Artigos inéditos
Resposta federal à covid-19 no Brasil: responsabilização penal de autoridades com prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal (2020-2023)
Federal response to covid-19 in Brazil: criminal liability of authorities with privileged jurisdiction before the Federal Supreme Court (2020-2023)
Resposta federal à covid-19 no Brasil: responsabilização penal de autoridades com prerrogativa de foro junto ao Supremo Tribunal Federal (2020-2023)
Revista Direito e Práxis, vol. 15, no. 4, e81448, 2024
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Received: 21 January 2024
Accepted: 31 January 2024
Resumo: Este artigo apresenta resultados preliminares de pesquisa destinada a mapear as ações que visam responsabilizar administrativa, civil ou criminalmente agentes públicos e privados por violações cometidas no bojo da resposta à covid-19, enquadradas como tema de memória, verdade, justiça, reparação e não-repetição. Com base em pesquisa documental, tendo como recorte a responsabilização criminal de autoridades com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal (STF), o texto apresenta o andamento de petições e inquéritos criminais que passaram pela Procuradoria-Geral da República (PGR) entre 2020 e 2023. A seguir, oferece análise qualitativa de nove pedidos de arquivamento de petições criminais protocoladas em decorrência da Comissão Parlamentar de Inquérito da covid-19 no Senado Federal, tendo como parâmetros a ordem jurídica vigente em matéria de saúde pública e conhecimentos técnicos elementares deste campo multidisciplinar. O artigo aponta a impunidade como elevado risco para o futuro da saúde pública no Brasil, sobretudo na resposta às emergências.
Palavras-chave: Covid-19, Saúde Pública, Responsabilização Penal.
Abstract: This article presents preliminary research results aimed at mapping lawsuits seeking to hold public and private agents administratively, civilly or criminally accountable for violations committed in the context of the response to covid-19, framed as a matter of memory, truth, justice, reparation and non-repetition. Based on documentary research, with a focus on the criminal liability of authorities with privileged jurisdiction before the Federal Supreme Court (STF), this article presents the progress of petitions and criminal investigations that have reached the Attorney General's Office between 2020 and 2023. In the second part, it offers a qualitative analysis of nine filing requests in the context of petitions due to the Federal Senate's Parliamentary Inquiry Committee on covid-19, using the current legal order in public health matters and elementary technical knowledge of this multidisciplinary field as parameters. The article points to impunity as a major risk for the future of public health in Brazil, particularly in emergency responses.
Keywords: Covid-19, Public Health, Criminal Liability.
1. Introdução
No Brasil, entre os nefastos legados da pandemia de covid-19, encontra-se a erosão da confiança nas autoridades sanitárias, pedra angular da ação do Estado na prevenção e controle de epidemias. Para além das centenas de milhares de mortes por covid-19 que poderiam ter sido evitadas, e dos milhões de casos da doença cujos efeitos prolongados causam sofrimento à população e oneram o Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso reconhecer que também houve ruptura na exitosa tradição da saúde pública brasileira, em especial quanto ao primado das evidências científicas como orientadoras de políticas públicas e quanto ao respeito à institucionalidade sanitária. A desinformação sobre saúde e a insurgência contra medidas preventivas foram amplamente difundidas naquele período, inclusive por órgãos públicos. Atos e omissões de altas autoridades da República chocaram tanto os operadores do SUS como a opinião pública, trazendo óbices adicionais ao labor cotidiano dos agentes de saúde, e prejudicando as capacidades brasileiras de prevenção e resposta das próximas emergências. Não raro percebidos como excentricidades, ou como parte de uma estratégia político-eleitoral legítima, tais comportamentos paulatinamente deixaram de ser considerados graves, ofuscando sua potencial ou efetiva lesividade.
A impunidade de ações e omissões de agentes públicos por supostos crimes e infrações cometidos durante a pandemia é um elemento crucial da naturalização destas condutas, comprometendo o futuro da saúde pública no Brasil. Assim, a reconstrução da capacidade nacional de resposta às emergências depende do debate sobre a responsabilização penal em contexto de epidemias. Neste plano, não se pode confundir a avaliação do resultado da gestão da resposta federal à pandemia - amiúde referida como equivocada, ineficiente ou negligente - com a apuração das condutas individuais dos agentes que, intencionalmente, definiram e implementaram, por diversos meios, uma política pública que ensejou graves violações de direitos humanos, em particular do direito à vida e do direito à saúde.
A propósito, entre 2020 e 2021, o Centro de Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (CEPEDISA/USP) e a Conectas Direitos Humanos realizaram estudo que foi uma das inspirações para a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 no Senado Federal (RODRIGUES; COSTA, 2022, p.31-34). Posteriormente, a pedido da CPI, o estudo foi atualizado e ampliado, constando do relatório final da comissão, e contribuindo para a compreensão do que de fato ocorreu no Brasil durante a pandemia: a implementação, pelo governo federal, de uma estratégia de disseminação da covid-19 no território nacional, que pode ser associada a motivações econômicas, eleitorais e ideológicas (VENTURA; AITH; REIS et al., 2021).
O CEPEDISA/USP e a Conectas Direitos Humanos realizaram uma nova pesquisa, a fim de mapear as ações que visam responsabilizar administrativa, civil ou criminalmente agentes públicos e privados por violações cometidas no bojo da resposta à covid-19. Esta pesquisa integra igualmente a rede internacional Contributions de l’Amérique latine à l’esquisse d’un droit commun (ALCOM) do Conseil National de la Recherche Scientifique (CNRS) francês, liderada pelo Institut des sciences juridique et philosophique de la Sorbonne - CNRS/Universidade de Paris 1, como parte do eixo temático intitulado Mecanismos de Justiça Transicional face às novas e antigas crises. Baseada em pesquisa documental, revisão de literatura e entrevistas com informantes-chave, a presente investigação se justifica pela necessidade de subsidiar a sociedade civil para que aborde as violações de direitos cometidas durante a covid-19 como um tema de memória, verdade, justiça, reparação e não-repetição.
O presente artigo apresenta resultados preliminares desta pesquisa. O recorte escolhido corresponde à apuração do que ocorreu com as numerosas tentativas de responsabilização criminal relacionadas à covid-19 de que se tinha notícia. O texto foi estruturado em duas partes.
A primeira parte apresenta o andamento de petições e inquéritos criminais que passaram pela Procuradoria-Geral da República (PGR), relativos a supostos crimes praticados por autoridades com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal (STF).
A segunda parte consiste na análise qualitativa de nove pedidos de arquivamento formulados pela PGR no âmbito das petições por ela protocoladas em razão da já citada CPI da covid-19. Os parâmetros desta análise são a ordem jurídica vigente em matéria de saúde pública e os conhecimentos técnicos elementares deste campo multidisciplinar. Em razão dos limites de espaço deste artigo, outros aspectos, mormente dogmáticos e processuais, serão desenvolvidos em separado, em futuras publicações.
Diante dos elevados riscos para a saúde da população brasileira que as teses defendidas nestes documentos implicam, entendemos que as manifestações da PGR não podem escapar ao rigoroso escrutínio do Estado e da sociedade brasileiros, em particular da comunidade jurídica, das autoridades sanitárias e das entidades sociais comprometidas com a defesa do Estado de Direito e dos direitos fundamentais.
2. Processos relativos a supostos crimes praticados por autoridades com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal
Em agosto de 2023, a PGR publicou o livro “Ações que salvam - Como o Ministério Público se reinventou para enfrentar a covid-19” 1, trazendo uma seção específica sobre "A atuação da PGR na persecução penal de crimes no contexto da pandemia de Covid-19", na qual informa: "milhares de representações criminais foram apresentadas, perante todas as unidades do Ministério Público, envolvendo supostos crimes praticados no contexto da pandemia de covid-19"; "somente no âmbito do Ministério Público Federal (MPF), o sistema único registra um total de 25.825 Notícias de Fato", das quais 288 diante da própria PGR; "perante o Supremo Tribunal Federal, tramitaram cerca de 75 Petições Criminais (notitia criminis), nas quais foram apontadas supostas condutas criminosas envolvendo a pandemia de covid-19 e atribuídas a autoridades com prerrogativa de foro perante a Suprema Corte”; e "as investigações preliminares realizadas nessas petições deram origem, posteriormente, a quatro inquéritos criminais” (BRASIL, 2023a, p. 136-137).
Ornada por fotos coloridas e frases em epígrafe do então Procurador-Geral, Antônio Augusto Brandão de Aras, a publicação oficial destaca a "atuação incansável" do Ministério Público na "busca pela responsabilização daqueles que violaram normas sanitárias, administrativas e criminais" (Ibid., p.10). Segundo fontes da imprensa, à época, Aras estava em campanha para recondução ao cargo (entre muitos, SOUZA; PATRIOLINO, 2023; GAYER, 2023; Enquanto [...], 2023). Questionado sobre a natureza da publicação, em nota à imprensa, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de fiscalização do Ministério Público presidido pelo Procurador-Geral, afirmou que a obra foi coordenada pelo CNMP e pela PGR, esta por meio do seu Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19 (Giac); e que o CNMP financiou a impressão de 1.500 exemplares, ao custo de R$ 135.649,42 (TALENTO, 2023).
Entre as informações já citadas, chama a atenção a referência a mais de 25 mil de Notícias de Fato (NF) relacionadas ao tema. Regulada pela Resolução n. 174/2017 do CNMP, a NF é definida, em seu art. 1o, como qualquer demanda dirigida pelos cidadãos ao Ministério Público, submetida à apreciação das Procuradorias e Promotorias de Justiça conforme as respectivas áreas de atuação, compreendendo a realização de atendimentos, e a entrada de notícias, documentos, requerimentos ou representações (BRASIL, 2017)2. A Petição Criminal (PET), por sua vez, é a classe na qual é processada a petição apresentada por pessoas físicas ou jurídicas diretamente ao STF, notificando o suposto cometimento de crime por autoridade com prerrogativa de foro.
O MP é o titular da ação penal, e a PGR, a titular da ação penal contra autoridades públicas com prerrogativa de foro. Segundo as normas vigentes, não é possível que um cidadão, ou qualquer outro agente institucional que não a PGR, inicie o processamento criminal de sujeitos com prerrogativa de foro junto ao STF. Neste sentido, não é juridicamente convencional que a Corte seja acionada para notificação do suposto cometimento de crime por essas autoridades, como elucida o artigo 230-B do Regimento Interno do STF: “O Tribunal não processará comunicação de crime, encaminhando-a à Procuradoria-Geral da República” (BRASIL, 2023c). Assim, é à PGR, por meio das NFs, que os cidadãos devem apresentar informações relativas a suposto cometimento de crime por autoridades com prerrogativa de foro.
Por essa razão, no caso da apuração dos crimes e infrações que são objeto deste artigo, algumas PETs ajuizadas perante o STF tiveram o seu seguimento negado liminarmente. Porém, constatamos que, com o passar do tempo, parte dos ministros relatores passou a julgar que, a despeito da ilegitimidade dos peticionantes, a PGR deveria manifestar-se sobre as informações apresentadas. A prática de acionamento direto do STF para a notificação de crimes cometidos por autoridades públicas durante o governo Bolsonaro é duramente criticada pela PGR, que alega a “judicialização da política" e "o uso indiscriminado desse procedimento para promoção pessoal junto à imprensa” (BRASIL, 2023a, p.140).
Ocorre que, em face da “evidente retração da PGR na propositura de ações em face de atos do governo federal”, outros atores legitimados assumiram o protagonismo na tentativa de controle dos atos da gestão Bolsonaro por meio de ações de controle de constitucionalidade (ALMEIDA; FERRARO, 2023, p.6). Nesse sentido, é provável que a provocação direta ao STF por meio de PETs também constitua uma tentativa de contornar a inação da PGR, percebida como uma via bloqueada igualmente em matéria de responsabilização penal.
2.1. Metodologia
A definição da amostragem da pesquisa partiu dos dados constantes do já citado livro, em que a PGR informa ter atuado em "cerca de 75 PETs" relativas ao tema. Porém, a obra indica apenas 58 delas. A fim de identificar os processos faltantes, realizamos busca no portal do STF, utilizando nomes de autoridades com prerrogativa de foro como descritores. O critério de inclusão foi o suposto crime ou infração ser relacionado a ato praticado por agente público com prerrogativa de foro junto ao STF, no contexto da pandemia de covid-19. Esta busca resultou na identificação de outras 15 PETs. Assim, chegamos ao número preliminar de 73 PETs.
No entanto, foi necessário excluir da amostra nove PETs e um Mandado de Segurança mencionados pela PGR que, ao contrário do que dá a entender o livro, não correspondem a iniciativas de responsabilização de agentes públicos por irregularidades relacionadas à pandemia de covid-19, sendo, na verdade, concernentes a crimes contra a honra3, crimes relativos à Lei de Segurança Nacional e de Defesa do Estado Democrático de Direito4, e quebra de sigilo telefônico pela CPI da Pandemia5. Restaram, então, 63 PETs.
Além disto, estudamos os quatro INQs apontados pela PGR no citado livro; todavia, um deles corresponde a uma PET, que, ademais, se encontra sob sigilo6.
Em razão de tais inconsistências nas informações fornecidas pelo livro, assim como da ausência de dados sobre as NFs, foi apresentado Pedido de Informação ao Gabinete da PGR, com base na Lei de Acesso a Informações, solicitando acesso ao teor das NFs apresentadas à PGR, assim como a listagem das PETs e INQs que tramitaram na PGR. Em dezembro de 2023, embora reconheça a ausência, em princípio, de óbice legal ao seu atendimento, a PGR negou o pedido sob a alegação de que as informações constantes dos autos poderiam ser classificadas como sigilosas, o que tornaria necessária a triagem de todas as NFs, petições criminais e inquéritos mencionados na publicação, exigindo extensos trabalhos adicionais. Ao menos no que se refere à listagem de PETs e INQs, considerando que não foi solicitado acesso aos autos, e sim às informações públicas (classe, numeração, requerentes, requeridos, crimes e andamento processual), a justificativa da necessidade de extensos trabalhos não parece pertinente, salvo na hipótese de que uma publicação oficial apresente dados tão relevantes sem a realização de prévio e rigoroso levantamento processual. Quanto ao sigilo, bastaria indicar na listagem apenas a classe e a numeração dos expedientes que tramitam sob segredo de justiça, consoante prática do STF em seu portal.
A propósito, nossa pesquisa revelou que apenas cinco PETs estão cobertas pelo sigilo, razão pela qual foram excluídas da amostragem7. Em síntese, o universo amostral deste relatório constitui-se de 58 PETs e três INQs, sobre os quais foram coletadas e sistematizadas todas as informações disponíveis no portal do STF.
2.2. Resultados
Quanto ao andamento, do total de 58 PETs incluídas na amostra, 14 estão em andamento, 38 estão arquivadas, e seis foram apensadas, reautuadas a outro processo ou extintas em razão da investigação dos mesmos fatos em outro processo.
No que tange à origem, constatamos que as únicas iniciativas de responsabilização criminal provenientes da PGR compreendidas pela amostragem foram as dez petições protocoladas em decorrência do relatório final da CPI da covid-198, cuja ampla cobertura midiática é reconhecida pela própria PGR (BRASIL, 2023a, p.137). Quanto à autoria das petições, foram apresentadas, em sua quase totalidade, por parlamentares, partidos políticos, entidades sociais e cidadãos.
O quadro n. 1 apresenta os principais dados relativos aos processos arquivados, incluindo dados incompletos de um processo que não integra a amostra por tramitar em segredo de justiça.

Entre as PETs arquivadas, cinco o foram liminarmente pelo Ministro Relator9, e 33 foram arquivadas a pedido da PGR. Note-se que a PGR requereu o arquivamento das nove PETs originadas da CPI que integram a amostragem. O quadro n. 2 apresenta os dados relativos aos processos em andamento, incluindo dados incompletos de quatro processos que não integram a amostragem por tramitarem em segredo de justiça.

Do total de 58 PETs analisadas, a PGR requereu arquivamento em 46, o que representa cerca de 79% dos casos10. Quanto à motivação dos pedidos de arquivamento, verifica-se que, em nove deles, a PGR alegou que registraria ou que já havia sido registrada NF destinada a apurar os fatos narrados pelos Peticionantes11. Em 24 casos, o órgão requereu arquivamento a partir de argumentos de fato e de direito, defendendo, na maior parte das vezes, não haver provas que justificassem outras providências de investigação ou a atipicidade das condutas apontadas12. Nos demais 13 pedidos de arquivamento, a PGR alegou já haver instaurado e arquivado NF relacionada aos fatos narrados pelos Peticionantes13. Nesses casos, a PGR também se manifestou materialmente de forma contrária à possibilidade de responsabilização criminal, mas se limitou a reproduzir trechos e argumentos que já constavam no arquivamento interno das NF.
Assim, em 80% dos pedidos de arquivamento, a PGR apresentou argumentos materiais contrários à investigação de autoridades que podem ter cometido crimes contra a saúde pública durante a emergência sanitária no Brasil, enquanto em 20% alegou que apuraria, ou que ainda estaria apurando os fatos apontados pelos Peticionantes.
Por fim, quanto à situação processual dos INQs compreendidos pela amostragem, dois estão em andamento e um foi arquivado. O quadro n. 3 apresenta os dados relativos aos INQs.

Note-se que em dois dos três INQs, o requerido é o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro; no terceiro, os requeridos são os Senadores Francisco de Assis Rodrigues e Telmário Mota. A PGR requereu o arquivamento dos dois INQs que investigam Jair Bolsonaro, sendo favorável ao prosseguimento das investigações contra os senadores.
3. Análise qualitativa dos pedidos de arquivamento de petições criminais protocoladas em decorrência da CPI da covid-19
Entre as tentativas de responsabilização pelos crimes relacionados à covid-19 destacam-se as 10 PETs protocoladas pela PGR em decorrência do Relatório Final da CPI da covid-19 do Senado Federal, na esteira da ampla repercussão dos trabalhos da Comissão junto à opinião pública. Como amostragem, tivemos acesso aos pedidos de arquivamento formulados pela PGR em nove processos, estando um deles sob sigilo (PET 10.056). Em todos eles, a PGR requereu o arquivamento dos autos, e as manifestações foram assinadas por Lindôra Maria Araújo, à época Vice-Procuradora Geral.
Após leitura integral das manifestações da PGR incluídas na amostragem, identificamos os argumentos apresentados em prol dos arquivamentos. Preambularmente, descrevemos elementos que podem indicar um tratamento não individualizado das PETs analisadas (3.1). A seguir, apresentamos os resultados da discussão dos principais argumentos da PGR à luz de conhecimentos técnicos e jurídicos basilares do campo da saúde pública, havendo pontualmente cotejo destes argumentos com outras manifestações da PGR (3.2.).
3.1. Indícios de tratamento em bloco das PETs decorrentes da CPI da covid-19
A análise da amostragem apontou indícios de que a PGR pode ter realizado um tratamento em bloco das PETs protocoladas pela PGR em decorrência da CPI da covid-19, em detrimento da devida apreciação individual aprofundada de cada notícia-crime.
Em primeiro lugar, sete dos nove pedidos de arquivamento ora analisados foram apresentados no dia 25 de julho de 2022. Cumpre recordar que diversos dos possíveis investigados foram candidatos a cargos eletivos naquele ano. Por exemplo, em 24 de julho de 2022, um dia antes das manifestações da PGR, Jair Messias Bolsonaro foi apresentado oficialmente como candidato à Presidente da República, e o general Walter Braga Netto como candidato à Vice-Presidente, em convenção partidária ocorrida no Rio de Janeiro (PLATONOW, 2022).
Para além do fator temporal, outro indício de tratamento em bloco é o conteúdo dos pedidos de arquivamento, onde há constante repetição literal de trechos. Por exemplo, o tópico “Introdução”, que colaciona doutrina a respeito de tópicos de direito penal, é idêntico nas PETs 10.057, 10.059, 10.060, 10.061, 10.062, 10.064, ou seja, em seis dos nove pedidos de arquivamento analisados. Ocupando cerca de 45 páginas, não trazem qualquer comentário específico sobre a suposta aplicabilidade destes conhecimentos gerais aos casos concretos. Os argumentos que efetivamente concernem aos fatos e à possível tipificação dos crimes ou infrações em questão ocupam apenas por volta de 15 a 20 páginas de cada manifestação, ausente qualquer tipo de subdivisão ou organização temática. Assim, apesar da complexidade fática e jurídica das situações em apreço, uma compilação genérica ocupa cerca de dois terços de cada pedido analisado.
Não é demais lembrar que as PETs em apreço foram elaboradas pela própria PGR, ao dar tratamento às informações provenientes do relatório final da CPI da covid-19.
Diante dos pedidos de arquivamento em bloco, membros da CPI do Senado Federal14 solicitaram ao STF a apuração de crime de prevaricação (art. 319, CP), que teria sido praticado pelos então Procurador-Geral da República e Vice-Procuradora-Geral, respectivamente os já citados Augusto Aras e Lindôra Araújo, além da instauração de processo administrativo para apuração de condutas funcionais e administrativas, que configurariam descumprimento do dever de dar andamento à devida instrução penal. Segundo os Senadores, o “modus operandi da blindagem” de membros do governo federal pela PGR consistia na “abertura de procedimentos preliminares para não envolver a Polícia Federal”, e “após o caso esfriar, pedir para arquivar” (BRASIL, 2022k, p.2). O feito foi rapidamente extinto pelo Relator, Ministro Dias Toffoli, que considerou não ter o STF competência para instaurar investigação criminal ou procedimento administrativo por crimes comuns alegadamente praticados por Procurador-Geral da República e Vice, o que competiria exclusivamente ao Conselho Superior do Ministério Público.
Em nota, a PGR afirmou que "todas as manifestações enviadas ao STF estão devidamente motivadas, atendem a critérios técnicos e aos regramentos específicos que regulam o Direito Penal", e que "em quase nove meses de trabalho, o órgão requereu e executou diligências, ouviu testemunhas e analisou manifestações da defesa dos respectivos indiciados, entre outras providências típicas de investigação" (BRASIL, 2022j, s/p). No entanto, estas afirmações não parecem encontrar respaldo na análise técnica dos requerimentos da PGR, tratados a seguir.
3.2. Perspectiva da proteção da saúde pública
Nesta seção, apresentaremos o resultado da análise qualitativa do conteúdo dos pedidos de arquivamento sob o ponto de vista da proteção da saúde pública, mobilizando conhecimentos técnicos e jurídicos basilares deste campo. Para fins de sistematização, os argumentos da PGR foram classificados em três categorias: apresentação da conduta contra legem de membros do governo federal como pretenso exercício da discricionariedade na política pública de resposta a emergências de saúde; desfiguramento dos tipos penais relativos à saúde pública, tornando impossível sua tipificação, processamento e punição, especialmente em contexto de emergência; e possível alinhamento político-ideológico com o governo federal.
O quadro n. 4 resume os principais argumentos da PGR e as conclusões resultantes de seu estudo sob o enfoque da proteção da saúde pública.

No entanto, é importante registrar que estas manifestações também merecem ser analisadas sob outros ângulos, inclusive dogmáticos e processuais, no qual apresentam diversas inconsistências. A escolha do presente recorte se justifica tanto pelo limite de espaço deste artigo, como pela necessidade de resgatar o campo da saúde pública, surpreendentemente ignorado ou afrontado pela PGR no tratamento das petições em apreço.
A apresentação dos resultados segue a classificação dos argumentos. Os dados sobre requerentes, requeridos, crimes e/ou infrações em questão e andamento processual das PETs citadas ao longo do texto encontram-se nos quadros n. 1 e n. 2, supra.
3.2.1. Suposto exercício do poder discricionário
Em cenário de acirrado embate político, eleitoral e judicial entre, de um lado, o governo federal e, de outro, grande parte dos governos estaduais e municipais, o debate sobre a competência dos entes federativos na resposta à covid-19 tornou-se um dos temas jurídicos mais importantes da pandemia. Foi também ocasião para que o STF expressasse seu entendimento sobre o alcance do poder discricionário no contexto da crise sanitária. Grosso modo, é possível afirmar que a jurisprudência da Suprema Corte assegurou o exercício das competências dos governos estaduais, distrital e municipais para adoção de medidas de contenção da doença, mas se absteve de determinar quais medidas a União deveria adotar - com possíveis exceções, como, por exemplo, no tema da proteção das comunidades indígenas.
O entendimento do STF funda-se no princípio da discricionariedade. Por exemplo, em decisão proferida no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 672, o Ministro Alexandre de Moraes entende que,
No exercício de suas atribuições, ao Presidente da República está assegurado o juízo de conveniência e oportunidade, podendo, dentre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquelas que entender como as melhores para o interesse público no âmbito da saúde, da assistência e da economia (BRASIL, 2020e, p.7, grifo nosso).
Logo, é incabível, prossegue o Ministro Relator, que o Poder Judiciário substitua o juízo discricionário do Executivo e determine ao Presidente da República a realização de medidas administrativas específicas. No entanto, o caráter discricionário das medidas adotadas, bem como de eventuais omissões, é passível de controle jurisdicional, e exige a obediência das autoridades ao Direito. Assim, é dever constitucional do Judiciário:
...exercer o juízo de verificação da exatidão do exercício dessa discricionariedade executiva perante a constitucionalidade das medidas tomadas, verificando a realidade dos fatos e também a coerência lógica da decisão com as situações concretas. Se ausente a coerência, as medidas estarão viciadas por infringência ao ordenamento jurídico constitucional e, mais especificamente, ao princípio da proibição da arbitrariedade dos poderes públicos que impede o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade, evitando que se converta em causa de decisões desprovidas de justificação fática e, consequentemente, arbitrárias (Ibid., p. 7-8, grifo nosso).
Com efeito, parte essencial da defesa do então Presidente da República, Jair Bolsonaro, consiste na apresentação de seus atos como exercício legítimo do poder discricionário, sustentando a legalidade da resposta à covid-19 por ele capitaneada. Nas manifestações pelo arquivamento das PETs 10.057 e 10.064, por exemplo, a PGR afirma:
Sua perspectiva e lógica para o enfrentamento do cenário pandêmico, distintas do defendido pelos condutores dos trabalhos da mencionada CPI e por alguns representantes da comunidade médica, não pode ser, por si só, motivo para atrair a incidência do Direito Penal. Pelo que se tem notícia, o Chefe do Executivo assim procedeu não por desconsiderar a gravidade da doença ou a crise sanitária, mas porque, na compreensão dele, estavam em jogo diversos outros fatores num cenário macro, como a economia do país. A discordância desse posicionamento, se merece alguma reprovação, deve ser dirimida no campo político, não no processo penal (BRASIL, 2022a, p. 71; BRASIL, 2022h, p. 76, grifo nosso).
A PGR busca, então, reduzir a "perspectiva e lógica" de Bolsonaro, manifestamente contrária à comunidade científica mundial e brasileira, a uma posição "distinta" de "alguns representantes da comunidade médica", referidos como se conformassem um mesmo bloco com parlamentares da oposição ao governo federal. Em seguida, a PGR situa no "campo político" o posicionamento do então Presidente da República diante da crise sanitária, trazendo ao debate sobre a responsabilização penal a falsa oposição entre proteção da saúde e proteção da economia, que foi um dos principais elementos da propaganda bolsonarista diante da covid-19. Em imponentes estudos internacionais, abundam as evidências em contrário, eis que os países que implementaram um plano de contenção rigoroso tiveram não apenas uma resposta mais eficaz à doença, mas também uma retomada econômica mais rápida (INDEPENDENT PANEL FOR PANDEMIC PREPAREDNESS AND RESPONSE, 2021).
No entanto, para os fins do debate sobre responsabilização, em plano anterior à aferição da eficácia de medidas adotadas, cabe identificar a natureza dos atos empreendidos, decisiva para que se avalie a intencionalidade de sua prática. Assim, a devida conduta dos agentes públicos brasileiros diante de uma emergência sanitária não corresponde a um "posicionamento a ser dirimido no campo político", e sim a um conjunto de deveres legais claramente estabelecidos, associados à necessidade de adotar ações adequadas e tecnicamente balizadas para o enfrentamento dos riscos sanitários existentes em uma emergência sanitária.
3.2.1.1. Atuação contra legem
Cabe ressaltar que, em todo o arcabouço normativo brasileiro vigente à época dos fatos, seja ele geral sobre emergências de saúde, ou o específico elaborado sobre a covid-19, não resta dúvida sobre a presença de três elementos: o dever da União de agir em prol da prevenção e da contenção das doenças em geral, e da covid-19 em particular; o dever do Ministério da Saúde de planejar e coordenar a resposta nacional à covid-19; e a necessidade de fundamentar a ação do Estado em evidências científicas e dados fidedignos sobre saúde.
Com efeito, a saúde pública brasileira constitui um campo densamente regulamentado. Das normas constitucionais relativas ao tema deriva um complexo e fragmentado feixe normativo, abrangendo desde o arcabouço legal que institui e regula o SUS, até as normas infralegais de abundante volume e nível de detalhe significativo. Tais normas consolidam os padrões sanitários, técnicos e administrativos que devem ser seguidos pelas autoridades públicas a fim de garantir a proteção da saúde da população.
No âmbito constitucional, o artigo 196 da Constituição Federal estipula que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Segundo reiterado entendimento do STF, o direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, a ser garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal serviço (STF, 2010). Esta obrigação se traduz no ordenamento infraconstitucional, em particular no que se refere à vigilância em saúde e ao enquadramento normativo das emergências nacionais de saúde.
A legislação epidemiológica brasileira é extensa e fragmentada, tendo evoluído por força do enfrentamento de emergências anteriores (VENTURA; AITH; RACHED, 2021). O quadro n. 5 apresenta, de forma sintética, os principais elementos da regulamentação da resposta às emergências de saúde no Brasil.

O reconhecimento do munus público emanado da ordem sanitária brasileira é relevante, entre outros, para o debate sobre a tipificação do crime de prevaricação. Com amparo na doutrina, a PGR argumenta: "não há que se falar em prevaricação quando o funcionário tem discricionariedade na escolha a tomar no exercício de suas funções", tampouco "no âmbito das autonomias políticas e institucionais dos chefes e membros dos poderes constituídos" (BRASIL, 2022f, p. 66); assim, o "delito caracteriza-se pela infidelidade ao dever funcional e pela parcialidade em seu desempenho" (Ibid.; BRASIL, 2022i, p.26).
Na impossibilidade de desenvolver, no âmbito deste artigo, o arcabouço legal da saúde pública, nos contentamos em destacar a diferença entre a política pública de resposta à covid-19 adotada por Luiz Henrique Mandetta, quando esteve à frente do Ministério da Saúde (MS), e a política adotada pelas gestões que o sucederam, sobretudo quanto ao princípio da legalidade. A gestão de Mandetta, entre outras providências, declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) (BRASIL, 2020c), ensejando a exigibilidade dos deveres listados no Quadro n. 5, supra. No entanto, a partir de março de 2020, como se deduz da pesquisa realizada, a gestão federal da crise passou a ser caracterizada pela arbitrariedade.
3.2.1.2. Configuração da arbitrariedade
Considerando as boas práticas de gestão de órgãos federais com larga experiência em resposta às epidemias, é notório que os atos praticados por membros do governo federal no bojo da resposta à covid não correspondem àquilo que se esperava, tecnicamente, do Poder Executivo. O Brasil, até aquele momento, era referência internacional no campo da saúde pública, inclusive em matéria de resposta a doenças infecciosas. A análise da linha do tempo e da cadeia de mando das decisões tomadas pelo governo federal, assim como sua implementação pelo MS e outros órgãos, pode indicar indiferença ou ataque à institucionalidade previamente criada para resposta às emergências, assim como a ausência de justificação razoável para a política de resposta.
No que se refere a comportamento que pode ser entendido como afronta direta à institucionalidade sanitária, constatamos de pronto a destituição do MS da liderança da resposta à covid-19, por meio de uma série de decretos presidenciais, que deslocam a cadeia de mando federal em direção à Casa Civil (VENTURA; AITH; REIS et al., 2021, p.28). Assim, os órgãos instituídos por normas específicas sobre emergências de saúde, que foram inspiradas na melhor prática nacional e internacional, foram preteridos por um comitê de crise coordenado pela Casa Civil, dotado de seu próprio centro de operações, que se tornou o órgão de deliberação sobre as prioridades, as diretrizes e os aspectos estratégicos relativos aos impactos da covid-19, integrado por apenas dois representantes do MS.
Sob o comando do General Walter Braga Netto, à época titular da Casa Civil, a resposta à covid-19 passou a seguir os desígnios do Presidente da República, por sua vez orientado, como demonstrou o relatório final da CPI, por um "gabinete paralelo", constituído por um "círculo íntimo de assessores" com "apego ideológico à cloroquina" (CPI [...], 2021, s/p). Em lugar de fornecer evidências científicas confiáveis e orientação baseada no interesse público, tal instância informal buscava subsidiar a estratégia política pré-definida pelo governo federal, provendo o Presidente da República de falsas controvérsias científicas e de notícias falsas. A estratégia de rápida disseminação da covid-19 para obtenção da suposta imunidade de rebanho por contágio, com motivação econômica, foi detalhadamente apresentada por tais assessores informais em audiência pública ocorrida na Câmara dos Deputados (BRASIL, 2020a), entre outras ocasiões.
Incontáveis foram as pressões provenientes de órgãos do Estado brasileiro, organismos internacionais e atores sociais para que o Brasil retomasse sua tradição sanitária e oferecesse uma resposta técnica coordenada à covid-19. Em junho de 2020, por exemplo, o Tribunal de Contas da União alertou a Casa Civil sobre a ausência de diretriz estratégica clara, assim como de um plano de comunicação coordenado e abrangente, o que poderia comprometer os gastos públicos e os resultados do enfrentamento à pandemia, além de impedir uma efetiva coordenação política e articulação entre entidades federativas; recomendou, ainda, sem êxito, a inclusão de autoridades sanitárias e de especialistas no comitê (BRASIL, 2020f).
Neste ponto é preciso destacar que, diferentemente do que ocorreu na maioria dos países, o Estado brasileiro jamais contou com um comitê científico nacional, composto por especialistas de notório saber, capaz de oferecer sustentação científica ao complexo processo de tomada de decisões. Aos destacados cientistas e sanitaristas brasileiros restou participar de comitês de excelência internacionais, ou contribuir nas esferas locais de governo, em notória posição de adversidade com a esfera federal.
Grassavam à época as falsas controvérsias sobre a fonte das evidências científicas que deveriam ser parâmetros para a resposta à covid-19. Em abril de 2020, porém, a Suprema Corte já havia expressado seu entendimento, posteriormente reiterado, de que:
O direito à saúde é garantido por meio da obrigação dos Estados Partes [da OMS] de adotar medidas necessárias para prevenir e tratar as doenças epidêmicas e os entes públicos devem aderir às diretrizes da OMS, não apenas por serem eles obrigatórios nos termos do Artigo 22 da Constituição da OMS (Decreto 26.042, de 17 de dezembro de 1948), mas sobretudo porque contam com a expertise necessária para dar plena eficácia ao direito à saúde. Como a finalidade de atuação dos entes federativos é comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da OMS (STF, 2020d, p.2, grifo nosso).
Assim, segundo o STF, o dever de seguir as diretrizes da OMS decorre não somente de seu caráter obrigatório intrínseco, mas igualmente de sua condição de veículo para efetivação do direito à saúde.
Não obstante, em suas conferências de imprensa cotidianas, assim como em documentos e diretrizes relativos à pandemia, a OMS sempre combateu enfaticamente a busca de imunidade coletiva por contágio, com base em evidências científicas e largo consenso na comunidade internacional. Ainda em 2020, o Diretor-Geral da organização, Tedros Adhanom Ghebreyesus, sustentou: "Nunca na história da saúde pública recorreu-se à imunidade coletiva como estratégia para responder a um surto, muito menos a uma pandemia" (OMS, 2020, s/p). Cientificamente falsa, eis que as reinfecções pelo vírus se sucedem, inclusive em formas graves, esta estratégia também seria, segundo a autoridade máxima da OMS, inadmissível do ponto de vista ético, pois
deixar que o vírus circule descontroladamente supõe infecções, sofrimentos e mortes desnecessários (...) Permitir que um vírus perigoso cujos mecanismos não conhecemos circule cabalmente, sem controle, é algo contrário à ética. Esta não é uma opção. (...) não há uma escolha entre deixar que o vírus circule livremente ou paralisar nossas sociedades (Ibid.).
Ainda segundo o Diretor-Geral, seria fundamental "impedir as aglomerações" e perseverar nas recomendações feitas pela OMS desde o primeiro dia: "detecção, isolamento, testes e atendimento às pessoas, localização e colocação em quarentena de seus contatos. É isto que, a cada dia, os países estão demonstrando que funciona" (Ibid.).
Por conseguinte, cotejando o entendimento da Suprema Corte com a posição inequívoca da OMS, a contenção da propagação da doença era a única solução válida diante da crise sanitária em curso. Trata-se claramente de uma situação em que o campo de liberdade discricionária, abstratamente fixado na regra legal, não coincide com o possível campo de liberdade do administrador diante das situações concretas. Corresponde, de fato, ao que Celso Antônio Bandeira de Mello referiu como "uma situação real, específica, exigente de pronúncia administrativa" em que "só um comportamento" é, "à toda evidência, capaz de preencher a finalidade legal" (2009, p.161).
3.2.2. Esvaziamento da esfera penal da saúde pública em contexto de emergência
No debate sobre a tipificação penal das condutas das autoridades com prerrogativa de foro, chama a atenção a ausência de referências do campo da saúde pública. Além do já citado quadro normativo, fazem falta dados epidemiológicos e conhecimentos básicos sobre resposta a emergências, imprescindíveis à avaliação rigorosa de elementos como autoria, materialidade e intencionalidade.
Merece destaque, especialmente, o fato de que a doutrina penal mobilizada nas manifestações da PGR sobre os crimes relacionados à saúde pública diz respeito a períodos de normalidade, de todo alijada do enquadramento normativo de uma ESPIN, e ainda mais distante da realidade uma pandemia de dimensões inéditas como a covid-19.
Com efeito, a julgar pelo entendimento da PGR, a tipificação de crimes contra a saúde pública torna-se praticamente impossível no Brasil, sobretudo durante emergências. Diante dos limites de espaço deste artigo, optamos por destacar dois aspectos: as declarações de autoridades que poderiam ser elementos da prática de diversos crimes (3.2.2.1) e o debate específico sobre o crime de epidemia (3.2.2.2).
3.2.2.1. Limites da liberdade de expressão e saúde pública
Conhecimentos rudimentares da gestão de crises bem revelam que as declarações proferidas por autoridades durante uma emergência não são anódinas. No campo da saúde, uma vasta literatura técnica e científica vem explorando o impacto da comunicação oficial sobre a condução e o desfecho de crises sanitárias, principalmente quando se trata da disseminação de doenças cujo controle depende decisivamente do comportamento humano, em suas dimensões individual e coletiva. É consenso que, para garantir a adesão às recomendações das autoridades sanitárias, o público precisa confiar nelas (HOLROYD; OLOKO; SALMON et al, 2020).
Há décadas, baseada em evidências científicas, pareceres técnicos e lições retiradas de grandes catástrofes, a OMS dirige-se aos responsáveis pela gestão de crises sanitárias para fornecer manuais, módulos de formação e outras formas de orientação relacionadas à comunicação de riscos em situação de emergências (ERC, do inglês Emergency risk communication), por ela definida como a "troca de informação, aconselhamento e pareceres em tempo real entre peritos, líderes comunitários ou oficiais e as pessoas que se encontram em risco" (OMS, 2018, p.1). Em síntese, entre os elementos mais importantes da ERC estão a construção, manutenção ou restauração da confiança do público nos responsáveis por gerenciar a crise e informar sobre o tema; a transparência, que pode ser definida como a comunicação que é acessível, coordenada e fidedigna; e o planejamento antecipado, vital para a efetiva comunicação, que deve ser incluída no planejamento de gestão da crise desde o começo. Tais conhecimentos figuram em qualquer módulo de curso básico de vigilância em saúde. Assim, o descrédito das autoridades sanitárias pode ser decisivo para que uma doença se propague, e até para que se torne endêmica em um dado território. Em contexto de polarização política, exacerba-se o viés de confirmação, que leva os indivíduos a buscarem informações que ratifiquem as suas próprias crenças (FREIRE, 2021).
Segundo a Organização Panamericana da Saúde (OPAS), há uma diferença importante entre: a) infodemia, definida como "excesso de informações, algumas precisas e outras não, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis quando se necessita", focada, portanto, no "grande aumento no volume de informações associadas a um assunto específico, que podem se multiplicar exponencialmente em pouco tempo devido a um evento específico"; e b) desinformação, que consiste em "informação falsa ou imprecisa cuja intenção deliberada é enganar", também referida como " manipulação de informações com intenção duvidosa" (OPAS, 2020, p.2).
Em estudo anterior, concluímos que membros do governo federal promoveram, durante a pandemia de covid-19, sistematicamente, uma forma específica de desinformação, qual seja a propaganda contra a saúde pública, definida como
"o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19" (VENTURA; AITH; REIS et al., 2021).
Em suas manifestações, como é o caso da relativa à PET 10.059, a PGR reconhece o contexto de infodemia no qual moviam-se os possíveis investigados, mas parece interpretá-lo a contrapelo:
com uma sociedade polarizada e com o exercício caótico de liberdade de expressão, potencializada pelos meios tecnológicas (sic) muito acessíveis e de grande propagação que maximizam a arena social de debates, reações, antagonismo e críticas, não é dado ao Direito Penal criminalizar atos de gestão (BRASIL, 2022c, p.84).
Logo, os Requeridos são apresentados como pessoas quaisquer, que se expressam em meio ao caos e à polarização, como se entre eles não estivessem altas autoridades da República, inclusive três ex-Ministros da Saúde. Em lugar de exigir-lhes o munus público, parece apreender sua condição de gestores como condição de imunidade penal. No entanto, é notório que a veiculação de notícias falsas e informações desprovidas de base científica ou técnica ocorreu até em pronunciamentos oficiais, e igualmente por intermédio de canais oficiais, como devem ser considerados os perfis de órgãos públicos e de autoridades nas redes sociais.
Mais tarde, ao manifestar-se pelo arquivamento da Petição 10.064, relativa à incitação ao crime (art. 286 CP) por Jair Bolsonaro e aliados, a PGR refere os indícios e provas apresentados pela CPI da covid-19 como uma "narrativa", da qual não seria possível extrair qualquer ato de instigação ou de incitação à prática de delitos específicos (BRASIL, 2022h, p.79-80). Citando um relatório da Polícia Federal que supostamente teria avaliado detidamente os perfis em redes sociais dos possíveis infratores, a PGR chega a afirmar que estes “não incitam de forma direta à desobediência ao isolamento social e ao uso de máscaras como medidas de enfrentamento ao coronavírus, embora compartilhem estudos, reportagens que revelem uma eficácia pouco significativa de tais medidas” (Ibid., p.68, grifo nosso). A PGR não avalia, contudo, qual seria a intenção dos divulgadores, a fidedignidade de suas fontes e o momento em que foram veiculadas, que inclui picos de transmissão da doença. Assim, conclui a manifestação,
...os conteúdos das publicações, embora polêmicos e passíveis de críticas e questionamentos, não extrapolaram os limites estabelecidos para o exercício da liberdade de opinião e política inerente aos mandatários, não sendo hipótese de cerceamento, quer por violação a outros direitos e garantias fundamentais, quer por esbarrar nos limites ao exercício da liberdade de expressão (Ibid., p.80).
Na mesma manifestação, entre as escassas publicações que merecem referência específica da PGR, encontra-se a live em que o então Presidente da República, em contexto de ostensivos ataques a governadores e prefeitos que se empenhavam em conter a propagação do vírus, dirige-se aos seus apoiadores da seguinte forma:
Pode ser que eu esteja equivocado, mas na totalidade ou em grande parte ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não (transcrito por GOMES, 2020, s/p).
A seguir, o então Presidente afirmou que repassaria o material resultante de tais invasões à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência. Naquela semana epidemiológica (07-13/06/20), os casos de covid-19 acumulados eram 850.514, e os óbitos já alcançavam 42.720. No entanto, segundo a PGR,
Não se observa, na fala do Presidente da República, qualquer incentivo à “invasão” de hospitais ou à prática de condutas que colocassem pessoas em perigo de vida. Aliás, na declaração em tela, Jair Bolsonaro fala para a população verificar “se os gastos são compatíveis ou não”, ou seja, cuida-se de incentivo a uma fiscalização pública de recursos que, de fato, foram gastos durante a pandemia (BRASIL, 2022h, p.88, grifo nosso).
Diante dos fatos, diferentemente, o Ministro Gilmar Mendes declarou:
Invadir hospitais é crime - estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso - para não dizer ridículo - que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública (CONJUR, 2023, grifo nosso).
Desnecessário destacar, do ponto de vista da saúde coletiva, a gravidade da legitimação de conduta que põe em risco tanto os próprios invasores, como os profissionais de saúde, pacientes e demais funcionários das unidades de saúde.
3.2.2.2. Tipificação do crime de epidemia em contexto de emergência sanitária
Entre as teses sustentadas pela PGR com maior potencial de dano à saúde pública, em especial ao controle das doenças infecciosas, encontra-se sua interpretação do tipo penal de epidemia (art. 267 CP), segundo o qual “causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos” corresponde à pena de reclusão, de 10 a 15 anos; se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro (§ 1º); e no caso de culpa, a pena é de detenção, de um a dois anos, ou, se resulta morte, de dois a quatro anos”. Segundo a PGR:
Não bastaria, contudo, a demonstração da efetiva propagação de germes patogênicos (meio), mas também, para que o tipo previsto no artigo 267, § 1º, do Código Penal pudesse ter incidência, a identificação da pessoa que teria dado causa à epidemia nacional, no contexto de uma pandemia, algo que, naturalmente, não se cogita (BRASIL, 2022c, p.74).
A julgar pelos argumentos da PGR, parece que só poderia ser considerado crime de epidemia o flagrante de um indivíduo portando um tubo de ensaio com a intenção de introduzir um novo patógeno em território nacional. Esta posição está vinculada a uma interpretação equivocada do verbo “causar”, desvinculada do contexto da pandemia de covid-19 ou de qualquer outra epidemia, eis que dar causa a uma epidemia não significa introduzir um patógeno em um território.
Conhecimentos rudimentares de epidemiologia ensinam que a introdução de um patógeno em dado território pode ensejar a existência de casos de uma doença, decorrentes da infecção por tal patógeno. A propagação da doença pode causar um surto, que corresponde ao aumento localizado no número de casos de uma doença. Um surto, por sua vez, pode se converter em epidemia, definida como o aumento no número de casos de uma doença em diversas regiões, estados ou cidades (Entenda [...], s/d).
Por conseguinte, a pré-existência de casos ou surtos de uma doença não impede que um indivíduo cause uma epidemia, eis que a mera introdução de um patógeno em território nacional não será necessariamente coroada de êxito em relação ao intuito de propagação que poderia ter o seu agente. Em compensação, a pré-existência de casos e de um surto de uma doença favorecem sobremaneira a intenção de causar uma epidemia. Foi exatamente o que ocorreu no caso da covid-19 no Brasil, o que bem revela a linha do tempo que coteja os dados epidemiológicos da evolução da doença com os atos normativos, atos de gestão e declarações de membros do governo federal (VENTURA; AITH; REIS et al., 2021).
O tipo penal do artigo 267 é claro: não se trata de introduzir patógeno, e sim de propagá-lo com a intenção de causar epidemia, ou seja, de causar o aumento no número de casos de uma doença em diversas regiões, estados ou cidades. Segundo a lei penal, isto se faz mediante a propagação de patógenos.
Assim, estimulando a infecção de variadas formas, membros do governo federal buscaram iludir a população com a perspectiva de um tratamento precoce para a doença, a fim de alcançar a suposta imunidade de rebanho por contágio. A partir desta diretriz da resposta federal à crise sanitária, conforme conclusão do relatório final da CPI, uma das estratégias utilizadas para disseminação da doença foi a organização sistemática de aglomerações. Sob a forma de cerimônias oficiais e manifestações políticas, em locais fechados ou abertos, muitas delas reuniram milhares de pessoas, que foram estimuladas a renunciar a medidas preventivas elementares. Também implicaram o deslocamento constante de autoridades federais no território nacional, acompanhadas de expressivo aparato, inclusive durante picos da doença, amiúde às expensas do erário público. Entretanto, como já foi citado, “impedir aglomerações” era uma diretriz expressa da OMS. À revelia do valor científico e normativo desta recomendação, ou mesmo da razoabilidade, o entendimento da PGR é de que:
Sem comprovação de que os indiciados tenham, pessoalmente, transmitido a doença, não há o delito [de epidemia]. Quanto aos indiciados pela CPI, para que pudessem ser punidos por essa infração penal, seria exigível, portanto, que houvesse provas de que, portando o vírus (por alguma forma de contato direto com o agente patogênico), tivessem promovido a sua difusão ou propagação, transmitindo-o a quantidade incerta de pessoas (BRASIL, 2022c, p.74, grifo nosso).
E ainda:
A correlação tecida no Relatório Final [da CPI da covid-19] entre a presença do Presidente da República e o aumento de casos de covid-19 nos locais visitados é frágil, sem constatação em dados elementares, como a identificação dos pacientes internados e o contato direto ou indireto deles com pessoas que se aglomeraram em razão da presença de Jair Messias Bolsonaro (BRASIL, 2022a, p.68, grifo nosso).
Logo, segundo a PGR, a CPI deveria ter apresentado a lista de pessoas internadas nos hospitais dos locais por onde passou Bolsonaro, como se todas as pessoas infectadas fossem necessariamente internadas. Além disso, seria preciso provar o contato direto de cada uma das pessoas internadas com o ex-Presidente da República, como se a organização de uma aglomeração durante uma pandemia não favorecesse o encontro massivo entre pessoas infectadas e não infectadas. Assim, segundo a PGR, e de forma antagônica aos rudimentos da ciência, a única materialidade possível deste crime seria o contato tangível entre o suposto criminoso e as pessoas que ele teve a intenção de infectar. Tal entendimento tem por efeito legitimar a organização de aglomerações durante epidemias ou pandemias, encorajando a insurgência contra as autoridades sanitárias, em contexto agravado pela desinformação.
Este efeito é ainda mais claro quando, em ruptura à linha argumentativa que vinha adotando, a PGR reconhece a existência de “eventuais consequências” do “acúmulo de pessoas”:
Quanto às aglomerações, o acúmulo de pessoas não pode ser atribuído exclusiva e pessoalmente ao Presidente da República. Todos que compareceram aos eventos noticiados, muito embora tivessem conhecimento suficiente acerca da epidemia de covid-19, responsabilizaram-se, espontaneamente, pelas eventuais consequências da decisão tomada (BRASIL, 2022a, p.87; 2021a, p.14; 2021b, p.16, grifo nosso).
Portanto, a responsabilidade pelo eventual contágio, embora reconhecida pela PGR, deveria, porém, ser repartida entre os presentes às manifestações, e não atribuída a quem intencionalmente as convocou, encorajou, organizou ou liderou. Desta forma, a PGR aborda a pandemia de covid-19 como uma justaposição de comportamentos individuais independentes, e não de forma coletiva, a única possível quando se discute a materialidade de uma epidemia. Contra toda a lógica, passa a ser necessário comprovar que a circulação de um vírus em uma localidade não é favorecida de forma exponencial pelo deslocamento de comitivas entre regiões, e potencializada pelas aglomerações.
As centenas de milhares de mortes evitáveis, além de milhões de brasileiros sujeitos ao sofrimento pela doença e por suas sequelas, evidenciam o nosso dever de evitar que tamanha afronta à saúde pública se repita em nosso país. Para o bem do combate às próximas epidemias e pandemias, é imprescindível a correta interpretação da doutrina penal, levando em conta a realidade da saúde pública.
3.2.3. Possível alinhamento político-ideológico com o Poder Executivo federal
A PGR afirma que "o Direito Penal não socorre divergências político-ideológicas" (BRASIL, 2022c, p.84). Entendemos que tampouco deve socorrer convergências desta natureza. Em seara distinta, sólidos estudos sobre as ações de controle de constitucionalidade movidas contra atos do governo Bolsonaro permitem constatar o alinhamento (concordância quanto à admissibilidade, pedido liminar e mérito) entre as posições da Advocacia Geral da União e da PGR sobre os atos do governo, contribuindo para que se revistam de aparente legalidade e sejam normalizados, inclusive no que tange à disseminação da pandemia de covid-19 (ALMEIDA; CUNHA; FERRARO, 2021; ALMEIDA; FERRARO, 2022; ALMEIDA; FERRADO, 2023). Em nossa pesquisa, encontramos indícios importantes de que as manifestações da PGR em matéria criminal aqui estudadas se inscrevem nesta prática. Tais indícios merecem publicação específica detalhada.
Por ora, nos limites deste artigo, traremos alguns exemplos que, a nosso juízo, não podem ser normalizados, sob pena de ameaça ao equilíbrio entre os Poderes da República, sobretudo nos futuros períodos de crise sanitária.
Em primeiro lugar, a PGR prescinde de investigação para afirmar, piamente, que existiu legítima crença de Jair Bolsonaro na eficácia do tratamento precoce para a covid-19. Ao discutir a tipificação do crime de charlatanismo, pondera:
...o Presidente, ao declarar, no dia 23 de outubro de 2020, que, “no Brasil, tomando a cloroquina no início dos sintomas, 100% de cura”, expôs uma percepção pessoal e empírica, evidenciando sua plena convicção na utilização desse fármaco como uma possível intervenção terapêutica no combate à doença (BRASIL, 2022e, p.75, grifo nosso).
Uma desinformação que acarreta elevado risco para a saúde pública é aqui apresentada como uma percepção pessoal e empírica legítima, com base em uma presunção de sinceridade. Segundo a PGR, a “total confiança no tratamento medicamentoso” teria “per si, o condão de descaracterizar o crime de charlatanismo ante a ausência de dolo" (Ibid., p.75-76). Assim, a PGR adentra no foro íntimo do então Presidente para reiterar que ele “acreditava sinceramente que o uso desses fármacos auxiliaria no combate à doença, estando em curso vários estudos para a confirmação dessa eficácia, já à época defendida por inúmeros profissionais da área médica” (Ibid., p.77). Tais afirmações ignoram a linha do tempo que demonstra a persistência da posição do então Presidente, mesmo após a comprovação da ineficácia destes tratamentos para a covid-19.
Em julho de 2022, a PGR ainda insistia na afirmação de que o tratamento precoce poderia ser considerado uma medida válida de resposta à covid-19, citando referências de março de 2020 (BRASIL 2022c, p.77-78), como se a conduta dos possíveis infratores não se tivesse estendido durante toda a pandemia. A PGR deixa de abordar a plêiade de evidências científicas e manifestações institucionais que rapidamente desacreditaram o tratamento precoce, o que chegou a ser reconhecido em Termos de Ajustamento de Conduta patrocinados pelo próprio Ministério Público Federal. Quanto à ampliação da produção de cloroquina no Brasil, a PGR pondera: o acerto ou desacerto da decisão não é objeto de crime, mas "se insere na órbita da gestão pública" (BRASIL, 2022d, p.76).
O que soa como subjetividade solidária do parquet em relação ao tratamento precoce já parecia surgir em manifestação anterior, não relacionada à CPI, referente à tipificação do crime de submissão de menor a vexame ou constrangimento (art. 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Em apreço estavam duas condutas ostensivas de Jair Bolsonaro: a retirada da máscara do rosto de uma criança que se encontrava em seu colo, ao posar diante de câmeras em meio a uma aglomeração; e a incitação de uma criança a retirar a máscara do rosto, durante uma cerimônia pública igualmente filmada. No caso, a posição da PGR teve por efeito legitimar tais condutas: "Os infantes também não demonstraram, com atitudes ou gestos, terem ficado constrangidos, humilhados ou envergonhados na presença do Presidente da República, que, ao interagir com eles, fê-lo de forma descontraída" (BRASIL, 2021b, p.17, grifo nosso). A desenvoltura associada a possíveis infrações sanitárias é então apresentada como "descontração", desconsiderada a vulnerabilidade das crianças, expostas ao público e aos aparatos político, midiático e de segurança que na ocasião cercavam o então Presidente.
Por outro lado, a PGR menciona, em diversas de suas manifestações, de forma indiscriminada no tempo e aleatória em relação à autoria, medidas de resposta adotadas pelo governo federal da época, que comprovariam a ausência de intencionalidade quanto à propagação da doença. Neste ponto, não é demais recordar elemento essencial da estratégia de defesa de Jair Bolsonaro e seus correligionários, que é a confusão entre a adoção de medidas de contenção da doença e a adoção de medidas de resposta ao espalhamento da doença. Em outras palavras, a depender do interlocutor e da ocasião, membros do governo federal da época admitem ter contribuído para a propagação da doença, para a qual existiria um tratamento precoce, a fim de alcançar rapidamente a suposta imunidade de rebanho por contágio e assim proteger a economia, narrativa especialmente dirigida aos redutos de apoiadores do governo; ou negam o propósito de espalhar a doença, o que seria supostamente comprovado pelas numerosas medidas de assistência a pessoas já adoecidas (como a ampliação de leitos), proteção social em geral (como o auxílio emergencial), cumprimento do dever de realizar repasses orçamentários, além de outras medidas que não se situam no campo da prevenção da doença, ou são de iniciativa de gestores afastados de seus cargos justamente por tê-las adotado. É o caso da Lei 13.979/2020, impulsionada pelo ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, posteriormente demitido por Jair Bolsonaro, mas apresentada pela PGR como argumento para afastar a responsabilidade penal do ex-Presidente (BRASIL, 2022c, p.75).
Quanto à política pública de imunização, cuja evolução foi testemunhada por milhões de brasileiros, a PGR sustenta: “diferentemente do que argumentado no Relatório da CPI da COVID, não há falar (sic) em mora dos gestores públicos para a aquisição de imunizantes no combate à covid-19 no Brasil (Ibid, p.79, grifo nosso). Entre incontáveis episódios que justificam investigação deste tema, nos contentamos em citar o ocorrido em outubro de 2020, registrado em vídeo, no qual o então Ministro da Saúde, Eduardo Pazzuello, dizendo-se infectado pelo vírus Sars-Cov-2, aparece sem máscara ao lado de Jair Bolsonaro. Ele confirma que o então Presidente desautorizou a decisão ministerial de compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina contra a covid-19 produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, e destacando: “Um manda e o outro obedece" (transcrição de MENDONÇA, 2020, s/p). Naquele momento, o Brasil contava cerca de 600 mortes diárias por covid-19, e já havia ultrapassado a cifra de 150 mil óbitos acumulados. Mas a PGR pondera:
... ainda que tivesse ocorrido atraso na compra de vacinas por autoridades públicas brasileiras, essa conduta não atende ao comando legal incriminador do tipo previsto no artigo 267 do Código Penal, por não representar comportamento ativo de propagação de agentes patogênicos causador de epidemia (BRASIL, 2022c, p.82, grifo nosso).
Impedir que seja provida a imunização quando ela, mais do que possível, já foi providenciada pela autoridade competente, para semanas depois autorizá-la em razão, notoriamente, da iminência do início da vacinação no Estado de São Paulo, em contexto de público e acirrado enfrentamento político entre governantes, não seria então um comportamento ativo de propagação de agentes causadores de uma epidemia.
Concluímos esta seção recordando alguns entre os muitos trechos das manifestações estudadas que soam contrários às medidas de contenção da doença adotadas pelos governos subnacionais. A PGR chega a afirmar que o "isolamento inicial mostrou-se, a médio e longo prazos, insustentável" (BRASIL, 2022a, p.73). Diga-se de passagem, há aqui uma confusão entre isolamento (separação de pessoas infectadas) e quarentena (restrição de atividades, entre outras medidas).
Outro exemplo é o uso de máscaras. Em manifestação desvinculada da CPI da covid-19, no âmbito da PET 9.695, a PGR já havia sustentado, em pleno agosto de 2021:
... em relação ao uso de máscara de proteção, inexistem trabalhos científicos com alto grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de prevenção. Não é possível realizar testes rigorosos, que comprovem a medida exata da eficácia da máscara de proteção como meio de prevenir a propagação do novo coronavírus. É que seria incabível envolver pessoas numa pesquisa científica e deixá-las, por determinado tempo, sem usar máscaras faciais, ou seja, possivelmente expostas ao contágio de doença que pode vir a ser mortal, somente para medir a efetividade de tais equipamentos de proteção individual. Os estudos que existem em torno da eficácia da máscara de proteção, portanto, são somente observacionais e epidemiológicos. Dessa forma, não há, nem haverá pesquisa com alta precisão científica acerca do assunto. Nesse contexto de incerteza sobre o grau de eficácia do equipamento, embora seja recomendável e prudente que se exija da população o uso de máscara de proteção facial, não há como considerar criminosa a conduta de quem descumpre o preceito (BRASIL, 2021a, p.7-8, grifo nosso).
Esta e outras afirmações de similar nível técnico levaram a Ministra Rosa Weber a determinar a reabertura de vista aos autos à PGR. Ponderou a Relatora:
Para esclarecer o discurso técnico-jurídico empregado, até mesmo porque o tema é de inegável interesse público, registro que a proposição ministerial é no sentido de se interpretar o crime do artigo 268 do Código Penal [infração de medida sanitária preventiva] como um delito que não se consuma com a mera infringência da determinação sanitária do poder público, demandando, além disso, prova concreta do perigo à saúde pública gerado pelo comportamento transgressor. Essa premissa é justamente a que dá suporte à conclusão de que eventual infringência à determinação de uso de máscara de proteção facial “não se reveste da gravidade própria de um crime, por não ser possível afirmar que, por si só, deixe realmente de impedir a introdução ou propagação da covid-19”. Referida construção teórica, analisada contextualmente, gera alguma perplexidade. Em primeiro lugar, porque adota compreensão doutrinária que reflui contra a corrente majoritária a respeito das características típicas do crime em análise. (...) A própria discussão sobre a eficácia do uso de máscara como medida sanitária preventiva, dispensável no caso de adotar-se a corrente majoritária, que reconhece no tipo penal uma presunção legal de perigo da conduta, foi colocada pelo Ministério Público no centro do debate. Bem por essa razão, sem antecipar juízo prévio sobre o tema, entendo pertinente que a Procuradoria-Geral da República melhor esclareça o embasamento de sua conclusão no sentido do questionável “grau de confiabilidade em torno do nível de efetividade da medida de proteção” (BRASIL, 2021c; p.4 e 10, grifo nosso).
No entanto, a PGR seguiu insistindo na suficiência da penalidade administrativa e na baixa lesividade da conduta em caso de infração sanitária relacionada ao uso de máscaras. Em outra versão da já citada fórmula sobre caos e polarização, sustentou:
Com uma sociedade polarizada e com o exercício caótico da liberdade de expressão, por meio de soluções tecnológicas muito acessíveis e de grande propagação que maximizam a arena social de debates, reações, antagonismo e críticas, é suficiente a penalidade administrativa contra aquele que desobedece a norma que impõe o uso de máscara (BRASIL, 2022a, p.83).
Ora, bem ao contrário, justamente em contexto de infodemia é que cabe fiscalizar, de forma rigorosa, o dever dos agentes públicos de cumprir, e de fazer cumprir, as medidas adotadas pelas autoridades sanitárias, entre elas o uso de máscara. Caso vingue em nossa comunidade jurídica, este entendimento traz ao campo da saúde pública o temível risco de que autoridades fomentem a infodemia para que a punição de infrações sanitárias seja relativizada.
Ademais, em espécie, não se trata de violação eventual, e sim de infração sistemática, notória e confessa, que persiste apesar da sucessiva aplicação das penalidades por autoridades estaduais e municipais, inclusive da apresentação reiterada de queixas-crime contra o Presidente e outros membros do Executivo federal, mas que, sobretudo, tem por finalidade a apologia ao descumprimento das normas sanitárias, e de incitação popular à afronta às autoridades estaduais e municipais empenhadas em conter a doença. Portanto, não há que se falar em baixa lesividade do comportamento dos infratores, e sim de alta lesividade, marcado pela reincidência e pela violação consciente das normas, cujo teor político e ideológico se revela, entre outras formas, pela posterior anistia a multas por infrações sanitárias, outorgada por governantes correligionários.
4. Considerações finais
A atuação da cúpula do governo federal diante da covid-19 nem de longe correspondeu às hipóteses legais e moralmente admissíveis da gestão administrativa, ainda menos as melhores para o interesse público, como determina a boa doutrina. Como efeito desta atuação contrária à tradição do Estado brasileiro no campo da saúde pública, o Brasil foi notória e sistematicamente apontado como uma das piores respostas à covid-19 em todo o mundo.
Ao contrário do que preconiza a PGR, claro está que a motivação dos membros do governo federal em sua política pública de resposta à pandemia não está relacionada às controvérsias científicas ou sobre dados epidemiológicos, dissensos que são corriqueiros na gestão sanitária. Trata-se, em espécie, da implementação de uma política pública operada fora do diapasão da ciência e da governança em saúde, elástica o suficiente para abrigar as contradições oriundas do embate político, cujos avanços e recuos foram determinados por cálculos eleitorais e interesses setoriais.
A primeira parte do artigo demonstra que diversos atores buscaram suprir a inação da PGR, multiplicando as iniciativas de apuração da responsabilidade penal por crimes e infrações cometidas no bojo da resposta federal à covid-19. Também indica que, apesar do empenho da PGR, majoritariamente em sentido oposto, diversos expedientes ainda estão em andamento. Não é demais observar que novas evidências, desde então, vieram a público. Ademais, uma mudança de ambiente institucional poderia favorecer novos depoimentos incriminadores, o que evocaria a possibilidade de reabertura de processos arquivados. Neste sentido, em julho de 2023, uma importante pesquisa de opinião de abrangência nacional, promovida pelo Centro SoU_Ciência e pelo Instituto Ideia, apurou que 62% dos entrevistados imputa ao governo Bolsonaro a responsabilidade pelo aumento de mortes; e 52% são favoráveis ao julgamento e condenação dos autores de crimes relacionados às mortes na pandemia (ARANTES; SÍGOLO; GHISLENI, 2023).
Por outro lado, a análise dos pedidos de arquivamento das PETs decorrentes da CPI aponta para a conclusão de que, diferentemente do que foi afirmado pela PGR, as manifestações enviadas ao STF não atendem de forma rigorosa os "critérios técnicos e regramentos específicos que regulam o Direito Penal" (PGR, 2022j, s/p). Além do prisma da saúde pública aqui desenvolvido, publicações futuras explorarão outras inconsistências deste acervo. Neste particular, a atuação da PGR não deve ser confundida com o papel relevante que o Ministério Público Federal, em seu conjunto, desempenhou no enfrentamento da pandemia de covid-19, por meio de diversas iniciativas.
Todo o exposto indica a necessidade premente de apuração criminal independente e aprofundada da autoria e da materialidade, assim como da motivação dos atos praticados por membros do governo federal e por seus apoiadores durante a pandemia de covid-19.
É dever da comunidade jurídica brasileira diligenciar para que jamais a população seja exposta a aberrações como o uso da imunidade de rebanho por contágio como estratégia de resposta a uma pandemia, episódio que mancha a história do Brasil como ato desumano promovido em larga escala. É preciso também garantir que nenhum agente público, seja quem for, sinta-se autorizado a promover propaganda contra a saúde pública, posicionando suas arbitrariedades, "percepções empíricas" e interesses privados acima dos seus deveres constitucionais de proteção da vida e da saúde da população brasileira.
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Notes