem sombra de dúvida, um lugar de referência para os estudiosos nacionais. Isso não significa, contudo, que podemos perceber neles algum tipo de construção que pretendesse romper com os paradigmas até então preponderantes no campo do direito comparado.

O mesmo pode ser dito de um dos mais destacados comparatistas brasileiros, o baiano Teixeira de Freitas. Reconhecido por Rene David, assim como Candido Oliveira, como um dos mais destacados comparatistas do mundo, o trabalho de Freitas é marcado por contribuições centrais para o campo (Pargendler, 2012, p. 1049).

Entre elas, salienta Wald, foi o trabalho de Freitas que trouxe ao Brasil a possibilidade de repensar o próprio direito civil, rompendo com a visão até então preponderante que entregava à França a palavra final dentro do campo. Ao estabelecer um diálogo com a teoria produzida na Alemanha, Freitas constrói uma proposta que, segundo Wald, permite pensar um direito latino-americano mais original, “próprio, menos teórico e mais adaptado à realidade local, passando a constituir um verdadeiro subsistema próprio na família romano germânica” (1958, p.15).

Por outro lado, alguns autores do campo do direito público sequer conseguem entender o direito comparado como ciência autônoma dentro do campo do direito. José Afonso da Silva, por exemplo, assegura que o direito comparado deve ser restrito a um método. Para o autor, “é difícil mostrar o direito comparado como ciência. O direito comparado não passara de método - não é ciência, porque lhe falta objeto próprio.” (2009, p.34)

Ivo Dantas é mais otimista e, ao defender o valor do direito comparado para a reflexão epistemológica dos juristas, afirma que “a omissão no trato das questões de conteúdo teórico e epistemológico que envolvem o Direito Comparado se torna imperdoável” nos estudos jurídicos brasileiros. (2006, p.28)

Ana Lúcia de Lyra Tavares, por sua vez, concentrou parte de suas pesquisas na análise do fenômeno dos transplantes jurídicos e a consequente harmonização jurídica no campo do direito. Ao estudar a circulação dos itens jurídicos de direito público, a pioneira pesquisadora apresenta de forma detida esse processo nomeado por ela de “influência externa” ou “influência jurídica internacional” e em momento nenhum despreza o fato de existirem diversas espécies de recepção legislativa, incluindo aquelas oriundas dos processos de colonização e anexação (1986, p. 1033).

Em estudo diverso, este sobre a recepção feita pelo direito brasileiro aos itens jurídicos estrangeiros, a autora constrói um interessante catálogo dos autores brasileiros que acionaram os estudos comparados para refletir sobre as fontes do direito brasileiro.

Ao analisar o direito constitucional brasileiro, por exemplo, a autora aponta a ressalva feita por Barbosa Moreira, preocupado com a transplantação de instrumentos do direito norte-americano ao direito brasileiro. Moreira chama a atenção para decretos como o 848, relativos à organização da justiça federal, onde havia uma expressa determinação de observar as fontes de direito norte-americanos entendidos como “estatutos dos povos cultos.” Em que pese esta importante ressalva, ela é a única apontada como crítica entre um bom número de autores escrutinados em seu elegante trabalho (Lyra Tavares, 2006, p.66).

Todas essas contribuições, acionadas aqui a título exemplificativo, não temos dúvidas, ocupam seu lugar de influência e possuem inegável importância histórica para o direito comparado brasileiro. Dito isso, um ponto é marcante neste breve apanhado. Nenhum dos autores brasileiros aqui alinhados buscou, em algum momento de seu trabalho, recorrer a chaves de leituras que tinham como principal objeto uma análise específica da comparação jurídica e sua relação com o Sul Global (Merino Acuña, 2018).

É evidente que, em certa medida, o contexto histórico em que todos escrevem podem facilmente explicar o posicionamento adotado. Analisamos até aqui alguns autores que tinham em sua realidade o paradigma europeu do fim do século XIX, marcado pela preponderância da literatura francesa, pós Congresso de Paris em 1900, onde as bases do direito comparado como um campo autônomo do direito se solidificaram. Outros, por sua vez, estão inseridos no paradigma posterior, constituído pós segunda guerra mundial, caracterizado pela taxonomia jurídica e pelo triunfo do funcionalismo como metodologia principal da comparação jurídica.

O contexto histórico importa, é claro. Mas o que pretendemos salientar aqui é um fato que diz menos respeito à qualidade dos autores e mais sobre a história do direito comparado brasileiro. Há, entendemos, uma clara evidência de que os estudos jurídicos comparados no Brasil sempre adotaram uma postura que tinha no Norte Global seu ponto de referência, sua bússola epistêmica.

O transplante jurídico acrítico para sistema jurídico brasileiro de itens estrangeiros também nos ajuda a identificar este comportamento. A trivial recepção das conclusões do debate entre as correntes substancialistas e procedimentalistas a respeito da legitimidade do exercício da jurisdição constitucional, é um dos exemplos. Enquanto a noção de “(…) legitimidade procedimental do exercício da jurisdição constitucional induz a uma democracia procedimental (democracia como procedimento)” (Hernandes, 2021, p. 470), a “(…) legitimidade substancial do exercício da jurisdição constitucional conduz a uma democracia substancial (democracia como direito ou como justiça)” (Hernandes, 2021, p. 473).

O transplante jurídico das conclusões de ambas as teorias para a realidade da Constituição Federal de 1.988, nos parece, poderia retirar a força normativa da Constituição brasileira e transformar os direitos fundamentais previstos pela Constituição em meros procedimentos. Isso em razão de que as teorias partem de “(…) concepções distintas de democracia, que refletem no próprio entendimento sobre o que é a Constituição e em última a análise, no papel e no fundamento da legitimidade democrática da jurisdição constitucional” (Hernandes, 2021, p. 475).

Havia, e entendemos que ainda há, não o estabelecimento de um diálogo frutífero com as proposições teóricas oriundas dos grandes centros acadêmicos, mas uma necessidade de “enquadramento teórico”, um emolduramento da originalidade do direito brasileiro em quadros teóricos construídos no Norte do Globo, afinal, como ensina Wald, ao apontar a particularidade do direito brasileiro, “poderemos afirmar que, já agora, pertencemos a ambas as famílias (civil e common law)” (2006, p. 16). Não nos resta outra alternativa, a não ser nos submetermos.

Para entender melhor esse comportamento, a chave teórica da psicanálise pode ser um bom recurso. Nos parece que parte do direito brasileiro, quando instado a dialogar com o direito estrangeiro, sofre com aquilo que ficou denominado na psicanálise como bovarismo (Kehl, 2018, p.21), ou seja, haveria, aqui, uma autoconcepção diferente da realidade, onde o sujeito se entende distinto do que é.

Para a psicanálise, o bovarismo “pode ser considerado uma das condições que definem o sujeito moderno” e Maria Rita Kehl recupera o trabalho de Sérgio Buarque de Holanda e Lima Barreto para identificar essa postura em parte da sociedade brasileira. O bovarismo brasileiro é marcado pela busca insensata em nos tornarmos diferente de quem somos, seja “portugueses no século XVII, ingleses ou francês no XIX, norte americanos no XX” (Kehl, 2018, p.31).

O direito, aqui, atuaria como um instrumento que ofereceria essa possibilidade. O ingresso para o mundo do outro, ou seja, para o “meu novo eu desejado”, estaria depositado no direito. Essa salvação pelo direito, por sua vez, viria através do direito comparado, seja pelo transplante de um item jurídico oriundo do Norte, seja pela harmonização jurídica.

Esse autoengano, marca de uma sociedade que teima em ser quem não é, requer, sobretudo, a consciência de que “tornar-se o outro, transformar o próprio destino, implica reconhecer o caráter simbólico da dívida para com os antepassados, de modo a não se deixar capturar pelas armadilhas da culpa. Mas implica também decifrar o campo de forças sociais que determinam a posição do sujeito, de modo a manobrá-las (...)” (KehL, 2018, p.30).

Mas qual movimento seria necessário para que pudéssemos reconhecer essa dívida, se apoderar de forma consciente das próprias reflexões para, assim, reorganizar nosso diálogo com o Norte, estabelecendo novas práticas e abandonando esse processo de “bovarismo epistêmico”? Nesse contexto, a teoria decolonial e seu diálogo com a teoria do direito comparado nos ajudar a identificar algumas alternativas.

2. A Teoria Decolonial reflete sobre a Teoria da Comparação Jurídica

Desobediência epistêmica. Talvez seja essa a expressão, e a crítica epistemológica nela contida, a mais adequada para pontuar a contribuição que a teoria decolonial pode acrescentar ao estudo do direito comparado. Segundo Walter Mignolo, ao analisar a identidade na política, para que o paradigma europeu de racionalidade e modernidade seja de fato questionado, é fundamental que ocorra um desprendimento por parte do indivíduo da episteme até então dominante.

Para Anibal Quijano, é essencial que o indivíduo escape do perigo de atuar através de uma simples negação a este paradigma apontado por Mignolo e, consequentemente, de suas categorias. Para isso, deve ser articulado um movimento que se desprenda do paradigma dominante que instrumentalizou a razão através do poder colonial. Essa instrumentalização, por sua vez, o leva a uma distorção do conhecimento (1992).

Mignolo ressalta que é somente a partir de um desencantamento epistêmico que poderemos ultrapassar o pensamento oriundo do Norte Global. Este pensamento, reconhecidamente fundamental, ainda assim não é capaz de englobar todas as complexidades advindas de sociedades distintas daquelas onde ele foi formulado.

A ideia aqui, continua o autor, não é deslegitimar a potência das “ideias críticas europeias2 ou as ideias pós-coloniais fundamentais”3 mas ir além das “dos conceitos modernos e eurocentrados, enraizados nas categorias de conceitos gregos e latinos e nas experiências e subjetividades formadas dessas bases, tanto teológicas quanto seculares” (Mignolo, 2008, p.288).

Neste sentido, a intenção é a realização de um “desvinculamento epistêmico” e não um “abandono epistêmico”. Assim, o que se identifica é a realização de uma ação que pretende a substituição dos fundamentos constituídos a partir da “história imperial do Ocidente nos últimos cinco séculos” por uma nova geopolítica “de pessoas, línguas, religiões, conceitos políticos e econômicos, subjetividades, etc que foram racializados (ou seja, sua óbvia humanidade foi negada” (Mignolo, 2008, p.290).

Essa nos parece ser a primeira e central contribuição da decolonialidade ao direito comparado. É preciso “aprender a desaprender” os paradigmas do direito para que possamos oferecer ao pesquisador a oportunidade de recomeçar a pensar a comparação jurídica a partir de novos conhecimentos, até então apagados, que irão não só dialogar, mas sobretudo, desafiar, os paradigmas do direito comparado até então vigentes.

Levar o “pensamento de fronteira” ao direito comparado é um desafio enorme. Estabelecer como prática epistêmica e metodológica a substituição da retórica da modernidade por cosmologias e epistemológicas até então silenciadas por serem oriundas do subalterno, do hierarquizado, do “lado oprimido e explorado da diferença colonial” (Grosfoguel, 2012 p.74) é, talvez, a grande novidade na comparação jurídica contemporânea. Em resumo: a decolonialidade tem o potencial de estabelecer um novo paradigma ao direito comparado, uma nova forma de pensamento crítico. (Mignolo, Walsh, 2018, p. 5)

Como aventamos na primeira parte deste texto, ao analisarmos os paradigmas que pautaram os autores brasileiros, parece pacífico entender que o direito comparado experimentou sua última grande virada paradigmática com a taxonomia e o funcionalismo pós segunda guerra. Da mesma maneira, hoje, a teoria da comparação jurídica vive um momento de acomodação, marcado principalmente pelo pluralismo metodológico que coloca em diálogo a ortodoxia alemã e o culturalismo francês (Fekete, 2021, p.139-164).

Por outro lado, a chegada da proposta da decolonialidade representa uma oportunidade única para os estudos comparados. Única porque representa não só uma possível nova virada epistêmica, indo além dos estudos das culturas jurídicas4 e do culturalismo5, bem como oportuniza uma enorme caixa de ferramentas que permitirão que novos projetos comparados, agora vindos do Sul, possam estabelecer diálogos profícuos com aqueles já estabelecidos ao Norte.

Dito isso, a própria teoria decolonial renega a ideia de que poderíamos, ao levar ao direito comparado as chaves teóricas da decolonialidade, estar experimentando algum tipo de alteração do conceito de narrativa, no sentido Foucaultiano do termo, ou a alguma mudança paradigmática no sentido dado à palavra por Thomas Khun. Segundo Mignolo, “a quebra epistêmica decolonial é literalmente algo mais.” (2008, p. 315)

O que se propõe, a partir dessa nova cosmologia já afirmada acima, é uma mudança na ideia de se entender “a organização do econômico, do social, da educação e da subjetividade”. Essa nova epistemologia poderia, portanto, apresentar ao direito comparado a oportunidade de pensarmos novas formas de comparação, mas, também novos itens possíveis de serem comparáveis.

E poderia ir além, e até mesmo repensar o que se entende por direito ou comparação jurídica, questões iniciais de qualquer projeto científico jurídico comparado (Samuel, 2014, p.45-121). Se hoje a comparação jurídica assume com tranquilidade a necessidade intransponível da interdisciplinaridade em seu processo de pesquisa, a decolonialidade se apresenta como uma nova interrogação inicial inevitável. O que quero dizer quando falo em direito, quando eu o pretendo comparar? O que quero dizer quando falo em comparação, quando eu pretendo comparar?

Se esses dois conceitos, direito e comparação ainda são pouco investigados, mesmo dentro da chave da episteme moderna, a realização de uma inquirição inicial dentro de uma chave decolonial tem o enorme potencial de, no mínimo, iniciar seu trabalho investigando uma série de hierarquias que são reproduzidas pelo próprio direito, a partir de artefatos jurídicos, desnudando a relação entre direito e colonialidade.

O comportamento do comparatista, por sua vez, também seria afetado, exigindo dele uma nova postura. O pesquisador em direito comparado poderia, sem sombra de dúvidas, adotar uma atitude decolonial, ou seja, assumir uma prática investigativa que está comprometida em levar em consideração perspectivas e pontos de vista daqueles onde sua existência é questionada e entendida como insignificante, exigindo uma forma relacional de ver o mundo, inclusive tendo em conta a relação entre privilégio e opressão (Maldonado Torres, 2017, p. 432).

Neste sentido, como dissemos hoje, se o direito comparado entende-se como obrigatoriamente interdisciplinar, é possível pensar a decolonialidade no direito comparado para, novamente, dar um passo adiante, em direção a uma transdisciplinaridade, comprometida em ir além aos métodos e disciplinas vinculadas à primazia epistemológica europeia (Maldonado -Torres, 2016, p. 86).

Assim, o direito comparado poderia perfeitamente ter como aliado, por exemplo, e na esteira de Maldonado Torres, os estudos étnicos, assumindo novos marcadores sociais, como raça, gênero e classe, além dos processos de exclusão decorrentes desses marcadores, como importantes ferramentas de análise para a compreensão das similaridades e diferenças entre os sistemas jurídicos comparados6.

A atitude do comparatista que pretende realizar seus estudos a partir da clivagem decolonial também exige do mesmo o confronto com a ideia de que os excluídos podem ser entendidos como “objetos de estudo” e um verdadeiro compromisso com as epistemes locais, indo para além do tradicional conhecimento produzido em decorrência do direito estatal.

Segundo Arturo Escobar, a “força epistêmica das histórias locais” deve ser um balizador para os estudos decoloniais. Neste sentido, é imperativo ao comparatista repensar seu trajeto teórico e levar em consideração a prática política e as eventuais consequências jurídicas desta prática, dos grupos subalternos ora analisados.

Desta maneira, o comparatista precisa não só adotar um programa de pesquisa decolonial, bem como precisa repensar o próprio sentido do termo teoria, como e com quem nós pensamos este termo (Escobar, 2007, p. 185).

A decolonialidade como programa de pesquisa leva a necessidade de reconhecermos que conhecimentos locais, práticas políticas marginais e histórias particulares podem compor todo um arsenal epistêmico que irá determinar o sentido e o conteúdo daquilo que a oficialidade estatal denomina como direito, mas que nem por isso ainda o é reconhecido por pesquisadores fora do campo da antropologia do direito.

O programa de pesquisa decolonial comparado é, sobretudo, um programa que exige coragem para a superação de convencionalidades jurídicas que até então não eram questionadas, mas que com esse novo arsenal teórico se apresentam como verdadeiros obstáculos epistemológicos para o comparatista7.

Por outro lado, o trabalho de pensar o direito comparado utilizando a potente caixa de ferramentas que a teoria decolonial não é inédito. Autores pioneiros já se dedicam a realizar esse exercício. Ralf Michaels e Lena Salaymeh, em artigo precursor sobre o tema, apresentam importante apanhado do direito comparado produzido sobretudo no Norte Global e as críticas, sejam elas internas ou externas a esta produção teórica.

Para os autores tanto o direito comparado mainstream quanto as críticas produzidas contra ele não dão conta de superar alguns consensos enraizados, sobretudo pelo fato de que essas ideias emergem da Europa moderna, e que precisam ser superados para que o direito comparado possa - de fatoimpactar o pensamento do Sul global.

Neste sentido, continuam os autores, superar a ideia do direito como um campo semiautônomo de especialização é fundamental. Mas não só. É crucial decolonializar a disciplina do direito comparado, largamente identificada no Sul Global como um instrumento das agendas imperialistas e coloniais do Ocidente. É necessário, portanto, “rearticular o direito comparado tendo como base a teoria decolonial” (Salaymeh, Michaels, 2022, p. 169).

Para isso é preciso, inicialmente, identificar como o direito comparado continua “influenciado, preso ou cúmplice” do projeto de colonização. Desta forma, “os pontos cegos” do direito comparado, quais sejam, o nacionalismo metodológico, a prioridade dada à lei oficial, a ideia de homogeneidade dos sistemas ou tradições jurídicas e a superioridade implícita do Norte global podem ser compreendidos como resultados do colonialismo. (Salaymeh, Michaels, 2022, p. 186)

Por outro lado, a superação desta cegueira epistêmica pode ser realizada se o comparatista assumir algumas ferramentas da teoria decolonial. A mudança pode começar já com novas posturas epistemológicas. A ideia de pluriversalidade, por exemplo, pode ser instrumento para enfrentar todos eles8.

Entendida como uma alternativa ao universalismo vindo do Norte Global, a pluriversalidade representa o reconhecimento da existência de mundos, com suas histórias específicas, sua cosmologia, sua episteme e organização social que foram marginalizados e excluídos pela cosmologia do Ocidente, altamente universalizante e hierarquizante. Trata-se, portanto, “não só de uma epistemologia, mas também de uma posição ética e política.”

Neste sentido, continuam os autores, a pluriversalidade argumenta pelo rompimento com essa dinâmica e defende a ascensão da ideia de que existem diversas opções de vida e conhecimento que não demandam nenhuma posição superior por serem portadoras de algum tipo de verdade ou objetividade.

Da mesma maneira, é necessário reconhecer a existência de diferenças que são radicais e naturais, não sendo o encontro de algum tipo de consenso universal o objetivo do decolonialismo (Zitzke, 2022, p. 219).

Assim, ao rejeitar qualquer “tipo de noção de validade eterna ou universal”, a pluriversalidade é capaz de integrar o direito não oficial, reconhecendo e apreciando direitos não estatais, “substituindo a homogeneidade pela pluralidade” e dando voz a epistemologias do Sul (Salaymeh, Michaels, 2022, p. 180).

Ao considerar a possibilidade da existência de diversos itens jurídicos possíveis de comparação para além dos já identificados tradicionalmente e ao possibilitar a identificação de novas opções legais a partir da inclusão destes novos itens, chaves teóricas e metodologias, o direito comparado decolonial pode contribuir para uma mudança significativa no campo.

Para Salaymeh e Michaels são três os elementos do direito comparado decolonial. O primeiro deles é a possibilidade de colocar luz no exame das relações de poder entre os sistemas jurídicos ou tradições jurídicas. A proposta dos autores caminha no sentido de que o direito comparado decolonial deve transcender os paradigmas modernos do direito comparado, sobretudo “a tendência positivista de medir e ranquear” e adotar uma postura crítica analisando as relações de poder.

Um segundo elemento central para o direito comparado decolonial é o rompimento com processos de hierarquização que mitificam o direito moderno como superior, civilizado e, portanto, mais adequado às sociedades do que as tradições jurídicas distintas dele. Assim, o pesquisador deve desconfiar de metodologias ou epistemologias que apontam no sentido deste processo hierárquico que, ao fim e ao cabo, representa mais uma face da colonialidade. Para isso, continuam, é preciso “desvincular-se.”

Segundo Emile Zitzke, este processo de desvinculação permite que seja construído um espaço onde, o direito e saberes marginalizados podem se encontrar, oportunizando a “infiltração” de perspectivas constituídas por culturas próprias e distintas das eurocêntricas, mas perfeitamente podem ser utilizadas como ferramentas para a compreensão do direito. O autor cita, por exemplo, a ideia originada da filosofia africana Ubunto e seu potencial como instrumento para a interpretação da constituição da África do Sul (2022, p. 221).

A expressão desvincular-se ou dissociar-se (delink) pode ser definida como uma atitude epistêmica onde o pesquisador se recusa a aceitar as opções eurocêntricas oferecidas a ele. Mignolo alerta que a decolonialidade tem como objetivo “desvincular-se da matriz colonial de poder9” com a intenção de imaginar e engajar-se em sujeitos decoloniais.

Para isso, continua Mignolo, devemos seguir duas rotas, a decolonialidade e a desocidentalização. A primeira delas consiste em desvincular-se de formas estatais de governança e pensar alternativas ao Estado-nação moderno seria um exemplo. A segunda, por sua vez, pretende romper com o processo de estabelecimento, instituído a partir da colonização europeia em 1500, de uma ordem global com um conjunto de ideias próprias como, por exemplo, a invenção da América e dos sujeitos que lá habitavam. Assim, ao nos desvincularmos, buscaríamos, sobretudo, alterar os termos da conversa (decolonizar) e disputar o sentido do conteúdo desses termos (desocidentalizar) (Mignolo, Walsh, 2018, p. 130).

Para o direito comparado a ideia de desvinculação parece essencial. O epistemicidio10 causado pela colonialidade comprometeu diversas formas de conhecimento, impedindo que outras maneiras de organização sociais e seus respectivos sistemas normativos fossem sequer identificadas como tal. Parte da tarefa do direito comparado decolonial pode residir justamente em identificar, através do auxílio da história, importantes fontes para novas reflexões em torno de novos itens jurídicos apagados pela colonialidade.

Isso porque, como já abordamos, complementa Salaymeh e Michaels, o terceiro elemento estaria justamente em ampliar o conceito de direito para além do oficial. O ampliamento do sentido do conceito seria fundamental para que seja possível escapar de categorias que compõe o direito comparado tradicional, como os “grandes sistemas jurídicos” e representam, na verdade, expressões do colonialismo (2022, p. 187)11.

Neste sentido, por exemplo, é possível repensar categorias como direito secular e direito religioso (Salaymeh, 2021). Este debate, ainda pouquíssimo realizado no Brasil, é fundamental quando analisamos os povos tradicionais e suas formas de organização social, muitas das vezes fundadas em tradições com raízes espirituais /religiosas, e todo o sentido do termo “secularismo”, evidentemente vinculado à tradição cristã eurocêntrica.

Todas essas posturas epistemológicas precisam, como sabemos, estarem aliadas a uma metodologia que atue orientada para os mesmos objetivos. Neste sentido, nos parece cada vez mais importante que o direito comparado empreenda um trabalho que pesquisa preocupado com o contexto.

Para Tereza Dulci e Mariana Malheiros, é preciso levar o giro decolonial até a metodologia científica, elaborando métodos que coadunam com os pressupostos epistemológicos. Assim, é preciso reconhecer, inicialmente, que toda metodologia de investigação atua com “forte potencial colonizante”, enquanto o pesquisador também pode ser percebido como colonizador. Isto porque há um contínuo e histórico processo de desumanização do objeto investigado, constituído sobretudo por propostas de investigação qualitativas e quantitativas eurocêntricas. (2021, p.177; 183).

Ao investigador é fundamental a adoção de uma postura autocrítica que reconhece seus métodos e concepções epistemológicas como um sistema de regras que, se não estiver preocupado em reconhecer o outro em si mesmo irá facilmente pretender-se universal, excluindo a possibilidade deste sujeito objeto da pesquisa em contribuir com a investigação (Ocaña; Lopez; Conedo, 2018, p.175).12

O que se propõe, ao fim e ao cabo, é a extinção da hierarquia entre pesquisador e pesquisado e a construção conjunta de um projeto de pesquisa onde exista a possibilidade que o sujeito pesquisado possa, inclusive, questionar a finalidade e os caminhos tomados pelo pesquisador (Dulci; Malheiros, 2021, p. 184).

Julia Suárez-Krabbe, ao refletir a partir da antropologia sobre a importância da contextualização do objeto estudado, apresenta a proposta da proximidade metodológica. Preocupada em poder efetivar a ideia aqui já relatada de “aprender a desaprender”, a autora justifica esse movimento de proximidade no sentido de que é fundamental ao teórico “desaprender suas próprias teorias e ideias de cientificidade” para nos permitir criar em conjunto com os sujeitos com quem investigamos. É somente reconhecendo a teoria e as visões de mundo das pessoas com quem investigamos que poderemos adaptar e contextualizar as nossas. (2011, p. 199).

Com a proximidade metodológica, prossegue Suárez-Krabbe, “a distinção entre trabalho de campo e o resto de nossas vidas acaba sendo obsoleta e o resultado da investigação refletem um estado de luta específica.” Assim, o pesquisador acaba por perder monopólio e o privilégio da palavra final, rompendo com a sua primazia anterior em ter o poder de definição sobre o sentido último da realidade que ele analisa (2011, p.200).

No campo do direito decolonial algumas reflexões metodológicas foram propostas por Tshepo Mokasa e podem ser úteis se colocadas em diálogo com a teoria da comparação jurídica. Para o autor, a metodologia deve ser entendida como uma “consciência crítica reflexiva sobre o que você está fazendo no seu mundo” (2021, p. 762).

Como podemos perceber, Mosaka parte de uma premissa conceitual muito mais ampla que a tradicional, inclusive aquela adotada por este trabalho13. Isso ocorre porque, segundo ele, é necessário adotar um pensamento heurístico para pensar a decolonialidade a partir de uma perspectiva metodológica capaz de efetivamente impactar suas pesquisas. Assim, e para fugir do “cinismo epistêmico” é preciso ir além em vez de meramente tentar realizar algum tipo de “combinação metodológica” (Borsani, 2021, p. 101).

Em seu trabalho, o autor entende necessárias quatro condições para um método apropriado no direito comparado decolonial. A primeira delas é o ponto de vista (stanpoint). Aqui o pesquisador precisa se questionar com quem ele está em diálogo e indagar-se quem é seu leitor e qual é o objeto de decolonização que ele está investigando. É necessário, portanto, e assim como no direito comparado tradicional, estabelecer claramente quais suas premissas, objetivos e razões de suas pesquisas. O que nos parece distinto, aqui, são as intenções do pesquisador.

A segunda condição é a historicidade. Após esclarecer quem é sua audiência e quais aspectos do projeto decolonial o pesquisador pretende investigar, um novo movimento se impõe. Para Mosaka, a pesquisa decolonial precisa ser eminentemente comprometida com a historicidade, ou seja, é necessário identificar no objeto do seu trabalho quais os aspectos coloniais ele possui. Assim, e agora pensando dentro do recorte do direito comparado, o pesquisador deve apontar onde, em qual item jurídico ele está investigando, pode ser identificado a natureza colonial daquele instituto, norma ou doutrina (2021, p.768-770).

Neste sentido, nos parece que um estudo diacrônico do direito comparado é um aliado natural. A historicidade está, acreditamos, intrinsecamente conectada a interdisciplinaridade exigida aos mais modernos estudos comparados e caberia ao comparatista aportar a identificação da colonialidade historicamente conectada aos itens jurídicos ora analisados.

O terceiro ponto crucial para o método jurídico decolonial é a avaliação crítica. Uma vez estabelecido o ponto de vista e identificado o legado colonial dos itens jurídicos analisados, o pesquisador deve assumir uma postura crítica a respeito do seu objeto. Essa posição deve estar preocupada em muito mais do que simplesmente contrastar os sistemas, mas, ao contrário, deve priorizar apontar criticamente as incongruências identificadas nesta comparação. Aqui, posturas epistemológicas como o pluriversalismo ou a desvinculação são mecanismos que podem ser extremamente produtivos quando bem aplicados.

Por fim, a reparação (remedial) é a última exigência afirmada pelo autor. É preciso permitir que o pesquisador sonhe. É preciso estar autorizado a imaginar. Será somente após o acesso a novas formas de saber, ontologias, epistemologias e organizações sociais que o pesquisador poderá identificar novas soluções que estejam mais próximas ao seu próprio contexto. Não se trata de uma mera substituição de itens jurídicos identificados com a colonialidade por itens jurídicos oriundos das margens e periferias epistêmicas.

O que se busca é fraturar a colonialidade, identificando novas “propostas de referências teóricas, novas formas de racionalidade jurídica, novos currículos, novas teorias” que sejam capazes de impactar de fato não só a academia, mas todo o sistema de justiça. (Mosaka, 2021, p.790)

Uma das formas de reparação seria, por exemplo, a adoção do storytelling, da história oral e a recuperação, já adotadas como metodologia decolonial na educação e em diversas teorias situadas do direito (Zavala, 2016, p.1-6). Trata-se, sem sombra de dúvida, de um audacioso passo para o direito comparado, ainda profundamente formalista e dogmático.

Esses passos, assim como toda metodologia decolonial, possuem seus limites,14 mas são importantes portas de entradas para que o direito comparado decolonial possa iniciar um processo de refinamento em sua metodologia. Sem sombra de dúvidas, nos parece que, se temos uma epistemologia decolonial comparada já minimamente estruturada, falta desenhar melhor as premissas metodológicas que irão acompanhar todo o processo de investigação comparada decolonial.

De tudo, um fato se impõe, temos alternativas para repensar a teoria da comparação jurídica de uma maneira onde poderemos estabelecer um diálogo não só mais contextual e, portanto, real, mas, sobretudo, produtivo para o direito comparado.

Conclusão

O surgimento de uma perspectiva decolonial ao direito comparado pode ser considerado uma das principais contribuições da teoria da comparação jurídica à prática comparativa jurídica nos últimos anos. Concebido de forma original, o diálogo entre a Teoria Decolonial e o direito comparado oferece uma série de novas posturas epistemológicas e metodologias capazes de impactar o campo com críticas contundentes a toda a teoria da comparação jurídica, ao mesmo tempo que oferece ferramentas capazes de produzir novos e importantes estudos. Trata-se, sem sombra de dúvida, de um importante arsenal reflexivo a ser acrescentados às poucas epistemologias críticas produzidas dentro deste domínio do Direito.

Essa nova produção teórica, acreditamos, traz consigo substanciais contribuições ao direito comparado brasileiro e pode aportar aos estudos jurídicos nacionais chaves analíticas nunca exploradas, capazes de auxiliar na produção de estudos que possam, de fato, darem conta da enorme complexidade sócio-histórica e cultural do Brasil. De forma paralela, o direito comparado decolonial também traz consigo uma propícia reflexão, pertinente para além do campo dos estudos jurídicos comparados.

Ao colocar luz e questionar as posturas epistêmicas dos pesquisadores em direito comparado, a decolonialidade contribui, sobretudo, como um instrumento vigoroso de autocritica à teorização realizada no Direito brasileiro, marcada, sobretudo, pela colonização e subserviência epistêmica, ou seja, por um bovarismo epistêmico jurídico. Essas questões, acreditamos, identificam o potencial teórico do direito comparado e sua enorme capacidade para dialogar criticamente com os campos do direito. A teoria da comparação jurídica, agora aliada à decolonialidade do direito, se apresenta, portanto, como uma essencial ferramenta de reflexão sobre o próprio direito, lamentavelmente ainda pouco explorada pela academia brasileira.

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Notes

1 Aqui entendemos o norte global não como uma localização geográfica, mas a expressão de uma dominação política, econômica e, sobretudo para fins deste trabalho, epistêmica. Para um debate conceitual dos termos Norte Global e Sul Global, ver: DANN, Philipp; RIEGNER, Michael; BÖNNEMANN, Maxim. The Global South and Comparative Constitutional Law. Oxford: Oxford University Press, 2020. p.5
2 Uma importante reflexão crítica no campo da teoria da comparação jurídica, fundamentada sobretudo na teoria crítica desenvolvida por comparatistas alemães, pode ser encontrada em: Maldonado, Daniel Bonilla. Legal Barbarians: Identity, Modern Comparative Law and the Global South. Cambridge: Cambridge University Press, 2021.
3 Para uma importante contribuição do campo dos estudos pós-coloniais para o direito comparado ver, entre outros: Baxi, Upendra. The Colonialist Heritage. In: Legrand, Pierre; Munday, Roderick. (Eds). Comparative Legal Studies: Traditions and Transitions, 2003. p.46-75;

Schacherreiter, Judith. Postcolonial Theory and Comparative Law: On the Methodological and Epistemological Benefits to Comparative Law Through Postcolonial Theory, Verfassung und Recht in Übersee, 49, 2016. 291-312;

4 Para os estudos de cultura jurídica, ver: MERRY, Sally. What is Legal Culture? An Anthropological Perspective. Journal of Comparative Law. Vol. 5, No. 2. 2012. pp. 40-58. NELKEN. David. Comparative Legal Research and Legal Culture: Facts, Approaches, and Values, Annual Review of Law and Social Science, Vol. 12, 2016, pp. 45-62.
5 Sherally Munshi já apontava esse caminho. Para detalhes, ver: MUNSHI, Sherally. Comparative law and decolonizing critique. The American Journal of Comparative Law, v. 65, n. suppl_1, p. 207-235, 2017.
6 No Brasil, há uma enorme potencialidade teórica e prática de pensar a comparação jurídica à partir de um diálogo, por exemplo, com o campo dos estudos sobre Amefricanidade e toda sua proposta de repactuação político e epistêmica do direito. Para mais detalhes, ver: PIRES, Thula. Direitos humanos e Améfrica Ladina: Por uma crítica amefricana ao colonialismo jurídico. Lasa Forum.2019. p. 69-74.
7 Neste sentido, é interessante as reflexões construídas por Kimberley Brayson que entende o trabalho do comparatista próximo ao de um filósofo. O direito comparado seria, portanto, mais do que uma disciplina. Ele seria “um conjunto de projetos filosóficos”. Para a autora, o direito comparado como filosofia precisa construir sua agenda de pesquisa levando em consideração a troca intergeracional e a comparação caleidoscópica, com o intuito de questionar as relações de poder vigentes. Neste sentido, a autora propõe a teoria de “epistemologias encarnadas”, para o direito comparado, ou seja, a ideia de que é possível repensar o direito comparado como um espaço de produção de conhecimentos desvinculados aos paradigmas até então preponderantes e comprometidos com os saberes marginalizados. Para mais detalhes, ver: BRAYSON, Kimberley. Generating Comparison-in-Law: Embodied Epistemologies, For the Love of Knowledge. Critical Analysis of Law, v. 8, n. 2, p. 52-86, 2021.
8 A ideia de pluriversalidade pode ser vista com mais detalhes em: REITER, Bernd (Ed.). Constructing the pluriverse: The geopolitics of knowledge. Duke University Press, 2018.
9 Para uma melhor compreensão do conceito de “matriz colonial de poder”, ver: MIGNOLO, Walter D.; WALSH, Catherine E. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Duke University Press, 2018. Cap.6
10 Para mais detalhes sobre esse conceito, ver: CARNEIRO, Aparecida Sueli. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser.2005. Tese (Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. . Acesso em: 22 nov. 2023.
11 Jorge Gonzalez Jácome também caminha neste sentido quando propõe uma “comparação para além das normas.” Para o autor, a realização da comparação jurídica tendo como objeto de trabalho as normas é simplista e superar as “fontes formais” do direito é um dos caminhos para que o estudo comparado possa ser mais produtivo. A proposta do autor, cujo intuito é romper com a colonialidade, caminha em direção da adoção da perspectiva dos Formatos Legais, desenvolvida por Rodolfo Sacco e posteriormente recuperada por Ugo Mattei. Não se trata, portanto, de uma proposta propriamente decolonial em que pese a similaridade da preocupação inicial do projeto investigativo. Para mais detalhes, ver: JÁCOME, Jorge González. El uso del derecho comparado como forma de escape de la subordinación colonial. International Law: Revista Colombiana de Derecho Internacional, v. 4, n. 7, 2006.
12 Para as autoras Ocaña; Lopez; Conedo não é possível fazer uma metodologia descolonial. Seria mais apropriado falar em um “fazer decolonial”, que representa uma cultura decolonizante e que se manifesta á partir de três “ações/ critérios/condições/princípios/pegadas: o observar comunal, conversar alterativo e o reflexionar configurativo” (2018, p.192) Para mais detalhes da proposta das autoras, ver texto citado.
13 Segundo Borsani, as “metodologias tradicionais são o produto de “convenções epistemológicas onde, pode-se dizer, a comunidade epistêmica de referência refere-se a certos procedimentos metodológicos. ” Esses produtos, por sua vez, estão vinculados a tradições eurocêntricas que, ao fim e ao cabo, patrocinam e oferecem uma espécie de “garantia de rigor” legitimando todo o procedimento de investigação. (2021, p. 100-101)
14 Para uma reflexão sobre os limites da investigação decolonial, ver: PUENTES, Juan Pablo. La investigación decolonial y sus limites, Analéctica, vol. 0, n. 3, 2014.
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